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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Professor Garcia (Trovas que sonhei cantar) XIII


Se a ausência não te tortura,
a mim, causa espanto e dor;
a ausência rouba a ternura
da graça de um grande amor!
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Planos, ilusões, quimeras,
viraram cinzas pagãs,
no forno das primaveras
dos sóis de minhas manhãs!
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Quando o silêncio me acalma,
eu sinto um desejo imenso,
de ouvir a voz de minha alma
na voz de tudo que eu penso!
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No outono, é que se descobre
que a vida é rota sem fugas,
pela presença mais nobre
do olhar, das primeiras rugas!
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Da rua de minha infância,
a saudade perpetua...
Meus passos, na ressonância
das pegadas pela rua!
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Chove!... e essa chuva, no entanto,
são lágrimas dos desejos
dos céus, acabando o pranto
dos olhos dos sertanejos!
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Quem ao outro, o amor não nega
esse amor, que ao bem conduz...
Se aceita a cruz que carrega,
não sente o peso da cruz!
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A planta, de olhar atento,
sabe que as folhas no chão,
serão adubo e alimento
de outras folhas que virão!
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Num berço, entre os mais singelos,
brilha uma luz que se lança
sobre os mais cruéis libelos,
dando aos mortais, a esperança!
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De ouro e de prata, eu sou pobre,
nunca ostentei vaidade;
não há riqueza mais nobre
que a nobreza da humildade!
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Saudade - eterna moldura,
que em todos nós, perpetua...
Passos da doce ternura
da infância de nossa rua!
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Não te esqueças que esse orgulho
que te deixa tão nervoso,
é a resposta desse entulho
do coração do orgulhoso!
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Meus versos cheios de enredos,
lutam contra o tempo atroz,
guardando os nossos segredos,
tão segredados por nós!
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Quando a tarde se aproxima,
e o sol, se despede ao léu,
põe versos cheios de rima,
nas nuvens que estão no céu!
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Sinto-me um velho andarilho,
na trilha dos rastros teus,
para entregar-te meu filho
o resto dos versos meus!
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Quando o espelho se aproxima,
num rosto velho enublado,
parece que falta a rima
que já sobrou no passado!
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Ah! se voltasse e, se eu visse
risos de amor e empatia,
talvez, a paz existisse
e afastasse a pandemia!
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O bilhete que te escrevo,
com mãos trêmulas, parece
que escrever mais não me atrevo,
sem teu calor que me aquece!
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A tarde de olhar sombrio,
nunca diz adeus, era vão...
Põe no olhar triste e vazio,
os olhos da solidão!
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Ante o beijo, me apequeno,
não sem motivo qualquer;
Quem prova desse veneno,
se rende a qualquer mulher!
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O filho embarca cantando,
mas, finge a dor dos seus ais,
com o lenço branco acenando
à mãe, que acena no cais!
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Se o orgulho, a ninguém socorre,
então, por que se orgulhar?...
Rio orgulhoso que corre,
perde o orgulho ao ver o mar!
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Quem faz guerra e busca a paz,
dá-me a resposta mais breve:
nem sabe aquilo que faz
nem faz aquilo que deve!
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Parte a jangada e, no entanto,
saudosos sonhos intensos
acenam cheios de pranto
ao cais, coberto de lenços!
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Quem faz promessas e juras,
ouvindo a voz do perdão,
percebe que as amarguras
e os desenganos se vão!
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Àquele que estende a mão,
para qualquer "Zé ninguém",
Jesus multiplica o pão
de quem dá pão, para alguém!

Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  
Enviado pelo trovador.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao Entardecer) – 3


