Postagens por Marcador

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Ozório Porto


1
A fonte, assim cristalina,
nascente à margem da estrada,
é obra de mão divina
ao sedento em caminhada.
2
A lua fria, indiscreta,
invadiu meu barracão;
veio confortar o poeta
que curtia a solidão.
3
Creio que a felicidade
não convive em poluição;
por isso deixa a cidade
pra viver lá no sertão.
4
De pintor vou dar-te a prova
– e sem gastar muita tinta -
revelando nesta trova
que tens oculta essa pinta.
5
Deus fez tudo tão correto,
tão medido, tão certinho…
Que é feliz o humilde teto
do mais humilde ranchinho.
6
Dormindo sonho contigo.
Acordado penso em ti.
E por isso eu não consigo
esquecer quem já perdi.
7
Essa quadrinha que eu faço,
tão simples, tão inocente,
leva da alma um pedaço,
leva um pedaço da mente.
8
Esse mal que me tortura,
que me aflige e me consome;
esse mal, assim, sem cura,
só eu sei… Tem o teu nome.
9
Eu andei sempre correndo
por este mundo sem fim;
acabei envelhecendo
sem sequer lembrar de mim.
10
Foi-me dado um dia, em sonho,
minha infância reviver:
Brinquei, corri, fui risonho
e fui feliz a valer.
11
Já vi rio em chama ardente,
já senti calor da lua,
mas não vi, até o presente,
falsidade como a tua.
12
Maior que essa deficiência
que limita o que produz,
é o amor, na sua essência,
que compreende e que conduz
13
Meu coração, esse tolo,
que hoje inda espera por ti,
tem tão só, como consolo,
a esperança que eu perdi.
14
Meu coração silenciou
ao estetoscópio, com medo,
e ao doutor não revelou
um nada do seu segredo.
15
Meu pensamento se expande
e o trovador põe à prova:
Criança... Um tema tão grande
nos quatro versos da trova...
16
Minhas trovas têm um quê
que as outras trovas não têm:
Falam sempre de você,
e falam de mim também.
17
Miscigenação bendita,
és a grande responsável
pela beleza infinita
dessa mulata adorável!…
18
Na exiguidade do espaço
que me resta a percorrer,
cada trova é como um passo
no caminho do viver.
19
Nas entrelinhas da trova,
às vezes, paira um lamento
que facilmente comprova
uma dor, um sofrimento.
20
Nas noites de lua-cheia,
contemplo ao longe a cascata;
parece que ela se enleia
num manto feito de prata.
21
Nos rodopios da valsa,
fazendo juras de amor,
não supus que fosse falsa
quem me causa tanta dor.
22
Numa trova eu digo tudo,
tudo, tudo o que eu quiser;
desde que tudo que eu diga
seja tudo da mulher.
23
Percorri árduos caminhos
pra chegar onde cheguei;
guarda marcas, lembro espinhos
das trilhas por onde errei.
24
Pra manter minha alegria
um quase nada é o bastante;
fazer trovas cada dia
e abraçar-te a cada instante.
25
Quando criança eu queria
ser homem, sábio, talvez…
Hoje bem que gostaria
de ser criança outra vez!…
26
Quando eu era pequenino
contava o tempo a cantar…
Hoje lembro do menino
e conto o tempo a chorar.
27
Quem sofre do mal de amor,
sofre, sofre até morrer!…
Não há remédio ou doutor
que possa o mal desfazer.
28
Se à noite a lua opalina
envolve em luz a palhoça;
transforma em tela divina
um quadro humilde da roça.
29
Sem a fonte luminosa
e a retreta domingueira,
ficou triste e até saudosa
nossa Praça da Bandeira.
30
Se você não vai cumprir
o quanto me prometeu;
proponho lhe devolver
os beijos que já me deu.
31
Sonhei que estavas casando
numa igreja da roça,
que ouvia o padre abençoando
essa união que era nossa.
32
Só transportando criança,
velha KOMBI ao trafegar,
guarda um mundo de esperança,
rotulada de ESCOLAR.
33
Talvez, riacho cantante
que se despenha em cascata,
sejas tu um poeta errante
dizendo trovas à mata.
34
Teu beijo tem a doçura
de um doce favo de mel;
mas esperá-lo é tortura
que amarga mais do que o fel.

