Trovadores em Ordem Alfabética

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quinta-feira, 24 de julho de 2025

Alberto Fernando Bastos (Rio de Janeiro/RJ, 1921 - ????)

A bela trova, em verdade,
tem aqui berço natal...
Mas o toque de saudade
quem nos deu foi Portugal!...
2
À noite, quando me deito
sem você - por meu castigo -
intrometida em meu leito,
fica a tristeza comigo!
3
A trova eu faço assim - de olho...
E a seguir por essa trilha,
nos cascalhos que eu recolho,
sempre alguma coisa brilha!...
4
Como troféus de vitórias,
minhas rugas, comovidas,
contam todas as histórias
de mil batalhas vencidas!
5
Com presteza indescritível,
confundindo o ser incréu,
da prece o barco invisível
nos leva ao porto do céu.
6
Da chama, outrora incontida,
de minha vã mocidade,
a brasa dorme escondida
sob a cinza da saudade…
7
Da paz deixei a procura...
Não a busco mais, enfim.
Por que sofrer a tortura
se ela está dentro de mim?!...
8
Do frio que me castiga,
neste inverno que perdura,
só me livra, aquece e abriga,
teu cobertor de ternura!...
9
É na renúncia que a gente
salva, mesmo em retirada,
de uma derrota iminente
o tudo de um quase nada!
10
És feliz? Não digas nada.
Goza em silêncio o teu bem,
que há muita gente empenhada
em não ver feliz ninguém!...
11
Há em nossa alma cansada,
mesmo sendo a vida atroz,
criança eterna e levada
que brinca dentro de nós...
12
Mandei-te embora e, ao fitar-te,
em ti não vi qualquer queixa.
Hoje, o amor, em outra parte,
essa tristeza não deixa!...
13
Mesmo sem querer ouvir,
vou guardando, contrafeito,
as ofensas que ao dormir
vou ruminar no meu leito…
14
Na noite em que perco o sono,
pensando coisas a esmo,
sinto o pavor do abandono
por ter medo de mim mesmo...
15
Não consintas, Pai amado,
seja de novo esta Terra
cenário triste e assolado
pelo fantasma da guerra!…
16
Nem mesmo a morte retrata
o horror que a desonra traz:
– Se uma espada fere e mata,
bem pior a língua faz...
17
Neste mundo, onde os problemas,
são reticências impostas,
o trovador busca os lemas
e as rimas trazem respostas...
18
Num contra-senso, é verdade,
- pois vazio é sem valor -
o vazio da saudade
encheu minha alma de dor!...
19
Por certo fico à deriva
no mar da vida - agitado -
se uma ideia negativa
no barco, pesa ao meu lado...
20
Quem nunca se desespera,
nem pedras atira a esmo,
vivendo em busca sincera
encontra a paz em si mesmo.
21
Quis ser famoso e, na vida,
apanhei... levei pancada...
Hoje, ao fim de muita lida,
me conformei: – Não sou nada!
22
Se o nosso céu se escurece,
a própria dor nos conduz
à busca humilde da prece,
que inunda a vida de luz!
23
Trovador, de alma empenhada
em luta, em choques medonhos,
faz da Trova a tua espada
e busca salvar teus sonhos!...
24
Um pensamento retive,
dentre muitos a escolher:
– Quem para servir não vive.
não serve para viver!…
25
Uma sombra - uma inquietude -
lembra-me, agora infeliz,
o bem-fazer que não pude
e o bem que pude e não fiz.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Rômulo Cavalcante Mota (Rio de Janeiro/RJ)

