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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Maria Thereza Cavalheiro (Trovas para Refletir) – 2 -


A dúvida e a suspeita
vão juntas na caminhada...
Uma à outra se sujeita,
e vivem de quase nada!
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Às vezes o riso aflora
para esconder um desgosto.
Há muita gente que chora
sob a máscara do rosto.
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Às vezes, um pensamento
quando vai, torna a voltar:
a indecisão é um tormento
- pássaro preso a voar!
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Atrás de um riso insuspeito,
que, no entanto, esconde o luto,
há quem soluce e no peito
amargue o seu pranto enxuto.
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A tristeza que amofina
o coração de repente
é a saudade peregrina,
batendo dentro da gente.
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Bem pior do que a certeza
é a dúvida que nos mata:
uma só traz a tristeza,
outra os fantasmas desata!
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Dizem que é sempre o dinheiro
que tudo compra; no entanto,
quem quer amor verdadeiro
o paga, às vezes, com pranto.
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É palavra alegre ou triste,
carregada de incerteza,
porque na saudade existe
ainda uma brasa acesa!
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Esconde o pranto depressa
e finge que estás contente,
que aos outros não interessa
saber as mágoas da gente!
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Existe muita tristeza
que ao rosto jamais aflora.
guardada na profundeza
dos olhos de quem não chora.
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Há quem procure o tesouro
do amor num simples clarão,
e acabe como o besouro:
de asas batidas no chão.
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Há sempre o remanescente
do amor que foge. em surdina...
É a voz amarga e plangente
da saudade em cada esquina.
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Não turves a água do poço
- que permaneça intocado!
O velho não se faz moço,
larga de vez o passado!
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O bem e o mal, em verdade,
deixam profundas raízes,
pois até se tem saudade
dos amores infelizes!
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O ciúme que azucrina
a vida inteira de alguém
é uma lâmina assassina
que duas pontas contém.
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Quando a dúvida se instala
dentro de um peito infeliz,
não importa o que ela fala,
já se sabe o que ela diz!
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Quando a saudade campeia
e os olhos se fazem mar,
há milhões de grãos de areia
nas dunas do recordar.
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Quando deixamos o cais,
é na distância que a gente
aprende a compreender mais
os menos do amor ausente...
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Quando o passado se abre
numa flor incandescente,
profundo corte de sabre
volta a sangrar novamente!
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Quem busca um outro lugar
para fugir ao sofrer,
não deixará de lembrar
que é necessário esquecer...
= = = = = = = = = 

Quem gosta de fazer graça,
engana às vezes a sorte;
muita gente que fracassa
apenas se faz de forte.
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Quem perde a oportunidade
por medo de ser feliz,
não colhe nem a saudade,
que arrancou pela raiz!
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Se anoitece no teu dia,
pega um facho de luar,
laça uma estrela vadia,
vai outro amor procurar!
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Se o destino um sonho esmaga,
não chores inutilmente,
pois, se à tarde o sol se apaga,
volta a brilhar refulgente!
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Ser forte é fugir à chama
do bem que a gente mais quis
quando alguém que muito se ama
consegue assim ser feliz.

Fonte:
Enviado pela Trovadora.
Maria Thereza Cavalheiro. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Professor Garcia (Trovas que sonhei cantar) XIII


