Trovadores em Ordem Alfabética

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segunda-feira, 30 de junho de 2025

João Rangel Coelho (Juiz de Fora/MG, 1897 – 1975, Rio de Janeiro/RJ)

1
A angústia que mais me aterra,
neste mundo assim medonho,
é sentir-me preso à terra,
tendo asas para o sonho.
2
A ausência vale, em verdade,
como teste de valor:
- mede, através da saudade,
a fibra de um grande amor!
3
A chuva embala quem sofre...
Quando chove como agora,
a gente abre um velho cofre,
lê velhas cartas e chora...
4
Aérea, fluída de gaze,
corpo volátil de essência
sua presença era quase
como se fosse uma ausência.
5
A justiça imaculada,
tendo no céu as raízes,
não pode ser acusada
dos erros dos maus juízes.
6
A lágrima é um pingo d'água,
Irizado e transparente:
- A bailarina da mágoa
dançando no olhar da gente.
7
Ante as cantigas de roda
das crianças no jardim,
a minha infância vem toda
cantar também dentro em mim.
8
Ao ver-te sobre os embalos
do seu Packard, eu sussurro:
"Um carro de cem cavalos
guiado por um só burro"…
9
Aquela moça, tão casta,
bebe muito... E a gente vê,
ante a barriga que arrasta,
que o seu caso é de... bebê…
10
Aqui repousa, sem tédio,
esse doutor eminente,
porque tomou o remédio
que receitara a um cliente...
11
As  reticências, com a gaze
de sua móbil perícia,
são bailarinas da Frase,
para o ballet da Malícia..
12
A tua mão cor de neve,
frágil lírio delicado,
pousou na minha, de leve,
para este adeus tão pesado!
13
A vida é mar inclemente,
amargo, cheio de mágoas,
que põe nos olhos da gente
o gosto das suas águas.
14
A vida é onda encrespada
por onde a gente, a nadar,
nada, nada, nada, nada,
até ao nada chegar!
15
A vida, frágil espuma,
volátil como as essências,
nos lembra um ai que se esfuma
vagamente, em  reticências…
16
Ciumento, com fúria louca,
às vezes penso, afinal,
que beijas na minha boca
a boca de um meu rival.
17
Criança! O medo me invade
ao ver, ingênuo e profundo,
o teu olhar sem maldade
ante a maldade do mundo.
18
Das dores que me consomem,
eis a que mais me espezinha:
ver que há de ser de outro homem
quem nasceu para ser minha.
19
Das rodas da gente honrada
sempre enxotado como és,
já deves ter calejada
a zona dos pontapés...
20
Deixei aberta a janela
desta minha alma sonora...
A saudade entrou por ela
e nunca mais foi-se embora.
21
Enquanto o tempo se vinga,
anoitecendo as auroras,
o velho relógio pinga
as  reticências das horas…
22
Filhinho meu, ó meu sonho,
clarão dos meus olhos baços,
tendo-te ao colo, suponho
que tenho o mundo nos braços.
23
Há no silêncio das plantas,
a germinar pelas leivas,
o grito de mil gargantas,
numa algazarra de seivas.
24
Há presente, em minha sorte,
uma angústia indefinida...
Não é bem medo da morte;
é, talvez, medo da vida!
25
"Hoje estás outro!" e a boca
beijou-me, falando assim.
 "Eu... outro? Que coisa louca!"
