Postagens por Marcador

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Durval Mendonça (1906 - 2001)


1
A garoa é ouro fino
das arcas celestiais
que desce em fluido divino
na terra dos cafezais ...
2
A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.
3
Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.
4
A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.
5
Aleijadinho, com traços
que o teu cinzel pôs na História,
a Via Sacra dos Passos
levou teus passos à glória.
6
Alta noite... Um sino plange...
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.
7
Ao beijar a tua mão,
que o destino não me deu,
tenho a estranha sensação
de estar roubando o que é meu...
8
Ao fim de instantes felizes,
quando me dizes adeus,
parece, amor, quando o dizes,
que o céu vai ficar sem Deus.
9
Ao ver crianças em bando
que passam rindo, por mim,
fico feliz relembrando
os bandos que tive assim.
10
Após cruentas batalhas,
quantas lágrimas fluíram,
umedecendo medalhas
de bravos que nunca as viram.
11
A praia é cama estendida,
onde o mar e a lua cheia...
- Cala-te, boca atrevida,
não fales da vida alheia!
12
As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões
13
A vida é roda de fogo,
gira em franco desatino...
Cartas sem naipe de um jogo
em que o parceiro é o Destino.
14
A vida... Que vale a vida?
Ela talvez nem me importe...
Pobre ampulheta invertida
nas mãos do Tempo e da Morte.
15
A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.
16
Bateram, fui ver. À toa...
Ninguém bateu... Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.
17
Bebo, sim!... Quanto puder!
Pois vejo, ao fundo da taça,
tua graça de mulher
fazendo minha desgraça...
18
Cachaça sempre dá jeito,
quando a saudade me abafa:
ponho a cachaça no peito
e a saudade na garrafa
19
Cai a noite e neste quarto
que há muito você não vê,
meu coração anda farto
desta escassez de você.
20
Caminhos da minha infância
que a saudade inda percorre...
Tudo morreu na distância
e esta saudade não morre...
21
Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.
22
Como a lua é lisonjeira,
quando eu canto em serenata!
Ela aplaude a noite inteira,
batendo palmas de prata.
23
Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia
24
Como é triste o olhar parado
que, das grades da prisão,
pensativo, o encarcerado
deixa livre na amplidão...
25
Como um sino em hora morta,
após tantos dissabores,
meu coração bate à porta
de um cemitério de amores.
26
Com teu jeito assim brejeiro
de sinfonia concreta,
és o melhor travesseiro
para os sonhos de um poeta.
27
Coração, eu já lhe disse:
Tome cuidado, porque
eu faço muita tolice
depois... quem paga é você.
28
Criança brava, e atrevida
faz da vassoura um corcel
e enfrenta os mares da vida
num barquinho de papel.
29
Dai, Senhor, à criatura
deste mundo, enquanto é cedo,
um pouco mais de ternura,
um pouco menos de medo!...
30
Dos beijos, o mais terrível,
que assombrou povos inteiros,
por mais que pareça incrível,
custou só trinta dinheiros.
31
Dos teus olhos eu me esquivo,
para vencer a inquietude;
são pedras de fogo vivo
no caminho da virtude.
32
Eis o fim, penoso... amargo...
que eu tanto e tanto temia.
indiferença... letargo...
nosso amor em agonia.
33
Em desforra merecida,
porque me dá muitas sovas,
atiro pedras na vida
e minhas pedras são trovas.
34
Em meu barraco de zinco,
sem ninguém, sem afeição,
eu deixo a porta sem trinco,
mas só entra a solidão.
35
Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.
36
Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.
37
Emocionado e feliz,
ao vê-la altiva e formosa,
tenho pena da raiz
que não pode ver a rosa.
38
Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.
39
Entra o sol pela vidraça
e em teu leito empalidece,
deslumbrado pela graça
que teu corpo lhe oferece.
40
Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade;
fui lesado na medida,
no preço e na qualidade.
41
Essa lágrima, luzindo
em teus olhinhos, meu bem,
é o sofrimento mais lindo
que vi no rosto de alguém
42
Essas vitórias compradas,
que a gente vê a granel,
são farsas mal disfarçadas,
desses heróis de papel.
43
Esta lágrima indiscreta,
que vês, agora, em meu rosto,
é o lamento de um poeta
na agonia do sol-posto.
44
Estas lágrimas que choro,
e você faz que não vê.
são tudo o que mais deploro,
porque as choro por você.
45
Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.
46
Este mar de cara feia,
de adamastores e lendas,
é o mesmo que, à lua cheia,
recobre as praias de rendas.
47
Este olhar perdido e triste,
na curva, longe, da estrada,
é tudo que ainda existe
de uma promessa quebrada...
48
Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.
49
Eu conto por sete dedos,
sete sonos que me tiras,
porque tens sete segredos
por trás de sete mentiras.
50
Eu fiquei penalizado,
ao ver-te passar, depois,
sem viço, de olhar cansado,
com saudade de nós dois.
51
Eu luto desde menino,
com bravura redobrada,
neste jogo em que o Destino
joga de carta marcada.
52
Eu não pude ver ainda
a razão desse teu pranto;
uma lágrima tão linda
não a tem quem sofre tanto.
53
Eu penso, quando tu passas,
alegre, de manhãzinha,
Nossa Senhora das Graças
deve ser tua madrinha.
54
Eu rolo desde menino,
feito pedra sem parar...
Só Deus sabe que destino
meu destino há de me dar.
55
Eu vejo, de minha rede,
nas noites quentes de estio,
a lua matando a sede
nas águas frescas do rio.
56
Eu vi a Felicidade,
toquei-a até com meus dedos...
Vi, sim, mamãe, é verdade,
numa loja de brinquedos!...
57
Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.
58
Felicidade - mosaico
de pedrinhas coloridas,
que, em meu destino prosaico,
não consigo ver unidas.
59
Fui ao forró distraído...
Filomena me sorriu.
Eu não lhe vi o marido...
Mas o marido me viu!
60
Lágrima a lágrima faço
de amarguras meu rosário...
Vou levando, passo a passo,
minha cruz ao meu calvário.
61
Minhas trovas são lampejos
em minha alma entristecida;
risonhos ou tristes beijos
que dou na face da vida.
62
Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
um homem do meu tamanho
tinha o tamanho de Deus.
63
Nenhum barco... o mar parado.
Noite... silêncio... abandono...
E o velho farol, cansado,
parece piscar de sono...
64
Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.
65
Poças que o mar faz na areia...
Ao vê-las, paro e medito
nessa humildade tão cheia
das estrelas do Infinito.
66
Quando a noite vem descendo
e o mundo parece em calma,
existe um mundo fervendo
na inquietação de minha alma.
67
Vai o rio em cantochão...
Suas águas se lamentam.
Parecem pedir perdão
às pedras que as atormentam.
68
Vai-se o trem.. - Deixa a estação.
O silvo agudo é o sinal...
E uma lágrima no chão,
marcando um ponto final...
69
Vejo os espaços profundos
contraditando os ateus.
Há, no mistério dos mundos,
toda a evidência de um deus...
70
Vejo, perdido de amores,
por entre incertos meandros,
encantos enganadores
em teus olhinhos malandros.
71
Vejo-te sempre rolando,
indo e vindo... Que aflição!
Responde, mar, até quando
viverás na indecisão?
72
Vem, lua, pela vidraça
ver minhas noites vazias...
Um quarto frio, sem graça,
de um pobre joão sem marias.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

