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sábado, 8 de maio de 2021

Aparício Fernandes (Trovas Circunstanciais) - 2 -


Não há poeta ou trovador que alguma vez não tenha sido perseguido por um pai ou mãe, pedindo versos para os seus rebentos. Certa vez tive que improvisar, para um cartão de aniversário, esta quadrinha de circunstância, horrivelzinha como ela só, mas que o orgulhoso papai achou uma beleza:

Hoje eu completo um aninho
e estou contente, porque
vou repartir meu bolinho,
dando um pedaço a você.


Em outra ocasião, Colbert Rangel Coelho, integrando um grupo de trovadores que viajavam para participar de uns Jogos Florais, teve a sorte de, no ônibus, sentar-se ao lado de uma moça muito bonita, mas calada e compenetrada. Colbert ficou quietinho mas, na primeira parada, ao descer para um cafezinho, piscou o olho e nos segredou:

Eu sentado na beirada,
ela junto da janela.
— Graças às curvas da estrada,
vou sentindo as curvas dela...


Em Pouso Alegre,MG, fiz uma trova de circunstância que passou a figurar no cardápio da Cantina Uirapuru, e que me valeu uma refeição de graça:

Se você está com fome,
não faça como um zulu!
— Civilizado só come
na Cantina Uirapuru!...


Em 1969, na cidade mineira de Juiz de Fora, quando do encerramento de um concurso de trovas promovido pelo Lions Clube local, estiveram presentes duas grandes poetisas portuguesas; Maria Helena e Maria Amélia Novais.

No banquete oferecido aos trovadores, Elton Carvalho, que é um excepcional "fazedor" de trovas de circunstância, sentou-se entre as duas referidas poetisas. Lá pelas tantas, dirigindo-se aos demais trovadores, que se haviam localizado na outra extremidade da mesa, saiu-se com esta belíssima trova, onde há uma oportuna alusão ao rio Tejo, que banha a capital portuguesa:

Amigos, não os invejo,
tão distantes, isolados:
– estou feliz como o Tejo,
com Portugal dos dois lados.

 
O Andrade, Desembargador Dr. Luís Antônio de uma das maiores  culturas jurídicas de nosso país, certa vez ofertou ao poeta Manuel José Lamas um exemplar de nossa coletânea “Trovadores do Brasil" dedicando-o com esta trova de circunstância, cujo último verso é o seu próprio nome, um setissílabo perfeito:

Ai vão, meu caro Lamas,
como prova de amizade,
as trovas que tanto amas!
Luis Antônio de Andrade.


Eis uma trova de circunstância laudatória, feita por Inês Gaspar Palácio, homenageando a cidade de Maringá/ PR:

Maringá! Quanta esperança
se contempla em teu caminho,
pois teu lema é segurança,
trabalho, fé e carinho!


O poeta Ary de Andrade refere-se a um esperto motorista de caminhão que, ao longo das estradas, "aplicava" sempre esta trova, a qual servia tanto para comover os credores como para as suas conquistas amorosas de Romeu perambulante:

Você não tem coração!
Se tivesse, não faria
que um chofer sem um tostão
vivesse nesta agonia!


Uma das mais conhecidas trovas deste que escreve estas linhas é a seguinte:

Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!...
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!


Em 1968, após uma ausência de vários anos, voltamos ao Rio Grande do Norte, em gozo de férias. O poeta José Amaral, parodiando a nossa quadrinha, na homenagem que nos foi prestada pela Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, recebeu-nos com esta linda trova de circunstância:

Voltaste ao Norte sorrindo,
nós te abraçamos cantando;
— o coqueiral te aplaudindo,
o verde mar te beijando.


Exemplo da vivacidade dos trovadores sucedeu quando Hebe Camargo entrevistou Anis Murad e Zálkind Piatigorsky, em seu programa na televisão, cujo nome era "O Mundo é das Mulheres". Anis foi cavalheiresco, saudando Hebe desta forma:

Terás, mulher, se quiseres,
o mundo inteiro a teus pés,
porque o mundo é das mulheres
que forem como tu és,


Lisonjeada, Hebe voltou-se para Zálkind, indagando: "Você também concorda que o mundo é das mulheres?", ao que Piatigorsky rebateu na hora:

Seja, pois, como quiseres,
que dá certo, felizmente:
- este mundo é das mulheres
.. .e as mulheres são da gente!


No ano seguinte, houve o 1.° Encontro Nacional de Trovadores, realizado ainda na cidade de Natal, O general Umberto Peregrino, então diretor do Instituto Nacional do Livro, convidou alguns dos trovadores visitantes para almoçarem na famosa "Carne Assada do Marinho". Tão gostosa se prenunciava a carne e tão grande era o apetite, que o silêncio reinou na faminta expectativa.

Considerando que a poetisa Magdalena Léa não é muito dada a estes silêncios, improvisei esta quadrinha:

Inacreditável cena!
Diante da carne assada,
até mesmo a Magdalena
resolveu ficar calada!...


Certa vez deparamo-nos aqui no Rio com um mendigo que pedia esmola declamando esta quadrinha:

Ajude este aleijadinho,
mais tem Deus para lhe dar.
Mesmo que seja pouquinho,
eu não posso recusar.


Perguntamos-lhe se o expediente dava resultado e ele respondeu que sim, mesmo porque tinha "bolado" vários outros versinhos para substituição, quando a trova declamada não estivesse rendendo o esperado. Por solidariedade de classe, demos uma esmola melhorada ao "confrade" mendigo, prometendo que o seu nome — Lourival de Jesus Gonçalves — figuraria em nosso livro.

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continua...

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de
Janeiro/GB: Artenova, 1972

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Aparício Fernandes (Trovas Circunstanciais) - 1 -


Existe um tipo de trovas de duração relativamente efêmera, às quais não se pode atribuir grande valor literário ou artístico, mas que nem por isso deixam de ser interessantes e dignas de menção. São as trovas de circunstância, que assim denominamos por se basearem em ocorrências ou costumes ocasionais. Neste aspecto estão incluídas as trovas de propaganda, as que utilizam gírias, as de brincadeira, visando determinado fato ou pessoa, as de exaltação a personalidades famosas (excetuamos desta categoria as trovas sobre Jesus Cristo), as que abordam temas como o petróleo, nomes de cidades, realizações governamentais, nomes de livros, etc.

De um modo geral, não gostamos de trovas laudatórias, mas isso é apenas um ponto de vista pessoal, proveniente talvez do grande respeito que temos por todos os gêneros de Poesia, mormente pela Trova. Com o advento dos Jogos Florais e dos frequentes concursos de trovas, cujas festividades de encerramento reúnem um grande número de trovadores, esses encontros passaram a ser um campo fértil para as trovas de circunstância. Vejamos alguns exemplos.

O poeta João Rangel Coelho (pai de Colbert Rangel Coelho, muito embora o velho Rangel faça questão de dizer que Colbert é que é filho dele) é um dos grandes campeões da trova no Brasil. Além disso, quando lhe dá na veneta, torna-se tão mordaz que, junto dele, a famosa "boca de inferno" de Gregório de Matos seria uma mísera boca de fogareiro. Não menos ágil de pensamento é o poeta e trovador Aristheu Bulhões, residente em Santos. Sendo excelente repentista, o Aristheu, mal acaba de declamar uma trova que vem de improvisar, e já está mentalmente compondo outra quadrinha para dizer em seguida.

Certa vez, no ônibus que nos levava para um dos Jogos Florais de Nova Friburgo, João Rangel Coelho estava conversando com a queridíssima (de nós todos) trovadora Magdalena Léa, que, segundo o A. A. de Assis, é o único broto com mais de cinquenta aninhos. Na ocasião, Magdalena mostrava ao Rangel uma fotografia de suas filhas (dela). De repente, o Aristheu interrompe a conversa para dizer ao Rangel a centésima trova que havia improvisado. Este, que escutara pacientemente as outras noventa e nove,     não     aguentou     mais.  Virando-se para Magdalena e     apontando a fotografia, saiu-se com esta:
 
As tuas filhas são belas,
são uns primores de Deus.
Eu adoro os ares delas,
mas detesto os aris...teus!


Ainda em Friburgo, nos I Jogos Florais daquela cidade, em 1960, calhou de ficarem no mesmo hotel as trovadoras Helena Ferraz, Cléa Marina e Augusta Campos. A expansividade era natural, contrastando com o silêncio reticencioso de uma velha reprodução da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ali pendurada à guisa de ornamentação. Augusta Campos, poetisa cearense residente no Rio, verdadeiro azougue em matéria de trovas de circunstância, lançou ao quadro um olhar desconfiado e no dia seguinte comentava:

Na parede, a Mona Lisa,
vendo a nossa animação,
fica assim meio indecisa,
sem saber se ri ou não.


Anos depois, a mesma poetisa estava assistindo a uma reunião da antiga seção da Guanabara do Grêmio Brasileiro de Trovadores, quando entra na sala, triunfalmente, uma trovadora cujo vestido causaria complexo de Inferioridade ao mais rutilante dos arco-íris. Na mesma hora, Augusta Campos sapecou esta quadrinha:

Margarida vai passando
no seu traje original.
Pensa que está abafando,
parece um pavão real...


Naturalmente,  "homenageada", acareações.    mudamos para o nome da poetisa evitar embaraçosas.