A carícia do Nordeste
às lindas praias morenas
é magia que reveste
as suas noites serenas.
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Acorda a nossa consciência
o drama da moto-serra
que mesmo em sua inocência,
sela o destino da Terra.
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Após trabalho incessante,
num pipilo, o passarinho
anuncia, triunfante,
a festa de um novo ninho.
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A rosa, o lírio, a violeta
dão o tom com seus olores,
e o jardim abre a retreta
em sinfonia de cores.
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A roseira solferina
num cantinho do jardim,
guarda os sonhos da menina
que o tempo mudou, em mim.
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Até por gênios deixada,
a floresta a vida encerra,
e deserta, devastada,
sela o destino da Terra.
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Dizemos que o tempo voa,
e enquanto filosofamos,
ele vive aí... à toa...
e somos nós que voamos.
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Envolto em nívea camada,
sonha, em repouso, o jardim.
Vem o sol, derrete a geada…
Negro, o sonho chega ao fim.
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Fala a gota que se esconde
no cálice de uma flor;
fala o mar, tudo responde,
quando fala o Criador,
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Garoto à fome minguando,
na calçada sentadinho,
e o vendedor apregoando;
"Olha gente, o pão quentinho!"
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Na capelinha da aldeia,
os contornos esfumados
brilham à luz da candeio
da fé dos seus devotados.
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Na praça, neste banquinho,
passou correndo a amizade;
sentou o amor, só um pouquinho,
ficou pra sempre a saudade.
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Nas águas de um turvo horrível
espelha-se um céu cinéreo,
onde a ganância, insensível,
já pôs também seu império.
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  Nem sonhos maus acontecem
nas noites mais tormentosas.
Se teus abraços me aquecem,
durmo num leito de rosas.
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No mar a lua se espelha,
mas o gigante, enciumado,
reduz a cocos de telha
o lindo disco prateado.!
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Num estranho automatismo,
lá do fundo, os meus gemidos
voltam ò tona do abismo,
procurando os teus ouvidos,
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Parecemos - tu chorando
e eu num discreto lamento -
dois violinos ensaiando
a charanga atroz do vento.
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Se enfrento a agressão do frio,
do gelo pelos caminhos,
é porque me refugio
sob o sol dos teus carinhos.
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Se me abrigo no teu braço
das noites na travessia,
até da insónia, o cansaço
torna doce a companhia.
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Sem motivo, sem palavra,
no adeus insinuado em calma,
deste o golpe que escalavra
os pilares de minha alma.
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  Sinto, e é quase transparente
que estás a te divertir,
mas falta ao meu ser carente
coragem pra conferir.
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Talvez um simples "Bom dia"
dito em casual diapasão,
seja a nota de alegria
que faltava ao teu irmão.
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Toda enfeitada, a capela
faceira põe-se a esperar
de algum artista a chancela
que a venha imortalizar.
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Uma certeza me encanta
e traz minha alma aquecida:
Se o orvalho reanima a planta,
a fé é o orvalho da vida.
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Você, absurda e volúvel,
que ora quer, ora recusa,
é, o grande enigma insolúvel
em minha vida confusa.
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Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Painel do entardecer. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.
Enviado pela trovadora.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) XXXIX


A criança vai para escola:
vai faminta e não cochila,
leva os sonhos na sacola
mas, falta o pão, na mochila!
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Ama a vida, honra teu nome,
não perca a tua altivez;
que o tempo tudo consome,
mas, poupa a nossa honradez!
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Ao ver, ó cego, o sorriso,
no teu rosto sem visão,
percebo o quanto é preciso
sentir Deus no coração!
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Ave das noites sem luz,
o mocho, vagando em vão,
enfim, nos braços da cruz,
quebra a cruz da solidão!
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Em meio a tanto abandono,
se não creiais, vinde e vede,
que a velha rede sem dono
chora a ausência de outra rede!
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Essa saudade grisalha,
que em mim, se fez mendicância,
é fogo que se agasalha
nas palhas de minha infância!
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Eu não invejo o teu ouro,
mesmo sem prata em meu teto;
porque meu rico tesouro
vem do garimpo do afeto!
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Eu sinto a dor da floresta,
ao ver que o mundo sem dó,
ri do pouco que nos resta
aos poucos virando pó!
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Há na luz do entardecer,
um sossego tão agudo,
que o poeta pode antever
que há silêncio em quase tudo!
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Meia noite!... E, sobre as ondas,
ao delírio me conduz,
a lua fazendo rondas
e enchendo as ondas de luz!
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Mundo afora, enfrento atrito,
e a todo instante, empecilho;
parece que eu trouxe escrito
meu destino de andarilho!
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Na mocidade, não cabe,
os bens que a vida nos deu;
mas, na velhice, se sabe
tudo que o tempo escreveu!
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Não sei por que me confortas.
Pois, eu nem sei quem tu és;
se o canto das horas mortas,
cai feito pranto aos teus pés!
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Não temas!... Ergue-te agora,
que o Sol com tanto esplendor,
não lamenta e também chora
quando reflete na flor!
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No amor, há muitas surpresas;
não penses que me atrapalho...
Pode haver brasas acesas
sob as cinzas do borralho!
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O amor, tem seus atavios,
tem adereços e encantos,
e em meio aos seus desafios,
rolam mágoas, riso e prantos!
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O tempo, aos poucos, descreve
e, mostra com seus desvelos,
meus dias da cor de neve
no branco dos meus cabelos!
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O tempo, em silêncio, avança
e, neste silêncio mudo,
não leva tudo que alcança
mas leva um pouco de tudo!
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O tempo, nos dá de sobra,
exemplos com seus hiatos;
mas, muitas vezes, nos cobra,
respostas por nossos atos!
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Ouço a neblina e, à distância,
pelo toque, a noite inteira,
conto os segundos da infância
pelos pingos da biqueira!
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Por que preconceito e ódio,
com gênero, raça e cor?...
Assim, ninguém sobe ao pódio
da paz, da glória e do amor!
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Quando alguém, à fé, se entrega,
e crê na fé que o conduz,
não sente a cruz que carrega,
se do outro, carrega a cruz!
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São tantos os caracóis
nos arco-íris matinais,
que as nuvens, bordam lençóis
nos arcos dos seus varais!
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Se a sorte nunca te ajuda,
não percas nunca a esperança,
que o próprio destino muda
e a sorte volta e te alcança!
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Sorrio, que o riso acalma;
e, essa calma que preciso,
é alimento de minha alma
que vem da fonte do riso!
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Vão para o mar!... E, entre os seus,
quer do cais, quer dos barrancos,
lenços brancos dando adeus
aos sofridos lenços brancos!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Enviado pelo trovador.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LVIII