Se a ausência não te tortura,
a mim, causa espanto e dor;
a ausência rouba a ternura
da graça de um grande amor!
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Planos, ilusões, quimeras,
viraram cinzas pagãs,
no forno das primaveras
dos sóis de minhas manhãs!
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Quando o silêncio me acalma,
eu sinto um desejo imenso,
de ouvir a voz de minha alma
na voz de tudo que eu penso!
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No outono, é que se descobre
que a vida é rota sem fugas,
pela presença mais nobre
do olhar, das primeiras rugas!
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Da rua de minha infância,
a saudade perpetua...
Meus passos, na ressonância
das pegadas pela rua!
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Chove!... e essa chuva, no entanto,
são lágrimas dos desejos
dos céus, acabando o pranto
dos olhos dos sertanejos!
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Quem ao outro, o amor não nega
esse amor, que ao bem conduz...
Se aceita a cruz que carrega,
não sente o peso da cruz!
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A planta, de olhar atento,
sabe que as folhas no chão,
serão adubo e alimento
de outras folhas que virão!
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Num berço, entre os mais singelos,
brilha uma luz que se lança
sobre os mais cruéis libelos,
dando aos mortais, a esperança!
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De ouro e de prata, eu sou pobre,
nunca ostentei vaidade;
não há riqueza mais nobre
que a nobreza da humildade!
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Saudade - eterna moldura,
que em todos nós, perpetua...
Passos da doce ternura
da infância de nossa rua!
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Não te esqueças que esse orgulho
que te deixa tão nervoso,
é a resposta desse entulho
do coração do orgulhoso!
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Meus versos cheios de enredos,
lutam contra o tempo atroz,
guardando os nossos segredos,
tão segredados por nós!
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Quando a tarde se aproxima,
e o sol, se despede ao léu,
põe versos cheios de rima,
nas nuvens que estão no céu!
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Sinto-me um velho andarilho,
na trilha dos rastros teus,
para entregar-te meu filho
o resto dos versos meus!
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Quando o espelho se aproxima,
num rosto velho enublado,
parece que falta a rima
que já sobrou no passado!
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Ah! se voltasse e, se eu visse
risos de amor e empatia,
talvez, a paz existisse
e afastasse a pandemia!
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O bilhete que te escrevo,
com mãos trêmulas, parece
que escrever mais não me atrevo,
sem teu calor que me aquece!
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A tarde de olhar sombrio,
nunca diz adeus, era vão...
Põe no olhar triste e vazio,
os olhos da solidão!
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Ante o beijo, me apequeno,
não sem motivo qualquer;
Quem prova desse veneno,
se rende a qualquer mulher!
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O filho embarca cantando,
mas, finge a dor dos seus ais,
com o lenço branco acenando
à mãe, que acena no cais!
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Se o orgulho, a ninguém socorre,
então, por que se orgulhar?...
Rio orgulhoso que corre,
perde o orgulho ao ver o mar!
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Quem faz guerra e busca a paz,
dá-me a resposta mais breve:
nem sabe aquilo que faz
nem faz aquilo que deve!
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Parte a jangada e, no entanto,
saudosos sonhos intensos
acenam cheios de pranto
ao cais, coberto de lenços!
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Quem faz promessas e juras,
ouvindo a voz do perdão,
percebe que as amarguras
e os desenganos se vão!
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Àquele que estende a mão,
para qualquer "Zé ninguém",
Jesus multiplica o pão
de quem dá pão, para alguém!

Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  
Enviado pelo trovador.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao Entardecer) – 3


A carícia do Nordeste
às lindas praias morenas
é magia que reveste
as suas noites serenas.
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Acorda a nossa consciência
o drama da moto-serra
que mesmo em sua inocência,
sela o destino da Terra.
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Após trabalho incessante,
num pipilo, o passarinho
anuncia, triunfante,
a festa de um novo ninho.
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A rosa, o lírio, a violeta
dão o tom com seus olores,
e o jardim abre a retreta
em sinfonia de cores.
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A roseira solferina
num cantinho do jardim,
guarda os sonhos da menina
que o tempo mudou, em mim.
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Até por gênios deixada,
a floresta a vida encerra,
e deserta, devastada,
sela o destino da Terra.
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Dizemos que o tempo voa,
e enquanto filosofamos,
ele vive aí... à toa...
e somos nós que voamos.
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Envolto em nívea camada,
sonha, em repouso, o jardim.
Vem o sol, derrete a geada…
Negro, o sonho chega ao fim.
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Fala a gota que se esconde
no cálice de uma flor;
fala o mar, tudo responde,
quando fala o Criador,
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Garoto à fome minguando,
na calçada sentadinho,
e o vendedor apregoando;
"Olha gente, o pão quentinho!"
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Na capelinha da aldeia,
os contornos esfumados
brilham à luz da candeio
da fé dos seus devotados.
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Na praça, neste banquinho,
passou correndo a amizade;
sentou o amor, só um pouquinho,
ficou pra sempre a saudade.
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Nas águas de um turvo horrível
espelha-se um céu cinéreo,
onde a ganância, insensível,
já pôs também seu império.
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  Nem sonhos maus acontecem
nas noites mais tormentosas.
Se teus abraços me aquecem,
durmo num leito de rosas.
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No mar a lua se espelha,
mas o gigante, enciumado,
reduz a cocos de telha
o lindo disco prateado.!
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Num estranho automatismo,
lá do fundo, os meus gemidos
voltam ò tona do abismo,
procurando os teus ouvidos,
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Parecemos - tu chorando
e eu num discreto lamento -
dois violinos ensaiando
a charanga atroz do vento.
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Se enfrento a agressão do frio,
do gelo pelos caminhos,
é porque me refugio
sob o sol dos teus carinhos.
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Se me abrigo no teu braço
das noites na travessia,
até da insónia, o cansaço
torna doce a companhia.
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Sem motivo, sem palavra,
no adeus insinuado em calma,
deste o golpe que escalavra
os pilares de minha alma.
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  Sinto, e é quase transparente
que estás a te divertir,
mas falta ao meu ser carente
coragem pra conferir.
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Talvez um simples "Bom dia"
dito em casual diapasão,
seja a nota de alegria
que faltava ao teu irmão.
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Toda enfeitada, a capela
faceira põe-se a esperar
de algum artista a chancela
que a venha imortalizar.
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Uma certeza me encanta
e traz minha alma aquecida:
Se o orvalho reanima a planta,
a fé é o orvalho da vida.
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Você, absurda e volúvel,
que ora quer, ora recusa,
é, o grande enigma insolúvel
em minha vida confusa.
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Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Painel do entardecer. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.
Enviado pela trovadora.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) XXXIX