Vamos a mais um exemplo de trova de circunstância. Nosso querido amigo e confrade Adalberto Dutra de Rezende, mineiro de Cataguases, radicado no Paraná, trovador de alto nível e advogado ilustre, é, sem sombra de dúvida, um homem decidido. Imaginem que, alguns dias antes da semana santa do ano de 1962, deixou a paisagem plácida de Bandeirantes (onde reside)e veio ao Rio apenas para comunicar-me e também ao Colbert Rangel Coelho, Zálkind Piatigorsky e José Maria Machado de Araújo, que havia organizado em Bandeirantes, sob os auspícios do Lions e do Rotary Club, uma Noite de Autógrafos, na qual deveríamos autografar nossos livros, para o público local. A festa seria... no sábado de aleluia! Chantageados pela amizade, não houve como alegar a exiguidade do tempo. Fomos. Em lá chegando — como diriam os puristas — notamos que o Zé Maria estava meio preocupado, e até mesmo arredio. É que sua esposa estava nos preparativos finais para a chegada do primeiro herdeiro do casal. Sabendo disto e aproveitando a deixa proporcionada por uma das melancólicas e solitárias caminhadas do trovador lusitano, compusemos esta quadrinha, de parceria com o nosso anfitrião e também com Zálkind Piatigorsky;

Lá se vai o Zé Maria,
cabisbaixo, andando a pé,
pensando: será Maria?
cismando: será José?


Pouco tempo depois nascia Maria Lúcia, primogênita do casal Machado de Araújo.

Censurando os três jotas (Juscelino, Jânio e João Goulart) e fazendo alusão às letras iniciais de seus respectivos sobrenomes surgiu certa vez, entre o povo, uma trova muito bem feita, embora bastante ferina. Além de ser de circunstância, é também anônima, pois não se sabe quem a compôs.  Ei-la:

Em três anos — quase nada! —
os três jotas: K — Q — G,
fizeram da pátria amada
esta coisa que se vê.


Em vez de coisa, a palavra era outra, que preferimos não publicar. Aliás, nosso interesse peia quadrinha é simplesmente trovadoresco, sem qualquer inclinação política.

Certa vez, minha esposa (ainda éramos namorados), quando lecionava num Grupo Escolar, em Minas, viu-se às voltas com um singelo problema: devia conseguir uma trova que falasse em alimentação, para ser recitada por um dos seus alunos. Não conseguindo encontrar logo a tal trova, ela mesma fez esta oportuna quadrinha, que salvou a situação, e cuja autoria modestamente atribuiu a um "poeta desconhecido". Eis a trova, perfeitamente caracterizada como "de circunstância", que um de seus pequenos alunos recitou com a ênfase e os gestos de praxe:

Gosto muito de legumes,
verdura e frutas também.
Como tudo sem queixumes,
sou forte como ninguém!


No dia 21 de novembro de 1965, como parte das festividades dos Primeiros Jogos Florais da Guanabara, foi oferecido aos trovadores um almoço no "Vale do Paraíso Campestre Clube", localizado em Jacarepaguá. Surgiu então a ideia de se fazer entre os presentes um concurso-relâmpago, tendo como tema o nome do clube. Cada um improvisou a sua trova e a poetisa Lourdes Povoa Bley alcançou o 1.° lugar com esta trova de circunstância:

Esta soberba mansão
tem tudo de que preciso.
Deixo, pois, meu coração
no "Vale do Paraíso".


Quando, no Ceará, desmoronou a barragem do açude de Orós, fazendo inúmeras vítimas, as circunstâncias me inspiraram esta quadrinha, que dediquei ao bravo povo cearense;

Se a Desgraça conhecesse
a fibra que existe lá,
já teria desistido
de vencer o Ceará!


Certa vez, conversavam alguns trovadores quando notaram que um pouco adiante, dois padres trocavam ideias sobre o controvertido assunto do celibato sacerdotal. Imediatamente, o trovador A. A. de Assis aproveitou a circunstância para ironizar;

Parece incrível, de fato:
– os padres, neste momento,
lutam contra o celibato,
e nós — contra o casamento!

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continua...

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de
Janeiro/GB: Artenova, 1972

