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sábado, 14 de junho de 2025

Renato Baptista Nunes (Vassouras/RJ, 1883 - 1965, Rio de Janeiro/RJ)

1
Agora, não sei por quê,
meu relógio faz maldades.
Numa hora sem você,
marca sessenta saudades!
2
Águas do lago... tão calmas...
Olhando-as, fico a cismar :
– Por quê, Senhor, há nas almas
essa inquietude do mar ?
3
A nossa alma se reparte
pelos filhos que nos vêm;
temos sempre nossa parte
nos destinos que eles têm.
4
As dores e os desencantos
têm dois destinos diversos:
- ou se dissolvem nos prantos,
- ou se desfazem nos versos.
5
Bem pouca gente procura
aceitar esta verdade:
- antes ser bom sem ventura,
que ser feliz sem bondade.
6
Canta, canta as tuas mágoas,
que a trova nos traz conforto;
quando morre um sonho, a trova
guarda a alma do sonho morto.
7
Céu de azul inexistente,
linda mentira sem par!
Quando o próprio céu nos mente,
em quem posso acreditar?
8
Com que cara fica a gente,
junto à mulher que se adora,
se perguntam, de repente:
- "Como vai sua senhora?”
9
Como dói a gente ver
sem conseguir consolar,
- uma criança a sofrer,
Um velhinha a chorar...
10
Coração, bate baixinho,
pois, a ouvir-te, ó desventura,
conto os passos do caminho
que conduz à sepultura...
11
Creio em alma feminina,
– quem assim pensa, não peca -
quando vejo uma menina
a ninar uma boneca.
12
Das horas sempre ditosas,
muitas o tédio nos furta...
A glória maior das rosas
é terem vida tão curta.
13
Desta feliz ignorância
decorre grande ventura:
- não sabermos que distância
vai do berço à sepultura.
14
Deus, que uniu as nossas almas,
mais bondoso foi depois,
quando, para unir-nos mais,
pôs um filho entre nós dois.
15
Deus te dê vida tão calma,
graças tais que, ao recebê-las,
sintas no céu de tua alma
todo um punhado de estrelas!
16
Dizes que gostas de mim,
se gostas, nunca senti;
teu gosto é outro, isto sim,
gostas que eu goste de ti.
17
Em dons de amor, apesar
de ser pobre como Jó,
prefiro não te beijar
a beijar-te uma vez só!
18
Entre o mar e alma da gente
há relações inegáveis:
- a inquietude permanente
e os mistérios insondáveis.
19
É o amor um milionário,
gaste os beijos que gastar,
tanto mais, o perdulário,
terá sempre para dar !
20
Eu te explico o acontecido:
- se roubei teu beijo, amada,
foi por ter-me parecido
que querias ser roubada...
21
Feliz daquele que alcança
o lenitivo que quer,
- num sorriso de criança
- num carinho de mulher.
22
Graças, pai, meu grande amigo,
pelo bem que me fizeste!
Minha mãe, eu te bendigo
pelo pai que tu me deste!
23
Guardo esta amarga impressão:
depois de tanto viver,
só hoje sinto a extensão
do que deixei de fazer...
24
Há belas trovas... mas creio,
nenhuma pode igualar
às lindas trovas que leio
no fundo do teu olhar !
25
Há no mundo muita gente
que só maldades proclama;
é que os sapos, certamente,
só são felizes na lama.
26
Há saudades que nos falam
de maneiras desiguais:
umas dizem: "pode ser" ..
muitas outras: "nunca mais"
27
Mãe feliz! É tão novinho,
e teu seio já reclama!
Dois corações tens agora:
um que pulsa, outro que mama!
28
Mãe não precisa de rima.
Nome de tal esplendor,
diz tudo, para que exprima,
sozinho, um poema de amor!
29
Mãe... Olhando o teu retrato,
meus olhos fitos nos teus,
penso que estás a meu lado
por uma graça de Deus !
30
Mais do que o próprio desdém,
nada mais deixa tão sós,
como saber que ninguém
sente saudade de nós...
31
Maria dos meus amores,
Maria dos meus pesares,
ai de mim quando te fores,
ai de mim se tu ficares...