POBREZA
La pobreza en  la humildad,
 en noche fría de invierno,
 es  tristeza, es soledad...
 ¡es mismo, un cruel infierno!
 
MOTE:
A pobreza na humildade,
em noite fria de inverno,
é solidão, é saudade...
é mesmo um cruel inferno!
Carmen Patiño Fernandes 
(España)

GLOSA:
A pobreza na humildade,
quando falta pão e abrigos,
suspira por igualdade,
lamenta a falta de amigos!
 
Dormindo, só, pela rua,
em noite fria de inverno,
o menino tem da Lua,
seu único abraço terno!
 
É triste a realidade,
amarga, sem alegria,
é solidão, é saudade...
é só dor, só nostalgia!
 
A miséria, a fome, enfim,
parece um problema eterno...
Sinto em prantos  dentro em mim:
é mesmo um cruel inferno!
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MEDOS...
 
MOTE:
A solidão forja medos...
e ao me deixares um dia,
feri os pés nos rochedos
sem temer a travessia!
Florestan Japiassú Maia
Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 2006

GLOSA:
A solidão forja medos...
Eu me sinto enclausurado,
escravo dos meus segredos
e neles acorrentado!
 
Eu pensava que me amavas...
e ao me deixares um dia,
meu coração tu roubavas
e toda a minha alegria!
 
Rasguei, então, os enredos,
da nossa história de amor,
feri os pés nos rochedos
e enfrentei toda essa dor!
 
Com meus medos exilados,
vestidos de nostalgia,
transpus abismos passados
sem temer a travessia!
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FUTURO INCERTO...
 
MOTE:
Quanto mais olho o futuro,
vejo a solidão na estrada
fico perdido, inseguro,
ante a angústia de meu nada...
Ivone Taglialegna Prado  
Paraguaçu/MG,  ??? –  2022, Belo Horizonte/MG

GLOSA:
Quanto mais olho o futuro,
menos consigo enxergar,
está tudo tão escuro,
me sinto desanimar.
 
Na estrada da solidão,
vejo a solidão na estrada
e o meu pobre coração,
só com ela acompanhada!
 
Sozinho, não me aventuro,
tremo e choro, eu sinto medo,
fico perdido, inseguro,
o meu futuro é um segredo!
 
Essa dúvida angustia
minha alma desordenada,
que parte em busca do dia
ante a angústia de meu nada...
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SONHOS
 
MOTE:
Sou feliz na meia-idade,
revivendo, persistente,
os sonhos da mocidade,
nos sonhos do meu presente.
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012

GLOSA:
Sou feliz na meia-idade,
vivo de recordações
da colorida amizade
sempre cheia de emoções!
 
Sinto de novo a ternura
revivendo, persistente,
tantos dias de ventura
de uma vida comovente.
 
Relembro com ansiedade
aquele amor  tão profundo...
os sonhos da mocidade,
melhores sonhos do mundo!
 
Quase-velho e já cansado
me torno um adolescente,
transformo o sonho passado,
nos sonhos do meu presente.
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EU TE AMEI
 
MOTE:
Eu te amei sem ser amado,
e ainda, por te querer,
peço perdão de um passado
que eu não consigo esquecer...
Milton Nunes Loureiro
Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ

GLOSA:
Eu te amei sem ser amado,
te desejei noite e dia,
foste o sonho mais sonhado...
foste a tristeza e a alegria!
 
Resta sempre uma esperança,
e ainda, por te querer,
sinto aumentar a confiança...
nova luz no amanhecer...
 
Mas quando estou ao teu lado,
sinto medo, um medo atroz,
peço perdão de um passado
nunca vivido por nós!
 
O amor não correspondido
causa dor e padecer,
é tão forte, tão sofrido,
que eu não consigo esquecer...

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas X. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Agosto 2003.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...