quinta-feira, 6 de maio de 2021

A. A. de Assis (PR)


1
A bênção, queridos pais,
que às vezes sois mães também.
Em nome de Deus cuidais
dos filhos que d’Ele vêm!
2
Acaso fizeste a Lua?
Acaso fizeste a rosa?
Então que ciência é a tua,
tão solene e presunçosa?…
3
– Aceitas dar-me os deleites
da próxima contradança?...
– Aceito, desde que aceites
não me apertar contra a pança!
4
A ciência hoje é um colosso,
com tudo fora de centro:
faz laranja sem caroço,
gravidez sem filho dentro...
5
Afinal, que te aproveita
o labor que te consome,
se não doas, da colheita,
uma parte a quem tem fome?…
6
A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
7
Ah, belos tempos dourados,
que os sonhos não trazem mais...
Bailavam, corpos colados,
olho no olho, os casais!
8
Ah, como é útil a avó,
com seus cuidados e afetos!
Já o avô, serve tão-só
pra ensinar besteira aos netos...
9
Ah, meu rio, de repente,
o que foi feito de nós?
Ficou tão longe a nascente...
vemos tão próxima a foz!
10
Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
11
Ah, quantos lindos castelos
põe a vida em nossa mão,
lembrando os sonhos mais belos
que temos no coração!
12
Ah, que profunda saudade
invade uma Academia
a cada vez que um confrade
deixa a cadeira vazia!
13
A idade é, por excelência,
a grande mestra do amor.
– É no outono da existência
que a paixão tem mais calor!
14
A laranja era tão doce,
que o limão ficou com medo:
– por inveja, ou lá o que fosse,
acabou ficando azedo...
15
Alarme no galinheiro.
- Será que há gambá na granja?...
- Bem mais grave: é o cozinheiro
que avisa: “Hoje vai ter canja!”...
16
A mais bonita homenagem,
concede-a Deus, qual troféu,
a quem completa a viagem,
sem mancha, do berço ao céu!
17
Amai-vos, e as derradeiras
muralhas hão de cair.
– Havendo amor, as barreiras
não têm razão de existir!
18
“Amor não enche barriga”,
porém surpresas virão:
- Fez “amor” a rapariga...
e olha só que barrigão!
19
A mulher, que é toda encanto,
lembra a abelha, meiga e boa:
dá mel gostoso; no entanto,
se for preciso, ferroa!
20
Andorinha sobe e desce,
sobe e desce, pousa e come...
Sobe, sobe, faz um “s”,
desce, come, sobe e some...
21
Anoitece. Bela e nua,
começa a rosa a orvalhar-se...
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se.
22
Antiguidade, doutor,
é coisa muito engraçada:
algo que cresce em valor
quando não vale mais nada...
23
Ao cérebro, o coração
manda amorosa mensagem:
– Somente unidos, irmão,
seremos de Deus a imagem!
24
Ao fim de qualquer mandato,
somando-se o dito e feito,
no saldo exibe o relato
muito mais dito que feito...
25
Ao mesmo tempo em que é doce,
ah como é triste a saudade...
– Ela é assim como se fosse
uma ex-felicidade!
26
Ao notar a Lua cheia,
surpreso o Sol resmungou:
– Se um mês atrás eras meia,
quem foi que te engravidou?...
27
Aos bons sonhos agradeço,
mas às insônias também...
– Ah, quantos versos eu teço
enquanto o sono não vem!
28
A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
– Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!
29
A prata, em nosso cabelo,
faz ninho se a idade vem...
Que pena ela não fazê-lo
em nossos bolsos também!
30
A regra é tirar vantagem,
porém prefiro a exceção:
– quero a inocente coragem
dos puros de coração!
31
A renúncia corresponde,
muita vez, a muito amar;
como quando o Sol se esconde
para que brilhe o luar!
32
As almas, se generosas,
percorrem árduos caminhos...
Só no céu elas e as rosas
ficam livres dos espinhos!
33
A saudade é a companhia
mais doce que Deus nos deu.
Sem ela, o que restaria
aos velhinhos como eu?...
34
A saudade sintetiza
sonhos, glórias, sentimentos,
como um filme que eterniza
nossos melhores momentos.
35
Assim que me aposentei,
ao meu relógio dei fim...
Sem ele eu me sinto um rei,
dono do tempo e de mim!
36
Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar...
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!
37
Até como terapia,
crer em Deus faz muito bem:
– banha a gente na alegria
que da eterna luz provém!
38
Atrás das outras não perca
o seu juízo... cuidado!
Boi que muito pula cerca
volta um dia desfalcado...
39
A velhice se avizinha,
porém não me assusta não.
– Eu sei que no fim da linha
Deus me espera na estação!
40
A vida é uma corda bamba,
na qual a esperança eu ponho.
Basta um errinho e descamba
abismo abaixo o meu sonho...
41
A vida jamais se encerra...
e é bom sermos imortais.
– Amar você só na Terra
seria pouco demais!
42
A vida nem sempre é encanto;
para alguns é injusta e inglória...
– Quanta gente corre tanto,
porém perde o trem da história!
43
A vida no mundo é um treino,
a etapa em que o Treinador
nos prepara para o reino
definitivo do amor!
44
Aviva-lhe o orvalho o viço,
e a rosa acorda se abrindo...
Aberta, põe-se a serviço
de um mundo amoroso e lindo!
45
Avó é a mãe que imagina
que a sua parte já fez...
mas, quando a missão termina,
começa tudo outra vez!
46
Baita arruaça, bravatas,
um tremendo sururu...
Frangas, marrecas e patas
brigando por um peru!
47
Belo sonho o que aproxima
estrelas e pirilampos...
– Elas são eles lá em cima;
eles são elas nos campos!
48
Bem cedinho o galo canta,
molhado ainda de orvalho.
A roça, ouvindo-o, levanta,
e um hino entoa ao trabalho!
49
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
50
Bem-te-vi que bem me vês,
bem-visto sejas também,
hoje e sempre e toda vez
que bem me vires... Amém!
51
Benditas sejam as vidas
que, alegres, serenas, santas,
vivem a vida envolvidas
em levar vida a outras tantas!
52
Brilha sempre em nossa vida
alguma luz: a do sol
ou no mínimo a emitida
por um mínimo farol.
53
Brincam na praça os pequenos:
castelos, canções, corrida...
São seus primeiros acenos
aos grandes sonhos da vida!
54
Brincante como um garoto,
planas no espaço sem fim...
– Só o poeta, irmão piloto,
consegue voar assim!
55
Canarinho, quando canta,
que será que o faz cantar?
– Sei lá... mas a mim me espanta
que ele cante sem cobrar...
56
Canoando mar afora,
a esperança me conduz.
Já vejo lá adiante a aurora
trazendo uma nova luz.
57
Caridade, um gesto nobre
que faz os próprios ateus
sentirem que "dar ao pobre
é como emprestar a Deus".
58
Casamento é uma loucura
para o marido hoje em dia:
ela impõe a ditadura
e ele nem pia nem chia...
59
Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar...
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar!
60
Certos tipos importantes
parecem Marte – um deserto:
vistos de longe, brilhantes;
cascalho apenas, de perto!...
61
Cidadania é civismo,
sobretudo é comunhão;
é ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão.
62
Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima...
Quando coça na cacunda,
sinto cócegas... na rima!
63
Coitado... tão pobrezinho,
que até para dar risada
tem que pedir ao vizinho
a dentadura emprestada!...
64
Como é bom saber que o filho
vida afora alegre vai,
dando forma, força e brilho
aos sonhos do velho pai!
65
Como é triste o desencanto
daquele que a duro custo
desbafa e diz em pranto:
– Eu me cansei de ser justo!
66
Como foi, como não foi,
conte dois que eu conto um...
Num belo inglês, diz o boi,
olhando a Lua: moon... moooon...
67
Como se diz lá na roça,
o amor é um bichim-de-pé:
quanto mais a gente coça,
mais boa a coceira é...
68
Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura...
a nossa e a do passarinho.
69
Com que ternura e altivez
luta a mãe pobre e sem brilho
para ao fim de cada mês
pagar os sonhos do filho!
70
Contador e cantador,
num só tempo eu conto e canto:
conto as rendas do labor;
de outras “rendas” canto o encanto.
71
Convido-os a partilhar
uma gostosa jantinha:
massa com frutos do mar,
ou seja, pão com sardinha...
72
Corações apaixonados
não aceitam repressão.
Explodem, se condenados
a engaiolar a emoção!
73
Coragem de gente grande
é aquela em que se distingue
alguém assim como Gandhi,
São Francisco, Luther King!
74
Corre a bola, deita e rola,
salta de pé para pé...
Quica, requica, rebola,
no grito do povo: – olééé!
75
Creio na força do amor,
creio na força do exemplo.
Um credo com tal teor
nem necessita de templo.
76
Criado por Deus, o rio
nasce limpo e, como nós,
traz consigo o desafio
de limpo chegar à foz.
77
Criança que muito apronta
exige rigor dos pais:
– Água mole não dá conta,
se a pedra é dura demais!
78
Cuidado, amigo, atenção...
não beba o primeiro trago.
– Quando se escuta o trovão,
o raio já fez o estrago!
79
Cuidemos, irmãos, da imagem;
sem exagero, contudo.
– Muito mais do que a embalagem,
o que conta é o conteúdo.
80
Cumprem a Lua e as estrelas
o ofício de serem belas...
E, entretanto, para vê-las,
só o poeta abre as janelas!
81
Cuide bem do seu bebê;
forme-o forte, sábio e puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
82
Da mãe à filha querida:
– Obrigada, meu bebê...
Fui eu quem lhe dei a vida,
mas minha vida é você!
83
Das provas feitas na escola,
uma vale nota cem:
– é a de quem, fugindo à “cola”,
mostra a ética que tem.
84
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
85
De biquíni ou minissaia,
a verdade se revela...
– Não há mentira na praia:
feia é feia, bela é bela!
86
Decerto, como um deserto
criado pela ambição,
deserto é também, decerto,
hoje o humano coração.
87
De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão.
De noite alivia a alma
nas cordas de um violão!
88
Deixando a infinita altura
e as honras da eternidade,
fez-se o Criador criatura,
por amor à humanidade.
89
“Deixe-o que faça e aconteça”,
diz a vovó com carinho...
E eis que de ponta-cabeça
vira-lhe a casa o netinho!...
90
Dentre os bens que o filho espera
receber por transmissão,
tesouro nenhum supera
o exemplo que os pais lhe dão.
91
Depois de tomar uns treco
para aquecer a moringa,
o trovador de boteco
soluceia... e a rima pinga!
92
Depois de um café quentinho
e de uns pãezinhos de queijo,
melhor que tudo é o carinho
com que me serves um beijo!
93
De longe se escuta o eco
da turma de cara cheia,
no alvoroço do boteco
pondo em dia a vida alheia...
94
Densas nuvens ameaçam
o futuro da criança.
Mais que as da chuva, que passam,
as nuvens da insegurança.
95
De repente, de olho aberto,
vem para a rua a nação.
- É o povo que, redesperto,
quer mostrar quem é o patrão!
96
Dê-se ao jovem liberdade
para sem medo ele ousar.
– É no ardor da mocidade
que o sonho aprende a voar!
97
Destino, fado ou o que for...
isso tudo é só brinquedo.
– Na história real do amor,
cria o amor seu próprio enredo.
98
De tal modo a rosa é amada,
que o cravo mói-se de ciúme...
– É o que dá ter namorada
que esbanja encanto e perfume!
99
De todos ela atraía
mil sorrisos, mas... que dó:
casada, sofre hoje em dia
os maus humores de um só...
100
Deus fez a Terra... e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
101
Deus me deu livre vontade;
porém, por sorte, incompleta:
– não me deu a liberdade
de deixar de ser poeta!
102
Deus não põe ponto final
na biografia da gente.
– Quer nossa alma, imortal,
junto à d’Ele eternamente!
103
Deus não vem na grande nave;
Deus não vem no furacão.
Deus vem qual brisa suave,
e entra em nosso coração!
104
Deve o mundo ao gênio humano
obras de extremo valor.
O drama é ver, ano a ano,
minguar o espaço da flor...
105
Digo e louvo toda vez
que olho as aguinhas da serra:
– Graças a Deus e a vocês,
há vida ainda na Terra!
106
Dirá Deus: “Faça-se a paz,
e todos deem-se as mãos!”
E então, meu filho, verás
que lindo é um mundo de irmãos!
107
Disseste, criança ainda:
"Sou tua... sempre serei!"
- Foi a mentira mais linda
que em minha vida escutei!...
 108
Diz o sábio, e quase chora,
por modéstia ou caçoada:
– Sou doutor honoris fora;
quer dizer: doutor em nada!
109
Doce, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que torna ao lar.
110
Do céu nos alerta o Pai,
vendo a Terra ressequida:
– Salvai as águas, salvai,
se quereis salvar a vida!
111
Do Natal ao Ano Novo
a folga é pouca... O ideal
é deixar de folga o povo
do Ano Novo até o Natal...
112
Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
113
Dois caminhos há na vida,
o do egoísmo e o da cruz:
- um leva à eterna descida;
o outro leva à eterna luz!
 114
Douta é a ciência; no entanto,
por mais nobre ou presunçosa,
curva-se, humilde, ante o encanto
de uma pétala de rosa!
115
Ele, ela, o avião, a bruma,
mil sonhos sob os chapéus...
Fantasias, uma a uma,
vão subindo para os céus.
116
É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
117
Embora o mundo não cesse
de fazer guerra e terror,
na família ainda se tece
a grande história do amor!
 118
Em cada gota extraída
do seu sangue, o doador
