Postagens por Marcador

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Adélia Victória Ferreira


1
A fantasia é um brinquedo
para instantes enfadonhos:
nos porões - varrendo o medo,
na torre - embalando os sonhos...
2
Ao sofrer uma agressão
a terra não choraminga
nem esboça reação,
mas... cedo ou tarde, se vinga…
3
Circo de lona... de estacas,
pobre, no mundo a vagar...
E nessas bases tão fracas
o riso escolheu morar...
4
Com a lembrança marcada
por sofrimentos de outrora,
igual à pomba assustada
eu fujo aos sonhos de agora.
5
Esperança é a caminhante
que, ora animada, ora triste,
vai, teimosa, mais adiante,
quando a Certeza desiste. 
6
Lago imóvel, preguiçoso,
que se espera repousante,
o sempre é um sonho enganoso
que só na perda é constante.
7
Meu olhar é um girassol,
avidamente a buscar
entre a aurora e o arrebol
o astro-rei do teu olhar!
8
Minha vizinha é tão feia
que, aparecendo à janela,
o furacão a rodeia
com medo de tocar nela! 
9
Na pinga e de pito aceso,
pega a bela, o Serafim,
que no outro dia vai preso
nos braços de... um manequim,..
10
Na sala, a rica exibida
mostra o vaso e a amiga exclama:
- Mas... esse vaso, querida,
se usava... embaixo da cama!…
11
No amor não raro acontece
estranha feitiçaria:
quando a vontade aparece
desaparece a energia…
12
No entrechocar das espadas,
que a ambição maneja a fundo,
como esperar alvoradas,
se a luz é expulsa do mundo?...
13
No mistério de seus planos
vai, o futuro inclemente,
burilando os desenganos
que irá nos dar de presente!
14
0 grande, na trajetória
que palmilha passo a passo,
recebe em silêncio a glória
como recebe o fracasso. 
15
O pato, à pata, zangado:
- Qualquer um pode notá-lo!
Aumentas teu rebolado
quando passas pelo galo!
16
O Sábio avança e recua
sobre um mistério esquisito,
onde um termo continua
termo sem termo... Infinito!…
17
O sol, filetando o olhar,
pelo arvoredo introduz
agulhas para bordar
bailados de sombra e luz.
18
Para a saudade que anela
voltar à ventura morta,
o passado abre a janela,
mas nunca destranca a porta...
19
Pelos gênios fascinado,
me indago, com inquietude,
se a inveja será pecado;
se o que se inveja é... virtude..
20
Por nosso irmão não se conta
quem apenas nos exalta
e, sim, quem também aponta,
censurando a nossa falta.
21
“Pra que rouge?” – indaga a Tita,
à mãe vaidosa que o aplica.
“Pra que eu fique mais bonita!”
E a filha: “Por que não fica?...” 
22
Quando, mãe, o tempo ingrato
em bruma a lembrança envolve,
bendigo o velho retrato
que teu rosto me devolve!
23
Quem só conhece negrume
por onde os passos conduz,
no piscar de um vagalume
pode aprender o que é luz.
24
- Raio de bicho malandro! -
o astronauta geme e sua
e a pulga, em seu escafandro,
vai de carona pra lua…
25
Recorre ao bom-senso e ordena
teu viver, pelo vivido.
O que o passado condena
não deve ser repetido.
26
Se era às crianças que um vulto
no escuro punha assustadas,
hoje o temor é do adulto
que anda à noite nas calçadas…
27
Sem o amor, que é fantasia,
a vida, que é realidade,
transporta mala vazia
no rumo da eternidade.
28
Se os meus juízes confundo
com falsa argumentação,
recebo o perdão do mundo,
mas não meu próprio perdão.
29
- Se te vais, por gentileza,
deixa a porta sem trancar!
Não me roubes a certeza
de que logo irás voltar!
30
Silencioso, palmo a palmo,
irreversível, tirano,
o tempo devora, calmo,
todo e qualquer sonho humano... 
31
Sol e sombra na floresta
e uma brisa, erguendo a mão,
rege os compassos da festa
de sombra e luz, pelo chão.
32
Torna um sonho em realidade
e verás, com ironia,
que, por mais que ele te agrade,
foi mais bela a fantasia.
33
Vivo a sonhar: Quem me dera
que eu, no amor sempre frustrado,
em vez de ficar à espera,
um dia fosse o esperado.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Judith Cocarelli