1
Aprendi muitas lições,
delas não faço mistério:
– “a rua dos valentões,
tem sede no cemitério”.
2
A quem não sabe a lição,
ensino a pequeno custo:
– “entra na casa o ladrão,
do pobre só leva o susto”.
3
De espelho posso afirmar,
de mulher sei repetir:
– “um reflete sem falar
outra diz sem refletir”.
4
De manhã desperta o nobre,
ouvindo seu passarinho,
“mas despertador de pobre
é o galo do seu vizinho”.
5
De mulher não se adivinha
o que ela disse ou pensou:
– “a mulher que andou na linha
o trem que passou, matou”.
6
Ensina um famoso vate
esta verdade tamanha:
– “coração de rico bate,
coração de pobre apanha”.
7
É profunda, é grande dor,
solidão de um passarinho.
Mais triste é sonhar o amor
e cedo acordar sozinho.
8
Eu lhe digo com certeza
aquilo que você quer:
– “do homem a maior riqueza
é ter sincera a mulher”.
9
Há gente que até graceja,
com esta grande verdade:
– “desconhecendo que é a inveja
fruto da incapacidade.”
10
Há muito já se dizia,
esta lição do passado:
– “solteiro, vida vazia,
como enche a de casado.”
11
Merecem rosas e palmas
quem nos ensina a viver,
“ pois somente as grandes almas
silentes sabem sofrer”.
12
Não tens pena, moreninha,
de quem te espera e não cansa?
Sei que a culpa é toda minha,
nunca me deste esperança.
13
Na vida, vou caminhando,
por este caminho infindo:
– “às vezes pago, chorando,
o que prometi sorrindo”.
14
Nem sempre aquilo que é belo,
é, de fato, o mais bacana:
– “para que queres castelo,
se és feliz numa cabana?”.
15
O rosto é que nos retrata
do coração a ferida:
– “sei que a saudade não mata,
mas nos sepulta com vida”.
16
Para que se vai à guerra
para que tanto barulho,
“ se algum dia a mesma terra
cobrirá o teu orgulho”.
17
Para que tanta corrida
se temos a mesma sorte,
corremos atrás da vida
perseguidos pela morte.
18
Procurei a vida inteira
pelo amor que eu mais queria:
– “a saudade é companheira
de quem não tem companhia”.
19
Quanta gente há que procura
encontrar consolação:
– “a medicina não cura
a dor da separação”.
20
Quem tem uma grande culpa
aos outros a culpa atira:
– “Porque, atrás de uma desculpa
sempre se esconde a mentira”.
21
Tenho amigos e bendigo,
quando me presta socorro:
– “mais vale um cachorro amigo
do que um amigo cachorro”.
22
Teu retrato que eu desejo,
é uma desculpa. Afinal,
na saudade em que me vejo,
quero é o teu original.
23
Todo mundo ri e se dobra
por mais que tenha preguiça:
– “o cão mordido por cobra
tem medo até de linguiça”.
24
Viola de trovador
tem cordas bem afinadas
e, se o tema for amor,
toca em todas as toadas.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Alba Christina Campos Netto (São Paulo/SP)