A criança vai para escola:
vai faminta e não cochila,
leva os sonhos na sacola
mas, falta o pão, na mochila!
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Ama a vida, honra teu nome,
não perca a tua altivez;
que o tempo tudo consome,
mas, poupa a nossa honradez!
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Ao ver, ó cego, o sorriso,
no teu rosto sem visão,
percebo o quanto é preciso
sentir Deus no coração!
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Ave das noites sem luz,
o mocho, vagando em vão,
enfim, nos braços da cruz,
quebra a cruz da solidão!
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Em meio a tanto abandono,
se não creiais, vinde e vede,
que a velha rede sem dono
chora a ausência de outra rede!
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Essa saudade grisalha,
que em mim, se fez mendicância,
é fogo que se agasalha
nas palhas de minha infância!
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Eu não invejo o teu ouro,
mesmo sem prata em meu teto;
porque meu rico tesouro
vem do garimpo do afeto!
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Eu sinto a dor da floresta,
ao ver que o mundo sem dó,
ri do pouco que nos resta
aos poucos virando pó!
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Há na luz do entardecer,
um sossego tão agudo,
que o poeta pode antever
que há silêncio em quase tudo!
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Meia noite!... E, sobre as ondas,
ao delírio me conduz,
a lua fazendo rondas
e enchendo as ondas de luz!
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Mundo afora, enfrento atrito,
e a todo instante, empecilho;
parece que eu trouxe escrito
meu destino de andarilho!
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Na mocidade, não cabe,
os bens que a vida nos deu;
mas, na velhice, se sabe
tudo que o tempo escreveu!
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Não sei por que me confortas.
Pois, eu nem sei quem tu és;
se o canto das horas mortas,
cai feito pranto aos teus pés!
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Não temas!... Ergue-te agora,
que o Sol com tanto esplendor,
não lamenta e também chora
quando reflete na flor!
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No amor, há muitas surpresas;
não penses que me atrapalho...
Pode haver brasas acesas
sob as cinzas do borralho!
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O amor, tem seus atavios,
tem adereços e encantos,
e em meio aos seus desafios,
rolam mágoas, riso e prantos!
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O tempo, aos poucos, descreve
e, mostra com seus desvelos,
meus dias da cor de neve
no branco dos meus cabelos!
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O tempo, em silêncio, avança
e, neste silêncio mudo,
não leva tudo que alcança
mas leva um pouco de tudo!
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O tempo, nos dá de sobra,
exemplos com seus hiatos;
mas, muitas vezes, nos cobra,
respostas por nossos atos!
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Ouço a neblina e, à distância,
pelo toque, a noite inteira,
conto os segundos da infância
pelos pingos da biqueira!
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Por que preconceito e ódio,
com gênero, raça e cor?...
Assim, ninguém sobe ao pódio
da paz, da glória e do amor!
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Quando alguém, à fé, se entrega,
e crê na fé que o conduz,
não sente a cruz que carrega,
se do outro, carrega a cruz!
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São tantos os caracóis
nos arco-íris matinais,
que as nuvens, bordam lençóis
nos arcos dos seus varais!
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Se a sorte nunca te ajuda,
não percas nunca a esperança,
que o próprio destino muda
e a sorte volta e te alcança!
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Sorrio, que o riso acalma;
e, essa calma que preciso,
é alimento de minha alma
que vem da fonte do riso!
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Vão para o mar!... E, entre os seus,
quer do cais, quer dos barrancos,
lenços brancos dando adeus
aos sofridos lenços brancos!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Enviado pelo trovador.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LVIII