Tive ciúmes de mim!
26
Marejaram pequeninas
nos seus olhos rasos d’água,
três lágrimas cristalinas:
- As reticências da Mágoa...
27
Maria Clara não poupa
gastos com a moda. Morou?
E vai gastando com roupa
o que, sem ela, ganhou...
28
Mesmo na treva mais densa,
seu estro tais luzes leva
que, trovador de nascença,
a trova lhe trava a treva.
29
Morre, nostálgico, o dia...
E, ao vê-lo morrer, me ocorre
ter a mesma nostalgia
da hora em que o dia morre..
30
Nas ânsias insatisfeitas
dos mais frustrados esforços,
certas angústias são feitas
com retalhos de remorsos.
31
Nas brancas ruas caiadas,
da terra do sono infindo,
as portas estão fechadas
e todos estão dormindo...
32
Na sua infinita mágoa,
vindo da fonte, em que medra,
a fibra da gota d'água
perfura, aos poucos, a pedra.
33
No teu quarto, de joelho
curvado à beleza tua,
tenho ciúmes do espelho
que já te viu toda nua.
34
Numa alegria incontida,
sou bem feliz, porque ponho,
na taça escura da vida,
o claro vinho do sonho!
35
O cura de Santarém
é milagroso de fato:
os afilhados que tem
são-lhe o perfeito retrato...
36
Ó filhinha que me encanta,
que me acarinha e me quer!
Há de ser mulher e Santa,
mais Santa do que Mulher!
37
O mar imenso e profundo
vai gemendo, sem parar...
Todo gemido do mundo
geme no fundo do mar!...
38
O mundo! Dele me escondo
com pudicícia e recato.
Dizem que o mundo é redondo,
mas está ficando chato...
39
Os homens armam-lhe engodos...
E ela, longínqua e modesta,
passa, intocada, entre todos,
com a fibra de ser honesta.
40
Os séculos e os milênios
não apagam na verdade,
a fibra clara dos gênios,
ungidos de eternidade.
41
Papai Noel, como, explicas
teus gestos nem sempre nobres?
Dás tudo, às, crianças ricas,
e nada às crianças pobres.
42
Para consolo da gente,
na vida, luta que cansa,
há uma vitória latente
dentro de cada esperança.
43
Por que meu fado se atreve
a dar-me após a desdita,
para um amor que foi breve
esta saudade infinita?
44
Sendo o amor uma batalha,
sentimos que, em sua trama,
não há vitória que valha
a rendição de quem ama.
45
Senhora, que tenho em mira!
Por amar-vos, para ter-vos,
em vez das cordas da lira,
tanjo as fibras dos meus nervos!
46
Senhor Deus, ó Pai dos pais!
Por que motivo consentes
entre teus filhos iguais,
destinos tão diferentes?...
47
Se o Mar,com os dedos das ondas,
vem em delírio afagar
as tuas formas redondas,
tenho ciúmes do Mar.
48
Tenho a fibra dos audazes.
Mas tu, menina, tão mansa,
da minha fibra é que fazes
teu brinquedo de criança.
49
Toda saudade consiste
neste contraste evidente:
uma alegria tão triste
numa ausência tão presente.
50
"Todo animal é imperfeito!"
Afirma o José de Tal.
(Só o homem, no seu conceito,
é que é um perfeito animal.)
51
Se tu és rico e eu mendigo,
ao morrermos tu mais eu,
não levas nada contigo
e eu levo tudo o que é meu...

