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sábado, 26 de junho de 2021

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) Guerra e Paz (?)


Na antinomia entre guerra e paz parece que o primeiro termo sobreleva-se extraordinariamente! Infelizmente! O mundo nunca teve um dia de paz, A história da humanidade é a história das guerras. Não conheço nenhum livro dedicado à paz, mas inúmeros dedicados à guerra. Talvez porque a paz seja um estado natural, normal, enquanto a guerra é um fato provocada pela estupidez do homem. Apesar disso, a paz é um ideal a ser buscado, mesmo que ela se nos apresente como uma utopia!


Sem os horrores da guerra,
feliz o mundo seria.
É pena que Paz na Terra
ainda seja utopia.
João Costa - RJ

Trovadores - renitentes -
tenhamos este ideal:
- Fazer das trovas sementes
para a Paz universal!
Alberto Fernando Bastos - RJ

O que eu mais quero na vida
é a paz remando na Terra,
mas não a paz confundida
com mera ausência de guerra...
Newton Vieira - MG

O bom senso é que lhes faz
o apelo nobre e profundo;
- Um beijo branco de paz
na face rubra do mundo!
Batista Soares - CE

A paz que tanto se exorta
há de encontrar o seu clima;
o mundo já não comporta
novas versões de Híroshima!
José Ouverney - SP

Que nenhum povo se agrida,
que a paz não mude de nome,
e o canto de amor à vida
supere as guerras e a fome!
José Ouverney - SP

Num tempo em que tanta guerra
enche o mundo de terror,
benditos os que, na Terra,
semeiam versos de amor!
Antônio Augusto de Assis - PR

No passado e no presente,
pelo mai que sempre fez,
é a guerra - infinitamente -
a suprema insensatez!
Waldir Neves - RJ


Por trás das guerras estão quase sempre os interesses econômicos, principalmente o dos interessados em vender armas. A indústria de armamento é um dos setores mais poderosos e ricos do mundo, graças à miséria das guerras, espontâneas ou incentivadas.

Se os povos querem que a paz
reine sempre em toda a terra,
por que é que cada vez mais
fabricam armas de guerra?
Roosevelt da Silveira - ES

Do púlpito, a paz que pregam
é simplesmente verniz,
pois seus ensinos renegam
abençoando os fuzis.
Pedro Ornelas - SP

Faz vergonha nesta terra
ver gente brigar por óleo
e nações fazerem guerra
por um barril de petróleo.
Rodrigues Neto - RN

O que mais nefasto existe,
em qualquer parte da Terra,
é o quadro horrível e triste
da violência da guerra.
Reinaldo Moreira de Aguiar - RN

Sinto que a vida na terra,
com a guerra se desfaz!
Só se faz arma de guerra,
com a terra pedindo paz!
Prof. Garcia - RN

Por razões, às vezes fúteis,
corre o sangue numa guerra.
Eis as sangrias inúteis
que envergonham nossa terra.
Miguel Russowsky - SC


Algumas vezes tem-se o cinismo de fazer guerra em nome da paz, fato que devemos denunciar com veemência.

Um grito de pacifismo
há de ecoar sobre a terra,
denunciando o cinismo
de quem, pela paz, faz guerra!
Gonzaga da Silva - RN

Esta violência me aterra,
este cinismo é demais:
- Dizer-se que se faz guerra
em benefício da Paz!
Luiz Rabelo - RN

Quem meditar por instantes
certos conceitos refaz:
o mais caro dos brilhantes
não vale o brilho da paz!
Ederson Cardoso de Lima - RJ

Os homens maus desta terra
de forma vil e falaz,
promovem, no mundo, a guerra,
em nome da própria paz!
Ademar Macedo - RN

Irônica hipocrisia
dos poderosos da terra:
com promessas de harmonia
pregam paz e fazem guerra.
Wanda de Paula Mourthé - MG


A triste realidade é que a guerra segue assolando a humanidade. O trovador a denuncia, mas quando será ouvida a sua voz?