POBREZA
La pobreza en  la humildad,
 en noche fría de invierno,
 es  tristeza, es soledad...
 ¡es mismo, un cruel infierno!
 
MOTE:
A pobreza na humildade,
em noite fria de inverno,
é solidão, é saudade...
é mesmo um cruel inferno!
Carmen Patiño Fernandes 
(España)

GLOSA:
A pobreza na humildade,
quando falta pão e abrigos,
suspira por igualdade,
lamenta a falta de amigos!
 
Dormindo, só, pela rua,
em noite fria de inverno,
o menino tem da Lua,
seu único abraço terno!
 
É triste a realidade,
amarga, sem alegria,
é solidão, é saudade...
é só dor, só nostalgia!
 
A miséria, a fome, enfim,
parece um problema eterno...
Sinto em prantos  dentro em mim:
é mesmo um cruel inferno!
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MEDOS...
 
MOTE:
A solidão forja medos...
e ao me deixares um dia,
feri os pés nos rochedos
sem temer a travessia!
Florestan Japiassú Maia
Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 2006

GLOSA:
A solidão forja medos...
Eu me sinto enclausurado,
escravo dos meus segredos
e neles acorrentado!
 
Eu pensava que me amavas...
e ao me deixares um dia,
meu coração tu roubavas
e toda a minha alegria!
 
Rasguei, então, os enredos,
da nossa história de amor,
feri os pés nos rochedos
e enfrentei toda essa dor!
 
Com meus medos exilados,
vestidos de nostalgia,
transpus abismos passados
sem temer a travessia!
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FUTURO INCERTO...
 
MOTE:
Quanto mais olho o futuro,
vejo a solidão na estrada
fico perdido, inseguro,
ante a angústia de meu nada...
Ivone Taglialegna Prado  
Paraguaçu/MG,  ??? –  2022, Belo Horizonte/MG

GLOSA:
Quanto mais olho o futuro,
menos consigo enxergar,
está tudo tão escuro,
me sinto desanimar.
 
Na estrada da solidão,
vejo a solidão na estrada
e o meu pobre coração,
só com ela acompanhada!
 
Sozinho, não me aventuro,
tremo e choro, eu sinto medo,
fico perdido, inseguro,
o meu futuro é um segredo!
 
Essa dúvida angustia
minha alma desordenada,
que parte em busca do dia
ante a angústia de meu nada...
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SONHOS
 
MOTE:
Sou feliz na meia-idade,
revivendo, persistente,
os sonhos da mocidade,
nos sonhos do meu presente.
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012

GLOSA:
Sou feliz na meia-idade,
vivo de recordações
da colorida amizade
sempre cheia de emoções!
 
Sinto de novo a ternura
revivendo, persistente,
tantos dias de ventura
de uma vida comovente.
 
Relembro com ansiedade
aquele amor  tão profundo...
os sonhos da mocidade,
melhores sonhos do mundo!
 
Quase-velho e já cansado
me torno um adolescente,
transformo o sonho passado,
nos sonhos do meu presente.
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EU TE AMEI
 
MOTE:
Eu te amei sem ser amado,
e ainda, por te querer,
peço perdão de um passado
que eu não consigo esquecer...
Milton Nunes Loureiro
Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ

GLOSA:
Eu te amei sem ser amado,
te desejei noite e dia,
foste o sonho mais sonhado...
foste a tristeza e a alegria!
 