domingo, 16 de julho de 2017

Rita Marciano Mourão


1
Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!...
2
Cansado, frágil, tristonho,
quando a fé lhe pede um preço,
o escritor faz de um bom sonho
outro livro, outro começo…
3
Com máscara da ilusão
minha altivez nem percebe
quando a porta da emoção
ergue a tranca e te recebe.
4
De minissaia, a coroa
tenta a sorte... lá na praça.
De longe alguém diz: - É boa...
Mas de perto... assusta a caça.
5
Depois de tantos verões,
talento pouco me importa.
No jardim das ilusões
já sou como folha morta.
6
Deriva meu corpo, enquanto
contra os reveses reluto.
Hoje o tempo usa meu pranto
para cobrar seu tributo.
7
Desato o nó da lembrança
e um facho de luz sem fim
me traz de volta a criança
que o tempo levou de mim!
8
Diz o velho, em maus trejeitos:
- Como o carnaval é ingrato:
com produtos tão perfeitos,
a distância nega o prato!
9
Entre cristais, vinhos nobres,
com saudade, hoje lamento
do campo as canecas pobres
mas tão ricas de alimento!
10
Ergo o cristal, já vencida,
mas a razão me renega,
quando a emoção, iludida,
bebe o vinho e a ti me entrega!
11
Escrevo, reluto... E assim
da tristeza eu vou fugindo.
O escritor que habita em mim
me ensina a sofrer sorrindo.
12
Este espinho que me atira
aos braços da dor sem fim,
é o fruto desta mentira
que você plantou em mim.
13
Faço versos da incerteza,
com talento a dor suplanto.
É bem mais leve a tristeza
dissimulada em meu canto.
14
Lembrança da mocidade,
de um som de lira em seresta...
Ah! como fere a saudade
quando lembrança é o que resta…
15
Levada por fantasia
de um desejo inconsciente,
eu beijo na cama fria
as formas de um corpo ausente!
16
Mesmo ante o furor medonho
de um mar que raivoso freme,
solto a jangada de um sonho
e o sonho conduz meu leme!
17
- Meu filho, veja onde está
o seu querido paizão!...
- Ah! Mamãe, não sejas má,
da outra vez levei "sabão"!
18
Meu salário é duvidoso
qual moça de minissaia.
De longe, acena maldoso,
mas, na mão, foge da raia!
19
Minha jangada à distância,
(velha tábua na enxurrada)
remada por mãos da infância
foi bem mais do que jangada!
20
Na fonte antiga da praça,
que em lembranças recomponho,
a minha ilusão te abraça,
movida por este sonho!…
21
No céu a espalhar magia
com frases mudas, a lua
nas pautas da noite fria
faz versos à minha rua…
22
Nos limites da demência
entre o delírio e a razão
eu beijo um rosto que a ausência
desenha na solidão!
23
Nosso amor meio sem jeito
mas, talentoso e insistente,
vai vencendo o preconceito
que a idade lança entre a gente.
24
No vazio do meu peito,
meu destino de escritor
vai preenchendo, a seu jeito,
velhas lacunas de amor…
25
Perfumada e porte nobre,
na incerteza que a consome,
testou com sabão de pobre
e da rival soube o nome.
26
Pondero... Mas, atrevida,
minha ilusão enche a taça
desta fonte proibida
que à razão condena e embaça!
27
Quando a lua me abre as frestas
das lembranças que são tuas,
de uma lira ouço as serestas
feitas à luz de outras luas!...
28
Quando esta lua indiscreta
me traz lembranças sem fim,
eu choro o velho poeta
que morreu dentro de mim.
29
Relembrando os sons dispersos
das liras da mocidade,
meu sonho acompanha os versos
nas cordas desta saudade!...
30
Ribeirão, cidade nobre,
mas de alma humilde e serena,
és mãe do rico e do pobre,
da pele clara e morena!
31
Ribeirão é terra quente
de clima e de coração.
Qualquer raça, aqui se sente
bem mais gente, mais irmão!
32
Rondando marco após marco,
a minha sorte à deriva,
a ventura é sempre o barco
que do meu porto se esquiva.
33
Sem dinheiro, a pobre Aninha
se refaz em volta e meia:
depois de rodar bolsinha,
tem sempre a panela cheia!
34
Sem lamentar, eu suponho,
ao ver um sonho à deriva:
- mais importante que um sonho
é eu sentir que estou viva!
35
Se o verão tudo arrefece,
talento é inovar quimera;
onde um novo sonho cresce,
sempre existe primavera.
36
Sobras desta trajetória,
os espinhos do desgosto
vão escrevendo outra história
sobre as linhas do meu rosto!
37
Talentoso no passado
mas depois um tanto frio...
e desse amor mal cuidado
restou-me um lar tão vazio!
38
Tiro a máscara... - ouço aflita
de um mar de farsas sem fim
um outro Eu que ainda grita
por vida, dentro de mim!
39
Usou truques à vontade,
tentando a sorte a coroa...
Mas alguém diz: - "Nessa idade,
só gasta cartucho à toa!”
40
Vencendo marco após marco,
alcancei um mar deserto
onde à deriva, meu barco
já não tem mais rumo certo.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...