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sábado, 6 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (O Bom Humor nas Trovas)


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!

A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua… mas, da amiga!

A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.

À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser “lelé da cuca”.

“Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela”
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).

Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa – que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.

Casa a Maria do Céu…
e que grande trapalhada…
porque segurando o véu
segue toda a filharada!

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
chora por não ter marido
e quando tem… também chora!

Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!

Diz a mulher ao marido
(velho, bem intencionado)
“daqui a meses, querido
vai nasceu teu enteado”.

Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.

É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca:
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca…

Falam tanto mal de sogra,
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.

Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho?
“honi soit qui mal y pense”! *

Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça.
Mas é só cão perdigueiro:
corre atrás, não come a caça.

Mesmo que ele seja “um pão”
quando se torna marido,
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.

“Não tem profundeza a trova”
disse alguém – profunda asneira!
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!

No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
“ Favor não trazer coroa,
só ramos cheios de brotos”.

Nua, a Godiva, coitada!
Causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa “suspense” algum.

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela pra trabalhar!

O homem pensa, sofisma,
cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?

Paquerador o Andrada
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.

Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
“ Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha”.

Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali…
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.

Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.

– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou;
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.

Tanta pílula espalhada…
tanta gente sem-vergonha…
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.

Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
“ Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era “lisa a mona”.
_________________________
Nota:
* Honi soit qui mal y pense é uma expressão em francês que significa Envergonhe-se quem nisto vê malícia, muito usada em meios cultos. Também é o lema da Ordem da Jarreteira, comenda britânica criada pelo rei Eduardo III de Inglaterra, no tempo das Cruzadas. E um dos lemas do Reino Unido, estando estampado em sua bandeira.

Diz a lenda que, em 1347, durante um baile, a Condessa de Salisbury, amante do mesmo Eduardo III, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos (cúmplice) dos nobres. O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense! Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Maldito seja quem pense mal disto! Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).

No dia seguinte cria a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra. (wikipedia)

__________________________
Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 7


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!
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A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.
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À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser "lelé da cuca".
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"Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela"
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).
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Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa –  que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.
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Casa a Maria do Céu...
e que grande trapalhada
porque segurando o véu
segue toda a filharada!
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Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.
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Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
– chora por não ter marido
e quando tem... também chora!
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Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!
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Diz a mulher ao marido
(velho bem intencionado)
"daqui a meses, querido,
vai nascer teu enteado".
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Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.
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É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca;
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca...
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Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho,
"honni soit qui mal y pense"!
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Esta expressão francesa significa: «Maldito seja quem pensa mal a esse respeito!»
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Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça,
mas é só cão perdigueiro;
corre atrás, não come a caça.
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Mesmo que ele seja "um pão"
quando se torna marido
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!
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"Não tem profundeza a trova"
disse alguém - profunda asneira.
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!
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No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
"Favor não trazer coroa,
só ramos cheio de brotos"
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Nua, a Godiva, coitada!
causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa "suspense" algum.
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O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela vai pra trabalhar !
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O homem pensa, sofisma.
Cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?
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Paquerador o Andrada,
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.
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Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
"Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha".
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Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali...
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.
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Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.
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– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou.
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.
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Tanta "pílula" espalhada...
tanta gente sem-vergonha...
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.
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Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?
= = = = = = = = = = =

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
"Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era "lisa a mona".

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 6

 


A ignorância é um profundo
flagelo que o mundo vê.
Livros, livros, pede o mundo.
Feliz o homem que lê!
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Amor! Palavra eloquente
que hoje soa e persiste
na boca de tanta gente
que nem sabe se ele existe!
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A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua... mas, da amiga.
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Andei cega nos caminhos
de perdidos ideais.
Cantei como os passarinhos
que cegos — cantam demais!
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É quando a angústia me enlaça
numa dor que nada explica,
que sinto a vida que passa,
e vejo a noite que fica.
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Eu não te amo, coqueiro!
Nem o mar nada me diz.
Vivo à sombra do pinheiro:
sou serrana e sou feliz!
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Eu quero viver contente...
pinheiros em meu caminho...
E na morte, suavemente
dormir num caixão de pinho.
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"Eu vi minha Mãe rezando"
é a trova que mais encanta.
Quer sorrindo, quer chorando,
toda Mãe é sempre santa!
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Falam tanto mal de sogra
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.
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Foi à sombra de um pinheiro
naquela tarde feliz,
que li teu verso primeiro,
e leste as trovas que fiz!
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Meu amor por ti não arde
nas falsas chamas do amor,
É como a brisa da tarde
depois de um grande calor.
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Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.
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Monstro sagrado, jucundo,
por quem o mundo suspira:
Seu nome é "glória do mundo"
seu apelido é; mentira !
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Na aridez do teu caminho
por mais íngreme e adverso,
trilhas sempre um pedacinho
da grandeza do universo.
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Na existência transitória
entre doçura e amargor,
a vida é um ato de glória,
viver é um ato de Amor!
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Na humildade de uma vida
sem resquício algum de glória,
talvez esteja escondida
a mais sublime vitória.
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Não compre a glória que passa,
nem dê riqueza ao ladrão.
Leia livros e, de graça,
terá a glória em sua mão!
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Não sei de quadro mais lindo
que mais desperte emoção,
que uma criança sorrindo
c' um livro aberto na mão.
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Na paisagem sempre nova
de magia e de beleza,
cada pinheiro é uma trova
no Livro da Natureza.
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Nunca procures a calma
em algo longe de ti;
busca-a, antes, em tua alma.
Ela deve estar ali...
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Os desencontros da vida...
os sofrimentos, o adeus,
às vezes são a partida
de nosso encontro com Deus!
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Pinheiro que cedo eu vi
no doce embalo da infância,
jamais entre mim e ti
a vida ponha distância.
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Quem não viu o sol surgindo
entre os pinheiros na serra,
não viu o quadro mais lindo
que a mão de Deus pôs na terra.
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Se a vida a gente levasse
em prolongado prazer,
talvez o homem inventasse
um modo para sofrer...

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. 
Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...