domingo, 29 de junho de 2025

Milton Nunes Loureiro (Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ)

1
A bebida que me invade,
parecendo não ter fim,
é a tristeza de uma grade
que se fecha dentro em mim...
2
A ciência me conduz
a pensar desta maneira:
do excesso, às vezes, de luz,
pode nascer a cegueira...
3
Amanhã... Depois... Depois...
Foi assim a vida inteira...
E entre os sonhos de nós dois,
a intransponível fronteira...
4
A penumbra que me invade
e que nunca chega ao fim,
é a janela da saudade
fechada dentro de mim...
5
Apesar dos solavancos
em minha vida sem cor,
adornei, com lírios brancos,
nossos segundos de amor...
6
A tristeza que me invade
e que nunca chega ao fim,
é a esquina de uma saudade
que eu dobro dentro de mim...
7
A tristeza que me invade
e que nunca chega ao fim,
é uma história de saudade
que existe dentro de mim...
8
A tristeza que me invade,
parecendo não ter fim,
é o cantar de uma saudade
que eu ouço dentro de mim...
9
A tristeza que me invade,
parecendo não ter fim,
é um passado de saudade,
que chora dentro de mim...
10
A vida às vezes revela
certos contrastes assim:
eu – enredado por ela;
e ela – a tramar contra mim!
11
Chegaste, os braços abertos
após as tuas andanças
E trouxeste aos meus desertos
mil motivos de esperanças...
12
Chegaste, os braços abertos,
tranquila... em tuas andanças,
e plantaste em meus desertos
mil sementes de esperanças...
13
De tanto sofrer na vida,
eu peço a Deus, sem revolta:
- Abra as porteiras da ida,
feche as porteiras da volta!...
14
Do poder tens o infinito,
à fortuna tens direito,
mas não sufoques o grito
do amor que vive em teu peito...
15
Embora colhendo espinhos
em meu viver malogrado,
semeio pelos caminhos
bem-me-quer por todo lado...
16
Embora sempre tristonhos,
são os teus olhos, querida,
dois candelabros de sonhos
pondo luz em minha vida.
17
Encerrando a caminhada
que anuncia o fim da vida,
corajoso na escalada,
tenho medo da descida...
18
Enquanto a noite vagueia
pela minha solidão,
a distância mais ateia
o fogo desta paixão...
19
Entardece e a caminhada
leva ao outono da vida…
Se a subida é quase nada,
é dolorosa a descida!…
20
Entre caminhos, frementes,
os meus lábios, em volteios,
dançam valsas diferentes
na vereda dos teus seios...
21
Esperança, não me peças
que acredite em tuas juras...
Já me cansei de promessas
e me perdi nas procuras...
22
Essa angústia que me invade,
parecendo não ter fim,
é a triste rua-saudade,
que chora dentro de mim...
23
Esta carta que ora mando
a você, com muita ânsia.
é a saudade soluçando
sobre os trilhos da distância.
24
Esta cautela, querida,
que persiste entre nós dois,
dá mais vida à nossa vida
e mais crença no “depois” ...
25
Esta pergunta te faço,
meu coração sonhador:
- se possuis tão pouco espaço,
como guardas tanto amor?...
26
Eu não entendo, Senhor,
a diferença das ruas:
- Umas, repletas de amor,..
outras, de amor, sempre nuas.
27
Eu não sei, meu Deus, por que,
tendo a vida em desalinho,
encontro sempre você
ao longo do meu caminho.
28
Fronteira é a mais desumana
das humanas criações:
desiguala e desirmana
homens de iguais corações!
29
Imagens difusas... Sonho
irrealizado, sofrido,
que eu componho e recomponho
na dor de te haver perdido...
30
Liberta este amor profundo
dos grilhões dos teus desertos,
que o maior Homem do mundo
morreu de braços abertos.
31
Não quero o poder que esmaga
o sonho com seu furor..
Eu quero o poder que afaga
nossos momentos de amor ...
32
Neste mundo passageiro,
a vida, que vai fluindo,
é um intervalo ligeiro,
dois silêncios dividindo...
33
No amor é bom ter cuidados
para evitar dissabor...
Nem sempre em beijos trocados
trocam-se beijos de amor.
34
O amanhã, que importa agora?
Que nos importa o depois?...
Vamos viver, vida afora,
o imenso amor de nós dois!...
35
O poeta em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
nos devaneios da vida
vai muito além do horizonte...
36
O poeta em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
tem sempre o aceno da vida,
que o leva além do horizonte...
37
O poeta em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
tem sempre um sopro de vida
que o leva além do horizonte...
38
O poeta em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
vence as distâncias da vida
e vai além... do horizonte...
39
O tormento que me invade,
parecendo não ter fim,
é o sininho da saudade,
que plange dentro de mim!
40
Primaveris e frementes
os meus lábios, em volteios,
trocam passos diferentes
sob o manto dos teus seios...
41
Profano, sem horizonte,
caminho, sedento e triste,
à procura de uma fonte
que eu nem mesmo sei se existe...
42
Sem direito de sonhar,
vagando no mundo, a esmo,
nem sequer pude marcar
encontro comigo mesmo!
43
Sem jamais fazer menção
ao destino que a conduz,
a raiz, na escuridão,
mantém os ramos na luz!...
44
Senhor, escuta os cicios
dos excluídos, sem teto...
Troca seus ninhos vazios
por ninhos cheios de afeto!
45
Se o meu tempo está marcado
e da saudade eu disponho,
invento alguém ao meu lado,
cerro meus olhos e sonho...
46
Somente tristes lembranças
vão comigo pela estrada...
Eu, que plantei esperanças,
colho derrotas... mais nada...
47
Talvez exista, suponho,
no pensar que em mim se espalma,
razões para achar que o sonho
é sempre o cinema da alma.
48
Tanta ternura mostrando,
teus olhos – juro por Deus –
são mil promessas bailando
na valsa do nosso adeus...
49
Tarde demais...e as lembranças
vão comigo pela estrada...
eu que plantei esperanças
vivo de sonhos... mais nada...
50
Teu poder de sedução
e a magia dos teus braços,
levam minha solidão
a percorrer os teus passos ...
51
Todas as pedras, querida,
que a vida atira em nós dois,
dão mais vida à nossa vida
e mais crença no "depois"...
52
Uma verdade patente,
que não tem contestação:
abrir ESCOLA é semente
que fecha muita prisão.

Ruth Farah Nacif Lutterback (Cantagalo/RJ, 1932 – 2017)

1 A cidade que conserva o coreto do jardim, seu patrimônio preserva uma riqueza sem fim. 2 A “muralha” mais temida é o desprezo que se tem d...