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sábado, 10 de junho de 2017

Magdalena Léa (1913 - 2001)


1
Ah, se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer...
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?!...
2
A mulher é imponderável,
instável, imprevisível,
indócil, imperscrutável...
Não se esqueça: imprescindível.
3
Aprendeu logo o Zezinho,
depois que foi baleado,
que é melhor amar sozinho
do que bem acompanhado.
4
Com firmeza e tolerância
educa em justa medida.
São as feridas da infância
que nos marcam para a vida.
5
Convenções? Que um tolo as ouça!
pois mulher – o mundo zurra –
deve ser sempre mais moça,
mais baixa e também mais burra.
6
Desculpe-me quem puder,
mas a História se enganou:
depois que fez a mulher,
nunca mais Deus descansou!...
7
Distraída, distraída,
é a mulher do Januário;
ouve à porta uma batida,
tranca o marido no armário!
8
É a vida, em seu poder,
requintada em crueldade:
nasce a gente sem querer,
e morre sem ter vontade.
9
Ele partiu... Hoje, quando
as portas da sala eu abro,
vejo mil velas chorando
nos braços do candelabro.
10
Embora sem alegria
vou cantando nos caminhos.
- Foi essa a filosofia
que aprendi com os passarinhos.
11
Em vossos olhos nublados,
velhinhos de longas vidas,
há prantos cristalizados
de todas as despedidas.
12
Em zigue-zague na estrada,
guia um “cara” no pileque.
- A curva multiplicada
dividiu seu calhambeque.
13
É nos elos que nós vemos
união e força patentes,
porque é que não aprendemos
esta lição das correntes?
14
Fazer plástica é bobagem.
Se o tempo nos vai minando...
- Dar brilho na lanternagem
com este motor rateando?
15
Foi tão engraçada a piada
que a dentadura da zinha,
em tremenda gargalhada,
cai no chão rindo sozinha.
16
Hei de te amar – ele jura –
até velhinho – que lindo!
e ver nossa dentadura
no mesmo copo... sorrindo.
17
Inflação! Que mais eu posso
senão rir dessa desgraça?
Pois rir é o único troço
que a gente ainda faz... de graça.
18
Mentes tanto, e nem presumes
que um dia ainda te firas
nestas armas de dois gumes
que são as tuas mentiras?
19
Mesmo em sonhos são fracassos
meus encontros fugidios:
cerro os olhos, abro os braços
e fecho os braços vazios.
20
Meu amor, que mais desejo?
Eu só desejo, na vida,
beijar-te e, acabado um beijo,
começar outro em seguida.
21
Meu bebê vai caminhar,
estendo as mãos comovida.
Ah! se eu pudesse guiar
seus passos por toda a vida.
22
Minha alegria, querido,
por certo não adivinhas:
foi o teres esquecido
tuas mãos dentro das minhas.
23
Minha sogra, aquela bruxa,
num fusca mandando brasa,
e eu fico pensando: – puxa!
com tanta vassoura em casa!
24
Na educação dos pequenos,
belos frutos colherás,
censurando muito menos,
elogiando muito mais.
25
O amor que teimo ocultar,
sem dizer nada a ninguém,
pudesse te confessar
e apenas diria – vem!
26
Ó realidade, não fira
quem sonha e vive contente.
Se uma ilusão é mentira,
enfeita a vida da gente.
27
Para cumprir seu destino
parte meu filho, homem feito.
- E eu guardarei, meu menino,
tua infância no meu peito.
28
Perdoa. Eu também sofri
se briguei contigo assim...
Eu gosto muito de ti,
mas... gosto também de mim!
29
Porque teme envelhecer?
Envelheça, a fronte erguida.
Um ano mais quer dizer
que a vida lhe dá mais vida!
30
Quando o sol é brasa ardendo
nas terras secas crestadas,
pingo no zinco batendo
é a mais bela das toadas.
31
Quando vejo um assassino,
um viciado, um ladrão,
eu adivinho um menino
a quem ninguém deu a mão.
32
Quando volto ao meu rincão
piso a terra comovida.
- Cada pedaço de chão
conta um pedaço de vida.
33
Quem dentadura precisa
cuidado com a gargalhada.
Faça que nem Monalisa
que ri de boca fechada.
34
Seria desoladora
a vida, se, lá na frente,
a esperança enganadora
não acenasse pra gente.
35
Só te peço amor sincero,
e o céu será todo nosso.
Se sou tua - que mais quero?
Se sou mulher - que mais posso?
36
Tendo ao seio o meu menino,
tudo em volta é luz e brilho.
Nem sei mesmo onde termino
e onde começa o meu filho.
37
Toda mulher que é gorducha
tem um recurso só seu:
ao vestir-se grita – “Puxa!
como este troço encolheu!!!”
38
Tudo sinto na alma, o enlevo
das histórias infantis.
- Lobato, quanto te devo
da minha infância feliz!
39
Vão-se os anos. Iludida,
nesta angústia de retê-los,
vejo que a chama da vida
se faz cinza em meus cabelos.
40
Vi-te em menina e, talvez,
nem me notaste, sequer...
Pois foi a primeira vez
em que eu me senti mulher.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Cassio Magnani (1921 - 1990)