32
Meus anseios ... tristes frades,
numa angústia indefinida,
vivem presos entre as grades
das clausuras desta vida ..
33
Minha mágoa, quando é grande,
faz da trova confidente
– Uma angústia que se expande
não sufoca a alma da gente.
34
Mistérios de enternecer
a lei da vida contém:
- quanta vez nosso prazer
não custou a dor de alguém?
35
Muita gente é infeliz
mas será por culpa alheia?
Cada qual, como se diz,
colhe aquilo que semeia.
36
Não sei que mágoa mais funda
destas tristezas decorre:
- se da saudade que vive,
– se da esperança que morre.
37
Na tua face entrevejo
transformação milagrosa:
- da semente do meu beijo,
nasce o rubor de uma rosa!
38
Nem sempre meu mal existe.
Querida, não te desoles,
às vezes finjo de triste
só para me consoles.
39
No início da vida, o mundo
parece um reino encantado!
Não há erro mais profundo,
nem logro mais bem pregado.
40
Olhando a vida vivida,
esta pergunta passou:
- fui eu que fiz minha vida,
ou fez-me a vida o que sou?
41
O mundo é um só, quem duvida?
Mas para as almas, no fundo,
há tantos mundos na vida,
quantas vidas há no mundo.
42
O prazer que a gente goza
guarda, em si, melancolia,
pois a hora que é ditosa,
há de ser saudade um dia.
43
Para evitar, precavida,
qualquer infidelidade
quando ela vai de partida,
deixa comigo a saudade.
44
Peço-lhe um beijo, matreiro,
sei que o pedido não pega;
mas conheço o meu isqueiro,
no princípio, sempre nega...
45
Quando a aurora se incendeia,
toda a passarada, em festa,
ergue um hino à Natureza
na Catedral da floresta !
46
Quando a injustiça te doer,
ou quando alguém te magoar,
esquece, pois esquecer
é bem mais do que perdoar.
47
Quando parte um velho amigo
rumo às paragens sem fim,
sinto que um pouco da vida
morreu, também, dentro em mim
48
Quanto és bela, que grandeza,
cidade vista do alto !
Quanta dor, quanta baixeza,
ao nível do teu asfalto...
49
Quão larga seria a messe
de surpresas, de tormentos,
se o simples olhar pudesse
devassar os pensamentos ..
50
Quem casa não se governa,
tenho, até, vergonha às vezes,
pois quem manda em minha casa
é um pirralho de três meses!
51
Saudade e rio corrente
ligam dois pontos distantes:
- o rio leva à nascente,
a saudade, ao que era dantes...
52
Se uma fada perguntasse
qual a ventura que almejo,
eu diria : - que consiste
em não ter nenhum desejo.
53
Solidão que não tem par,
ausência cruel, atroz,
é viverem dois num lar
como se estivessem sós.
54
Talvez não fosse tolice
pensar num mundo sem mal,
se toda gente sentisse
o que diz pelo Natal...
55
Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal:
ao beijá-la, fui punido
por "avançar o sinal"...
56
Tesouro que, dividido,
vai crescendo, vai subindo,
- é amor de Mãe, repartido
pelos filhos que vem vindo !
57
Teu amor é tão sincero,
que adivinhas o que almejo
pois nunca te disse "eu quero"
para ter o que desejo.
58
Teu sorriso é uma alvorada
que acende na tua face
o rubor que a madrugada
põe no céu, quando o sol nasce!
59
Vejo na noiva ditosa,
aos pés do altar, a sorrir
uma esperança radiosa
interrogando o porvir...
60
Velhice não é tristeza
quando somos venerados
- o que nos dói é a certeza
de só sermos tolerados.
61
Velhos, distantes, embora,
não nos sentimos tão sós,
quando os amigos de outrora
inda se lembram de nós.
62
Vida... Perene esperança
de quê, não se sabe bem...
Feliz de quem não se cansa
de esperar o que não vem.
63
Viver muito, na verdade,
é irmos ficando sós,
dentro da imensa saudade
dos que vão antes de nós...

