Trovadores em Ordem Alfabética

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sábado, 16 de agosto de 2025

Sérgio Ferreira da Silva (São Paulo/SP)

1
A brisa traz, de antemão,
seu perfume pela rua…
e eu chego a ter a impressão,
de que é você que flutua!
2
A inocência, em teu semblante
num contraste, se desfaz,
por ser a prova flagrante
de que me roubaste… a paz!
3
Alguns homens, imprudentes,
fazem lembrar certos rios:
nascem em boas vertentes,
mas se perdem... nos desvios!
4
Alheia ao calor eterno,
a Sogra, por vocação,
tão logo chegou no Inferno,
assumiu... a Direção !
5
A mesma brisa que à noite,
sugere encanto e poesia
pode ser, também, o açoite
dos que não têm moradia.
6
Amigo é aquele artesão
que, sem receios, lapida -–
com o cinzel do perdão
as pedras brutas… da vida!
7
A minha sogra me deu
um troféu e uma medalha...
e, no diploma, escreveu:
"VENCEDOR - TEMA: CANALHA"
8
Ao chegar no beleléu,
mostra, o bebum, seu espanto:
- Não tem boteco no céu"?
E as pingas que eu dei pro santo ?!?
9
As contas que compartilhas,
Contador, justas e boas,
são a expressão, em planilhas,
da justeza das pessoas.
10
As dores e os desencantos
não foram tantos assim…
Tua boca e os teus encantos
calaram bem mais… em mim!
11
A sogra entrega o genrinho
ao faminto canibal:
“Cuida dele com carinho...
mas... vê se tá bom de sal!”
12
À solidão condenada,
na Praça da Eternidade,
minha súplica é chamada
de Monumento… à Saudade!
13
Caloteiro e bem sacana! - ,
não tem vergonha na cara
e, até quando paga em grana,
cola um papel de "BOM PARA..."
14
Choveu... e, agora, a enxurrada
leva as coisas, feito alguém
que, ao partir, numa alvorada,
levou minha alma,... também!
15
Com vontade, o velho espia
os contornos da beldade...
mas a vontade, hoje em dia,
já não passa de... vontade!
16
Confusão na madrugada,
que o bebum transforma em drama:
atira... na namorada
e leva a sogra pra cama !
17
Confuso, o dono do empório,
não anda bem da veneta:
na orelha, um supositório,
mas nem sinal da caneta !
18
Confuso, o rapaz se espicha
e grita, pois não suporta:
"- Remédio pra matar bicha ?!?
Não tomo isso ai... NEM MORTA !!!”
19
Depois de tantas tristezas,
tantas promessas e ausências,
eu grafo as tuas "certezas..."
com aspas e reticências.
20
Desejo é o jovem arrais
que, em vez das embarcações,
suplica encontrar um cais
para ancorar ilusões!
21
Diz o dentista: - Está pronta...
a dentadura escolhida!
E a velhinha, ao ver a conta:
- Nossa, doutor, que “mordida”!
22
Dois bêbados, num boteco:
- Esse "treco" me fez mal...
- Qual o nome desse "treco"?
- Não-sei-o-quê... mineral!
23
Domingão tradicional...
e eu num canto, desolado,
lembro que Adão foi o “tal”,
sem sogro, sogra, ou cunhado !
24
Do sonho compartilhado,
agora, somente resta
um convite, amarelado,
marcando o dia da festa...
25
Em minha infância, eu fazia
ser, meu sonho, tão real,
que uma fazenda cabia
no fundo do meu quintal!
26
Em noites de nostalgia,
quando a rimar eu me atrevo,
tua ausência, em parceria,
dita os versos que eu escrevo !
27
Em sua breve existência,
não pode a brisa supor
que, trazendo a tua essência
me traz a essência do Amor…
28
É pescador de primeira…
mas, antes que alguém se queixe,
leva no bolso a carteira
e o fone do disque-peixe!