empresta vida a outra vida,
numa transfusão de amor
119
Em que aperto o bom velhinho,
de assanhado, se enfiou:
chamou pra cama o brotinho
e ela,, malvada, aceitou!...
 120
Em resposta à ofensa e à intriga,
ensina o amor: “Faça o bem!”
– O amor é sábio: não briga,
perdoa cem vezes cem!
121
É natural que aconteça,
ao cometa e a certa gente,
por ter pequena a cabeça,
mostrar a cauda somente...
122
Enche a cara de cachaça,
toma um baita dum pifão...
Faz no bar uma arruaça,
um fiasco no colchão!…
123
Entre a inocência e a esperteza,
é da inocência o troféu.
O esperto ganha a riqueza,
o inocente ganha o céu.
 124
Entre o passado e o futuro,
mudou o amor um bocado:
– o que o vovô fez no escuro,
faz o neto escancarado!
125
Entre o pássaro e o poeta
há perfeita identidade:
seu canto só se completa
se há completa liberdade.
 126
Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
127
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?...
128
Esta é uma lei que não muda,
portanto preste atenção:
– O Pai jamais nega ajuda
àquele que ajuda o irmão!
129
Eu não tenho uma floresta,
mas tenho em casa um jardim.
O verde mantenho em festa,
na parte que cabe a mim!
 130
Eu sei por que o passarinho
canta gostoso e se inflama:
– é que ele tem no seu ninho
uma família que o ama!
131
Eu sei que será difícil,
mas a fé me diz: – Verás
transformar-se cada míssil
num mensageiro da paz!
132
Eu tenho fé nas pessoas,
em todas, sem exceção,
que todas elas são boas,
quando lhes damos a mão!
133
Ex-velhos é o que eles são,
essa gente antiga e linda.
– Aos setenta/oitenta estão
cheios de sonhos ainda!
 134
Facilmente me dominas,
bastando apenas piscar...
– É o feitiço das meninas
que brincam no teu olhar!
 135
Fé é uma forma de ver,
via amor, o além-da-vista;
é a graça de perceber
como é bom que Deus exista.
136
Feliz aquele que trilha
a trilha que ao sol conduz
e com sorrisos partilha
a graça de ver a luz.
137
Feliz o idoso que, esperto,
se ampara nesta verdade:
quanto mais velho, mais perto
das bênçãos da eternidade!
138
Feliz o povo que pensa
e que se expressa à vontade.
– Onde amordaçam a imprensa
morre à míngua a liberdade.
 139
Fim do filme... Na saída,
pergunta à pulga o pulgão:
– Voltamos a pé, querida,
ou vamos tomar um cão?
 140
Finalmente um cão bilíngue,
que, além do nativo au-au,
se expressa e até se distingue
fluentemente em miau...
141
Foi noite de lua cheia,
e que saudade deixou...
- Em dois corações, na areia,
sinais do que ali rolou!
142
Foi-se embora o nosso irmão,
nosso querido Ademar.
Hoje é em nosso coração
que ele tem seu novo lar.
143
Galo de sorte suplanta
os outros todos na rinha...
No entanto, enquanto ele canta,
a mulher dele... galinha!
 144
Gari, que há luas e luas
varres a pública via...
hás de achar limpas as ruas
que ao céu vão levar-te um dia!
145
Gente com medo de gente
na selva dita cidade.
– Preciso mudar, urgente,
para a selva de verdade...
146
Gondoleiro, meu amigo,
por favor, vai devagar...
Com minha amada comigo,
quero perder-me em teu mar!
147
Grande mesmo é quem descobre
que ser grande é ser alguém
que abre espaço para o pobre
tornar-se grande também.
 148
Há celulares à farta,
iphone, computador...
Mas nada se iguala à carta
para os recados de amor!
149
Há de, enfim, vir o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
que os diplomas e os anéis!
150
Há de vir um tempo novo,
no qual, meu bom Deus, verás
unido afinal teu povo
no grande abraço da paz!
151
Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?...
 152
Hoje os rios se parecem
com certos tipos sabujos:
quanto mais descem, mais crescem;
quanto mais crescem, mais sujos.
 153
Honestos há sem ser bons
e há bons que honestos não são.
– É a soma de ambos os dons
que faz o bom cidadão.
154
Imagino, sem malícia,
que aperto é ter um bebê...
Se na entrada é uma delícia,
pra sair... dói como o quê!
155
Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa,
tal como vivem unidas
as pétalas de uma rosa!
156
Importa pouco a mobília,
importa pouco a fachada...
O amor que envolve a família
é só o que importa, e mais nada!
 157
Já estou no fim da subida...
muito obrigado, Senhor.
- Foi lindo fazer da vida
um longo verso de amor!
158
Jogado no mundo, ao léu,
rezava o orfãozinho assim:
– Cuida bem, Papai do Céu,
dos que não cuidam de mim!
159
Lei antibeijo é, no fundo,
uma forma de terror:
ajuda a matar, no mundo,
o que ainda resta de amor.
160
Livres e leves, no parque,
brincam de paz as crianças...
Deixam que a vida as encharque
de alegria e de esperanças.
 161
Louvada seja a harmonia
que eterniza em nosso lar
o “sim” que nós dois um dia
compartilhamos no altar!
162
Lua cheia chega e assume
pose plena de rainha:
cega a estrela e o vagalume
e acende a noite sozinha!
163
Madrugada... canta o galo...
cruzam-se o ócio e o labor:
volta a moçada do embalo;
pega a enxada o lavrador!
164
Mais que os lucros do trabalho,
mais que as honras e os troféus,
o amor é o único atalho
que de fato leva aos céus.
 165
Mantenha a esperança alerta,
por mais que lhe pese a cruz.
– Há sempre uma porta aberta
para quem procura a luz.
166
Mas ora-ora, dirás,
é fácil ouvir estrelas...
– Quem leva um chute por trás,
além de as ouvir... vai vê-las!
167
Me desculpe se isto aflige-a,
mas o progresso endoidou:
mais premia a calipígia
do que a moça que estudou!...
 168
Mesmo o maior dos gigantes
não tem poder permanente:
– Pode a Lua, por instantes,
cobrir o Sol totalmente!
 169
Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
170
Meu destino eu mesmo traço,
conforme a escolha da via:
pela do mal, o fracasso;
pela do bem, a alegria.
171
Milhões e milhões de estrelas...
Que utilidade terão?
– Só sei, meu irmão, que ao vê-las
sinto Deus no coração!
172
Minha amada, com bom jeito,
mesmo ausente me domina...
Deixa a saudade em meu peito
como rainha interina!
 173
Moderna e esperta, a formiga
à cigarra se juntou:
– uma canta, enquanto a amiga
monta o circo e vende o show...
174
Moderno, poupa viagem
o novo pombo correio:
- Hoje ele manda a mensagem
numa boa, por e-mail…
175
Morre o peixe quando aboca
seu jantar com muito anseio...
Sobretudo se a minhoca
traz anzol como recheio!
176
Morre o sábio... enorme bem
perde o mundo em tal momento.
Seu patrimônio, herda alguém;
não no entanto o seu talento!
 177
Mosquito para a mosquita,
nadando na sopa quente:
– Eta piscina bonita...
a pena é que engorda a gente!
 178
Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço.
179
Muito cara que se julga
ladino, culto, elegante,
no fim não passa de pulga
com mania de elefante!
180
Muito gatão faz barulho,
no entanto não é de nada...
O pombo vai só no arrulho,
mas veja que filhotada!
181
Muito sepulcro caiado,
que bota pose de puro,
no claro é distinto e honrado...
mas como apronta no escuro!
 182
Muito teimosa, a franguinha
com um ganso se casou.
Ao ter um ovo, tadinha...
de cesárea precisou!
183
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
184
– Na briga lobo-cordeiro,
qual deles terá razão?
– Depende, meu companheiro,
de qual dos dois é o patrão...
185
Nada na vida é mais triste
nem dói mais que a solidão:
– sentir que em redor existe
um mundo... e ouvir dele não!
 186
Na era do “ponto.com”,
voa o sonho mais ligeiro:
– um clique... e, qual vento bom,
chega a trova ao mundo inteiro!
 187
Na neblina da memória,
vão diluindo-se os fatos.
– O melhor de nossa história
ficou nos porta-retratos...
188
Não chamem de mundo-cão
o feio mundo do mal.
No cão pulsa um coração
melhor que o nosso, em geral.
189
Não corre o risco de morte
o caçador valentão...
Por mais que cace, por sorte,
jamais encontra o leão!
190
Não há diferença alguma
se a festa é pobre ou de gala.
– Tanto noutra quanto numa,
quem bebe demais se rala!
 191
Não presta a pena que importe
num mal que o mal não redime.
Toda sentença de morte
é um crime pior que o crime.
192
Não quero ser uma ilha,
distante da realidade...
-Quem se isola não partilha
a história da humanidade.
193
Não te cases por dinheiro...
sai dessa... tô te falando...
Afinal, qualquer banqueiro
empresta a juro mais brando!
194
Na porta da eternidade,
documento não tem vez.
– O cartão de identidade
é o bem que em vida se fez!
 195
Nas asas da bicicleta,
em branca e curtinha saia,
voeja a moça poeta
no contravento da praia...
196
Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
197
Nesta Terra outrora linda,
que aos pouquinhos se desfaz,
o lar é a ilha onde ainda,
às vezes, se encontra a paz.
198
Neste planeta avarento,
onde o “ter” é o ditador,
que triste é ver o cimento
roubar o espaço da flor!
 199
No carrão recém-comprado
da motorista barbeira:
“Atenção, muito cuidado...
amaciando carteira!”
 200
No instante em que é concebida,
entra na história a criança.
Negar-lhe o direito à vida
é um crime contra a esperança!
201
No pico da quarta idade,
o quadro se faz assim:
ou se crê na eternidade,
ou se põe na tela: “Fim”…
202
No reino dos passarinhos,
joão-de-barro é o burguesão:
– de todos os seus vizinhos,
só ele mora em mansão...
 203
Nós dois num banquinho tosco,
num sítio sereno e lindo...
O amor se envolveu conosco,
e o sonho se fez infindo!
 204
Nos passos do bailarino,
na garganta do cantor,
em cada tango argentino
geme uma história de amor.
205
Nossa vida é um filme assim:
um roteiro abrasador...
Tem beijos do início ao fim,
cada qual com mais calor!
206
Nove meses... que demora!...
Entretanto, o prêmio é lindo:
- a cena em que o bebê chora,
no instante em que o parto é findo!
207
Numa harmonia perfeita,
completam-se o fruto e a flor:
ele alimenta, ela enfeita;
ele dá força, ela o amor!
 208
Num momento de euforia,
cedemos-lhe uma costela.
Fomos cedendo... e hoje em dia
quem manda no mundo é ela!
 209
O amor é forte, ele aguenta;
se é verdadeiro, ele é infindo:
chega aos oitenta, aos noventa...
quanto mais velho, mais lindo!
210
O bem-querer une a gente
mais que a consanguinidade.
– De que vale ser parente,
sem os elos da amizade?
211
O bom discurso amoroso
dispensa texto comprido.
Basta um “te gosto” gostoso,
murmurado ao pé do ouvido…
212
O bom cabrito não berra;
gato sabido não mia...
Menos sofre e menos erra
quem menos fala hoje em dia.
 213
O céu deve estar cheinho
de madrinhas, mães e avós...
– Têm lá, em dobro, o carinho
com que cuidaram de nós!
214
Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
215
O fruto é um santo produto
do mais generoso amor.
Por isso é que antes de fruto
quis Deus que ele fosse flor.
216
O agricultor que semeia
o arroz, o milho, o feijão
trabalha com Deus à meia
na Obra da Criação.
 217
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
218
Olhem a rosa os que ainda
costumam dizer-se ateus.
– Ela é a resposta mais linda
quanto à existência de Deus!
 219
Olhe os poetas e as aves...
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: – Cantem!
 220
O lírio, a lira, o lirismo;
o amor, a festa, a canção...
Que pena que o consumismo
transforma tudo em cifrão!
221
O livro mudou o enredo
da história da humanidade:
– Antes dele, a treva e o medo;
depois dele a liberdade.
222
O lobo e o cordeiro, airosos,
vão comer juntos... Depois,
os homens, bem mais gulosos,
vão comer juntos os dois!...
223
O mundo esqueceu que existe
o ponto de exclamação...
De tão seco, amargo e triste,
perdeu de vez a emoção!
 224
O nobre faz e acontece,
porém me responda, ó meu:
se o trabalho é que enobrece,
como é que ele enobreceu?...
225
O povo sempre descobre
metaforinhas incríveis:
couve-flor: repolho nobre;
as hortas: jardins comíveis…
226
O que faz a casa bela,
mais que tudo, somos nós,
se unidos vivemos nela
-filhos, netos, pais, avós.
227
O que faz a boca torta
é o cachimbo – assim se diz.
Quem bate a cara na porta
entorta a boca e o nariz!
 228
O que ocorre às águas claras,
na alma pura se repete:
dá-se às vezes, e não raras,
que um sujinho as compromete.
 229
O rio, língua da serra,
se alonga abrindo uma trilha;
e afaga a face da terra,
qual fêmea lambendo a filha!
230
O sapo coaracoacoacha
ante a sapa, a sua estrela.
– Ela é um poema, ele acha,
e estufa-se todo ao vê-la!
231
Os gaúchos, mui serenos,
dizem rindo: – “Calma, irmão...
Se o mundo tá mais ou menos,
então tá louco de bão!”
232
O talento, em nossos dias,
é o que engrandece um país.
– Mais que a força dos Golias
vale o gênio dos Davis!
 233
O teatro imita a vida,
mas também corrige o mundo.
Em cada cena exibida,
passa um recado fecundo!
 234
Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi...
– Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
235
Ou o amor enfim nos faz