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Manoel Cavalcante (Pau dos Ferros/ RN)


1
A brisa bateu na porta
naquela noite abatida...
Trouxe uma esperança morta
pra minha face sem vida...
2
A cascata me interpela
questões das mais resolutas.
Por que a água doce e bela
cai beijando as pedras brutas??
3
A noite sai do espetáculo,
inerme, discreta e estranha;
o sol por trás de um pináculo
eriça a luz na montanha… (…)
4
Ao chegar neste recinto
das terras de Caicó,
com todo fervor eu sinto
que aqui não me sinto só.
5
Ao rever a sua imagem 
N’alma abri minhas cortinas 
e retoquei a tatuagem 
feita nas minhas retinas!
6
A trova levou-me aos céus,
pois entre joios e trigos
perdi pequenos troféus
mas ganhei grandes amigos.
7
A velhice, em tom sarcástico,
gosta de mostrar que sou
restos de sonhos de plástico
que o trem do tempo esmagou.
8
Cada gole de aguardente
traz um ardor vitalício,
queimando as queixas da mente
dentro do fogo do vício…!
9
Com desespero e irritado, 
apertou devagarzinho… 
– Quem é você seu safado????? 
– Eu sou Raimundo, o mudiiinho!!!!
10
Covarde, pobre e mesquinho;
quem durante a caminhada
ante às pedras do caminho,
decreta o final da estrada.
11
Disse a velha sem orgulho:
– no quarto, em horas de amor,
o velho que faz barulho
é só meu ventilador…
12
É duro olhar para o lado 
em meio ao redemoinho, 
no vento mais conturbado 
e ver… Eu estou sozinho!
13
É inverno… Choveu na mata…
E a lua, deusa sem fama,
penteia as tranças de prata
pelos espelhos de lama.
14
É queimada a Dona Benta
no bairro de Botafogo,
por já passar dos oitenta
e não ter baixado o fogo…!
15
– Já passaste, Primavera?!
Nenhuma flor me marcou!
Querendo ser quem eu era,
nunca mais fui quem eu sou...
16
Joguei na fonte a moeda…
Por ser a única que eu tinha,
antes que eu ouvisse a queda,
pedi pra você ser minha!
17
Joguei moedas no lago...,
mas meu desejo afundou
com as esmolas de afago
que você me renegou.
18
Junta-se o poeta aos loucos;
um diário vivo em versos,
expressando como poucos
os sentimentos diversos.
19
Na entrevista com rigor
que o tempo insiste em fazer,
se a pergunta é sobre amor,
eu me nego a responder…
20
Na madrugada sem fim,
a saudade, desvairada,
acende um confronto em mim
entre um ninguém e um nada!…
21
Não vens. Sozinho na sala,
na espera à luz do ciúme,
meu coração despetala,
mas não perde teu perfume.
22
Na realidade, o pecado
que me faz vagar a esmo,
foi na vida ter amado
outro alguém mais que a mim mesmo!
23
No lago seco onde o sol,
racha o chão e se esparrama,
o pobre de um rouxinol
bica fiapos de lama…
24
Nosso fim está, talvez
como um segredo escondido,
nas entranhas dos “porquês”
que você deu sem sentido…
25
No trem, a vida é mesquinha.
Pare! Não tema empecilhos.
Não há quem ande na linha
neste planeta sem trilhos.
26
Nunca temerei fracassos,
chegarei mesmo sozinho.
Quem segue do pai os passos
sabe as curvas do caminho…
27
O barco é movido a remos … 
E hoje, pai, longe de ti, 
eu só sei dizer: vencemos; 
é injusto eu dizer: venci.
28
Olhos fundos; enfadonhos,
tez crestada, mão ferida…
Só você, pai, por meus sonhos,
foi capaz de dar a vida…!
29
Passastes, trem, mas por que
deixastes ficar assim?!
Vagões cheios em você;
vagões vazios em mim…?!
30
Peço a “Noel”, com leveza,
que ao chegar do polo norte,
bote ao menos pão na mesa
dos que nasceram sem sorte.
31
Pela dor da decepção
eu já me recuperei,
só falta a devolução
de um amor que eu te entreguei!
32
Pode ir embora, querida...
Que eu guardo a dor compulsória
de ter que arrancar da vida
quem tatuei na memória.
33
Por uma acusação falsa 
fui levado pra cadeia. 
Lá ganhei a meia calça 
depois de uma surra e meia…!
34
Puseste-me na clausura!
E hoje, em sonhos sem sentido,
eu me alimento da jura
que murmuras noutro ouvido…
35
Quando a dor de raivas breves,
de ti, musa, não tem fim,
escreves com traços leves
mil versos de amor em mim…
36
Quando a família é rompida
por atos cegos, tiranos,
deixa destroços de vida,
restos de seres humanos...
37
Quando o céu, em nuvens rotas,
derrama a chuva em cascata,
as gotas dedilham notas
nas verdes liras da mata…
38
Sê cidadão! Pois é rara,
a virtude de quem sonha
em primeiro por na cara
os adornos da vergonha.
39
Se foi feitiço ou segredo,
pra mim não adianta, é tarde!
Quando alguém ama com medo,
esculpe um amor covarde!
40
Sempre te amei como um louco
bem mais do que se permite;
para quem é amado, é pouco,
pra quem ama é sem limite!
41
Sem saber o que fazer,
a prostituta, perdida,
vende prazer p’ra viver,
mesmo sem prazer na vida…!
42
Ser literato ele soube,
com "Os Sertões", obra lendária.
Foi tão grande que não coube
numa escola literária.
43
Seu olhar de sinceridade,
crava paz nesse meu peito.
Nosso laço de amizade
tem as fitas do respeito!
44
Sobre a estante, na sala,
teu velho retrato, mudo,
mostra que a saudade fala
num silêncio... que diz tudo!!
45
Sou como as uvas pisadas
pra fazer vinho e licor,
que mesmo sendo esmagadas
dão de presente o sabor.
46
Sua imagem é minha escolha,
dela assumo ser devoto,
pois por mais que eu vire a folha,
eu só vejo a mesma foto!
47
Sua imagem, na lembrança,
em mim se consolidou
num retrato de esperança
que a vida não revelou... 
48
Tantas lágrimas na face
de tantos que a vida ignora.
E cada aurora que nasce,
é apenas mais uma aurora.
49
Toda família suspende
em seu pilar, os fracassos;
quando um filho dela pende,
sempre se ampara em seus braços!
50
Trinam pássaros nos galhos,
a brisa é leve e sombria;
a aurora sobre os orvalhos,
abre as cortinas do dia.
51
Vim do chão de um interior
e hoje tenho visões novas.
Quão feliz é o Trovador
que vai das Trevas às Trovas…
52
Viro a chave...E a nostalgia
da solidão que me corta
é impressa na melodia
do lento ranger da porta…
53
Voando em sonhos dispersos,
sigo em louca diretriz
no céu do rastro dos versos
das trovas que nunca fiz.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Carlos Ribeiro Rocha (Ipupiara/BA, 1923 - 2011, Salvador/BA)