Resta sempre uma esperança,
e ainda, por te querer,
sinto aumentar a confiança...
nova luz no amanhecer...
 
Mas quando estou ao teu lado,
sinto medo, um medo atroz,
peço perdão de um passado
nunca vivido por nós!
 
O amor não correspondido
causa dor e padecer,
é tão forte, tão sofrido,
que eu não consigo esquecer...

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas X. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Agosto 2003.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Baú de Trovas 3














Se a noite chega cansada
de caminhar sempre ao léu,
Deus dá vinhos de alvorada
na taça rubra do céu.
ADELIR MACHADO - Niterói/RJ

Quebro a taça do passado
e o vinho espalhado ao chão
é meu brinde apaixonado
aos cacos de uma ilusão.
ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO - São Paulo/SP

Quando o inverno, com seu manto,
cobre de frio os caminhos,
o vinho é o doce acalanto
do coração dos sozinhos...
ALBERTINA MOREIRA PEDRO - Rio de Janeiro

A saudade, sem carinho,
procura, nas noites frias,
por velhas taças de vinho
que a vida já pôs vazias!
AMÁLIA MAX - Ponta Grossa/PR

Neste meu verso amoroso
digo com certa emoção:
- a trova é vinho gostoso
que embriaga o coração.
ANITA THOMAS FOLMANN - Ponta Grossa/PR

Meigo menino sem nome
- alma e vida seminuas -
devora o vinho da fome
pelas adegas das ruas.
ANTONIO BISPO DOS SANTOS - Niterói/RJ

Goza o momento que passa.
Repara que, em nossas vidas,
nem sempre há vinho na taça,
mas, há, sempre, despedidas...
CARLOS GUIMARÃES - Rio de Janeiro

Não há vinho que me faça
esquecê-la um só segundo,
porque vejo em cada taça
a imagem dela, no fundo.
CLARINDO BATISTA DE ARAÚJO - Natal/RN

Querência... O encanto profundo
dos dias calmos, risonhos...
- Um pedacinho de mundo
no mundo azul dos meus sonhos.
ELISABETH N. PASCHOAL - Taubaté/SP

Quando a tristeza rescinde
contrato com o coração,
louve a Deus e faça um brinde
com o vinho dda gratidão.
FRANCISCO LUZIA NETTO - Amparo/SP

Quando a tristeza não passa,
forço um sorriso no rosto,
ponho vinho em minha taça
e ergo um brinde ao meu desgosto!...
IZO GOLDMAN - São Paulo/SP

Foram felizes instantes,
Juventude na querência
Hoje em terras tão distantes
Pilcha…mate…sinto ausência.
JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Se nunca me abate a lida,
é porque sempre reponho
minha energia perdida,
tomando o vinho do sonho.
JOSÉ NOGUEIRA DA COSTA - Pouso Alegre/MG

Cada vez mais terno e amigo,
na verdade o nosso amor
tem muito do vinho antigo
que o tempo apura o sabor!
JOSÉ TAVARES DE LIMA - Juiz de Fora/MG

Como atitudes presentes,
a envelhecer feito os vinhos,
bons exemplos são sementes
lançadas pelos caminhos.
LAVÍNIO GOMES DE ALMEIDA - Barra do Piraí/SP

O vinho dissipa o tédio
em que o fracasso nos joga.
Na dose certa é remédio,
em excesso, nos afoga!...
LOURDES REGINA F. GUTBROD - Rio de Janeiro/RJ

São gotas de poesia,
ou de algum raro licor,
que o orvalho, com alegria,
põe no cálice da flor.
MARLÊ B. J. DE ARAÚJO - Viamão/Portugal

O licor molha o carpete...
E o par de taças quebradas
brinda o silêncio... e reflete
nossas noites fracassadas.
MILTON SEBASTIÃO SOUZA - Porto Alegre/RS

A videira busca o sumo
em solo fértil, profundo,
e faz do vinho um resumo
das alquimias do mundo.
MOACYR SACRAMENTO - Niterói/RJ

Sei que este mundo é mesquinho,
mas, Senhor Deus, não aceite
que alguns se fartem de vinho,
pois há crianças sem leite!
SÉRGIO MIRANDA FILHO - Rio de Janeiro/RJ