29
Essa lágrima que corta
teu semblante, sem favor,
é uma gota, mas comporta
um Oceano… de dor!
30
Escrito de próprio punho,
mas na gaveta guardado,
o meu amor é um rascunho
que nunca foi publicado!
31
Essa ternura que exalas,
e os meus receios acalma,
faz um voo, sem escalas,
da tua pele... à minh’alma!
32
Este teu querer incerto,
imprevisível demais,
fez de minh'alma um deserto,
com chuvas... ocasionais.
33
É tanta fome que eu sinto
(parece coisa de louco!),
que eu só vou ficar faminto
depois de comer um pouco!
34
Eu suplico, a todo instante,
por tua volta… é verdade.
Mas, a súplica constante
não é súplica… é Saudade!
35
Faminto, não vi, querida,
talvez, por eu ser tão moço,
que eras fruta proibida
e a tua mãe… o caroço!
36
Garoa, a sua leveza
quase nos diz, quando vem,
que, até mesmo a natureza
chora baixinho... também!
37
Houve um tremendo Banzé,
na sala de cirurgia...
e, hoje, o velho e bom José
é a velha e boa... Maria.
38
Leve, Noel, com cuidado,
desde que o saco suporte,
minha sogra e meu cunhado
pr’os quintos... do Pólo Norte!
49
“Me diga, velha cigana
(que sabe a sorte do mundo),
o que eu faço pra ter grana???”
- Vai trabalhar... vagabundo!!!
40
Nada mais nos aproxima...
e, nessa ausência de afeto,
nós somos trova sem rima
e sem sentido completo!
41
Na gravidez, minha tia
queria (tanto)uma filha,
que o meu priminho, hoje em dia,
adoooora... usar sapatilha!
42
“Não tenha pressa, querido,...
meu marido ainda demora !”
E apanhou : .. era o marido
que estava com ela, agora...
43
Na prova de português,
dançou, colando, o guri:
“Joãozinho, o que você fez?”
“Eu tava fora... de si!”
44
Naqueles tempos de outrora,
eu tinha grana à vontade...
mas, se o tema é grana, agora,
faço trovas... de saudade!
45
Nas noites frias, um drama
que a miséria perpetua :
alguns chamarem de cama,
o que outros chamam de... rua !
46
No compasso das batidas,
o meu coração suplica,
pelo bem de nossas vidas:
Fica...ca! Fi...ca! Fi...ca! Fi...ca!
47
No curso de nossas vidas
por diferentes estradas,
nossas almas, distraídas,
continuam de mãos dadas.
48
Nos braços da noite calma,
entre lençóis e desvelos,
sinto que afagas minh'alma,
quando afagas meus cabelos...
49
Nossas crianças carentes
devem ser salvas agora:
Não haverá mais poentes
se nós matarmos... a aurora!
50
No velório, a confusão
quando o genro, num rompante,
chegou com pinga, limão,
cerveja e refrigerante.
51
O abismo: convidativo...
A sogra: na beiradinha...
O momento: decisivo...
e a sogra: não era a minha!
52
O coveiro disse, enfim:
“Não quero ser encrenqueiro...
Eu enterro a sogra, sim,...
Mas,... tem que morrer primeiro!
53
O especialista em micróbio
explica, todo pomposo :
“Dá-se o nome de macróbio,
ao micróbio mais idoso !”
54
Os poetas e os vulcões
têm almas de mesma essência:
a calma em seus corações
é calma... só na aparência.
55
Pergunta o Demo,descrente:
"- Tanto calor, não te arrasa?"
E o pecador diz : "- Óxente,
eu tô me sentindo em casa !"
56
Por ser humana, a inconstância
induz ao erro e ao rancor,
tornando curta a distância
entre o réu... e o julgador !
57
Quando a Morte, então, chegou
trazendo o eterno conforto,
o preguiçoso exclamou :
"Passa amanhã, que eu tô morto !"