A lua é também rendeira,
e o trovador tem razão:
sua luz sobre a mangueira
faz a renda sobre o chão...
- - - - - –

Amigo, seja cordato,
que a vida é sempre esse jogo;
o fogo — incendeia o mato,
a fonte — elimina o fogo.
- - - - - –

A Natureza, exultante,
põe versos, por compaixão,
sobre o papel palpitante
do meu pobre coração.
- - - - - –

Ao pé do morro cravado,
qual o antigo Prometeu,
está o pequeno povoado
onde o poeta nasceu.
- - - - - –

Ao tempo da minha infância
não tive Norte nem Sul,
não sabia que, à distância,
toda serra é sempre azul.
- - - - - –

A pedra da estrada arreda,
e o mal não impera aqui,
quando, pensando na queda,
a gente cai mesmo em si.
- - - - - –

Bebo lições eloquentes
e escuto de Deus um hino,
nas asas verde-fulgentes
de um beija-flor pequenino.
- - - - - –

De ser magro, minha gente,
não tenho — confesso — mágoa,
o rio, em sua nascente,
é também filete d'água.
- - - - - –

Detesto a intriga, o revide,
porque, na vida, o que alcanço
é o dia — para que eu lide,
e a noite — para o descanso.
- - - - - –

Escuta-me, trova amada,
mesmo triste e cismarento:
como o cipó, na galhada,
te envolvo num pensamento.
- - - - - –

Essa cena, vez em quando,
contemplo, manhã bem cedo:
as trepadeiras botando
laçarotes no arvoredo.
- - - - - –

Está sendo bem feliz
e dando felicidade,
quem, injuriado, não diz
aquilo que tem vontade.
- - - - - –

Eu sinto grande euforia
quando a trova vou tecer,
— é meu pão de cada dia,
sem ela não sei viver.
- - - - - –

Lá nas serras passeando,
aprendi um tanto mais:
eu vi as pedras chorando
sem glândulas sensoriais.
- - - - - –

Minhas trovas — Primavera
sobre as durezas da vida,
são aquilo que eu quisera:
— estrada sempre florida.
- - - - - –

Morrer nos causa pavor,
porque não temos lembrado
de que — morrendo de amor,
damos vida ao ser amado.
- - - - - –

O nome do meu Colégio?
Ninguém suas letras soma;
Nunca tive o privilégio
de receber um diploma.
- - - - - –

O sovina e o pistoleiro
fazem coisas parecidas:
Cede a vida — por dinheiro,
por dinheiro — arranca vidas.
- - - - - –

Ouço da saudade o grito
vibrando uma tarde inteira,
naquele canto bonito
da nambu, na capoeira.
- - - - - –

