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segunda-feira, 10 de maio de 2021

Aparício Fernandes (Como Fazer uma Trova Antológica)


É muito simples. Tome:

A dramaticidade de João Rangel Coelho:

Senhor Deus! Ó Pai dos Pais!
Por que motivo consentes,
entre teus filhos iguais,
destinos tão diferentes?


A brejeirice de Luiz Homero de Almeida:

Sobre o busto ela trazia
três rosas frescas, catitas.
E, contando-as, eu dizia:
– Que cinco rosas bonitas!…


A fluência de Américo Falcão:

Não há tristeza no mundo
que se compare à tristeza
dos olhos de um moribundo
fitando uma vela acesa…


A musicalidade de Cícero Dias:

A tua casa pendida
entre o rosal e a mangueira
é uma açucena caída
no vermelhão da ladeira.


O humanismo de Zálkind Piatigorsky:

Tudo o que tenho reparto,
ó Senhor, sempre em Teu nome!
Tu fizeste o mundo farto,
o homem é que fez a fome!


A sugestão poética de Corrêa de Oliveira:

Ó ondas do mar salgado,
de onde vos vem tanto sal?
– Vem das lágrimas choradas
nas praias de Portugal!


O lirismo de Archimimo Lapagesse:

Se Deus atendesse um dia
minha prece ingênua e doce,
quem fosse mãe não morria,
por mais velhinha que fosse!


A simplicidade de Edgard B. Cerqueira

Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou!
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou…


A originalidade de Adherbal de Carvalho:

Da lua sob os clarões,
os leques destas palmeiras
parecem caudas faceiras
de agigantados pavões!


A filosofia de José Maria Machado de Araújo:

Neste mundo que nos cansa,
tanta maldade se vê,
que a gente tem esperança,
mas já nem sabe de quê!…


A ironia de Belmiro Braga:

Quanta vez, junto a um jazigo,
alguém murmura de leve:
– Adeus para sempre, amigo!
E o morto diz: – Até breve!…


Junte tudo isto, transponha para uma só trova e não há dúvida: você terá feito a melhor trova do mundo!

Fonte:
Aparício Fernandes. A trova no Brasil: história & antologia. Rio de
Janeiro/GB: Artenova, 1972

domingo, 9 de maio de 2021

Aparício Fernandes (Trovas Circunstanciais) - 3, final -


Por ocasião de um dos Jogos Florais de Pouso Alegre, homenageando o magistrado e poeta Jorge Beltrão, Adalberto Dutra de Rezende "aplicou" este improviso:

Tua palavra correta
te põe da glória na crista,
como brilhante poeta,
como eminente jurista!


Há também os casos em que as trovas de circunstância são também trovas de propaganda. Várias delas aconteceram, por exemplo, em dezembro de 1962, quando, a convite da escritora Mariazinha Congílio, vários trovadores estiveram na cidade de Jundiaí e foram convidados a visitar a famosa fábrica de doces Cica. Essa fábrica é de fato algo de notável, pela limpeza e pelo requinte de perfeição que se traduz na qualidade de seus produtos. Diante disto, vários trovadores improvisaram suas quadrinhas. Eis algumas delas:

De Zálkind Piatigorsky:

Um bom paladar se indica
às vezes num simples nome:
- quando ouço falar de Cica,
na verdade sinto fome!


De Admerval Silva de Souza:

Que doces apetitosos
neste lugar se fabrica!
Que seria dos gulosos,
se não existisse a Cica?


De Colbert Rangel Coelho:

Suporta melhor a carga,
que bem mais leve lhe fica,
quem na vida tão amarga
saboreia doces Cica!


De Luiz Otávio:

É a mais pura realidade:
- a pessoa — pobre ou rica —
se tem gosto de verdade,
só prefere o doce Cica!


De Ivo dos Santos Castro:

Verias, meu bem, se fosses
comigo até Jundiaí:
- Cica é a fábrica de doces
mais completa que já vi!


De Raul Serrano:

A vida seria pura
e de alegrias mais rica,
se nela houvesse a doçura
dos doces de marca Cica!


De Aparício Fernandes:

Com tanto carinho é feito,
que logo se verifica:
– é sempre mais que perfeito
qualquer produto da Cica!