Que verdura, que beleza,
o vinhedo sobre o monte,
quando a mão da Natureza
borda a tela do horizonte!
SEBASTIÃO SOARES - Natal/RN

Eu tinha o corpo cansado...
Ao dela faltava amor...
- E foi um vinho encorpado
que deu corpo ao nosso amor!...
WALDIR NEVES - Rio de Janeiro/RJ

Na lareira um fogo brando
e, entre doses de licor,
nossos corpos desenhando
todas as formas de amor.
WILMA MELLO CAVALHEIRO - Porto Alegre/RS

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

José Paulo Corrêa de Souza (Jardim de Trovas)


A criação, sabiamente,
fez num mundo desigual,
que olhos de cor diferente
enxerguem de forma igual.
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A criança usa um pincel
e com traços de emoção,
numa folha de papel
pinta os sonhos que virão.
= = = = = = = = =

Ainda que ao despertar
os seus sonhos desapontem
insista sempre em sonhar
e deixe as mágoas pra ontem.
= = = = = = = = =

A inteligência é uma arma,
um fuzil que salva ou mata.
Quando o alvo não se alarma
é caça na mira exata.
= = = = = = = = =

A quem pinta, eu aconselho
o que o pincel me revela;
quem insiste no vermelho
morre de febre amarela.
= = = = = = = = =

A "sofrência", sem desculpa,
nunca larga do meu pé.
Mas, por certo, é toda a culpa
do "radinho" do Seu Zé!
= = = = = = = = =

Ciúme é um erro que encerra
males de efeito voraz.
No amor, jamais faça a guerra,
sem ter bandeiras de paz.
= = = = = = = = =

É muito triste saber
que a mentira repetida
acaba por esconder
a verdade acontecida.
= = = = = = = = =

E no silêncio da gente,
que a mente planta e renova,
ideias como semente
para colher uma trova.
= = = = = = = = =

Levei tanta chinelada
por rebeldia e, hoje, é belo
sentir saudade encantada
do que ensinava o chinelo.
= = = = = = = = =

Liberdade aprisionada,
consciência adormecida!
Acorda! Não deixe nada
ser corda que enforque a vida!
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Meu coração repartido
por entre o ódio e o amor
leva a vida sem sentido
algemado à própria dor.
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Minha sogra faz intriga
e inda diz que só fofoca,
mesmo assim acaba em briga
e a filha dela me soca.
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Nem sob pressão, me calo
vendo o que justo suspenso.
Se me prendem por que falo,
libertam tudo o que penso.
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Nem vacinas dão respostas,
nem há ninguém resistente,
a sentir vento nas costas
e enfrentar sogra de frente.
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Num pomar abandonado,
no solar da solidão,
sempre busco, amargurado,
doce fruto temporão.
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Nunca feche os olhos! Veja!
Enfrente até o que lhe dói,
pois, a omissão sempre enseja
a mentira que destrói.
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O egocêntrico em perigo
finge que é mudo e que é cego,
e sempre protege o umbigo
na escuridão do seu ego.
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Os culpados sempre negam
e a verdade esconder tentam.
Mas, na mentira carregam
um peso que não aguentam.
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Passa o tempo, tudo muda
e deixa nua a saudade.
O tempo só não desnuda
a verdadeira amizade.
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Pintor velho sempre pinta
pintura documentada,
por um carimbo sem tinta
que tenta dar carimbada.
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Quando a gente sonha, sente,
e a razão sempre socorre
a quem crê, sinceramente,
que a esperança nunca morre.
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Quando o idoso se escancara
co’ uma jovem muito boa,
pergunta-se: – Eu sou o cara?
— Se não for cara, é coroa!
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Seria o fim do perfume,
do doce enleio, do amor,
se o beija-flor, por ciúme,
no jardim matasse a flor.
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Tem rico que fala tudo
pra salvar a pátria amada,
de repente, fica mudo
pra não perder a bocada.
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Todo castelo de areia,
que no sonho alguém constrói,
ou some na maré cheia,
ou vem o vento e destrói.

Fonte:
Messias da Rocha (org.). Múltiplas palavras vol. III. Juiz de Fora/MG: Ed. dos Autores, 2022.
Livro enviado por Lucília Trindade Decarli

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...