O vento, com pé macio,
passou pelo meu jardim,
e como guri vadio,
nas minhas rosas deu fim.
- - - - - –

Para escrever, inspirado,
no horizonte os olhos fito,
com o coração mergulhado
nas belezas do Infinito,
- - - - - –

Para minha mãe, viúva,
neste maio de esplendor,
quero rogar-te uma chuva
de luz e bênçãos, Senhor.
- - - - - –

Pedi hoje, também ontem,
rogo a Deus o dia inteiro,
para que trovas despontem
fresquinhas, no meu canteiro.
- - - - - –

Pequenez é coisa feia?
Grandeza é documentário?
— Pequeno é o grão de areia,
mas enguiça um maquinário.
- - - - - –

Piedosa, mãe Natureza
vendo a terra assim despida,
teceu um manto (lindeza!)
e a deixou verde e florida.
- - - - - –

Poeta, se queres, venha
escutar a voz da mágoa
pela garganta rouquenha
do boqueirão do Olho d'Agua.
- - - - - –

Quadro que nos enternece,
pintura de que se gosta:
a água evapora — é a prece,
e a chuva cai — a resposta.
- - - - - –

Que quadro lindo, estupendo!
— Por entre as brechas do morro,
raízes longas, descendo,
pedindo à terra socorro...
- - - - - –

Querendo trova perfeita,
rabisco, lápis em punho,
mas depois da trova feita,
volto à busca do rascunho.
- - - - - –

Saiba, amigo, que Deus brilha
na face dessas estrelas;
quem quer ver de Deus a trilha,
procure somente vê-las.
- - - - - –

Sem Colégio, encontro tudo
no livro da Natureza,
e como não tive estudo,
— sou ave no visgo presa.
- - - - - –

Se queres "bandeira branca",
procura assim praticar:
O orgulho — de ti arranca,
' planta amor no seu lugar.
- - - - - –

Se queres viver tranquilo,
ouve em ti mesmo essa voz:
Seremos somente aquilo
que construímos em nós.
- - - - - –

Sou de crer, ninguém resiste
a força desse episódio:
Sai o amor, aflito e triste,
quando no lar entra o ódio.
- - - - - –

Tem mais valor, entre os meus,
muito mais do que um retrato,
meus versos simples, plebeus,
que me retratam, de fato.
- - - - - –

Trovador, que belo enredo
para uma trova louçã:
na pia do sol, bem cedo,
lava seu rosto a manhã.
- - - - - –

Tua casinha, menina,
bem no sopé da ladeira,
é o lírio da colina
que quanto menor, mais cheira!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Jeremias Ribeiro dos Santos (Gentio do Ouro/BA, 1926 - 1999, Ipupiara/BA)

 1
Alma e valor não traduz
o nosso Eu exterior,
mas reflete Amor e Luz,
o que somos no interior.
2
A mulher boa e fiel
tudo pelo esposo faz,
faz do seu lar um dossel,
um trono de amor e paz.
3
Brasil: a tua pujança,
teu progresso está seguro
em quem agora é criança
– o Bacharel do futuro.
4
Com o Livro de Deus aberto,
a ler, com meditação,
encontro paz e, por certo,
do meu viver a razão.
5
Ditoso e mui sorridente
vou brandindo a minha lira
e adornando a minha mente
com os versos que Deus me inspira.
6
Em Carlos Ribeiro Rocha
sempre encontro inspiração,
seus versos – são uma tocha
de rara fulguração.
7
Eu não sei filosofar,
isso é coisa de doutor,
mas às Letras sei amar,
e ao Belo sei dar valor.
8
Faço da trova um poema
para louvar mãe Maria,
nome que adoro e é meu tema
quando teço a poesia.
9
Luta, sofre, evita o mal,
da sorte nunca maldiz,
a esposa boa, ideal,
que quer ver seu lar feliz.
10
Nas asas fortes da trova,
mando a cada trovador
um aperto de mão, que prova
a força do nosso amor.
11
Nas letras não sou perfeito,
primária é minha instrução,
em Deus, porém, no infinito,
acho a luz da inspiração.
12
Nesta vida transitória,
nada vejo de valor,
pois, daqui, a falsa glória
murcha e finda como a flor!
13
Num mais notável poema,
é que se traduz a trova…
Ela encerra ilustres temas,
e – ao gênio – inspira e renova…
14
O que dizer eu não sei,
diz por mim a Poesia,
que é da harmonia a lei,
a tradução da alegria.
15
O teu meigo coração
pulsa, mamãe, junto ao meu,
e eu sinto na vibração
desse amor – o amor de Deus!
16
O trinômio que me  induz
a sonhar felicidade,
pensar nos Andes, na Luz,
é – Deus, Poesia, Verdade!
17
Para a festa da Poesia
algumas “faíscas” trago,
que dedico à mãe Maria
e aos amigos do meu pago.
18
Por dar ouvido à Serpente,
perdera seu Paraíso
o casal, que tão contente,
nos lábios tinha um sorriso…
19
Pra Ti, Mestre e Benfeitor
Jesus, quero poetar…
Com desvelo e  vivo ardor,
nos meus versos Te exaltar…
20
Qual soluça a juriti
que um dia perdeu seu ninho,
soluço longe de ti,
vivendo sem teu carinho…
21
Quisera ser trovador,
para com arte e mestria,
brilhantes trovas compor
louvando mamãe Maria.
22
Sejam meus ou sejam teus,
em apenas quatro versos
cabem fulgores dos céus
e a grandeza do Universo…
23
Sob o comando de Deus,
do Universo o Construtor,
breve o mundo de escarcéus,
será um mundo de amor.
24
Trova – criação divina,
apara alegrar os humanos,
– joia em versos, que fascina
os novos e os veteranos.
25
Tu és nobre e tens riqueza…
Eu sou pobre e sou plebeu…
Por tua pompa e grandeza
não troco um só verso meu.
26
Vaguei triste a procurar
remédio pro meu sofrer…
Só na trova pude achar
cônscio, alívio e prazer!