1
A dentadura escorrega,
mas depois de muito estudo,
agora, em vez de corega,
ele passa cola-tudo.
2
A festa já estava brega
quando a ilustre convidada,
gingando a saia de prega,
escorrega e cai sentada!
3
Ante os preços, toma um porre,
e a quem lhe diz que isso é um erro,
responde que só não morre
por não ter grana pro enterro.
4
“A onça entrou no terreiro
e sua mulher tá lá!”…
Responde o peão, matreiro:
“deixa onça se daná!”…
5
As mentiras bem montadas
que me dizes com prazer,
são algemas desgastadas
que eu teimo em não desprender
6
Brigamos,mas a saudade,
inconformada, ergue a chama
nos abajures de jade
que guardavam nossa cama.
7
Brigas de amor têm segredos,
e eu juro que me comovo
ouvindo os nós dos teus dedos
batendo à porta de novo...
8
Depois de encher nosso quarto
desse gozo em que se esmera,
você parte, e eu me reparto
nos delírios de outra espera.
9
Em momentos exaltados
sem poder falar e agir,
o silencio dá recados
que poucos sabem ouvir.
10
Fui lembrar nosso namoro,
e pelo jardim, os gnomos
juntaram-se a mim no coro
das lembranças do que fomos.
11
Gastou no terno e gravata
todo o dinheiro que tinha.
Que frustração, pois a gata
só queria a camisinha.
12
"Há uma loura acompanhando
seu marido o dia inteiro..."
- Pois vai acabar cansando...
O meu marido é carteiro!
13
Indiferente partiste,
sem adeus, nem emoção,
sem remorso, e o que é mais triste,
nem sentiste o meu perdão.
14
Letras feias, mal impressas,
e o descuido peculiar
de quem, convidando às pressas,
sabe que eu não vou faltar...
15
Meu destino é um desatento
marinheiro em fantasias,
baixa as velas quando há vento,
e a solta nas calmarias.
16
Meu sonho é ilusão ligeira
que achando a fresta perdida,
faz a dança da poeira
nos raios de sol da vida...
17
Meus sonhos em revoada
foram-se embora, e eu me sinto
andorinha desgarrada
no meu verão quase extinto.
18
Morre o sonho, e as nossas vidas,
antes, caminhos iguais,
são duas trilhas perdidas
que não se cruzam jamais.
19
Não podendo compreendê-las,
apaguei as fantasias,
sem saber que eram estrelas
nas minhas noites vazias.
20
Não quis te assustar, de fato,
nem causar esse desmaio.
Vi o frango inteiro em teu prato,
então gritei: "Papagaio"!!!
21
Nas armadilhas da vida
às vezes, o amor mais lindo,
dá seu recado, e em seguida,
manda um outro, desmentindo.
22
Nas leis com que nos afagam
a confusão é tamanha,
que todos sabem que pagam
mas ninguém sabe quem ganha.
23
Nas nossas vidas truncadas,
juntos, sem sonhos nem crença,
mãos dadas, ou separadas,
já não fazem diferença...
24
No jantar, foi fim de papo
quando a esnobe tão segura
foi atrás do guardanapo
que levou-lhe a dentadura.
25
No quarto, vazio agora,
nosso velho cobertor
cobre as mentiras que outrora
foram delírios de amor...
26
Noites frias, inclementes,
sopro a vela, penso em ti,
e durmo nas cinzas quentes
do amor que eu nunca esqueci.
27
Num sorriso, e sem aviso,
eu te espero, e quem me dera
desta vez o meu sorriso
continuasse além da espera...
28
O jardim, feito em meandros
é o teu refúgio e o lugar
onde meus olhos malandros
não cansam de te espreitar.
29
O que eu fiz de mais errado
nos meus momentos instáveis,
foi não ter desabafado
tantas mágoas reparáveis...
30
Para o poeta, é verdade,
os temas não são problema...
o amor, o sonho e a saudade
cabem sempre em qualquer tema.
31
Perdão de amor é incerteza,
é aquela pedra em desvio
que segura a correnteza
mas não traz de volta o rio.
32
Pergunta em sã criancice
quando a visita aparece:
com que bicho o papai disse
que essa mulher se parece?
33
Preciso de um tratamento,
um remédio que me ajude
a não sofrer com o aumento
do meu plano de saúde.
34
Quando um grande amor se afasta
deixa uma nota escondida
na canção que o vento arrasta
nas folhas secas da vida.
35
Quantos anos dá pra mim?
diz vaidosa, e com desdém,
o galã responde assim:
já não chegam os que tem?
36
Quase inverno... sem escolhas
eu vejo o outono passar
levando as últimas folhas
que teimam em me abraçar.
37
Quebro a taça do passado
e o vinho espalhado ao chão
é meu brinde apaixonado
aos cacos de uma ilusão.
38
Revivendo meus espinhos
fiz descoberta assombrosa,
nunca vieram sozinhos,
trouxeram sempre uma rosa.
39
Se dissesses, na partida,
fica... me escuta... Por mim,
mesmo com alma ferida,
eu teria dito sim.
40
Se encontras caminhos falhos
na busca do amor de alguém,
o coração tem atalhos
que nenhum mapa contém.
41
Se essa estrada que foi nossa
dividiu-se, não destruas
nenhum atalho que possa
juntar outra vez, as duas...
42
Seja em palácio ou favela,
brigam, mas amam também,
e se há feijão na panela
toda família vai bem.
43
Tiro, escondo, torno a pô-lo
na carteira, e ninguém vê
que esse retrato é um consolo
que eu guardo, não sei por quê...
44
Tua sombra é um sonho triste
num grotão sem claridade
onde uma fonte resiste
molhando o chão de saudade.
45
Uma ficou sobre a mesa:
a dos sós... nem nome tinha...
E eu descobri, com tristeza,
que essa medalha era a minha!
46
Vai o rei para o combate,
cercado de proteção
e, às vezes, o xeque-mate
é dado por um peão.
47
Vai o trambiqueiro à igreja
e reza, benzendo os crentes:
Que a boa fé sempre esteja
ao lado dos meus clientes...
48
Vens de volta, tão suave,
vem, procura a mesma porta,
se o tempo entortou a chave,
o coração desentorta.
49
Vivi tantos temporais,
uns reais, outros à toa,
que hoje quando dão sinais,
eu vejo apenas garoa.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Quem foi o Trovador Luiz Otávio?


 
por Carolina Ramos

O POETA

Gilson de Castro nasceu a 18 de julho de 1916, no Rio de Janeiro. Luiz Otávio foi o pseudônimo que ele adotou para assinar suas trovas, poesias e outras manifestações de seu talento literário. Era cirurgião-dentista, profissão que exerceu no Rio de Janeiro, onde se formou e mais tarde se transferindo para Santos no final de sua vida.