1
Ao casarem-se, ia tudo
de tal maneira adiantado,
que um convidado ficou,
para ver o batizado…
2
Araxá, aquela estância,
na qual a cheirosa dama
paga elevada importância
para sujar-se de lama.
3
Assim que o verme esquelético
viu dois defuntos na mesa,
disse à mulher: – O diabético
fica para a sobremesa.
4
A sua barba grisalha,
além de esconder-lhe o papo,
é também lenço, toalha,
e, às refeições, guardanapo.
5
Até quanto aos dedos há
a sorte a diferenciá-los
os das mãos ostentam joias,
os dos pés suportam calos,
6
Certo músico loquaz,
na campa da tia e mestra,
em vez de por: Aqui jaz…
escreveu: Aqui orquestra…
7
Chega a conta do oculista,
e o incrível se me depara:
o tratamento da vista
custa-me os olhos da cara.
8
Cirurgia, cirurgia,
não se escuta outra cantiga.
O cara nascer devia
com fecho-ecler na barriga.
9
Contra a líquida vingança
de um inimigo tratante,
sobre esta cova se lança
um impermeabilizante.
10
D. Pedro Primeiro grita
contra a opressão. E está dito.
Assim o Brasil conquista
a independência – no grito!
11
Encontrei meu bem chorando,
comentei: – Tristeza tola…
Disse-me, a faca largando:
– Não é tristeza, é cebola!
12
Entre nuvens finas jaz,
lá no céu, a lua albente,
como um grande seio atrás
de um sutiã transparente.
13
Era um lago a minha vida,
só repouso e solidão,
até chegares, querida,
com pedregulhos na mão.
14
Escritor dos mais sagazes,
nem precisa de retoques.
É filósofo, com frases
em mais de cem para-choques…
15
É tão limpo e perfumado,
que o que expele, dão notícia,
ora é água-de-colônia,
ora é pasta dentrifícia.
16
Leis, que quantidade abriga
a nossa pátria gentil!
Porém falta uma que diga:
“Cumpram-se as leis do Brasil!”
17
Madama vai ao peixeiro:
– A senhora quer Robalo?
Ela, mostrando o dinheiro:
– Não, senhor, quero comprá-lo!
18
Manda-se apertar o cinto;
já, porém, tamanha fome,
que hoje o cinto não se aperta,
cinto agora já se come!
19
Meu bem, procura alcançar
lá no céu o gozo eterno.
Quanto a mim, vou descansar,
tranquilamente, no inferno.
20
Não cobrindo quase nada
de seus seios opulentos,
mostra a bonita advogada
dois robustos argumentos.
21
Nesta luta encarniçada,
na vida inglória e sem brilho,
a mãe é sempre lembrada
por quem não gosta do filho.
22
Onde o homem mal se comporta,
entre insuportáveis cheiros,
vê-se, pendurado à porta,
este cartaz: “Cavalheiros”.
23
Pedes só a mão da moça,
porém, maldade sem nome,
dão-te um corpo – que se veste!
mais uma boca – que come!
24
Pedras não faltam… E há gente
que tem a ideia ridícula
de, penosa e inutilmente,
fabricá-las na vesícula.
25
Perdeu sua virgindade
a garota quase nua.
– Como foi? pergunta o pai
– Eu sei lá? Caiu na rua…
26
Quis beijar a coletora,
ordenou-me distraída:
– Traga-me um requerimento
com firma reconhecida.
27
Se achas que a felicidade
com a riqueza não condiz,
traz-me o dinheiro e verás
como ficarei feliz!
28
Se, ao fim do mandato, a salvo
lá se chega, é surpreendente.
Aqui se faz “tiro ao alvo”,
lá é “tiro ao Presidente”.
(trova falando do Estados Unidos) 
29
Tudo grátis, boia e cama.
Tanto conforto e não gostas?
Deram-te até um pijama
com algarismos nas costas!
30
Uma grotesca figura
por detrás e pela frente;
trinta metros de feiura
num metro e trinta de gente.
31
Viram-se num piquenique
e, apesar de quase estranhos,
fizeram uma loucura,
loucura de olhos castanhos.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...