58
- Que fome, mãe! Tem comida?
- Temos sopa de letrinhas...
Grita a filha mais sabida:
- As maiúsculas são minhas!
59
“Sempre tua...” e, em meus palpites,
eu suponho, um tanto louco,
que, em meu amor sem limites,
“Para sempre...” é muito pouco!
60
Tentar desfazer as mágoas
que o meu peito guarda e sente,
é como querer que as águas
corram da foz... à vertente!
61
Tô faminto... e não tem bóia!
Eu num guento esse jejum!!!
Fome Zero??? Uma pinóia:
minha fome... é MENOS UM!
62
Trambicando a todo instante,
Jacó, na esmola, revolta:
pois, usando de um barbante,
puxa a moeda de volta !
63
Transformei meus descaminhos
em fortunas grandiosas:
quem não navega entre espinhos,
não encontra o Mar de Rosas!
64
Tua alma desperta em mim
tanta calma e tanto ardor,
que, se o amor não for assim,
eu mudo o nome do amor!
65
Vão meus sonhos, num batel,
buscar certezas... em vão:
Os meus barcos de papel
são, apenas... o que são!

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Octávio Venturelli (Rio de Janeiro/RJ, 1937 – 2019 , Nova Friburgo/RJ)

1
Ante os Tratados da guerra,
tantos protestos se faz;
e as pás, tratando da terra,
tem, mais, tratado da paz!
2
Às vezes, na velha idade,
minha infância sobressai,
e eu peço colo à saudade,
fingindo que é o teu, meu pai!
3
Contraste dos mais tristonhos
a noite sempre me traz:
vou procurar-te em meus sonhos,
e é na saudade que estás...
4
Coreto da mocidade
que ainda tem a mesma graça,
pões o amargo da saudade
no algodão-doce da Praça.
5
Criança carente, andante,
mensagem viva que diz
que seu brinquedo constante
é brincar de que é feliz!...
6
Da saudade às vezes farto,
e se a tristeza me invade,
acendo as luzes do quarto
para não ver a saudade.
7
Deixaste a forma torcida
de um beijo no travesseiro:
mensagem de despedida
com teu sabor e teu cheiro...
8
Dentre as flores cultivadas
nos quintais do coração,
só me restaram plantadas
as flores da solidão...
9
De que vale o meu protesto
se manténs em tuas mãos
o poder de, a um simples gesto,
cortar o "til" dos meus nãos...
10
Em nosso adeus, quando eu disse:
"não há dor que não se abrande",
nem pensava que existisse
uma saudade tão grande...
11
Estou velho... mas não minto
quando digo com empenho:
- se tenho a idade que eu sinto,
nem sinto a idade que eu tenho!
12
É um fantasma!... Alguém gritou.
E houve gritos e alarido
quando, de preto, chegou
o gêmeo do falecido...
13
Eu sinto a doce e querida
perpendicularidade
das retas da minha vida
sobre o plano da saudade!
14
Farol velho, não entendes
o contraste que eu te trago:
tu de esperanças te acendes,
eu, de saudades me apago…
15
Fazendo em barro a montagem
da estátua do meu desgosto,
eu vi que o rosto da imagem
era a imagem do teu rosto...
16
Jangadeiro de Iracema,  
meu pescador de alvoradas,
o teu Nordeste é um poema
escrito pelas jangadas!
17
Maria, cheia de Graça,
dai graça para os meus dias,
porque as noites já têm graça
com a graça das marias...
18
Minha alma vagueia pelas
calçadas da meninice
buscando antigas estrelas
para o meu céu da velhice.
19
Na cama desarrumada,
que impulsos do amor viveu,
há uma saudade deitada
no lugar que era só teu....
20
Não diga adeus nem brincando,
o adeus é irmão da saudade
e alguma ausência, escutando,
pode pensar que é verdade...