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Zilda Cormack (Rio de Janeiro/RJ)

1
As distâncias infinitas
são retalhos de lembranças
de palavras lindas... ditas,
no curso das esperanças!
2
As tristezas recolhidas
de um amor pobre, distante,
são próprias de certas vidas
querendo viver o instante!
3
Ás vezes sorrio a esmo
quando tenho uma desdita.
Se tristezas tenho mesmo,
ninguém nelas... acredita!...
4
A vida e as contradições
às vezes nos surpreendem...
São tantas as emoções
que nem bem elas se entendem!
5
Encontrei uma saudade
quietinha... bem atrevida
no meu peito... que maldade...
Tirei-a da minha vida!...
6
Foi ideia inconsequente
do pobre coração meu,
dar entrada em minha mente
de um amor que se perdeu!
7
Más notícias vêm depressa,
essa verdade é concreta.
Caminha... não tenhas pressa,
crê em Deus... Segue essa meta!
8
Minhas lágrimas caindo
tiraram do livro a cor.
Saudades foram abrindo
caminhos pra minha dor!
9
Na vida, tenho certeza,
sigo um lema. Penso assim:
- Carrego a maior riqueza
nesse Deus... que habita em mim!
10
O bom da vida é esperar
pelo certo ou duvidoso...
O mundo... sempre a girar...
O destino é... misterioso!…
11
O coração nos prepara
tão incertas brincadeiras..,
Que às vezes... nem bem repara,
mas deixam, marcas inteiras!
12
O mal que em vida consumo
é trazer na minha mente
a saudade... como rumo…
De um amor que a gente sente!
13
O mal que em vida fazemos
reverte cedo, ou mais tarde.
Nas leis... não há mais ou menos,
a justiça é cega...! Arde…!
14
O segredo do progresso
de um País em ascensão,
tem como base o sucesso
de uma boa educação…
15
Palavras elaboradas
num pensamento eloquente
convencem... pois são bem dadas…
– Mas enganam... tanta gente!
16
Pedaços lindos de sonhos!
Tentei juntá-los... em vão.
Esfacelados, tristonhos,
permanecem... pelo chão!
17
Pelos olhos, vi na hora
que entre as jovens, a do centro
era a mais feia por fora.
mas... com beleza... por dentro!
18
Penduradas vão as vidas
nas rotas certas do tempo,
mas são incertas as idas
da vida... num contratempo!...
19
Pra frente, o rio, à vontade.
segue o curso... contumaz...
Igual à felicidade,
não volta nunca pra traz!…
20
Pranteio o tempo insolente
que por mim, tão lisonjeiro,
passou... deixando na mente
um amor tão passageiro!...
21
Sonho mais quando acordado
que às vezes... me ponho a rir...
Se sonhar quero, ao teu lado,
basta apenas... não dormir!
22
Velho... jovem... toda a idade
tem a vida mais nuances...
Cursando a Universidade
maiores serão as chances!...
23
Vou desfrutando a paisagem
que me dá a própria vida!
Ela sempre tem mensagem
apontando uma saída!…

domingo, 8 de junho de 2025

Origens (Quem são os Trovadores?)