Começou a enviar seus versos para os jornais e revistas lá por 1938, ainda timidamente, oculto sob pseudônimo. Não pretendia misturar a vida literária com a profissional. As principais revistas e jornais da época começaram a divulgar poesias e principalmente trovas de Luiz Otávio, que podiam ser encontradas no "Correio da Manhã", "Vida Doméstica", "Fon-Fon", "O Malho", "Jornal das Moças", revistas que, como "O Cruzeiro", eram as mais lidas dos anos 1939, 40 e 41, etc. A revista "Alterosa" de Belo Horizonte, também o divulgou. Pouco a pouco, a Trova tomou conta do coração do poeta, assumindo Literalmente papel de Liderança na sua vida. E ele confessa:

A Trova tomou-me inteiro,
tão amada e repetida,
que agora traça o roteiro
das horas da minha vida!...

Para a ascensão da Trova na vida de Luiz Otávio, muito contribuiu sua amizade com Adelmar Tavares. Quem os aproximou foi o consagrado poeta A. J Pereira da Silva. Recuperava-se Luiz Otávio na Fazenda Manga Larga em Pati de Alferes, quando teve oportunidade de conhecer esse renomado poeta, da Academia Brasileira de Letras, com quem iniciou amizade edificante, solidificada pela Poesia; amizade que se estendeu até os derradeiros dias de A. J. Pereira da Silva que, naquele tempo, já passava dos sessenta, enquanto Luiz Otávio não galgara ainda o vigésimo segundo degrau de sua sofrida existência. Isto não perturbou as horas deliciosas de conversa amena e espiritualizada, em que a fina sensibilidade de ambos fazia desaparecer a diferença de idade, provando que um coração capaz de vibrar "de amor" e pulsar em ritmo de poesia, simplesmente não tem idade.

A viúva do acadêmico Antônio Joaquim Pereira da Silva, doaria posteriormente, a preciosa Biblioteca do poeta ao seu particular amigo, Luiz Otávio, que, por sua vez, ao transferir residência para Santos, em 1973, doou parte desse valioso acervo, juntamente com livros de sua própria estante - num total de mil exemplares devidamente catalogados - à Academia Santista de Letras, que só então teve formada sua Biblioteca. Na época, a A.S.L. era presidida pelo Dr. Raul Ribeiro Florido que se responsabilizou pelo transporte Rio-Santos. Com esta doação, Luiz Otávio não pretendia nada para si, como deixou bem claro em carta, (era de conhecimento geral sua quase aversão às Academias, em virtude do próprio temperamento). Mas pediu, por uma questão de justiça, que numa das estantes fosse colocada uma placa que levasse o nome de A. J Pereira da Silva. Luiz Otávio recebeu um carinhoso oficio de agradecimento do então Presidente da Academia. O atual Presidente, Dr. Nilo Entholzer. Ferreira, trovador de méritos, comprometeu-se a cumprir essa cláusula. Como já dito, A. J. Pereira da Silva foi quem levou Luiz Otávio até Adelmar Tavares, também da Academia Brasileira de Letras, em visita à sua casa, em Copacabana. Corria o ano de 1939. Adelmar Tavares sentia a idade pesar-lhe nos ombros, e, mais uma vez, um jovem poeta e um velho e consagrado mestre da Poesia uniam-se por laços afetivos dos mais duradouros. A principal responsável por essa união foi a Trova, que Adelmar Tavares cultivava e da qual Dr. Gilson de Castro já era profundo apaixonado, trazendo-a para o público sob o Pseudônimo, agora definitivamente adotado.

Luiz Otávio. Luiz, por ser bonito, melodioso, e combinar com Octávio, o nome do Pai, a quem, homenageava. Para atualizar o nome, o c foi cortado em acordo às regras ortográficas vigentes. A Poesia de Luiz Otávio ganhava espaço. Jornais de outros estados o acolhiam em suas páginas, tinha ao seu dispor colunas literárias de crítica poética, onde comentava livros, publicava trovas, poesias e arrebanhava fãs e admiradores de todas as idades. Daí ai constituir-se Líder de um Movimento Trovadoresco, era questão de um passo, muito embora isto viesse acontecer sem procura. Idealista, lírico, por excelência, com um profundo senso de organização, Luiz Otávio acumulava ainda outras qualidades indispensáveis ao "verdadeiro Líder", seja lá do que for. Era simples, honesto, e sabia convencer sem forçar. Embora convicto e determinado, sabia humildemente ceder, se preciso fosse. Se persuadido da necessidade de uma renúncia, cedia, sim, porém, não facilmente, mesmo porque antes de propor algo, o fazia convicto de que aquilo era o certo, respondendo de antemão a todos os possíveis apartes - o que de certo modo desarmava, a priori, o opositor. Era bom, afável e acima de tudo, profundamente carismático. Um verdadeiro Príncipe!