José Messias Braz


1
A esperança no horizonte
do estéril chão da viagem
reflete ao moço uma fonte,
que para o velho é miragem!
2
A minha casa é um cantinho,
mas, na humildade do espaço,
tem a ternura de um ninho
e a proteção de um abraço!
3
Ante a dor que me espezinha,
a esperança se evapora…
Até a saudade que eu tinha
não quis ficar… foi embora!
4
As folhas secas parecem,
sobre a poeira no chão,
ilusões quando fenecem
no fundo do coração.
5
Até mesmo a companheira,
minha sombra magricela,
sente falta da parceira
que caminhava com ela!...
6
Até na igreja, meu Deus,
quando ela passa ante os santos,
em rondas os olhos meus
vão bebendo os seus encantos!...
7
A trova, quando termina
em perfeita construção,
é uma casa pequenina,
com requintes de mansão!
8
Cai a noite... e uma ansiedade,
no olhar materno e sombrio,
ronda um leito de saudade
que a guerra deixou vazio
9
Com seu drama, a pobre infância,
abandonada e sem lar,
é uma aurora que a ganância
jamais permite raiar.
10
Contemplo mamãe rezando...
e em seu olhar, tão bonito,
vejo a saudade buscando
uma ausência no infinito!...
11
Cruzando céus escarlates,
ferido por estilhaços,
sou gigante nos combates
e criança nos teus braços!
12
De antigos mares eu venho,
vencendo fúrias e abrolhos,
buscar a paz que só tenho
na meiguice de teus olhos!
13
Deixa o sorriso fluir,
rolar pela vida incerta...
para quem sabe sorrir,
há sempre uma porta aberta.
14
Em meu quarto, hoje sombrio,
na solidão que me invade,
brotam versos do vazio,
com requintes de saudade!
15
Em rondas, meu coração,
tropeçando, aqui e ali,
bate em busca da ilusão
que nem sei onde perdi !
16
Essa ternura, Mãezinha,
com que acalentas o filho,
parece chuva mansinha...
regando a roça de milho!
17
Eu sou pequeno, seu moço,
mas quando tiro o chapéu,
minha alma estica o pescoço
e enxerga Deus lá no Céu!
18
Meu coração é sol-posto,
mas, nos campos da quimera,
vira na flor do teu rosto,
um luar de primavera!
19
No aeroporto, o adeus, o abraço...
e no olhar... rastros de dor!
– Lá se foi, rasgando o espaço,
uma promessa de amor!...
20
No inverno longo e silente
que atinge a terceira idade
há um fenômeno envolvente:
não cai neve... cai saudade.
21
O sonho que idealizo
tem, na sua imensidade,
o tamanho do sorriso
de quem mata uma saudade!
22
Parece até uma ironia!...
Mas o medo é o meu escudo...
e, ao ver tanta covardia,
eu tenho medo de tudo!
23
Passarinhando ilusão,
pisei pomares tristonhos,
e trouxe da solidão
a renúncia dos meus sonhos.
24
Pouso Alegre, esse teu brilho
pôs-me a seguir os teus passos;
mesmo não sendo teu filho
quero morrer em teus braços.
25
Quando o inverno esfria o zinco
do meu barraco e me invade,
uma ausência puxa o trinco
e me cobre de saudade!…
26
Velha cabeça, onde os dedos
da ilusão tocam de leve,
és o outono dos segredos
que o inverno cobriu de neve!
27
Vinde, andorinhas, no estio,
festivas, em tarde mansa,
pousar no último fio
que me resta de esperança.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...