desarmar o coração,
ou do cachimbo da paz
nem as cinzas sobrarão!
236
Para espalhar, num momento,
uma notícia qualquer,
não há melhor instrumento
que o rádio, a imprensa e a mulher...
237
Parece um quadro de artista:
café, café, mais café...
– O verde a perder de vista,
a vista a se encher de fé!
 238
Palavras produzem fartas
e tão belas construções:
com elas fez Paulo as Cartas,
fez os seus versos Camões!
239
Parece que estou sonhando
com a paz que o céu retrata,
ao ver araras em bando
pintando de azul a mata!…
240
Pediste, na vez passada,
que eu melhorasse a comida...
Pois hoje está caprichada:
vou servir vespa cozida!
241
Passa em voo um passarinho,
outros tantos passarão...
Que os proteja São Chiquinho
contra nós e o gavião!
 242
– Passei o dia a serviço
de um pobre encontrado ao léu...
– Pois é, disse o Pai, com isso
ganhaste, meu filho, o céu!
243
Pastel, pudim, rabanada,
e o mais que te apetecer...
Nada disso engorda nada:
basta apenas não comer!
244
Pensei que ser grande fosse
razão de alegria... Errado:
o rio, pequeno, é doce;
o mar, imenso, é salgado.
245
Pergunto: – Serás a lenda
que eu vi no mar e na areia?
Se rindo, linda, ela emenda:
– Não sou ainda... sereia!
 246
Pernilongo em meu ouvido
faz zunzum... zunzum... zunzum...
Julga-se, ao certo, o exibido
chofer de fórmula um...
 247
Pica-pau, sossega o taco...
faz uma pausa, ó carinha!
Teu toque-toque enche o saco
da passarada inteirinha...
248
Poeta, à porta do Pai,
entra fácil, certamente.
Se São Pedro se distrai,
São Francisco empurra a gente!
249
Poeta nenhum se priva
de certos dengos vitais:
– Sem pão talvez sobreviva,
mas sem ternura... jamais!
250
Por mais singela, a pessoa
terá sempre algo a doar.
– A Lua é uma rocha à-toa;
nos dá, no entanto, o luar!
 251
Pouco a pouco, passo a passo,
vamos nós, de déu em déu...
Já conquistamos o espaço;
só falta ganhar o céu!
 252
Pra casar moça bonita,
carece exibi-la não...
Que nem lá no Sul se dita:
“Bom vinho escusa pregão!”
253
Proclama o glutão roliço,
vendo à mesa a feijoada:
– Vamos botar tudo isso
em pratos limpos, moçada!
254
Prometi-lhe, amada minha,
mil estrelas, as mais belas.
Bobagem... você sozinha
brilha mais que todas elas!
255
Qual o vento, quando muda,
leva a nuvem que o céu cobre,
muita vez pequena ajuda
muda o destino de um pobre.
 256
Quando, à noite, o Sol se deita,
a Lua, em grande escarcéu,
chama a poetada e aproveita:
faz uma farra no céu!
 257
Quando o fruto está maduro,
dá o que deu no paraíso:
basta um apalpo no escuro,
e o casal perde o juízo...
258
Quando se casa a enteada,
mais a madrasta se ouriça:
Além de mãe emprestada,
agora é sogra postiça...
259
Quanta lição aprendida,
quanta dor, quanta saudade,
na viagem de uma vida
desde o berço à eternidade!
260
Quantas bênçãos traz a chuva
quando rega a plantação:
benze o trigo, benze a uva,
benze a vida em cada grão!
 261
Quantas trovas no caderno
do colégio eu rabisquei...
– Registros do amor eterno
que a tantas musas jurei!
262
Quanta vez, meu companheiro,
para não passar por bobo,
precisa o ingênuo cordeiro
usar disfarce de lobo...
263
Quanto mais rápido passa
o tempo a mim concedido,
mais grato eu sou pela graça
de cada instante vivido!
264
Que alegre alívio provoca,
na alma e no coração,
o abraço que a gente troca
numa troca de perdão!
 265
Que baita susto o sujeito
levou quando ao céu chegava...
- Na porta, crachá no peito,
a sogra dele o esperava!
 266
Que bela ficas, mocinha,
se pões, por esmero e gosto,
ideias na cabecinha,
mais que pinturas no rosto!
267
Que belo é poder amar
em doce e alegre aconchego:
– o mar, a brisa, o luar...
e a rede para o chamego!
268
Que bom que ninguém mais usa
consagrar heróis de guerra...
– Hoje herói é quem recusa
macular com sangue a Terra!
269
“Que delícia isso no espeto!”,
grita faminto o glutão,
quando ao pódio, no coreto,
sobe o touro campeão...
 270
Que dó, meu doce Arquiteto,
que tamanha insensatez...
Tão lindo era o teu projeto,
mas veja o que o homem fez!
 271
Quem com vida dá banquete,
mas não convida o povão,
finda a vida, um alfinete
pode furar-lhe o balão!
272
Quem dera algum dia eu possa
trocar meu despertador
por um relógio da roça:
o velho galo cantor!
273
Quem dera, ó Deus, eu pudesse
viver num lugar assim:
- Amparo é a poesia em prece,
num permanente jardim!
274
Quem dera, um dia, as fronteiras
fossem elos nos unindo,
e houvesse, em vez de barreiras,
somente a placa: – Bem-vindo!
 275
Quem preza a vida divide-a,
como o cedro acolhedor
que adota por filha a orquídea,
e dá-lhe suporte e amor!
276
Quem rabo alheio tesoura,
cuidar do próprio convém...
– Tanto varreu a vassoura,
que virou lixo também!
277
Quem tem amigos leais
tem muito o que agradecer:
bons amigos valem mais
que o mais que se possa ter.
278
Que pena que a vida passa
sem que a gente, na corrida,
desfrute, com tempo, a graça
do tempo melhor da vida!
 279
Quer sonhar?... Faça turismo
no coração de um poeta.
É o refúgio onde o lirismo
seus enredos arquiteta!
 280
Que será que esse recado
na garrafa traz, e a quem?
– Vem de alguém que, apaixonado,
tem saudade do seu bem!...
281
Que susto levou a minhoca,
quando o minhoco, afobado,
no lusco-lusco da toca,
beijou-a no extremo errado!...
282
Que testemunho mais lindo
esse que o papa nos traz,
com seu sorriso servindo
à grande causa da paz!
 283
Que vida pesada e amarga
tem sido a tua, ó formiga...
Suportas, no entanto, a carga,
sem nunca fugir da briga!
284
Que vida pobre a do rico...
Noite e dia, o ano inteiro,
mirando o ilusório pico
de um sonhozinho – o dinheiro...
285
Rato-rato, rói o rato
um roto resto de pão...
Rente, rouco, rosna um gato,
come o rato e rouba pão!
286
Rodo, rodo, rodo, rodo,
devagar a divagar...
divagando sobre o modo
menos vago de vagar...
 287
Se a justiça, um dia, enfim,
a todos der vez e voz,
Deus dirá que agora, sim,
mora no meio de nós!
 288
São de cristal ou de barro
nossas vaidades... tão só.
Um baque, um tombo, um esbarro,
e tudo reduz-se a pó!
 289
Se alguém se torna importante,
por certo alguém o ajudou.
Mesmo o Amazonas, gigante,
de afluentes precisou!
290
Se aos heróis e aos grandes sábios
devemos tão bela herança,
muito mais a quem nos lábios
traz o canto da esperança!
291
Se as mentes elas lavassem,
e não os corpos somente,
quem sabe as águas voltassem
às graças de antigamente!...
292
Se as moquecas saem boas,
vão para o “chef” os louvores.
– Nunca ouvi cantarem loas
ao labor dos pescadores...
 293
Seca e enchente são recados
aos povos de toda a Terra:
– alerta contra os pecados
do fogo e da motosserra!
294
Se de Deus vem a mensagem,
não carece tradutor.
Em geral vem na linguagem
de uma estrela ou de uma flor!
295
Se de jeca lhe dão nome,
ele responde: – “Tá bão...
Mas, se ocê não passa fome,
é graças ao meu feijão!...”
296
Se ela insiste, por pirraça,
em fazer “greve”, olhe o enrosco:
dá-lhe ele um basta... e ameaça:
- Mamãe vem morar conosco!...
 297
Segura, peão, segura,
que a vida é um grande rodeio...
– É luta bela, mas dura,
com muitos trancos no meio!
 298
Se lhe derem mais apoio;
se ele vir que o bem faz bem,
tenha certeza: há de o joio
tornar-se trigo também!
299
Sempre que ensaia um passeio,
assim se apresta o janota:
reparte o cabelo ao meio,
bota a calça, calça a bota.
300
Se poder o avô tivesse,
o neto não cresceria.
Crescendo, desaparece,
e leva junto a alegria...
301
Se tens filho, escuta aqui,
que um lembrete eu vou deixar-te:
– Guri que já faz guri,
se fica solto, faz arte!…
 302
Soa o alarme no avião...
faz-se um enorme escarcéu...
Diz o piloto: - Atenção...
a próxima escala é o céu!
303
Solitário coração
abandonado num canto...
Ninguém com um lenço à mão
para lhe enxugar o pranto!
304
Sonhador desde criança,
não sonho entretanto em vão.
No sonho eu nutro a esperança,
que nutre o meu coração!
305
Sonho um mundo redimido,
que, movido a coração,
lance flechas de Cupido,
não petardos de canhão!
 306
Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
 307
Sorriso não paga imposto;
esbanja, portanto, o teu.
Sorrindo com graça e gosto,
acendes também o meu!
308
Tais encantos tem a vida,
tais e tantas graças tem,
que me dói pensar na ida
para o céu antes dos cem!...
309
Tal qual dois rios se abraçam,
formando um só rio após,
dois “eus” pelo amor se enlaçam,
passando a chamar-se “nós”!
310
Tal qual o povo, pisada
por tantos, a todo instante,
a alegria da calçada
é o tropicão do passante!...
 311
Também na fauna a justiça
é às vezes discricionária:
dá mole ao bicho-preguiça,
explora a abelha operária...
 312
Tantas e tantas estrelas,
e a lua ao meio, a luar...
Criou-as Deus para vê-las
fazer a gente sonhar!
313
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
314
Tão boa é aquela senhora,
tão generosa e tão pura,
que nem passando a ter nora
perdeu jamais a ternura...
315
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem.
 316
“Tem o amor certas razões
que nem a razão conhece.”
– Por exemplo: as emoções
que um gordo cheque oferece...
317
Tem que aos simples se igualar
quem deseja ao céu se erguer:
– O rio só se faz mar
depois de muito descer!
 318
Tenho a alma sempre em festa,
e é fácil saber por quê:
– minha vida é uma seresta,
na qual a lua é você!
319
Ter mil bens sem ser do bem,
que triste prazer produz...
– É ter tudo, sem, porém
ter nada que leve à luz.
320
Terno, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que volta ao lar!
321
Tipo da coisa marota,
ambígua e um tanto arriscada:
perguntar a uma garota
se ela quer jogar pelada...
 322
"Tirei dez em português",
diz-me o neto, erguendo os pés.
"Na verdade, sete e três,
mas, vô... sete e três são dez!"
323
Todo idoso é um professor;
curvo-me e beijo-lhe a mão.
No mínimo, ensina amor,
hoje máxima lição!
324
Todos nós temos um pouco
ou de troiano ou de grego;
por isso este mundo louco
jamais há de ter sossego...
325
Trabalhas tanto, formiga,
enquanto, ó cigarra, cantas.
No entanto, basta de intriga:
– são duas tarefas santas!
326
Trata o vovô com respeito,
ou logo o castigo vem:
– dele herdarás só o direito
de ficar velho também...
 327
Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar.
Mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar!
328
Tremor no hotel... toda gente
salta da cama assustada.
Falso alarme: era somente
efeito da feijoada…
329
Tristeza alguma dói tanto
quanto a tristeza dos sós...
– Ninguém lhes escuta o pranto,
ninguém lhes dirige a voz!...
330
Trova é bom para a saúde,
faz amigos, dá prazer.
Talvez até nos ajude
a esquecer de envelhecer...
 331
Tudo depende, de fato,
do que de “sorte” se chama...
Por exemplo, para o gato,
é achar um rato na cama!
 332
Uma boca em cada ponta
de um fio de macarrão...
Ao fim, o encontro que conta:
boca na boca... e um beijão.
333
Um dia, filho, verás,
e eu também, se vivo for,
o mundo inteirinho em paz,
na grande festa do amor!
334
Um vaga-lume, isolado,
é só uma pobre luzinha;
no entanto, aos outros somado,
clareia a roça inteirinha!
335
Vaidade, doença triste
que nos condena a estar sós...
Não nos deixa ver que existe
ninguém mais além de nós.
 336
Vai, riozinho, sem pressa...
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
 337
Vamos que vamos, poeta,
sem medo da liberdade...
Sigamos seguindo a seta
que leva à felicidade!
338
Vão de segunda os viajeiros
mais humildes – os coitados.
Serão no entanto os primeiros
entre os bem-aventurados!
339
Veja a mata: é lindo o verde;
veja o céu: o azul é belo.
Por que é que então eu vou ter de
manter o humor amarelo?...
340
Vem vindo um tempo sem bombas,
sem tanques e sem canhões.
Falcões darão vez às pombas,
e os fuzis aos violões!
 341
Venha, amor, vamos dançar
em meio à chuva, ao relento...
Sem medo, vamos deixar
que às nuvens nos leve o vento!
342
Vênus, Marte, o Sol e a Lua
talvez sejam mais vizinhos
que os que compõem na rua
a multidão dos sozinhos.
343
Verde, amarelo, vermelho...
bi-bi... fon-fon... ron-ron-ron...
Mulher, sem pressa, ao espelho,
na esquina ajeita o batom...
344
Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio...
 345
Vinde, amigos, vinde e vede
o quanto pode o perdão:
– derruba qualquer parede
que nos separe do irmão!
 346
Vingança é coisa de gente
tresloucada ou matusquela...
– A lei do dente por dente
faz tempo ficou banguela!
347
Virão tempos diferentes
em nossa história, e os vereis:
haverá mais Tiradentes
do que Silvérios dos Reis!
348
Vi um menino uma vez
mandar aos pais um recado:
– Sou o amor que uniu vocês
e se fez carne. Obrigado!
 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Renato Alves (RJ)