Nesta mensagem se encerra
o que o mundo sempre faz:
- acata as ordens da guerra,
nega as mensagens de paz.
Luiz Carlos Abrita - MG

É o desvario do mundo
de alguns Senhores da Terra…
que implanta, de quando em quando,
os desvarios da guerra!
João Freire Filho - RJ

Quando há morte programada
pelos quadrantes da terra,
homens que não valem nada
sentem paz plantando guerra.
Nilton Manoel Teixeira - SP

Com ódio, o homem na Terra,
a tudo faz e desfaz…
Que bom, se ao invés de guerra,
pensasse apenas na Paz!
Nilci da Silva Guimarães - MG

Vive o mundo em que vivemos
gemendo, pedindo paz,
mas a resposta que temos
mais sofrimento nos traz.
Angélica Villela Santos - SP

O mundo está mergulhado
num cauda! de violência,
oprimido, fustigado,
pelo furor das potências.
Aristeu Bulhões - SP

A paz seria o roteiro,
o caminho natural
para unir o mundo inteiro
num abraço universal!
Aristeu Bulhões - SP


Infelizmente, a paz tão desejada ainda permanece uma utopia. Só nos resta continuarmos a lutar por ela, com os recursos de que dispomos, a nossa sensibilidade de poeta. O nosso anseio pela paz é tão intenso e legítimo que muitas vezes ela se transforma em sonho e fantasia.

A Paz - bandeira alvadia
que pelo espaço se embala,
tanta guerra concilia
que a violência se cala.
Sebastião Soares - RN

Vou brincar com pirilampos
e beijar as flores nuas
pra ver se encontro nos campos
a paz que fugiu das ruas!
José Lucas de Barros - RN

Minha luta se agiganta,
pois vivo pregando a paz,
cantando-a por quem não canta,
fazendo-a por quem não faz.
Rodrigues Neto - RN

A paz, virtude fugaz,
que todos querem buscá-la,
só com atitude audaz
poderemos alcançá-la!
Gonzaga da Silva - RN


Mas a guerra, além da devastação e do sofrimento em geral, tem um triste e mais doloroso aspecto, o das famílias que veem seus filhos partirem para a guerra e são mortos nas batalhas.

Beija a mãe, filho querido
convocado para a guerra!
Não há um adeus mais doído
em toda a face da terra!...
Hélio Azevedo de Castro - PR

Morreu na guerra. Que brilho!
Tem mais um herói a história.
E a mãe, chorando o seu filho,
amaldiçoa essa glória.
Lilinha Fernandes - RJ

Da guerra, entre os seus horrores,
não há glória que compense,
para os Pracinhas, as dores
de quem perde ou de quem vence!...
Hermoclydes Siqueira Franco - RJ


E finalmente, nunca é demais enfatizar:

Pela guerra não há glória:
- Perder, vencer, tanto faz!
- A verdadeira vitória,
só se alcança pela paz!
Orlando Woczikosky - PR

Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Oficina de Trovas do Assis

 Trova é isto: uma sequência de 28 sons, ou seja, 28 notas musicais, formando um poema composto de quatro redondilhas maiores.

Entende-se por redondilha maior o verso setissílabo, provavelmente o mais antigo modo, ou pelo menos o modo mais natural de transformar palavras em música. Uma escala musical completa: dó-ré-mi-fá-sol-lá-si...

A redondilha está na boca e no ouvido do povo, em todas as línguas, desde que o homem e a mulher aprenderam a emitir sons vocais.

Está nos ditados populares:

- Quem tem boca vai a Roma.

- Filho de peixe é peixinho.

- Quem nasceu pra lagartixa / nunca chega a crocodilo.

- Agua mole em pedra dura / tanto bate até que fura...

 
Está nas cantigas de roda:

- Oh ciranda, cirandinha / vamos todos cirandar...

- Meu limão, meu limoeiro, / meu pé de jacarandá...

 
Está na declamação das crianças:

- Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão... / Batatinha quando cresce / vira um baita batatão...

 
Está na música popular de modo geral:

~ Toda vez que eu viajava / pela estrada de Ouro Fino...

- Fica comigo esta noite / e não te arrependerás...

Está na linguagem bíblica:

- Deus criou o céu e a terra / e viu que tudo era bom.

- Pai nosso que estás no céu / santificado é o teu nome...

Técnica

Aqui não cabe um estudo pormenorizado sobre técnicas de versificação. Vale, entretanto, lembrar que a trova, como as demais modalidades de poesia, tem normas a serem obedecidas. O trovador necessita, sobretudo, estar atento às questões da rima e da métrica.