No período medieval existiu um regime literário em Portugal, nossa pátria mãe, que era denominado de Trovadorismo. E nessa época existiam artistas nobres que criavam poesias e as cantavam. Esses artistas eram os chamados trovadores, isto é, eram pessoas que faziam composições poéticas e colocavam melodias.
 
No entanto, a denominação de trovador só era dada aos escritores e compositores que possuíam origem nobre. Os compositores de origem pobre recebiam o nome de Jogral, e isso refletia bem a cultura da época, onde existia a separação de classes.

De uma forma geral os trovadores eram homens, no entanto existiram trovadoras (mulheres que faziam suas composições cantadas) que eram também de origem nobre. No caso das mulheres que tinham origem pobre, e fizeram composições receberam a denominação de jogralesas.

É também interessante notar que, nos séculos XIII e XIV, havia uma verdadeira batalha de designações em torno da palavra "trovador". Isto porque os poetas-cantores de origem aristocrática queriam reservar esta designação exclusivamente para si mesmos, dela excluindo os trovadores de outras origens sociais, para os quais insistiam em utilizar as palavras "menestrel" ou "jogral". Os jograis, contudo, notadamente entre os trovadores galego-portugueses, se autodenominavam "trovadores". Desta maneira, instituía-se através dos embates nos saraus trovadorescos uma verdadeira disputa pelo direito de utilizar a designação "trovador".

Os trovadores e jograis, para atingir a maior quantidade possível de pessoas, abandonaram a língua culta, o latim e começaram a compor e improvisar seus versos na linguagem popular. Além disso, ao utilizarem a voz e os instrumentos em suas composições em vez da palavra escrita, trouxeram a possibilidade de os analfabetos (a grande maioria da população naquela época) acessarem a cultura.

Eles foram os criadores das primeiras canções de conteúdo não religioso, e por isso eram perseguidos pela Igreja. Esses precursores, chamados goliardos, reconhecidos (e criticados) por sua vida livre e desordenada, costumavam ser frades que abandonavam os conventos para viajar aos vilarejos zombando de tudo aquilo que os poderes instituídos da época tentavam reafirmar.

Hoje em dia, o termo trovador é utilizado para pessoas que trabalham com rimas e versos improvisados, sendo pessoas muito presentes na cultura popular brasileira, tanto que no dia 18 de julho é comemorado o dia do Trovador. Todo trovador é um poeta. Mas nem todo poeta é um trovador.

O Trovadorismo

O trovadorismo é tido como o primeiro movimento literário de língua portuguesa. Surgiu na idade média – no período de 1180 a 1420. A época em que ocorreu o trovadorismo era baseada pela vivência do feudalismo (organização social e política baseada na relação servis, entre o senhor feudal e os servos), que já estava entrando em decadência, e o teocentrismo, que transmitia a ideia de que Deus era o centro de todo o universo.

Nessa época, a Igreja Católica exercia uma grande influência sobre a sociedade europeia, sendo o maior senhor feudal da época. Por isso, a Igreja era muito influente tanto nas questões culturais e nos pensamentos das pessoas, inclusive dos próprios trovadores.

O termo trovador é originado desta manifestação literária e representa os compositores que escreviam seus textos (poesias) e posteriormente, com auxílio de instrumentos musicais da época (a viola, a lira ou a harpa) cantavam as suas composições.

O trovadorismo foi uma manifestação artística e cultural que surgiu após o fim das cruzadas, pois antes todas as manifestações culturais de Portugal estavam estagnadas, pois o país estava preocupado com as expedições medievais realizadas em nome de Deus, com o objetivo de unificar o mundo cristão que fora separado no “cisma do oriente”.

A literatura do Trovadorismo possui 02 (dois) tipos:

a) Refrão – na composição existia um estribilho que sempre era repetido no fim de cada estrofe;

b) Mestria – era considerada uma poesia mais trabalhada, pois não fazia uso das repetições no fim das estrofes;

É considerado como o principal autor do trovadorismo português o Rei D. Diniz (1261-1325). Os temas que eram abordados nas composições da época do trovadorismo eram: o amor e a críticas à sociedade da época. As principais obras do trovadorismo são: Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa.