21
Não me gabo das conquistas,
nem dos troféus que são meus,
porque nas mãos dos artistas
há sempre o dedo de Deus…
22
"Não me esqueça..." e a Eternidade,
travestida de agonia,
me fez cumprir, na saudade,
o que a mensagem pedia...
23
Na velha Estação de Trem,
que a solidão dominava,
eu acenei a ninguém
fingindo que alguém chegava...
24
No conflito de um desgosto,
por saber que não me queres,
vivo em busca do teu rosto
no rosto de outras mulheres…
25
Nossa casa, nossa vida,
nossa esteira em nosso chão,
e, na esteira da partida
a saudade e a solidão.
26
Numa angústia que não finda,
por mais que tu te reveles,
no teu corpo eu sinto ainda
que há vestígio de outras peles!
27
Num esplêndido tesouro
que no espaço se projeta,
o sol é a moeda de ouro
com que Deus paga o Poeta!
28
O beijo, roubado a medo
no portão do teu sobrado,
teve um tanto de segredo,
teve um tanto de sagrado...
29
O lençol todo florido
e de salto alto... e eu notei,
ao me chamar de "querido",
que era um fantasma de um "gay"!
30
O mistério envolve até
a nós Poetas-Trovadores
porque na vida nós é
que somos os sonhadores!!!
31
Para ficar ao meu lado,
durante a noite ela vem.
A saudade do passado
sofre de insônia também...
32
Paredes em desabrigo,
janelas que se quebraram...
mensagem de um tempo antigo
que o tempo e a vida rasgaram!
33
Por entre os vãos dos meus dedos
fugiram meus sonhos vãos,
que foram simples brinquedos
nos dedos das tuas mãos…
34
Por qualquer doença se abala
com o fantasma dos infartos;
passa os seus dias na sala
gemendo de dor nos quartos...
35
Prefira sempre a certeza
de ver que a alegria existe;
quem faz pergunta à tristeza
merece resposta triste.
36
Presente numa saudade
que ficou em seu lugar,
o passado é uma verdade
que nem Deus pode mudar...
37
Quando à noite eu penso nela,
e o sono teima em fugir,
ninando a saudade dela
eu quase chego a dormir...
38
São flores - Rosa e Saudade
com mensagens desiguais;
uma diz: "felicidade!"
e a outra diz: "nunca mais".
39
Saudade, imagem sem vida
da presença que eu reclamo;
essa vontade incontida
de voltar dizendo: "Eu te amo!"
40
Saudade, saudade minha,
quanta saudade restou...
- Saudade é tudo que eu tinha,
saudade é tudo que eu sou.
41
Se a renúncia, em seus degredos,
meus sonhos cobre de pó,
dou-me as mãos... enlaço os dedos,
e finjo não estar só...
42
Se foi presságio, não sei;
mas eu senti, na partida,
que aquele adeus que eu te dei
dava adeus à nossa vida…
43
Sempre existe algum pecado
escondido em nosso enredo,
que a mente finge acabado
mas que a alma guarda em segredo.
44
Se o coração ainda sente
o amor perdido de outrora,
o sonho, na alma da gente,
se abraça a esse amor… e chora!
45
Soltando as cordas da amarra
da barca do meu destino,
cruzei o farol da barra
dos meus sonhos de menino…
46
Sonho um mundo diferente
que as cores todas resuma,
e a cor da pele da gente
não tenha importância alguma.
47
Tuas lembranças, afago-as
como se afaga uma flor;
as saudades não são mágoas,
são flores feitas de amor!
48
Vemos hoje, os dois sozinhos,
na saudade que nos toma,
que, ao somar nossos carinhos
nós dois erramos na soma.
49
Voltei. Meu Deus, que distância
entre a saudade e o passado:
o meu coreto da infância
ainda "me toca dobrado"!

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Oswaldo Soares da Cunha (Governador Valadares/MG, 1921 - 2013, Belo Horizonte/MG)

1
Abraços, beijos de fogo,
em vez de aplacar o amor
que anseia por desafogo,
mais aumentam seu furor.
