Postagens por Marcador

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Baú de Trovas 6

 



Se a moda seguir assim,
sempre encurtando os vestidos,
está bem próximo o fim
das fábricas de tecidos...
A. A. DE ASSIS
- - - - - -
Com uma festinha à-toa,
que não requer muito estudo,
qualquer secretária boa
vence um patrão carrancudo...
APARÍCIO FERNANDES
- - - - - -
Comigo guardo escondidas,
debaixo do meu colchão,
as duplicatas vencidas,
que nunca mais vencerão...
ARMANDO GONÇALVES MIGUEIS
- - - - - -
Quando te vais confessar,
bem que eu quisera que Deus
me permitisse constar
de algum pecado dos teus.
BALTHAZAR DE GODOY MOREIRA
- - - - - -
Ele mente e se arrebata,
com tal veemência e desplante,
que, se um besouro ele mata,
vira o besouro elefante!
CAROLINA RAMOS
- - - - - -
Fui ao cinema contigo
e ficamos de mão dada.
Do nosso amor eu sei tudo,
do filme não soube nada!...
CECIL RAMON MODESTO
- - - - - -
Quando o doutor Serafim
deixou, rico, a medicina,
a Morto gemeu assim:
— Como vou ficar mofina!
CELSO FURTADO DE MENDONÇA
- - - - - -
Com aquele rebolado
que é tão fora do comum,
a mulher do delegado
também prende qualquer um...
COLBERT RANGEL COELHO
- - - - - –
Do pouco que sabe e tem,
vale-se muito a Maria:
não vai à escola, porém
dá aulas de anatomia.. .
DAVID DE ARAÚJO
- - - - - -
De tua boca engraçada,
fonte de loucos desejos,
eu nunca esperei mais nada
senão tolices e beijos.
DJALMA ANDRADE
- - - - - -
Diz o doutor: "A bebida
mata cedo o cachaceiro."
Mas, — ironia da vida —
o doutor morreu primeiro…
DURVAL MENDONÇA
- - - - - -
Quando eu era gato novo,
miava pelos telhados.
Hoje, que sou gato velho.
ninguém ouve meus miados...
EDSON MACEDO
- - - - - –
Ateu mais que outros ateus,
aquele duro nababo.
— Se alguém lhe dizia: "Adeus",
gritava logo: "Ah, diabo!"
ELIAS BARBOSA
- - - - - -
Se beijo desse sapinho,
como às vezes se apregoa,
tua boca pequenina
era beira de lagoa...
EVANDRO MOREIRA
- - - - - -
Os honestos, meu amigo,
esses bem poucos o são!
— Alguns, temendo o castigo,
sem nenhuma vocação...
HERALDO LISBÔA
- - - - - -
Vi um velhinho fitando
as tuas formas, menina,
assim como um surdo olhando
os rádios de uma vitrina...
ILDEFONSO DE PAULA
- - - - - –
No velório do Tião
tanto molharam as goelas,
que, com medo de explosão,
apagaram logo as velas.
JOAQUIM MACEDO FERNANDES
- - - - - -
Sem um gesto, sem um grito,
morre a sogra do Mateus.
E, no inferno, o Diabo, aflito,
exclama: — Valha-me Deus!
JORGE ROCHA
- - - - - -
Em plástica, o doutor diz:
— Que operação oportuna!
Diminuo este nariz
e aumento minha fortuna!...
MADALENA LÉA
- - - - - –
Desquitadas mãe e filha,
tem a neta igual fadário.
Conclusão: nessa família,
o desquite é hereditário.
NELSON VAZ
- - - - - -
A mulher, ou por vaidade,
ou por ser demais esperta,
depois de uma certa Idade,
não tem mais idade certa!
NERO DE ALMEIDA SENA
- - - - - -
Quando você me falou
que quatro filhos já tinha,
nesse instante se acabou
meu grande amor, queridinha...
PAULO EMÍLIO PINTO
- - - - - –
Certos críticos se impõem
como mestres de poesia...
Mas os versos que compõem,
santo Deus, que porcaria!
RODRIGUES CRÊSPO
- - - - - -
Seja lá pelo que for,
um dia nos desaponta:
— foi Deus que inventou o amor,
mas o Diabo tomou conta...
SEBASTIÃO NORONHA
- - - - - -
Seu critério nas consultas
- talvez um dos mais sutis –
é cobrar contas adultas,
pelas curas infantis.
SYLVIO MACHADO


Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história e antologia. São Cristovão/RJ: Artenova, 1972.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Waldir Neves (1924 - 2007)




1
Abandono… O Sol declina…
Vem baixando a cerração…
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
2
A cortina da janela…
A cama… Tudo tal qual…
— Só que o cenário, sem ela,
nunca mais vai ser igual…
3
A espontânea palavrada,
que acompanha um tropeção,
faz bem crer que uma topada
seja a mãe do palavrão.
4
A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!
5
Ah!, meu peito… Esta saudade…
Quero que a expulses, que grites…
Tu lhe deste intimidade,
e ela passou dos limites!
6
Amanhece… A névoa fina
vai cobrindo a cerração…
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
7
Ao sair d’água, a banhista
gritou de vergonha: – “Xiii…”
no maiô, na frente e à vista,
veio agarrado… um siri !
8
A saudade, em horas mortas,
sem ver que o tempo passou,
teima em abrir velhas portas
que há muito a vida fechou…
9
Cai a noite… Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo perfume
um lamento sem tamanho…
10
Circo novo na cidade!
- No poleiro, a dar risada,
olhem lá minha saudade
no meio da garotada!
11
Depois que os céus lhe mandaram
As gotas do seu desejo,
duas outras marejaram
os olhos do sertanejo…
12
Deste-me um beijo – um somente!
E queres que eu me console …
- O desejo é sede ardente,
que não se mata de um gole!…
13
Deus intangível, etéreo,
mas sempre amor e indulgência,
guarda no próprio mistério
sua infinita evidência.
14
Deus que é paz… amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!
15
Doente, a velha cegonha
recusa trabalhos duros,
e pra não passar vergonha
só carrega … prematuros.
16
Enquanto eu durmo, querida,
minh’alma, por compulsão,
se aninha e dorme, encolhida,
aí… no teu coração.
17
Espalhou pedras à estrada
do velho barraco… “Ô xente!
Não dizem que é só topada
que põe o pobre pra frente ?…
18
É uma lágrima sentida
que toda mulher enxuga:
a que lhe rola escondida
por sobre a primeira ruga!
19
Faz teu ciúme um barulho
que me soa encantador.
- Ele acorda o meu orgulho
de dono do teu amor!…
20
Flagrado, na contramão,
no quarto da serviçal,
o vivaldino patrão
fingiu “confusão mental”
21
Folha em branco… A esmo, um nome
rabisco, na tarde calma.
E a angústia… que me consome…
vai rabiscando minh’alma…
22
Fugi do amor com receio
do seu fascínio… e o que fiz
foi só cortar, pelo meio,
meu meio de ser feliz….
23
Homem sem rasgos nem brilho,
a quem a luz não atrai,
vou me orgulhar se meu filho
tiver orgulho do pai.
24
Importuno e impertinente,
o desejo insatisfeito
sempre foi, literalmente,
meu “inimigo do peito”…
25
Irmãos no meu insucesso
o peito implora, a alma pede…
Todos querem teu regresso…
Só meu orgulho não cede!
26
Maduro ao sol outonal,
pela brisa acariciado,
freme, ondulante, o trigal,
num desvario dourado !…
27
Mais vibrantes, mais risonhos
a palpitar de inquietude,
diferem dos outros sonhos
os sonhos da juventude!
28
Meus braços estão vazios,
meus desejos transbordando,
meus pensamentos vadios
no quarto te procurando.
29
Motel chique… Olha o marido!!!
E a confusão foi tão feia,
que blusa virou vestido,
e sutiã virou meia.
30
Muito moço inconseqüente,
despreparado e revel,
ganha têmpera de gente
na bigorna do quartel.
31
Na casa do casal velho,
a confusão é total:
-lê-se o jornal no Evangelho;
e o evangelho, no jornal.
32
Não te esqueças, otimista,
de lembrar, no teu anseio,
que, entre o desejo e a conquista,
há sempre pedras no meio…
33
Neste abandono sofrido,
sou mais um, que, por vaidade,
deixou que o orgulho, ferido,
matasse a felicidade…
34
No abandono, desvairado,
levo noites a fitar
o vestido desbotado
que ela esqueceu de levar…
35
No apogeu do seu ardor,
tão ternamente se exprime,
que chamamos nosso amor
o “desvario sublime”.
36
No rubro céu da alvorada,
um ponto pisca e alumia…
- É uma estrela embriagada
que volta da boemia!
37
Nos abismos do mistério,
onde a razão perde a voz,
talvez o desvão mais sério
se oculte dentro de nós…
38
Nosso amor é, neste ensejo,
brasa oculta em cinza quente.