1
A água pura não tem cor,
nem branca, nem amarela;
não tem cheiro, nem sabor...
Mas ninguém vive sem ela!
2
Agradeço a quem quiser-me
como eu sou, como um irmão...
Não é na cor da epiderme
que se vê meu coração!
3
Ao receber tuas cartas
uma frustração me invade:
tu me dás notícias fartas,
mas me matas de saudade!
4
Ao repensar minha história,
encontrei com emoção
por trás de cada vitória
um mestre no coração!
5
Ao te encontrar, velha agenda,
lá no fundo da gaveta,
meu passado se desvenda...
És a minha “caixa-preta”!
6
Beleza de mais efeito
que este colar de rainha
tu não tens sobre o teu peito,
dentro dele é que se aninha...
7
Com esplendor natural
e fulgor exuberante,
de uma gota no varal
o sol faz um diamante.
8
“Conhecer não é saber”
- ensina a douta ciência...
”Pôr alma no que aprender” ,
isto, sim, é sapiência!
9
Coração, relógio louco
que registra o meu desejo,
bate muito ou bate pouco,
na medida em que te vejo!
10
De meu pai herdei o nome,
de minha mãe, a ternura;
da pobreza herdei a fome,
a minha herança mais dura!
11
Eis meu desejo ideal,
minha utopia e quimera:
– Ver teus braços, afinal,
abrirem-se à minha espera!
12
Escute a voz da razão:
– Nunca esmoreça, persista!...
É com determinação
que o sonho vira conquista.
13
Mais rápido do que a luz,
através do imaginar,
pensamento nos conduz
a todo e qualquer lugar,
14
Mesmo em meio à dura lida,
fazer versos nos renova:
– Cabe todo o bem da vida
nas quatro linhas da trova!
15
Mil livros já devorei,
mas neles não achei graça,
até hoje eu nada sei...
– Muito prazer, sou a traça!
16
Minha vida era rotina
tão amarga quanto fel,
mas transformou-se, menina,
com sua chegada, em mel!
17
Não diga que é velho alguém
pela idade transcorrida...
Só é velho quem não tem
mais sonhos em sua vida!
18
Ninguém há que saiba tudo,
nem tudo pode saber...
Muito se aprende e, contudo,
há sempre o que se aprender!
19
No campo foi algodão,
tornou-se fio e tecido,
ganhou cor e confecção...
Está pronto o seu vestido!
20
Nunca condenes o irmão
sem de provas ter ciência;
dá-lhe, sem contestação,
a presunção da inocência.
21
O gajo, sendo um velhaco,
engajou-se bem no ofício:
– um cargo de puxa-saco
pra puxar palma em comício!
22
O mar geme nos rochedos
prantos tão desconsolados,
pois guarda muitos segredos
e sonhos dos afogados...
23
O mestre faz da alma um templo
para ouvir nossa oração,
e, assim, mostra que é o exemplo
que ensina qualquer lição!
24
O muro é separação,
produto de preconceito;
se você quer união,
construa pontes no peito!
25
O trabalho é punição,
uma herança do passado...
Deus quis castigar Adão,
e sobrou pro nosso lado!..
26
“O vinho seco faz bem!”
- recomendou sua avó...
E ele foi ao armazém,
e lá pediu: “Vinho em pó!”
27
Pandorga... cafifa... pipas...
tens nomes em abundância,
mas com todos participas
dos sonhos da nossa infância!
28
Planto o grão com uma meta:
- Gerar vida em profusão...
E este ciclo se completa
quando o trigo vira pão.
29
Pode ser pobre ou poeta,
sem perder a autoestima;
mas há de ter como meta
não ter pobreza na rima.
30
Quando a feia se “embeleza” ,
mas o resultado é trágico,
diz o espelho, que se preza:
– Ela pensa quer eu sou mágico!...
31
Quando a humana insensatez
dissemina a poluição,
para ter sol outra vez,
só com imaginação...
32
Quando do meu lar amado
transpus o velho portão,
pedaços do meu passado
espalharam-se no chão!
33
Quando estou no teu regaço,
tu me dás consolo e mel...
Como há sonho em teu espaço,
livro, amigo de papel!
34
Quando o amor é inconsequente,
nas mais tórridas paixões,
pode fundir-se a corrente
que liga os dois corações!
35
Quem de si não cede nada,
no céu não terá lugar.
Coisa mais abençoada
do que receber... é dar!
36
Quem não tem medo da morte,
quem nunca faz nada em vão,
quem, antes de tudo é um forte...
Este é o homem do sertão!
37
Que nome você daria
ao que sente a mãe que chora
ao pé da cama vazia
de um filho que foi embora?...
38
Razão e Emoção, na gente,
são irmãs, mas não se dão:
a primeira habita a mente,
a segunda, o coração!
39
Se és de fato um vencedor
deves sempre ter em vista,
não o prêmio e seu valor,
mas o prazer da conquista!
40
Se és duro de coração,
não perdes por esperar:
do céu só terá perdão
quem é capaz de perdoar.
41
Ser poeta é transformar
a palavra em brasa ardente
para com ela queimar
a emoção que está na gente!
42
Se tens pela vida apreço,
não entres na droga braba!
Tu decides o começo,
mas não sabes como acaba.
43
Sigo, no delírio infindo
da saudade que me arrasa,
uma só música ouvindo:
os teus passos pela casa!
44
Sob chuva ou sol que abrasa,
como nos tempos antigos,
o portão da minha casa
não se fecha aos meus amigos!
45
Tal qual pérola valiosa
que na ostra tem morada,
minha alma tão pretensiosa
mora no peito da amada.
46
Te enfeiticei, fui omisso,
quis um “caso” passageiro;
mas o Amor fez o feitiço
virar contra o feiticeiro!
47
Ter fé, amor, otimismo
e uma inabalável crença
nos faz saltar sobre o abismo
de qualquer indiferença!
48
Terrível palavra é o “não”
que corta, poda, cerceia...
Feliz quem, no coração,
traz o “sim” que a paz semeia!
49
Trovador que espalha o sonho
que lhe mora n’alma inquieta
confessa ao mundo, risonho,
a bênção que é ser poeta!
50
Tua pele o vento alisa,
sensual, com seu frescor.
Como eu invejo esta brisa
que te alisa, meu amor!...
51
Tu me prendes, me agrilhoas,
me escravizas sem sentir,
mas destas algemas boas
eu não pretendo fugir..
52
“Vitamina está na casca!”
-De um comilão eu ouvi...
E quase que ele se enrasca
ao comer abacaxi!
53
Voltei a ter confiança
neste mundo tão ruim
ao descobrir a criança
que ainda habitava em mim!