 RIMA

 A rima, segundo as normas atuais, como já vimos, deve ser dupla, isto é, devem ser rimados o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Em trova não há, porém, grande exigência quanto ao fato de a rima ser rica ou pobre, no sentido tradicional de que rica seria a rima entre palavras de diferentes categorias gramaticais: verbo com substantivo, adjetivo com advérbio etc. Isso não tem sido levado muito a sério atualmente. Mais importante é o trovador estar atento para evitar certos cochilos que, estes sim, enfraquecem o verso. Por exemplo:

 rimas com palavra derivadas: ver / rever; agir / reagir; tempo / contratempo.

 rimas imperfeitas, assim chamadas por haver diferença no timbre das vogais tônicas:

ideia / areia; sacode /pôde; melhor /favor.

rimas regionais: há, por exemplo, quem pronuncie /friu/, /riu/, num único som, rimando com "viu", em vez de /fri-o/, /ri-o/, em dois sons, como recomenda o Decálogo de metrificação adotado pela UBT.

rimas homófonas, em que a vogal tônica seja a mesma - e com o mesmo timbre – nos quatro versos (sem que haja sons internos fortemente contrastantes), como nestes exemplos inventados:

 Moda nova quando nasce
já se espalha pela praia;
porém logo ela desfaz-se
se outra moda entra na raia.
 
Tenho uma rede e uma esteira
no meu rancho de sapê;
e uma roseira faceira
que plantei para você...
 
Fiz que fiz, fiz que não fiz,
fiz do jeito que farias.
Se o que fiz te faz feliz,
faço assim todos os dias!

  MÉTRICA

(Estudo com base no Decálogo de Metrificação de Luiz Otávio, adotado pela UBT) 
 

1) As sílabas são contadas até a última tônica do verso.

Poderá a força etrica 
de um sábio computador 
ensinar contagem trica 
mas não faz um trovador...
 
- relâmpagos e trovões 
- esta vida é passageira 
- o canto alegre dos ssaros 
 

2) As pontuações não impedem as junções de sílabas.

Pensa em calma! Evita errar, 
injusto é se nos reprovas, 
pois não queremos mudar 
o modo de fazer trovas.
 
 - Moça que sonha, escondida,
- Que pena... ela foi-se embora
- Vou dizer-te: avida é bela

3) Não se deve aumentar uma sílaba métrica nos encontros consonantais disjuntos. Ou seja: deve-se evitar suarabactí (não pronunciar "letra muda").

Podes sempre acreditar, 
ter a pura con / vic / ção 
de que não vou te obrigar 
a ter a minha opinião...

 (Na contagem métrica, pronuncie "convição”, não "con/vi/qui/ção”)

 - Danço no rit / mo do samba ("rimo”não "rí / ti / mo") 
- Que muda o as / pec / to das coisas ("aspeto”  não "as /pé / qui / to")
- Subs/ tantivos e ad/jetivos (“sus”, não "su/bis... ; a/je”, não a/di/je...") 
 

4) Uma vogal fraca faz junção com a vogal fraca ou forte inicial da palavra seguinte.

Podes crer, és muito injusto 
e estás íonge da verdade; 
pois na trova a todo custo 
defendo aespontaneidade...
 
- "Onde canta osabiá" 
- "num ranchinho àbeira-chão" 
- e é bom que estejas presente

Observação - Aceitam-se exceções a esta regra no sentido de evitar a formação de sons duros e desagradáveis. Exemplo: "cuja ventura / única consiste" (venturúnica)

 
5) Uma vogal forte pode, ou não, fazer junção com vogal fraca da palavra seguinte, no entanto, jamais deve juntar-se com vogal forte.
 
É u/ ma história bem correta,
porquanto o ensino é preciso,
e no entanto só poeta
quer ser gênio de improviso...
 
 - No Para / aspessoas
 - No Para / ná as / pessoas
 - No Para / pessoas

 Observação - Nos casos em que se prefira a junção "forte + fraca", deve-se ter sempre o cuidado de evitar sons desagradáveis ("mais que tu/ardo") ou formar novas palavras ("via” ao invés de "vi a...").

  
6) Pode haver a junção de três vogais numa sílaba métrica.

§ 1° - Não deve haver mais de uma vogal forte.