-Basta um sopro de desejo,
e arde em fogo, novamente…
39
No teu sucesso, milhares
Vêm implorar-te favores.
Uns poucos, se fracassares,
partilham das tuas dores
40
O abismo maior que existe,
o mais fundo que já vi,
é aquele que um homem triste
carrega dentro de si…
41
O desvario arrebata…
E eu fui por falso caminho.
Minha sombra, mais sensata,
deixou-me seguir sozinho…
42
O golpe da despedida
foi tão rápido e tão fundo,
que fracionou minha vida
numa fração de segundo…
43
O ladrão, envergonhado,
diz : – “Doutor, vim me entregar:
o roubo era tão pesado
que eu não pude carregar…”
44
O mendigo da calçada,
a quem a mágoa não poupa,
talvez tenha esfarrapada
bem mais a alma que a roupa.
45
Opondo orgulho e egoísmo
aos meus acenos risonhos,
cavaste o profundo abismo
onde enterrei os meus sonhos.
46
O vento leva a amizade,
leva o amor, o riso e os ais,
só não carrega a saudade,
- acha pesada demais!
47
Para a “sede de saber”
há no mundo água abundante.
Para a “sede do poder”
água nenhuma é bastante…
48
Perante a Divina Luz
a Ciência se ajoelha,
pois, sendo sábia, deduz
quem lhe acendeu a centelha…
49
Perguntou-me, à despedida:
– Quem sabe é melhor assim?…
E uma lágrima incontida
deu-lhe a resposta por mim!…
50
Por topadas em excesso
- um tormento em seu caminho –
o dedão abriu processo
contra os olhos do ceguinho.
51
Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis respostas
Foi em silêncio que eu dei.
52
Pra fugir do casamento,
o noivo, meio “frufru”,
alegou, como argumento,
“vergonha de ficar nu”
53
Provocador e brigão,
o General de Brigada,
sempre que arma confusão,
ela é… generalizada.
54
Quando a jovem aluada
deu, no amor, um “tropeção”,
foi um caso de “topada
com os pés fora do chão”.
55
Quando a vida, qual verdugo,
me trespassa de agonias,
minhas lágrimas enxugo
num lenço de Ave-Marias…
56
Quando Deus cobrar meu prazo,
hei de sempre aqui voltar,
ou numa sombra de ocaso,
ou num raio de luar !
57
Que momento abençoado
e que gesto redentor,
quando o orgulho, derrotado,
cai, humilde, aos pés do amor !…
58
Quem um filho vê feliz,
seguir por si, resoluto,
vive a glória da raiz
orgulhosa pelo fruto.
59
Que estranho mistério existe
no lamento da viola:
- queixume que me faz triste;
- tristeza que me consola!…
60
Quisera que Deus me desse,
acima de qualquer bem,
um orgulho que pusesse
bem abaixo o teu desdém.
61
Saudade é gota caída,
é pranto que ninguém vê:
-É uma lágrima sentida
que leva sempre a você. …
62
Saudade é uma diligência
que nos leva, docemente,
com repetida freqüência,
ao velho oeste da gente!
63
Saudade!…Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!
64
Saudade!… Raio de lua,
suprindo o Sol que brilhou…
Tábua solta, que flutua,
depois que o amor naufragou!
65
Saudoso dos braços dela,
voltei, contrito e humilhado.
- Quando a saudade martela,
qualquer orgulho é quebrado!…
66
Senhora de cada instante
das minhas horas vazias,
a Saudade é uma constante
na inconstância dos meus dias…
67
Severo no condenar,
o Céu abranda o rigor
quando o pecado a julgar
é um desvario de amor…
68
Sonha sim, pobre, com festa!
Que a fantasia, afinal,
é tudo que ainda te resta
neste mundo desigual!
69
Tal fascínio lhe desperta
o mistério das estrelas,
que, às vezes, de mim liberta,
minh’alma vai percorrê-las.
70
Terminamos… e ela pensa
que será logo esquecida.
O que ganhou foi presença
para sempre, em minha vida!
71
Uma das mágoas, apenas,
que à minh’alma são pesadas…
faria leves as penas
até das almas penadas…
72
“Um prodígio o seu arranco,
a dois metros da chegada!”
E o vencedor, meio manco:
“prodígio foi a topada…”
73
Velho par, na academia,
é ímpar na confusão:
-foi de sunga à confraria
e à praia foi de fardão!
74
Velho cultor de utopias
e de ambições sobranceiras,
sonho ver, ainda em meus dias,
um mundo igual, sem fronteiras!
75
Vergonha, mesmo, passou
dr. Cornélio, homem sério.
Imaginem… Processou
a mulher por adultério.
76
Vista seda ou popeline,
seja Amélia ou seja Inês,
toda mulher se define
no dia em que diz: -“Talvez!…”
77
Zerando ofensas e afrontas,
o beijo é o mago auditor
que faz o ajuste de contas
depois das brigas de amor!