Quando já nos despedíamos, fui brindado com o sorriso amável de uma linda operária, o que deu motivo a mais esta trova:

Que dúvida extraordinária
seu sorriso comunica!
Quem é mais doce: – a operária,
ou o doce que ela fabrica?


Guimarães Barreto cita uma trova-propaganda de Olavo Bilac, promovendo os fósforos "Brilhante". Bilac cobrou cem mil réis pela trova — o que, na época, era um bom dinheiro. Eis a quadrinha:

Aviso a quem é fumante:
- tanto o Príncipe de Gales
como o Dr. Campos Sales
usam fósforos Brilhante.


E outra, curiosíssima, de um bicheiro fazendo propaganda do seu jogo:

Jogadores avisados,
o meu palpite, hoje, é
cercar por todos os lados
o macaco e o jacaré.


Aliás, esta tese foi apresentada no Congresso de Trovadores realizado em Nova Friburgo em 1969 — a Trova, pela sua comunicabilidade e sendo fácil de se decorar, valor é     um elemento de que extraordinário publicitário, surpreendentemente     ainda não despertou nos especialistas     do assunto (sempre à cata de "idéias geniais") a atenção de que é merecedora.

Naturalmente, para que uma trova alcance êxito como fator de promoção publicitária, é necessário que seja feita por um verdadeiro trovador. Versinhos forçados e de "pé-quebrado" jamais adiantariam...

Muito úteis me foram também as trovas de circunstância quando, no mês de abril de 1970, a convite do Dr. Domingos Vieira Filho, diretor da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, e do meu caro amigo, o dinâmico poeta e trovador Carlos Cunha, Presidente da Academia Maranhense de Trovas, fiz uma palestra na capital maranhense. Os maranhenses são um povo cuja tradição de cultura é algo de muito sério. Sua hospitalidade não fica atrás. Por isso, até banda de música havia na Academia Maranhense de Letras, para a minha palestra. Minhas primeiras palavras foram estas trovas de circunstância:

Minhas senhoras, senhores
presentes à reunião,
meus irmãos, os trovadores
do Estado do Maranhão,

Não espereis um tribuno
de palavras colossais,
pois sou um simples aluno
que aqui veio aprender mais.

Na terra em que Assis Garrido
deu lições de inteligência,
não quero ser presumido,
para fazer conferência.

Por isso, em linguagem destra,
mas sem nada de genial,
vou fazer uma palestra
muito simples e informal.

A trova são quatro versos,
que nos dão muito prazer.
Os assuntos mais diversos
pode uma trova conter.

Mas antes quero dizer,
com toda sinceridade,
do meu imenso prazer
por estar nesta cidade.

São Luís, em toda parte,
como um sol que se irradia,
será sempre um baluarte
da cultura e da poesia.

Seu próprio nome comprova
esta grandiosa missão:
– pois é um verso de trova
São Luís do Maranhão.

No Rio Grande do Norte,
no Encontro dos Trovadores,
tornou-se muito mais forte
minha amizade aos senhores.

Pois em Natal viu-se o brilho
do Maranhão que se impunha:
- Virgílio Domingues Filho
ao lado de Carlos Cunha!

Quando o Nordeste deixei,
para tentar vida nova,
minha saudade cantei
dizendo em forma de trova:

– Parti do Norte chorando,
que coisa triste meu Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!...

Hoje eu digo aos maranhenses,
já saudoso e emocionado:
- não partirei totalmente
desse Estado abençoado.

À sombra de uma palmeira,
deixarei meu coração.
E, na hora derradeira,
ao tomar a condução.

Minha esposa e eu diremos,
com imensa gratidão:
– nós jamais esqueceremos
São Luís do Maranhão!

Após vos haver falado
estes versos incolores,
vamos ao mundo encantado
da Trova e dos Trovadores.


E fiz então a minha palestra, que, aliás, continha vários aspectos da Trova abordados neste livro.

Como se vê, a trova de circunstância desempenha um importante papel na animação dos encontros trovadorescos. Pena que a quase totalidade delas se perca ao sabor do improviso ocasional.


Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de
Janeiro/GB: Artenova, 1972

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...