terça-feira, 4 de maio de 2021

Aparício Fernandes (A Classificação das Trovas)


A Trova pode ser classificada sob três aspectos; a forma, a mensagem (ou conteúdo) e a origem. Quanto à forma, podemos dividi-la em trova de rima simples e de rima dupla. A de rima simples é a mais antiga e a mais popular. Apareceu, segundo Luís da Câmara Cascudo, por volta do século XIII. É a que rima apenas o 2o. Com o 4o. verso. Eis uma trova de Adelmar Tavares, que é um perfeito exemplo de trova de rima simples:

A inveja tem seu castigo,
Deus mesmo é quem retribui:
enquanto o invejado cresce,
o invejoso diminui...


A trova de rima dupla, como o nome está dizendo, é a que possui os quatro versos rimados entre si. É um tipo mais aprimorado, mais literário, mais artístico, embora, possivelmente, menos popular. A trova de rima dupla pode ter as rimas intercaladas, Isto é, rimando o 1.° com o 3° verso e o 2° com o 4°, ou internas, quando o 1.° verso rima com o 4° e o 2° com o 3°.

Eis um exemplo de trova de rima dupla com as rimas intercaladas; é do trovador A. A. de Assis:

Desesperadora e triste
é a solidão dos ateus,
para os quais nem mesmo existe
a companhia de Deus.


Vejamos agora um exemplo de trova de rima dupla com as rimas internas, através desta linda quadrinha do saudoso poeta Gentil Fernando de Castro;

Que lição às nossas dores,
ó velho muro, desvendas!
— É na ferida das fendas
que mais te cobres de flores...


A trova de rima dupla interna é relativamente rara. Podemos considerá-la mais sofisticada, mais erudita e bem menos popular do que as suas irmãs, A tendência dos trovadores atuais é francamente pela composição da trova de rima dupla intercalada; num ensaio que se publicou, propôs-se que doravante só seja reconhecida como trova a quadra de rima dupla; ao que parece, Colbert Rangel Coelho e alguns outros trovadores são da mesma opinião.

O certo é que, pelo menos nos inúmeros Jogos Florais e demais Concursos de Trovas que frequentemente são realizados em nosso país, já não se aceita as trovas de rima simples, que são automaticamente desclassificadas. Não acreditamos, porém, que a trova de rima simples venha a desaparecer, pois:

a) é muito mais antiga que a trova de rima dupla;

b) está consagrada pelo povo, sendo de feição nitidamente popular;

c) várias trovas antológicas, que o povo sabe de cor, são de rima simples;

d) é o caminho de acesso natural à trova de rima dupla, encontrando ainda muitos compositores, principalmente entre os trovadores iniciantes.

Guimarães Barreto, poeta e escritor paraibano residente na Guanabara, em seu livro "Excursão peto Reino das Trovas" (Irmãos Pongetti, 1962, Rio) diz o seguinte:

"As trovas, provenham de letrados ou iletrados, caracterizam-se pelos motivos que as criam e que, como as composições musicais, lhe servem de elemento essencial, O tema, ou assunto que as motiva, é quase tudo".

Concordamos, em parte, com a opinião acima, porquanto, embora as duas coisas se completem, damos mais valor ao conteúdo poético de uma trova do que propriamente ao artifício de sua forma. Por isso, somos tolerantes. Embora nossa preferência recaia na trova de rima dupla, não vamos negar a existência de trovas de rima simples belíssimas, que de modo algum podem ser relegadas ao ostracismo. Nossa concordância com o Guimarães Barreto termina quando ele escreve o seguinte:

"Há casos em que a própria rima se dispensa e basta a homofonia nas últimas sílabas tônicas dos segundo e quarto versos (rimas toantes), multo de agrado dos trovadores portugueses. Essa ausência de rimas não perturba a boa qualidade das trovas, mas, pelo contrário, lhe dá um sabor de originalidade, um novo motivo de encantamento:

Quem me vê eu 'star sorrindo
não pense que estou alegre,
meu coração ‘stá tão preto
como a tinta que se escreve."


Em nossa opinião, uma quadra só será trova se tiver as rimas conforme o figurino legal. As rimas toantes podem ser interessantes para poemas livres ou para sonetos inovadores. Na trova não, mesmo porque não se enquadram na definição de trova que é hoje aceita sem contestação, pelo menos no que se refere às rimas.

Na quadra mencionada por Guimarães Barreto notamos ainda a utilização do apóstrofo no 1.° e no 3° verso. Somos contrário não só aos apóstrofos, como às licenças poéticas e a todo e qualquer recurso apelativo na composição de uma trova.

Quem é bom trovador, dispensa essas muletas: utiliza-se do vernáculo corretamente e nem por isso suas trovas deixam de ter a naturalidade musical de uma fonte cristalina.

Somos contrário até mesmo à utilização do termo pra em lugar de para, só o admitindo em casos especialíssimos. Uma trova com um pra dificilmente será uma trova de elevada categoria (a contração “pra” pelas novas normas da UBT, é aceita tanto em trovas humorísticas como em líricas/filosóficas). Quanto ao pro (para o), então, nem se fala...

Para terminar, vamos citar uma trova de Adelmar Tavares, de rima dupla intercalada, onde o poeta usa a mesma palavra para rimar o 1.° com o 3o verso:

Para matar as saudades,
fui ver-te em ânsias, correndo...
— E eu, que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo...


E ainda uma outra, de Lia Pederneiras de Faria, que apresenta a curiosa particularidade de ter a rima "inha" nos quatro versos:

"Não há mãe melhor que a minha!"
— diz a filha à mamãezinha.
E a mãe sorrindo: – Filhinha,
melhor que a tua, era a minha!…


A MENSAGEM

Vamos agora analisar a classificação da Trova no tocante à sua mensagem, ou conteúdo. A grande maioria das trovas, numa percentagem de 90 a 95%, podem ser incluídas em três grandes categorias:

líricas (também chamadas românticas ou sentimentais), humorísticas e filosóficas. As restantes, que fogem a estas características, são as trovas que poderíamos denominar de sociais, religiosas, descritivas, políticas, regionais, pictóricas, patrióticas, condoreiras, etc. Ainda assim, com um pouco de boa vontade, muitas dessas trovas poderiam ser englobadas em uma das três grandes categorias principais. Independente de pertencerem a uma das categorias acima citadas, as trovas podem ainda ser afirmativas ou interrogativas, otimistas ou pessimistas, conselheirais, conceituosas, acusativas, didáticas, pacifistas, épicas, místicas, queixosas, de revolta, etc.

Em se tratando das trovas humorísticas, principalmente, as subdivisões são mais importantes e mais acentuadas, de vez que o humorismo apresenta nuances que podem ser delineadas mais nitidamente. Assim, uma trova humorística pode ser simplesmente engraçada, ou ainda brejeira, maliciosa, irônica, sarcástica, epigramática, satírica, anedota!, etc.