2
Abro os meus olhos e vejo
que a manhã radiosa avança,
borrifando a natureza
com o orvalho da esperança!
3
A esperança é uma criança
que ninguém pode com ela:
nem bem saiu pela porta,
torna entrar pela janela.
4
A flor que eu contemplo agora,
em meu ser quer pendurar,
insiste em ficar no foco
do meu deslumbrado olhar.
5
A gente em geral tropeça
naquilo que há de través:
Mas aquele que tem pressa,
tropeça em seus próprios pés.
6
Amigos, são todos eles
como aves de arribação:
- Se faz bom tempo, eles vêm...
- Se faz mau tempo, eles vão...
7
A mulher e sua saia
não conseguem combinar:
A mulher vai se assentando,
a saia quer levantar…
8
Ao homem sempre se fala
que escute a voz da razão;
mas é que a razão se cala,
quando fala o coração.
9
Aquele olhar suplicante
penetra em nossos refolhos:
Sem dar sequer um latido,
o cão implora com os olhos!
10
A raiva maior que tive,
 eu tive porque sonhei
que estava quase a beijar-te
      e de repente acordei!
11
Às vezes, durante a missa,
voando vinha de fora
uma veloz andorinha
visitar Nossa Senhora.
12
Coração não tem memória,     
é um ditado verdadeiro: 
o amor que temos por último,   
parece ser o primeiro.
13
Cresceu demais minha aldeia,
Meu Deus, que desilusão:
Hoje, tão grande e tão cheia,
não cabe em meu coração.
14
Das dores todas da vida,  
não pode haver maior dor
que passar a vida inteira
sem dor nenhuma de amor.
15
De querer-te como quero,
que culpa é que posso ter?     
Bem sabes que sou sincero,
se te quero é sem querer.
16
Ele recusa comida,
ainda que seja pouca,
para não ter o trabalho
de ter que levá-la à boca …
17
Em qualquer lugar que estejas,
entre flores ou abrolhos,
a mesma distância, ó vate,
separa do céu teus olhos!
18
Em travesseiro de nuvens
repouso a minha cabeça:
Na companhia dos anjos,
queira Deus que eu adormeça.
19
Eu amava uma palmeira,
lá longe, no entardecer…
Veio a noite traiçoeira,
não vi mais meu bem-querer!
20
É uma troca de carinho
a amizade: basta ver
um burro coçando o outro,
como tremem de prazer.
21
Eu nunca pedi um beijo,
não gosto de beijo dado:
Pra matar o meu desejo
tem que ser beijo roubado.
22
"Felicidade é quimera!"         
Costuma a gente exclamar.
Porém, lá dentro, baixinho,      
nunca a deixa de esperar.
23
Juntos, ficamos calados.
    Também, para que falar?
Entre dois enamorados,
basta a linguagem do olhar.
24
Na clara manhã de Minas,
a andorinha de asas pretas
é uma criança traquinas
dando no céu piruetas!
25
Não gosto de fazer contas,
a conta sai sempre errada.
Por isto virei poeta,
não faço conta de nada …
26
Não tem idade alguma,
quem tem apenas metade:  
a liberdade, ou é inteira,
ou não é liberdade.
27
Não ter amor e fingir
é difícil a valer;
mas acho que é mais difícil
ter um amor e esconder.
28
Nem mesmo a joia mais cara
prova toda a gratidão:
Tem algo que só se paga
dando o próprio coração.
29
Nenhum valor ia ter,
para nós, a gratidão,
se não se pudesse ser
ingrato sem punição.
30
Nesta casa com janelas
a minh’alma fez morada:
Mas a casa não é dela,
é só uma casa alugada.
31
Ó canarinho de outrora,
meu canarinho querido,
parece que eu te ouço agora
cantando no meu ouvido!
32
O cão, teu fiel amigo,
mostra mais satisfação
ao ver que trazes contigo
um bom pedaço de pão.