O TROVADOR

Era, portanto, o campo fecundo onde a semente da Trova encontrou chão propício para deitar raízes, expandindo sua opulência por todo território nacional. O ritmo da Trova que embalava seus ouvidos desde os tempos de escoteiro, cresceu com ele, ganhando melodia ao som do violão de Glauco Vianna, mais tarde pertencente ao "Bando dos Tangarás", seu colega de faculdade e de noitadas de seresta.

FINAL
Luiz Otávio sempre gostou de cantar e compor embora não conhecesse música. Aloysio de Oliveira, outro companheiro, também possuidor de um bom timbre vocálico, iria pertencer, no futuro, ao Bando da Lua, que tanto sucesso fez na terra de Tio Sam ao lado de Carmen Miranda. A influência destes dois amigos foi grande na iniciação poética de Luiz Otávio. Glauco tocava, Aloysio cantava e Luiz Otávio não apenas cantava como também compunha letras e músicas de canções, sambas, fox-trotes, valsas, etc. e continuou cantando e compondo até o final dos seus dias. Nascia o "Trovador" - assim carinhosamente chamado, já naquele tempo, antes mesmo do seu ingresso definitivo no Mundo da Trova.

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto a minha alma.

Ó trovas – simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo...
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.

domingo, 20 de julho de 2025

Amália Max (Ponta Grossa/PR, 1929 - 2014)

