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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 5


A fé é um fruto tão doce
que se Deus não existira,
se só mentira Ele fosse
seria o mundo mentira!
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A honra não é vaidade
nem mera conveniência.
É a nossa dignidade
num drama de consciência.
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Alma sedenta que peca
sem nada ao céu implorar,
é água turva que seca
e nem chega, nunca, ao mar.
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Aos moços já não importa
a nossa compreensão,
que da sua à nossa porta
há léguas de solidão.
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A renúncia é a droga exata
para um amor que tortura.
Ela é o remédio que mata,
ela é o veneno que cura.
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Duas palavras no fundo
têm sempre o mesmo endereço;
se o amor é a vida do mundo
é o ódio o amor pelo avesso.
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Esperar o amor é triste.
Viver sem ele é sofrer.
Mas a dor maior que existe
é achá-lo e depois perder!
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Esperei-te tanto, tanto
felicidade — e nem vi
que o tempo passava, e enquanto
te esperava — envelheci!
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Há um abismo intransponível
entre a ambição desmedida,
e a medida do possível
na limitação da vida.
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Mistér na vida se faz
que a paz se anteponha à guerra.
Se o mundo tivesse paz
o céu seria na terra.
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Na grande metamorfose
dos atuais tempos seus,
o homem é uma simbiose;
serve ao diabo e ama a Deus!
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Na morte o sábio sorri
sorvendo a gota de fel;
deixando aos outros, de si,
a taça cheia de mel!
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Não herdei ouro ou brasão,
nem ambiciono jamais
a não ser a tradição
de vossa honra, meus Pais !
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Nesta existência fugace,
águas do rio em descida
em cada folha que nasce
há uma vitória da vida.
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Ninguém foge, por mais forte,
de uma angústia dolorida,
ou pelo pavor da morte
ou medo da própria vida!
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O homem sofisma e erra
chamando a outro de "cão".
O cão não fomenta guerra
nem mata por ambição.
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Olho a luz do sol e o mar,
vejo a flor no chão nascer.
Que mais podes, Deus, me dar
pela glória de viver?
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Ó tu, rosa presumida,
que te alteias, ouve bem:
– A raiz vive escondida
e é dela que a flor provém!
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Por feliz eu tenho alguém,
que sem ter maior cuidado,
nunca invejando ninguém
por ninguém foi invejado!
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Por mais que o mundo te aclame
e glórias te oferte a esmo...
Não há ninguém que te ame
mais, no mundo, que tu mesmo!
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Quando a vida enfim se embebe
de uma paz bem merecida,
é que a gente se apercebe
que já está no fim da vida.
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Quando a vida me é pesada
e o céu um manto tristonho,
da triste angústia do nada
eu faço o tudo de um sonho
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Quando me acode à lembrança
a morte no seu segredo,
eu faço como a criança
que canta pra não ter medo.
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Quantas verdades o sábio,
— sendo sábio, não alcança.
E as põe Deus à flor do lábio
de uma inocente criança!
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Se a velhice é um desencanto
uma angústia, uma saudade...
por que se deplora tanto
quem morre na mocidade?
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Se razão não tens contigo
teu inimigo te diz;
que o coração de um amigo
é sempre o pior juiz!
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Trovas de amor eu não faço;
não sei fazê-las, não sei.
O amor é o mundo que abraço,
é a vida a quem tudo eu dei!

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

domingo, 26 de setembro de 2021

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 11–


A cruz, por velha que seja,
no mais tristonho abandono...
Nem pensa quem te apedreja,
que, és a dor do eterno sono!
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Adeus, palavra tão breve,
dois fonemas; e, ademais...
se já dói em quem escreve,
em quem diz, dói muito mais!
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Ante os rumores de guerra
e em meio a tantos deslizes...
Ouço os murmúrios da terra
no clamor dos infelizes!
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A saudade, cor de arminho,
toda tarde se distrai;
chega e se arrancha em meu ninho
e do meu ninho não sai!
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De volta ao meu chão, sozinho,
a saudade se completa,
na voz de um redemoinho
com minha alma de poeta!
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Distante do filho ausente,
meu olhar, perdendo o brilho,
sinto a dor que o cego sente
por não poder ver o filho!
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Em meio a sobras e orgias,
a ganância continua,
e esquece as almas vazias
pedindo sobras na rua!
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Enquanto o ocaso sepulta
a cor rubra do poente,
o manto da noite oculta
o fim da tarde da gente!
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Enquanto o sol, não se acalma,
e, antes que a luz se desfaça;
parece até que tem alma
no sol de minha vidraça!
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Fiz essa ponte na infância
unindo nascente e foz,
para encurtar a distância
dessa distância entre nós!
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Meu olhar se for preciso,
querendo se desculpar...
Pede a esmola de um sorriso
que há no teu jeito de olhar!
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Nosso amor, não foi em vão;
vive ainda bem guardado,
na aliança em minha mão,
unindo o nosso passado!
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Num mundo carente e pobre,
para afastar tanta dor,
Deus pôs o sabor mais nobre,
na massa do pão do amor!
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Num velho rancho de palha
a vida não passa em vão;
sobra de amor se agasalha
numa esteira pelo chão!
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Nunca me causa empecilho
manter sempre um livro aberto;
mesmo fechado, meu filho,
mostra a luz com passo certo!
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O amor, que tudo conquista,
que afasta a cegueira e a dor,
faz com que cego de vista
enxergue a chama do amor!
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O encanto do teu sorriso,
e a minha dor, por enquanto...
Mostram-me a fonte do riso
ninando a fonte do pranto!
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Ouço o velho coração,
dizer segundo a segundo:
– Poupe o piso deste chão
que é terra de todo mundo!
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Pai, não herdei nada em vão;
e, ainda sinto, por suposto...
Em minha mão, tua mão
e o teu suor no meu rosto!
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Percebo, por teus deslizes,
que entre nós, algo incomum,
quer fazer dois infelizes,
sem haver motivo algum!
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Percebo que as mãos divinas,
logo após o entardecer,
fecham no céu, as cortinas
para a noite adormecer!
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Por vivermos tão distantes,
disfarço a minha alegria,
porque nem mesmo os amantes
são felizes todo dia!
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Quando a luz do sol declina,
a saudade se revela,
no choro da chuva fina
batendo em minha janela!
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Quando a trova não me acalma,
depressa a torno mais bela
pondo um pouco de minha alma
no corpo dos versos dela!
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Quando a voz, atrapalhada,
chega à fronte embranquecida;
são sinais da longa estrada
por todos nós, percorrida!
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Revendo a cartilha antiga
junto à velha tabuada...
Não sei qual foi mais amiga
nem sei qual foi mais amada!
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São tantas as evidências
em decisões desiguais...
Que o choro das indecências
põe nódoas nos tribunais!
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Se em meio a tantas ciladas,
há lamentos, pranto e dor;
que em vez de balas trocadas,
haja intercâmbios de amor!
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Sinto no infinito brilho,
da aurora, cor de maçã
que, a luz dos olhos do Filho,
brilha no Sol da manhã!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...