1
A conduzir o ceguinho
andava tranquilamente.
Ignora, o rapazinho
quanto vale, como é gente!
2
A gíria já é um fato
que nós temos que aceitar:
o bonito é um barato
e curtir, apreciar…
3
Ainda tenho esperança
se torne realidade
ver nosso mundo-criança
atingir maioridade.
4
A programação assumo
da vida que desejei,
hoje arrumo e desarrumo
este rumo que tomei.
5
Capricórnio, em que nasci,
deu-me esta teimosia:
Não creio em mal que não vi,
creio no bem, todavia.
6
Com fervor bem verdadeiro
eu rogo hoje ao Senhor
que o meu povo, o brasileiro,
ensine ao mundo o amor!
7
Com “meu” caracol brincava,
num mundo de fantasia;
quantas vezes invejava
a concha em que se escondia!
8
Como o poeta julguei
poder estrelas contar
mas, sem querer, misturei
com elas o teu olhar…
9
Como último carinho,
quisera sentir na face
o calor de um raiozinho
de sol, que assim, me afagasse…
10
Corremos, com esperança,
atrás da felicidade.
No final da nossa andança,
restam cansaço e saudade…
11
Cultivo uma aspiração
neste caro mundo meu:
Que ao parar meu coração
eu fiquei a ouvir o teu…
12
Deixe embora, em minha andança
de ver, ouvir, caminhar,
se me restar a esperança
continuarei a sonhar!
13
Dispensando-lhe carinho
damos-lhe alguma esperança:
lembremo-nos que o velhinho
já foi, um dia, criança…
14
Disseram-me que “a esperança
é a última a morrer”.
Às vezes, em nossa andança,
ela nem chega a nascer!
15
Durante o mês de dezembro,
quando o Natal se aproxima,
todos os dias relembro
o meu tempo de menina…
16
Ela não é tua filha
mas dá-lhe alguma atenção;
a criança maltrapilha
é filha de teu irmão!
17
Gostaria que a esperança
retornasse à minha vida
para ser, como em criança,
na boneca prometida…
18
Muita gente, nesta vida,
desejaria voltar
ao seu ponto de partida
e novo rumo tomar…
19
Nós não temos, na cidade,
luar como o do sertão,
mas dá-nos felicidade
a pequenina fração…
20
Numa oração muito minha
eu peço, a todo momento,
poupe Deus minha mãezinha
de ter qualquer sofrimento.
21
O luar, meu aliado,
o quarto dele invadiu
levando-lhe meu recado…
Mas dormia, nem sentiu!
22
O sol se esvai, no horizonte,
oferecendo ao olhar
uma inesgotável fonte
para o nosso versejar.
23
Passei minha vida inteira
num rumo só, trabalhar.
Parece que foi asneira,
porque eu gosto é de rimar!
24
Peço a Deus, com esperança,
num fervoroso rogado,
note-se em toda criança
um sorriso ensolarado!
25
Pedimos com devoção,
tudo que nos dá prazer
e esquecemos, na oração,
de, no entanto, agradecer!
26
Pelo sol vivo ansiando!
Quando chove ou anoitece
quisera estar habitando
o país em que aparece.
27
Pleno dia, plena estrada,
quero o sol apreciar
mas à noite, extasiada,
que não me falte o luar!
28
Por quem não tem agasalho
por quem num leito padece…
Acredito que mais valho
se os incluo em minha prece.
29
Preces feitas, decoradas,
repetidas todo tempo
não valem as inventadas
na hora do sofrimento.
30
Procurando no Universo
algo como o teu olhar
para rimar o meu verso,
eu encontrei o luar!
31
“Quem espera sempre alcança”.
Crê no provérbio com fé
e aguarda, na tua andança,
sapato para o teu pé…
32
Queremos todos: Você,
ele, o judeu, o batista
ter razão. Como se vê,
questão de ponto de vista…
33
Quero estrelas, o luar,
o sol, as flores, o vento,
as águas verdes do mar
que são meu deslumbramento!
34
Recebeste a tua herança
porém, não cruzes os braços;
é bom que da tua andança
possa deixar alguns traços.
35
Se percebes que essa estrada
causou-te decepção,
faz uma pausa e, calada,
ruma em outra direção.
36
Se quisermos um limão
bravo, galego ou de cheiro,
há que escolher, de antemão,
o tipo de limoeiro…
37
Se tu queres te inspirar
em algo muito pungente,
procura mentalizar
uma criança doente.
38
Vou te ensinar, com carinho,
lição que já sei de cor:
Quase em silêncio, baixinho,
é que se ama melhor.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...