terça-feira, 27 de maio de 2025

Luiz Damo (RS)


A face pode não ter
a mesma força do olhar,
mas, nela podemos ler,
o que o dono quer falar.

A mentira, então solteira,
foi juntar-se ao desrespeito
e a traição, filha primeira,
fez nascer um lar desfeito.

Ampla e plena liberdade
à humanidade Deus deu,
mas a sensibilidade
nem a todos concedeu.

Ante as rochas da imprudência
todo o sonho se tritura,
só resta à sobrevivência
destroços de uma aventura.

Às aves Deus tira o medo,
de voarem nas alturas,
diz aos homens, vos concedo:
luz para as noites escuras!

A velha e frágil escada,
quase perdeu seu valor
de conduzir à sacada
alguém pelo elevador.

A verdade que hoje buscas,
num passado tão distante,
está na imagem que ofuscas
todo o dia, a cada instante!

Ávida, à vida a alma segue,
busca o porvir tão sonhado,
num presente que prossegue
carregando o seu passado.

Cada dia que somamos
à caminhada vivida,
nova flor acrescentamos
no ramalhete da vida.

Conquistas vão se somando,
pela subtração da dor,
divide, multiplicando,
teu sentimento de amor.

Dentro e fora da família,
tudo gire em torno dela,
sirva ao mundo de estampilha
sendo à paz sua chancela.

Destemido, o sol mergulha,
no horizonte debruçado,
deita à terra, tal fagulha,
sendo por ela abraçado.

De uma indigesta amizade
muitas vezes nada resta,
nem arestas de saudade
sobram pra fazer seresta.

Diz quem ama, à parte amada:
esquecer-te eu não consigo,
sem ti sou menos que nada,
mais que tudo, eu sou contigo.

É depois de um tratamento
que o doente convalesce
e ao sumir o sofrimento
a saúde lhe aparece.

Faça a verdade imperar
sobre qualquer julgamento
e assim a chance de errar
pode ser zero por cento.

Frágil corpo os pais nos deram,
vida e sinais que eram seus,
o corpo, os filhos o enterram,
mas a essência volta a Deus.

Há quem queira ser modelo
de uma vivência exemplar,
luta tanto e por não sê-lo
passa a se autocontemplar.

Jamais posso imaginar,
ou projetar meu porvir,
sem ao passado voltar
e no agora me inserir.

Longínquas tardes amenas
com o rubor da pitanga,
trazem imagens serenas
do sol dormindo na sanga.

Livro! Tua estrela brilha,
sob o cosmos da cultura,
iluminas quem palmilha
as estradas da leitura.

Mantenha a chama do embate
na luta, sem se apagar,
siga em frente no combate
com o exemplo a propagar.

Mesmo fraca, a dor na luta,
avança e nos faz sofrer,
nunca, se a nossa conduta,
for mais forte e não ceder.

Na contramão do sucesso
segue lento o pessimista,
finge que exista progresso,
pensando ser otimista.

Nada igual, nem mais fecundo,
que plantarmos bons valores
deixando assim para o mundo
um legado aos sucessores.

Nada igual, nem parecido,
com a flor desabrochando,
o campo fica florido
na primavera chegando.

Não chores se a dor te aflige
e impede de à vida alçares,
qualquer luta esforço exige
para o objetivo alcançares.

Não tem criança que esconda
a predileção em ter,
um simples carro de lomba
pra brincar e se entreter.

Nas esquinas do passado
deixo um pedaço de mim,
por alguém vai ser juntado
depois de chegar meu fim.