§2" - No caso em que a vogal forte não esteja colocada entre as vogais fracas e sim em 1" e 3° lugar, para que seja correta a junção as duas vogais fracas devem juntar-se por crase ou por elisão, e não por sinalefa (ditongação). Assim, estará certo: "é / a am/ bição que nos prende"; (ou) "é a am/ bição que nos maltrata". Mas não podemos unir as três vogais de "e a / ín / tima palavra derradeira".

Es / taé u/ ma regra indiscreta,
convenções mal-amparadas:
induzem muito poeta
a convicções enraizadas.
 
- Ela / e eu/ juntos no cinema
- Ho / je eu/ dis / se a al/ guns amigos
- Coloquei- / lhe o a / nel no dedo
 
7) - As junções com vogais fracas são aceitas nos ditongos crescentes  (/ e eu /), mas são repelidas nos ditongos decrescentes ("Eu sou / aque no mundo anda perdida").
Para medir nossos versos,
se o ou / vido fosse o juiz,
em nossos metros diversos
ninguém poria o nariz...
 
- Devi / do àau/ sência dos noivos
- A inteligên / cia in / fantil
- Os belos montes / da Eu/ ro / pa
 
8) Nos encontros vocálicos ascendentes (formados por vogais ou semivogais átonas seguidas de vogais ou semivogais tônicas), a ditongação (sinerese) é de uso facultativo:
 
ci / ú/ me, ciú/ me;
vi / a / gem, via/ gem;
cri / an/ ça, crian/ ça;
po / e / ta, poe/ ta).
 
Na trova, soneto ou poe/ ma,
em toda parte do mundo,
se a forma for o dilema
su / a / al / maé sempre o fundo!
 

Observação 1 - Há nesse grupo alguns encontros vocálicos que não aceitam a ditongação:

Sa / a / ra, fe / é/ ri / co, a / é/ reo, pa / ra / í/ so, ra / í/ zes,   ba / ú, sa / ú/ va etc.

 
9) - Nos encontros vocálicos descendentes (formados por vogais ou semivogais tônicas seguidas de vogais ou semivogais átonas) não se aceita a ditongação (tu / a, su / a, lu / a, gui / a, fri / o, ri /o, pa / vi / o, sa / di / o etc.

§único - Em algumas regiões do Brasil é usada a ditongação nesses encontros vocálicos, com base na fonética local. No entanto, não será aceita na metrificação, em benefício da uniformidade, uma vez que na maioria dos estados é feita a separação dessas vogais.

As dúvidas são pequenas
não sejas tão pessimista,
dá-me a tu / aajuda, apenas,
e será bela a conquista.
 
10) Recomenda-se evitar formas reduzidas, que, por estarem em desuso, possam ferir a sensibilidade dos leitores e dos ouvintes (mui, inda, co'a etc.),
 
Observação 1 - A junção de "com" com palavras iniciadas por vogais tônicas não é recomendável ("com / es/ ta", não "com es/ta).
 
Observação 2 - A forma "pra" tem sido aceita com naturalidade, especialmente em trovas humorísticas.
 

OBSERVE:

Fi /ca / co / mi /go es/ ta / noi / te

e / não / te a/ rre /pen / de / rás...

Lá / fo / ra o/ fri / o é um / a / çoi / te,

ca / lor / a /qui / tu / te / rás.

Adelino Moreira

 

Eu / nas / ci / na / que / la / se / rra,

num / ran / chi / nhoà/ bei / ra- / chão,

to / do / chei / o / de / bu / ra /co,

on / de a / lu / a / faz / cla / rão...

Angelino de Oliveira

 

Se / re / nô, / eu / ca / io, eu/ ca / io;

se /re /nô, / dei / xa / ca / ir...

se / re / nô / da / ma / dru / ga / da

não / dei / xou / meu / bem /dor / mir...

Antônio Almeida

 

Es / ta / vaà/ to / a / na / vi / da,

o / meu / a / mor / me / cha / mou

pra / ver / a / ban / da / pa / ssar

can / tan /do / coi / sas / de a / mor...

Chico Buarque de Holanda

 

Pe / guei / um / I / ta /no / Nor / te

pra / vim / pro / Ri / o / mo / rá...

A / deus, / meu / pai, / mi / nha / mãe;

a / deus, / Be / lém / do / Pa / rá!