Julgamos desnecessárias maiores explicações sobre o que seja uma trova lírica, humorística ou filosófica, de vez que estas próprias designações são bastante claras e expressivas. Contudo, a título de ilustração, apresentamos a seguir três trovas: a primeira, lírica; a segunda, humorística; e a terceira, filosófica. Os autores são, respectivamente, Maria Thereza Cavalheiro, Antônio Tortato e Luiz Otávio;

Naquele dia, tristonho,
pousaste os olhos nos meus:
— vivi na tarde do sonho,
morri na noite do adeus.

O inquérito começou
e o inspetor é interrogado:
— O cadáver, como o achou?
— Morto! senhor delegado...

Duas vidas todos temos,
muitas vezes sem saber:
– a vida que nós vivemos
e a que sonhamos viver.


Para concluir o nosso estudo da classificação de trovas quanto à mensagem, vamos apresentar exemplos de trova social, religiosa, descritiva, política, regional, ferina, pictórica, patriótica e condoreira. Ei-los:

Trova social, de Luiz Antônio Pimentel:

Olhando, alheio á folia,
no carnaval me comovo,
ao ver tamanha alegria
sob a miséria do povo.

Trova religiosa, de João Martins de Almeida:

Aliviai as penas duras,
meu Jesus, de todos nós.
Lembrai-vos das criaturas
que se esqueceram de Vós!

Trova descritiva, de Eliézer Benevides:

Pelas planuras desertas,
nas frondes verdes, as comas
mostram corolas abertas,
num desperdício de aromas.

Trova política, de M. Augusto Costa:

Todo mundo é "boa praça"
quando é chegada a eleição.
Mas, depois que o pleito passa,
o povo fica na mão!

Trova regional, de Clodoaldo de Alencar:

Se a região do Nordeste
quiser ter um pavilhão,
ei-lo aqui: — um cardo agreste
em forma de coração!

Trova pictórica, de Félix Aires;

A flor do sol, no horizonte,
fecha as pétalas vermelhas...
Pelo pescoço do monte
se deita um colar de ovelhas!

Trova patriótica, de Leonardo Henke:

Deus, num símbolo que encerra
promessas de redenção,
deu ao Brasil — minha terra —
a forma de um coração.

Trova condoreira, de Lilinha Fernandes;

Amanhece... Vibra a terra!
O sol, que em ouro reluz,
sai da garganta da serra
como uma trova de luz!


Este último tipo de trova, isto é, a condoreira, é também apelidada pelos trovadores de foguete de lágrimas, pelas suas imagens inusitadas, rutilantes e — muitas vezes — exageradas,

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Miguel Russowsky (1923 - 2009)



1
A humanidade até gosta
de não saber a verdade,
quando a mentira, bem posta,
lhe trouxer felicidade.
2
A saudade às vezes fala,
e até grita - quem diria? -
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
3
A vila reza, orvalhada,
tendo o sol por capelão...
- Homem no cabo da enxada
é uma espécie de oração!
4
A vingança do chulé
não lavado há vinte dias,
é deixar meias em pé
mesmo que estejam vazias!
5
Chora a chuva na vidraça...
chora o vento em frenesí
e a solidão, por pirraça,
está dizendo:- Eis-me aquí!
 6             
  Chove e não vens... a tristeza
faz escurecer meu dia
e a solidão - vela acesa -
em silêncio me alumia.
7
Como cultivo amizades
e sou bom agricultor,
irão escrever: "SAUDADES",
na campa aonde eu me for.
8
Cupido avisa aos poetas
e também aos namorados
que seus estoques de setas
foram todos renovados!
9
Cupido sempre intercala
alguma perda em desejos:
se me beijas... perco a fala;
se me falas... perco os beijos!
10
Dos fados em que sou réu,
há sucessos tão estranhos...
Chego a ver o azul do céu
morar em olhos castanhos...
11
Dou às trovas que componho
tempo, amor, astúcia, empenho,
mais as asas do que sonho...
Mais não dou, porque não tenho. 
12
Enquanto a nau Esperança
singrar os mares da vida,
minha Quimera não cansa
e nem se dá por vencida.
13
Este dístico singelo
a verdade satisfaz:
caneta, arado e martelo
são os arautos da paz.
14
Estrofes são caravelas
que singram os pensamentos.
Com as rimas, faço as velas,
com as sílabas, os ventos.
15
Estudo trovas a fundo,
mas persisto na suspeita,
que a trova melhor do mundo
até hoje não foi feita.
16
Flerte, romance de olhares
dizendo, em forma elegante
mil promessas de luares
traduzidas num instante.
17
Há balanços conflitantes
em vidas fúteis e loucas:
os outonos são bastantes
e as primaveras bem poucas.
18
Meu cupido é deus macabro,
põe milagres no lampejo.
Não estás, se os olhos abro...
fecho os olhos e te vejo.
19
Na blusa prendes a rosa
à altura do coração.
Como pode ser viçosa
uma flor sobre um vulcão?
20
– Não bebo mais!… – diz o Souza,
com intentos bons e plenos.
Discorda deles a esposa:
– Não bebe mais … e nem menos!
21
Naquele amor que resiste
às invernias da idade,
a lembrança é órfão triste
nos asilos da saudade.
22
Na trova, às vezes, invento
emoções e não as sinto.
Mas creia no meu talento,
sou sincero quando minto!
23
Nesta vida hostil e azeda
e desespero sem par,
rogo a Deus que me conceda
a coragem de sonhar.
24
Ninho de felicidade
com gravetos de ilusão,
se faz com facilidade
mas tem curta duração.
25
O amor no moço é fogueira,
em ardente combustão,
mas no velho é uma lareirta
com mais cinzas que carvão.
26
O papel é a carruagem
que eu dirijo da boleia.
Tomo as rédeas da viagem
dando açoites numa ideia.
27
O poema é luz imensa
que se espalha em frenesi.
Por isso o poeta pensa
ter um deus dentro de si.
28
O silêncio às vezes fala
de saudades - Quem diria!
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
29
Os murmúrios das gaivotas,
em noites de lua cheia,
são canções deixando as notas
nas pautas brancas da areia.
30
O tamanho dos abismos
que puseste em nossas vidas
não se mede em algarismos
mas em lágrimas vertidas.
31
O tempo escreve a seu gosto
no passar do dia a dia,
muitas rugas no meu rosto,
mas... tem má caligrafia.
32
O tempo não traz perigo
à verdadeira amizade.
Quem não é mais teu amigo,
jamais o foi de verdade.
33
Pelas ciladas que trama,
a Insônia é mulher-perigo:
– marca encontro em minha cama,
mas não quer dormir comigo!
34
Pela vida me foi dado
um conselho em que me alerto:
antes rir desafinado
que soluçar no tom certo.
35
Quanto mais o tempo avança,
mais eu fico a perceber
que a saudade é uma lembrança
que se esqueceu de morrer.
36
Quatro versos num estojo,
mas além desta embalagem,
a trova deve, em seu bojo,
comportar uma mensagem.
37
Ser caule, flor ou ser folha
não é sorte nem é sina,
pois de antemão tal escolha
se fez por ordem divina.
38
Se te serves de mentiras
para cresceres em ganho,
é bom que logo confiras
que encurtaste no tamanho!
39
Sob o sol, a voz do arado,
no início da semeadura,
vai anunciando o noivado
entre o suor e a fartura.
40
Tendo à mão uma caneta
mais o empenho a manejá-la,
vou mesmo a qualquer planeta
sem sair daqui da sala.
41
Vai para o mar a jangada
tendo um sonho por escolta.
Volta sem peixes, sem nada,
nem o sonho traz de volta.

MIGUEL KOPSTEIN RUSSOWSKY, filho de Jacob Russowsky e de Eva Russowsky, nasceu em 21 de junho de 1923,  em Santa Maria,  no Rio Grande do Sul. Casou-se com Vitória Toaldo Russowsky e teve quatro filhos: Leila Brunoni, June Braganholo, Miguel Igôr Russowsky e Silvia Herter. 

Cursou o primário na Escola São José, em Jaguari e o secundário no Colégio Estadual Santa Maria (Maristas), entre 1933 e 1940 (pré-médico).

Em 1940 entrou na medicina URGS e formou-se em 1946, aos vinte e três anos em Porto Alegre. Exerceu clínica e cirurgia geral durante os últimos 50 anos de profissão, sempre pela medicina livre, sem vínculos empregatícios.

Livros publicados: Céu de Estrelas – 1951 (reeditado); O Julgamento de Tiradentes – 1980 (peça teatral); O Segredo do Pântano – 1983 (peça encenada pelo Grupo Teatral Eugênio Marcheti, de Herval  d´Oeste); Poesias Melancólicas – 1994; Noite de Lua – 1996; Cadeira de Balanço - 1998; Confeitos de quimera – 2000; Cantares de um vulcão quase extinto – 2005

Além de sonetos e poemas, Russowsky também  produzia  excelentes Trovas líricas, humorísticas, patrióticas, religiosas. Sua inspiração  privilegiada não conhecia limites. Suas poesias foram exaustivamente publicadas em jornais, revistas, boletins, antologias etc  e divulgados  em programas radiofônicos e televisivos.  Conquistou mais de 400  prêmios literários no Brasil e no exterior.

Sócio fundador do Lions Clube de Joaçaba - SC.

Membro da Academia Catarinense de Letras;

Diretor Literário da SCAJHO – Sociedade de Cultura Artística   Joaçaba e Herval d´Oeste;

Era proprietário do Hospital São Miguel, o maior e mais bem aparelhado da região  e do Hotel Jaraguá, em  Joaçaba, SC.

Faleceu no dia 3 de outubro de 2009, de acidente automobilístico.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...