Nas mãos dos transportadores
quantos frutos transportados!
Transportam grandes primores,
depois dos bens transformados.

Ninguém cai do seu cavalo
quando passa a conhecê-lo,
a não ser que sem domá-lo
pensa estar sobre um camelo.

Ninguém morra brutalmente
por qualquer bala perdida,
de uma escolha inteligente
surja a proteção da vida.

No campo, traça caminhos,
quem planta e supera o pranto
ceifa a dor do próprio espinho
que tenta ofuscar o encanto.

Num contexto mais moderno
o saber rompe a fronteira.
Não tem SIM que seja eterno,
nem um NÃO pra vida inteira.

O autor de um crime confesso,
quando aos tribunais, entrar,
tem nos autos do processo
tão pouco a lhe acrescentar.

O Brasil vê com reserva
as matas diminuírem,
enquanto o mundo as observa
de longe, também sumirem.

O leitor quando mergulha
no universo da leitura,
dela faz nova fagulha
a brilhar na noite escura.

Ontem, no homem, seu bigode,
era igual a um documento,
hoje, o que assina, mal pode,
dar aos atos provimento.

Os primeiros imigrantes
venceram hostilidades,
não foram beligerantes
mas guerreiros nas vontades.

O tempo transcorre ameno,
para quem a paz imprime,
nos traços de algo sereno
vê-se o bem que o mal suprime.

Para Deus jamais afirmes
que os grandes males são teus.
Aos males nunca confirmes
que eles são frutos de Deus.

Parta e desate as amarras,
busque do sol o esplendor,
pra colher noutras searas
os frutos de um sonhador.

Passam meses, surgem anos,
mudam séculos, milênios,
o homem elabora planos
não maiores que decênios.

Pedra solta, rola imersa,
na água turbulenta e fria,
rija, impune e controversa,
companheira à travessia.

Por trás dos ventos hostis
a varrerem a esperança,
ouve-se uma voz que diz:
não temeis, virá a bonança!

Quando ao consultório fores
buscando, à dor tratamentos,
não sejam somente às dores,
mas, também aos sentimentos.

Quando na vida avistares
fartas nuvens de ciúmes,
lembra, não passam de entraves,
sob a forma de tapumes!

Quem oferece uma flor
pode ser autor confesso,
dum ato que exprima amor
ou de carinho em excesso.

Quem tomar uma atitude
em não mais se alimentar,
vê enfraquecer a saúde
e o corpo debilitar.

Ramo algum é superior
que a planta, mas pode um dia,
se romper, se o vento for,
maior que a sua energia.

Se a luta parece insana
e a batalha perniciosa,
mude tal conduta humana
numa senda prazerosa.

Se beberes, não dirijas,
nem deixes que alguém o faça.
Para que, por nada erijas,
teu sepulcro numa taça.

Se calado alguém consente
não sente a mesma emoção,
de falar tudo o que sente
guardado em seu coração.

Se ensinares à criança
ser instrumento de paz,
no céu terás uma herança
que a ninguém a perderás.

Seja a luz da vida, o fulcro
e a morte um fruto tardio,
tudo o que ocupa o sepulcro
sejam restos de um vazio.

Seja como a vela acesa
num candelabro a brilhar,
siga à vida com firmeza,
sem medo de iluminar.

Se não mudas teu passado
muda o teu jeito de ser,
nisso podes ter mudado
o mundo sem perceber.

Só quem luta sabe o quanto
o dor pesa na derrota,
seu rosto banhado em pranto
reflete o que ela denota.

Surge o sol nos horizontes,
as estrelas vão dormir
e o lençol cobrindo os montes
retira-o pra se vestir.

Todo passo na alegria
se veste de brevidade,
mas, à dor, numa agonia,
parece uma eternidade.

Vejo à noite um lampadário
sempre à mesma hora a acender,
nunca muda de cenário
para o brilho acontecer.

Velho tronco decepado
com vestígios de abandono,
na impunidade, ceifado,
pelas mãos do próprio dono.

Vida plena, alguém alcança,
se calcada na virtude,
numa constante mudança
ascendendo à plenitude.

Vida, vivida com a alma,
é arte nas mãos do escultor,
chama que arde lenta e calma,
na imagem do Criador.

Vi nas areias, pegadas,
de alguém que me precedeu
e as minhas, quase apagadas,
ninguém as reconheceu.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...