Dorival Caymi

 

Pre / pa / re o / seu / co / ra / ção

pras / coi / sas / que eu / vou / contar.

Eu / ve / nho / lá / do / ser / tão,

e / po / sso / não / lhe a / gra / dar...

Geraldo Vandré

 

Na a / la / me / da / da / poe/ si / a,

cho / ra / ri / mas / o / lu / ar...

Ma / dru / ga / da... e A / na / Ma / ri / a

so / nha / so / nhos / cor / do / mar...

Juca Chaves

 

Es / te é/ o e / xem / plo / que / da / mos

aos / jo / vens / re / cém- / ca / sa / dos:

queé/ me / lhor / se / bri / gar / jun / tos

do / que / cho / rar / se / pa / ra / dos...

Lupicínio Rodrigues

 

Quan / do es/ tou / nos / bra / ços / teus,

sin / to o/ mun / do / bo / ce / jar...

Quan /do es/ tás / nos / bra / ços / meus,

sin / to a / vi / da / des / can /sar!

Luiz Vieira

 

O / no / sso a/ mor / tra / du / zi / a

fe / li / ci / da / de, a /fei / ção,

su / pre / ma / gló / ria / que um / di / a

ti / ve ao / al / can / ce / da / mão.

Mário Rossi

 

Mui / ta / gen / te / cai / à/ to / a,

ou / tros / ca / em/ com /  Ra / zão...

A / sau / da / de é u / ma / ga / roa

ca / in / do / no / co / ra / ção.

Roberto Martins

 

O / lho o / sol / fin / dan /do / len / to,

só / nho o / so / nho / de um / a / dul / to:

mi / nha / voz / na / voz / do / ven / to

in / do em / bus / ca / do / teu / vul / to...

Sérgio Bittencourt

 

Eis / a / qui/es/ te / sam / bi / nha

fei /to / de u / ma / no / ta / só...

Ou / tras / no / tas / vão / en / trar,

mas / a / ba / se é/ u / ma / só...

Tom Jobim

 

Um / ve / lho / cal / ção / de / ba / nho,

o / di / a / pra / va / di / ar...

Um / mar / que / não / tem / ta / ma / nho

e um / ar / co– / í/ ris / no / ar.

Vinícius de Moraes

 
Fonte:
Apostila da Oficina de Trova ministrada pelo trovador na Feira Literária Internacional de Maringá (FLIM)

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (IV - O que evitar)

 

Embora alguns autores entendam que o enjambement possa dar realce a certas palavras, somos de opinião que deve ser evitado na trova.

Enjambement é quando palavras que pertencem ao grupo tônico de um verso, à sua unidade, passam para o verso seguinte, onde completam o sentido, muitas vezes com prejuízo para o valor da rima.

Ex:
Seguimos pela estrada
da vida, com nossas mãos
unidas; etc.

Versos sibilantes, com muito s e z, podem ser desagradáveis:

Fez-se mais triste depois.
Sentiu-se assim mais sincero.
Sem sentido se exaspera.

Evite-se a colisão, que é o encontro de sons iguais ou semelhantes também com efeito acústico reprovável:

Pois esse se separou.Foi um dardo do destino.

Sons duros seguidos devem ser evitados:

Foi ele que quis o amor.
Quer quanto vale um tesouro.
Ninguém tem amor à dor.

No último exemplo houve também um cacófato:

morador.

É bom ler em voz alta nossas trovas, para detectar possíveis cacófatos, que é quando do encontro de sons em uma frase resultam palavras ridículas, estranhas ou simples efeito desagradável ao ouvido.

Na humorística, às vezes o cacófato é usado de propósito, para um efeito que leve à hilaridade.

Eis alguns cacófatos corriqueiros:

em festa - infesta;
mas não - asnão;
só com - soco;
se enterra - sem terra;
vez passada - vespa assada;
ela tinha - é latinha;
em versos - inversos;
uma mão - um mamão;
por causa - porca;
da nação - danação;
mas que - masque;
compus - com pus;
amor tem - a morte em;
tu me amaste - tu mamaste;
alma minha - maminha.

Quanto ao uso de nomes próprios na trova, embora comum, somos de opinião que deve ser evitado, mesmo na quadra humorística. Só se justifica em trovas de homenagem. Fazemos exceção para o nome Maria, quando designa mulher, e sem ter sentido pejorativo.