A Trova se constitui como o único gênero literário genuinamente da língua portuguesa, sendo um gênero da poesia e que se caracteriza pela rima. A trova é uma poesia composta por 04 (quatro) versos e 07 (sete) sílabas poéticas. Antigamente havia a obrigatoriedade apenas de rimar o segundo com o quarto versos, ou até em alguns casos o primeiro com o quarto. Mas com a criação da União Brasileira dos Trovadores, pelo menos para efeito de participação em seus concursos oficiais, definiu-se a obrigatoriedade de rimar o primeiro com o terceiro verso, e o segundo com o quarto.

As Obras dos Trovadores – As Cantigas

As obras produzidas pelos trovadores eram as chamadas cantigas, e, eram destinadas exclusivamente para cantarolar. No entanto, com o passar do tempo as obras passaram a ser transcritas através de apontamentos para os cadernos.

A obra que é tida como o início do Trovadorismo é a Cantiga da Ribeirinha, composta por Paio Soares Taveirós, por volta de 1198. Essa trova é assim chamada, pelo fato de ter sido feita em dedicatória a Sra. Maria Paes Ribeiro, a conhecida Ribeirinha.

Depois, os vários apontamentos de trovas formaram coletâneas de canções, que recebeu a denominação de Cancioneiros, que nada mais é do que um livro que tinha várias trovas juntas em um mesmo lugar.

As principais obras do Trovadorismo são 03 (três) cancioneiros. Além desses cancioneiros, existe um outro livro considerado importante no Trovadorismo Português, que possui várias cantigas que foram dedicadas à Nossa Senhora (Virgem Maria), e foi feito pelo rei Afonso X de Leão e Castela, que era chamado de “O Sábio”.

Foram considerados como os maiores trovadores da língua portuguesa: Dom Duarte, Paio Soares de Taveirós, Dom Dinis, Aires Nunes, Meendinho e João Garcia de Guilhade.

Cantigas de Amor, de Amigo, de Escárnio e de Maldizer

    As obras do Trovadorismo eram encontradas da seguinte forma:

1) A poesia lírica – nesse tipo de poesia era expressado o amor entre homem e mulher, no eu lírico masculino o texto transmite o amor de um homem para uma mulher, é a chamada cantiga de amor. Enquanto que no eu lírico feminino, é relatado o amor de uma mulher para um homem, sendo a chamada cantiga de amigo;

2) A poesia satírica – nesse tipo de poesia eram feitas: as críticas indiretas às pessoas, que eram chamadas de cantigas de escárnio e as críticas diretas a vários aspectos da sociedade (cidadãos, pessoas famosas e ilustres e etc.) que eram as chamadas cantigas de maldizer;

Nas Cantigas de Amor, os trovadores destacavam todas as qualidades da mulher que eles amavam, e eles se colocavam em uma posição de vassalo, sempre inferior à mulher amada. Nessas obras o tema mais expressado era o amor não correspondido. Nas cantigas de amor, o feudalismo era retratado de uma forma diferente, pois no caso, o homem se colocava como servo da mulher amada.

Nas cantigas de amigo, os trovadores expressavam como tema a lamentação feminina pela falta de um amado.

Nas cantigas de maldizer, os trovadores procuravam fazer sátiras diretas a determinadas pessoas. Muitas vezes as pessoas eram agredidas verbalmente, mas a pessoa satirizada nem sempre apareciam de forma direta na cantiga.

Nas cantigas de escárnio, os trovadores faziam sátiras indiretas às pessoas e o nome da pessoa que sofria a sátira jamais aparecia. Os trovadores usavam bastante do duplo sentido.

O Teocentrismo, Os Trovadores e As Cantigas

A mentalidade da época era imposta pela Igreja Católica que era considerada como a instituição mais influente e poderosa que existia, tanto pelo aspecto econômico (maior senhor feudal que existia na época), quanto pelo aspecto cultural e religioso. Com isso, a teoria do Teocentrismo, que afirma ser Deus o centro de todo o universo, reinava no pensamento das pessoas. O Teocentrismo foi a base utilizada para estruturação da cantiga de amigo, que transmitia a ideia do amor espiritual e intangível (inalcançável).

Ainda há vários outros movimentos literários. O trovadorismo foi o primeiro deles e deslanchou a inspiração para o nascimento de outros, como Realismo, Classicismo, Romantismo e Modernismo.


Fontes:
http://cultura.culturamix.com/curiosidades/o-que-sao-trovadores
https://seuhistory.com/noticias/quem-foram-os-trovadores-o-spotify-da-idade-media
https://pt.wikipedia.org/wiki/Trovador

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...