1
A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito…
2
A esperança em nossa vida,
pelo valor que ela ostenta,
pode até ser resumida
como o pão que nos sustenta.
3
A fonte, singelo fio,
contorcendo-se em cansaços,
encontra por fim um rio
e então se atira em seus braços.
4
A gota d'água nascida
de veio farto e profundo,
é a fonte da nossa vida
e a própria vida do mundo.
5
Ao cortar a trança loura,
minha infância em despedida
deixou na fria tesoura
saudosos fios de vida.
6
As estrelas consteladas,
por mais que se ache esquisito,
são simples tachas douradas
prendendo o céu no infinito.
7
A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!
8
A vida anda tão tristonha…
pobreza…fome…agonia…
que eu chego a sentir vergonha
de às vezes ter alegria!
9
A vida deu-me esta dor;
e hoje entre a dor e a lembrança,
sou um cheque ao portador,
sem fundo para cobrança.
10
Chegaste, assim de repente,
na minha vida vazia
trazendo um sol ainda quente
quando já entardecia.
11
Com as piruetas que faço
a escapar da solidão,
apareço um novo palhaço
aprendendo a profissão.
12
Com mil retalhos tristonhos,
que rasguei do coração,
fiz uma colcha de sonhos
e agasalhei a ilusão.
13
Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada…
Seu rosto só quer sentar!
14
Depois, que um dia, partiste
nesta rua só choveu.
Será que esta rua é triste
ou triste nela sou eu?
15
Disfarçando... Disfarçando...
o sol, malandro das horas,
vai aos poucos levantando
a saia azul das auroras.
16
Fico em silêncio e ouço os passos
de quem não vai mais chegar…
Então abraço os meus braços
e não paro de chorar.
17
Galanteios, que em verdade,
quis dizer-te ou ter escrito,
hoje, finda a mocidade,
sinto dor por não ter dito.
18
Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!
19
Levo na face enrugada
e na fronte embranquecida
a passagem, comprovada,
de que viajei pela vida.
20
Lindas flores de ilusão
dentro de vaso sem água
logo, logo murcharão
passando a chamar-se “mágoa”.
21
Maria partiu... Maria
que nunca disse a verdade
mas era, quando mentia,
bem melhor que esta saudade.
22
Meus olhos azuis se embaçam,
acabando por chorar,
quando meus braços se abraçam
por não ter quem abraçar.
23
Meus ternos sonhos de outrora,
hoje maduros demais,
despencam de hora em hora
dos ramos do nunca mais.
24
Minha vida é tão vazia
tão cheia de solidão
que a sombra que eu possuía
não mais me segue no chão.
25
Mistério tem o meu peito
que guarda com suavidade,
num espaço tão estreito,
a vida, o amor e a saudade.
26
Muitos recebem de graça
o bom vinho da alegria;
eu pago mas minha taça
a vida deixa vazia.
27
Não faça da despedida
um momento de revoltas;
o amor tem portas na vida
com chave de várias voltas.
28
Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
29
Não vens... e, em tuas demoras,
na angústia das madrugadas,
o relógio bate as horas
e as horas dão gargalhadas.
30
Não vens há meses inteiros;
e enquanto conto as auroras
a tesoura dos ponteiros
lentamente corta as horas.
31
Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!
32
Na velha praça, embalado
por lindo sonho vadio,
apalpo o banco a meu lado
mas meu lado está vazio.
33
Nem sempre o sorriso diz
se é mesmo contentamento.
Quando alguém não é feliz,
ser alegre é sofrimento.
34
No instante em que nossa prece
sobe a escada do infinito,
pela mesma escada desce
a paz que acalma o conflito.
35
O tempo em sua investida,
como sentença, suponho,
rouba-me um pouco da vida
e muito de cada sonho.
36
Para os que seguem sozinhos,
descalços e combalidos,
que importa ter mil caminhos
se todos são proibidos?
37
Partindo da meninice
é que o trem do tempo avança
e na estação da velhice
deixa saltar a esperança.
38
Partiste... já não te importas
que em nossa casa singela
a ventura feche as portas
e a saudade abra a janela.
39
Partiu a jangada airosa
Na praia ficou Maria,
pedindo, de alma ansiosa,
que ela volte ao fim do dia.
40
Pergunto frequentemente:
felicidade, onde estás?
Será que corres na frente
ou ficaste para trás?
41
Quando o passado é turista
no trem do meu coração,
a saudade é maquinista
e o meu peito uma estação.
42
Quanta ternura em agosto:
o vento que beija o ipê
vem também beijar meu rosto
depois de beijar você.
43
Que importa a nós dois o mundo
Que importa o lugar que vamos…
Nosso amor é tão profundo
que só de nós precisamos!
44
Ralhando com seus porquinhos
a porca, mãe exemplar,
vendo-os, assim, bem limpinhos…
- já pro barro se sujar !!!
45
Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar…
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!
46
Sabiá põe em seu canto
tal ternura que ao cantar,
mais parece um acalanto
para a alma cochilar.
47
Saudade... insônia que aspira
ouvir na calçada passos,
mesmo sendo outra mentira
a vir dormir nos meus braços.
48
Saudade! Não, não se cale
porque ante um circo aproveito
e deixo que ele se instale
no calçadão do meu peito!
49
Se é por um amor que choras
enxuga os olhos... Repara:
se o relógio pára as horas,
nem por isso a vida pára.
50
Se me deixas por vontade…
se vais para não voltar…
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?
51
Sem mesmo ter ido ao céu
já caminhei sobre a lua!
Foi um dia andando ao léu
pisando as poças da rua.
52
Sem ter com quem conversar,
o velhinho solitário
usa as mãos para rezar
conversando com o rosário.
53
Sentindo a luta perdida,
nos fracassos e derrotas,
abraço o circo da vida
para as minhas cambalhotas.
54
Solidão é chuva fina
que encharca o chão sem correr;
e às vezes faz que termina
mas... recomeça a chover.
55
Solidão é vento frio,
vento calmo mas gelado
deixa o meu peito vazio
e ainda dorme ao meu lado.
56
Sonhos meus... joias de outrora
qual ouro sem um quilate,
enferrujam na penhora
sem ter mais quem os resgate.
57
Também o céu triste estava
no momento em que eu partia:
não sei se o céu que chorava
ou dos meus olhos chovia!
58
Todo rio em sua andança
com mão de seda e desvelos
alisa, trança e destrança
da margem verde os cabelos.
59
Vejo ternuras pagãs
quando o sol, por entre os galhos,
cobre a nudez das manhãs
com seu lençol de retalhos.
60
Velhice... circo que a vida
armou no fim da ladeira,
de onde a solidão convida
para a sessão derradeira.
61
Viajando à sua maneira
no trem-de-ferro da vida,
juventude é passageira
com passagem só de ida.
62
Voltaste... voltaste, eu sei,
mas o encanto foi desfeito;
agora já repintei
as paredes do meu peito.

Oswaldo Soares da Cunha (Governador Valadares/MG, 1921 - 2013, Belo Horizonte/MG)

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