Como no exemplo:

Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde, na terra,
- a que me salva, no céu.
J. G. DE ARAÚJO JORGE

Na trova, devem ser evitados certos recursos para dar ao verso o número de sílabas, as chamadas cavilhas, que são palavras de apoio para completar a frase melódica, tais como:

meu bem, querida, meu amigo, meu rapaz, eu suponho, todos sabem, todos dizem, creia, acredito, veja bem.

Na maioria das vezes, essas expressões nada acrescentam à trova. Mas pode ocorrer também de serem bem empregadas, como no exemplo seguinte:

Quando à festa vens, querida,
em minha casa modesta,
a festa ganha mais vida
e a vida ganha mais festa!
ANTÔNIO ZOPPI

Evite-se, também, o estrangeirismo - uso de palavras e construções estranhas à nossa língua.

Cuidado com o eco - fonemas que se repetem no verso sem nenhum intento específico de valorização da trova.

Atenção especial com os erros de gramática.

Solecismo é, em sentido lato, toda e qualquer infração cometida contra a língua pátria. É muita pena quando uma bela trova apresenta lapso gramatical. O poeta deve dominar os seus meios de expressão.

Achamos de muito mau gosto fazer pilhéria sobre infortúnios ou ridicularizar pessoas em razão de credo, raça e sexo. Infelizmente, a trova humorística presta-se muito a isso. A mulher, principalmente, é bastante visada. Faz-se piada com a sogra, a velha, a empregada, a grávida, a mulata.

Zombar de alguém em nada contribui para a melhoria do mundo, que necessita de mensagens fraternas.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

terça-feira, 22 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (III - Figuras na Trova)

 

A trova se valoriza pelo achado, pelo inusitado - algo que surpreende no momento da criação. É uma nova forma de dizer o que já foi mil vezes dito; uma ideia diferente para expressar alguma coisa comum. Pode ser um jogo de palavras, uma metáfora, uma rima original. O achado é uma descoberta.

Como elementos de valorização da trova, merecem atenção especial as figuras de estilo, recursos que dão ao verso maior colorido e fulgor.

Elas são muitas e se dividem em figuras de palavras (ou tropos), figuras de pensamento e figuras de construção.

Entre as figuras de palavras, temos
 a metáfora (e suas modalidades, como personificação, símbolo, sinestesia),
 a comparação e a metonímia.

Entre as figuras de pensamento, estão
 a antítese ou contraste,
 o paradoxo,
 o eufemismo,
 o trocadilho.

Entre as de construção temos
 a onomatopeia,
 a aliteração,
 a elipse,
 a reticência,
 a repetição.

Muitas vezes esses termos se confundem e simplificadamente são chamados de figuras, imagens ou metáforas em sentido lato.

Na metáfora, em sentido estrito, a imagem se revela por si só, de modo implícito. Sem nenhum suporte para sua expressão, o que a torna mais viva e dinâmica que na comparação. Assim:

Muitas vezes imagino,
nos meus dias desolados,
que o meu coração é um sino
dobrando sempre a Finados.
BELMIRO BRAGA

Faz contraste com o céu
o pinheiro verdejante;
é uma taça erguida ao léu
em louvor do caminhante!
MAFALDA DE SOTTI LOPES

No ocaso, em tarde sombria,
que à saudade nos conduz,
a sombra é o pranto do dia ,
chorando a ausência de luz.
FERREIRA NOBRE

Disse-me a fonte na mata,
nos ternos cânticos seus:
- O Poeta é a flauta de prata,
o Poema - o sopro de Deus!
LEONARDO HENKE

Na comparação ou símile, a imagem se revela com auxílio das palavras como, tal como, tal qual, qual, parece, e, por ser explícita, perde em geral um pouco de sua força. Eis um exemplo:

Meu coração, quando o ninas
com tuas juras de amor,
parece um templo em ruínas
todo coberto de flor!
LILINHA FERNANDES

Personificação, que também é denominada prosopopéia, animismo e animizaçâo, é a figura de linguagem em que seres inanimados ou irracionais agem como se fossem seres humanos:

Ao sol, as rosas vermelhas,
sensuais, tontas de luz,
à carícia das abelhas,
vão expondo os colos nus!
JOUBERT DE ARAÚJO SILVA

Símbolo é quando se toma, sistematicamente, uma coisa, de valorização universal, por outra, a exemplo de cruz, que pode simbolizar o Cristianismo, a dor, a morte; ou regaço, que pode referir-se a colo materno:

A vida é apenas um traço
com jogos de sombra e luz,
que partindo de um regaço
vai terminar numa cruz.
VERA VARGAS

Sinestesia é quando se confundem os planos sensoriais, usando-se de um sentido por outro, para um determinado efeito. Como nos versos:

Vê-se o canto da araponga.
Ouve-se a luz da manhã.
Enxerga-lhe a cor da voz.

Metonímia é quando se diz uma coisa por outra, o efeito pela causa e vice-versa:

cãs, por velhice;
primaveras, por anos;
suor, por trabalho.

É bastante comum na trova e a enriquece sobremaneira:

As cãs mostravam o tempo.
Na primavera da vida.
Suores de muitos anos.

Na antítese ou contraste, juntam-se ideias opostas pelo sentido:

Trouxe-me grande valia
a verdade que aprendi:
toda pessoa vazia
é sempre cheia de si...
DELMAR BARRÃO

No paradoxo, as ideias são contraditórias, a sugerir erro, mas podendo conter uma verdade:

Meu olhar vago relata,
numa tristeza incontida,
que o grande amor que me mata
é o mesmo que me dá vida.
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA

Quando preso num recinto,
desejo livres espaços.
Porém, mais livre me sinto
quando preso nos teus braços.
MÁRIO BARRETO FRANÇA

O eufemismo é uma maneira de suavizar uma realidade desagradável, é quando se diz uma coisa por outra menos contundente:

Foi para o mundo estelar - faleceu.

No trocadilho, há palavras de sons semelhantes e sentido aparentemente dúbio, às vezes com o intuito de fazer graça:

Foste uma flor de papel / fazendo papel de flor.

Na elipse, um ou mais termos ficam subentendidos na frase:

Rosa é flor, também mulher.

Na reticência, há uma suspensão propositada do pensamento:

Era um amor sem controle...

Repetição é quando se usa uma expressão por mais de uma vez, para o efeito de realce:

Branca a nuvem, branca a paz.

A onomatopeia e a aliteração, termos que muitas vezes se confundem, podem trazer muita originalidade à trova.

Aliteração é a repetição de fonemas iguais ou parecidos para, através do som, sugerir uma ideia:

Onda redonda assomou.

A aliteração aproxima-se muito da onomatopeia, que, em sentido estrito, é quando um único vocábulo dá a ideia acústica:

o marulho das ondas,
o farfalhar das ramagens.

Em sentido lato, a onomatopeia refere-se a todos os processos e efeitos que levem a sugerir um determinado ruído.

Bate o vento, o vento bate.

A assibilizaçâo (sons sibilantes, excesso de s e z), que normalmente se condena, pode também servir à aliteração:

Zunem com asas de brisa.

Várias imagens podem aparecer com frequência em uma mesma trova, e seus nomes também muitas vezes se confundem.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (II - Os ictos - o ritmo - a cadência)

 

Muitos autores têm declarado que na trova não há um esquema acentuai obrigatório e, por isso mesmo, os versos de sete sílabas são chamados de arte menor, em contraposição aos versos de mais de sete, estes sujeitos a ictos obrigatórios e chamados de arte maior.
          Em verdade, porém, o setissílabo apresenta oito ritmos recomendáveis, e a trova pode - e deve – para não ser monótona,  apresentar variedade sonora em seus versos.
         Icto é o acento obrigatório no verso, que marca o seu ritmo. Este varia conforme a disposição das sílabas tônicas e átonas no verso. Muito embora se  confundam em sentido lato, diferenciam-se ritmo e cadência. Assim, conforme os ictos, o ritmo pode ser variável, mas a trova, como diz Francisco Nogueira, "pode ter ou não uma cadência, que é a repetição do mesmo ritmo nos quatro versos", a qual é, assim, invariável.
         Eis uma trova com a mesma cadência nos quatro versos e com o ritmo 3-5-7:

CoraÇÃO de MÃE - canTEIro
 em peREne FLOraÇÃO,
 onde um SANto JARdiNEIro
 planta as ROsas DO perDÃO.
 MARILITA POZZOLI

         A seguir, uma de Autor desconhecido, com versos todos no ritmo 1-3-7:

 EU queRla, ela queRla;
 EU peDla, ela neGAva;
 EU cheGAva, ela fuGla,
 EU fuGla, ela choRAva.
 ANÔNIMA
        
Já vimos que o verso se conta até a última sílaba tônica, e, assim, o setissílabo tem sempre um icto na 7a. São as tônicas que dão, também, a acentuação interna do verso, elas que marcam os ictos e dão o ritmo.
   Registramos, pois, os oito esquemas referidos, cada um exemplificado com verso de nossa autoria, também com os ictos em letras maiúsculas:

ÉS meu SOL: EsTREla-GUIa                        1-3-5-7
BUSco a esTREla no caMInho                     1-3-7
A disTÂNcia é MEU torMENto                       3-5-7
A sauDAde é passaRlnho                            3-7
Minha trisTEza é infiNIta                             1-4-7
Uma espeRANça que DORme                      4-7
LemBRANças QUEImam: são BRAsas          2-4-7
A NOIte faBRIca esTRElas                           2-5-7

         Lembre-se que há palavras que têm um acento próprio, tônico, bem marcado: flor, quimera, rápido. Em outras, esse acento não é tão sensível: sereno, acidente, monte. Na sequência de vocábulos, principalmente essas palavras que não têm um acento marcante podem apresentar acentuação oscilante, sujeita ao ritmo global do verso. Há um processo natural de acomodação das palavras ao ritmo. Em função do conjunto fonético, as sílabas graves e tônicas, conforme sua disposição no verso, podem aumentar ou diminuir de intensidade. Daí também um mesmo verso poder apresentar mais de um ritmo, a se enquadrar ora num, ora noutro esquema.
         Observe-se que palavras longas podem ter um ou mais acentos secundários (subtônicas), o que acontece principalmente com palavras compostas: inTENsaMENte, AEroPORto, COUve-FLOR. Outras podem apresentar pronúncia variável, e receber um acento de intensidade : MIseRÁvel, MAraviLHOso.
         Palavras proparoxítonas apresentam também um acento secundário na última sílaba: LÍMpiDO, ÂNgeLUS, PÉRgoLA. No interior do verso, essas palavras podem contribuir para bons efeitos rítmicos. 
         Note-se que um verso aparentemente com acentuação apenas em 2-7 pode ter seu ritmo dado pela acentuação secundária em 2-4-7 ou 2-5-7, como em:

 DeBAIxo DOS serinGAIS                            2-4-7 ou
 DeBAlxo dos SErinGAIS                              2-5-7

         Autores conceituados incluem ainda no setissílabo o esquema 1-5-7, no qua! entra, mas forçadamente, para dar o ritmo, a acentuação secundária, no esquema 1-3-5-7. Na trova literária, porém, em nosso entender, o ritmo, no caso, se torna um tanto artificial. Como no verso:

 CAbe numa BARca DE Ouro                       1-5-7

         Já o esquema 2-6-7 foge completamente ao ritmo poético, tal como no exemplo: MosTROU-me o carroÇÃO VElho.
         O assunto, porém, é complexo: em caso de dúvida, apure-se o ouvido para o melhor resultado.
         Vejamos algumas trovas de ritmos variados, todas com boa sonoridade:

Os TEUS dois GRAMpos de PRAta                         2-4-7
LEMbram-me aGOra, ao prenDÊ-los,                     1-4-7
DUAS esTRElas briLHANdo                                   1-4-7
na NOIte dos TEUS caBElos.                                2-5-7
CORRÊA JÚNIOR

QUANto MAIS teu CORpo enLAço,                        1-3-5-7
 mais paDEço o MEU torMENto,                            3-5-7
 por saBER que MEU aBRAço                                3-5-7
 não PRENde o TEU pensaMENto.                         2-4-7
 JESY BARBOSA

SauDAde - perFUme TRISte                                 2-5-7
de uma FLOR que NÃO se VÊ.                              3-5-7
CULto que aINda perSiSte                                    1-4-7
num CRENte que JÁ não CRÊ.                              2-5-7
MENOTTI DEL PICCHIA

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...