33
Ó chá de malva cheirosa,
- folha com nome de flor -
cujo perfume de rosa
se transfigura em sabor.
34
O lampião, noite escura,
lá no fundo do sertão,
filtra uma luz doce e pura
que enternece o coração.
35
Olho o céu, olho as montanhas,
olho uma nuvem passar…
e acabo me convencendo
que a alma é função do olhar.
36
O nosso amor à justiça
vem do medo que se sente
de que algum dia a injustiça
possa sobrar para a gente.
37
O poeta é uma pessoa
que vive sempre ocupada:
Faz versos andando à toa,
mas julgam que não faz nada.
38
Ó sino de alma de bronze,
indiferente da sorte,
tanto celebras a vida
como celebras a morte.
39
Os profetas, com ameaças,
ganham fama onde aparecem,
já que não faltam desgraças,
que todo dia acontecem.
40
Os quadros que foi juntando
ao pintor devem pesar
talvez mais que as obras primas
que ele deixou de pintar …
41
Para os outros, sou feliz.
Deixa que pensem assim:
Seja eu feliz para os outros,
já que o não sou para mim.
42
Pecados de amor, só são
pecados de dar horror,
se forem, na ocasião,
praticados sem amor.
43
Pode fazer-se um favor,
fazer dois e mesmo três,
que apenas será lembrado
aquele que não se fez.
44
Por mais alto que cheguemos,   
sempre a ambição é mais alta:
nunca vemos o que temos,
só vemos o que nos falta.
45
Por que a esperança é verde?
– É verde porque a ventura  
que ela promete na vida  
jamais se encontra madura.
46
Provérbios temos aos centos,
este é dos mais verdadeiros:
– Deus criou os alimentos
e o Diabo, os cozinheiros …
47
Quem perdeu a namorada,
não se queixe nem reclame:
Se não tem mais a que amava,
procure outra a quem ame.
48
Quero dizer-te um segredo
em uma linguagem louca:
não dê boca para ouvido,  
mas de boca para boca....
49
Que teu amigo não entre
do teu lar na intimidade:   
onde começa a mulher,
aí termina a amizade.   
50
Quisera, sem ter morrido,
no éter viver disperso,
Eeser simplesmente o ouvido
que escuta a voz do Universo
51
Saudade, vaga presença,
coisa que bem não se explica:
algo de nós, que alguém leva...
algo de alguém, que nos fica.
52
Se quer cativar alguém,
use palavras de mel.
Que nem as moscas, ninguém
costuma gostar de fel…
53
Se solto alguma tolice,
eu mesmo, depois de tudo,
me envergonho do que disse,
melhor ter nascido mudo.
54
Tão doce é a prisão do amor
que, em vez de sentir saudade,
eu hoje lamento os dias
que passei em liberdade.
55
Tenho um punhado de netos
que acho o maior dos baratos:
São lindos quando estão quietos
e sorrindo nos retratos …
56
Toda a água que existia
sumiu dos sertões distantes,
para brotar, em seguida,
dos olhos dos retirantes!
57
Todo mundo quer ser nobre,
ter parentesco com os ricos.
Só um era irmão dos pobres:
chamava-se São Francisco.
58
Tu, ó Maria da Glória,
que tanta graça irradias,
mais que Maria da Glória,
és a glória das Marias!
59
Uma árvore longa e seca,
perdida no chapadão,  
foi a  imagem mais perfeita
que já vi da solidão.
60
Vieste, Felicidade;   
mas, ai de mim, só agora
fiquei sabendo quem eras,
depois que te foste embora.
61
Vive o homem mergulhado
no trabalho, em louco afã ,
do céu deixando o cuidado
para o dia de amanhã.

Baú de Trovas 10

  451 Cresce a cidade… que pena… crescendo, perde a poesia; – na rua ninguém me acena, ninguém mais me diz bom-dia! A. A. DE ASSIS = = = = =...