Postagens por Marcador

domingo, 25 de dezembro de 2022

Luiz Otávio (Jardim de Trovas) 3

Adeus gauchinha linda,
"Chinoca" destes bons pagos...
Trago uma saudade infinda
da terra e dos teus afagos!
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À força, sem sentimento,
não se faz a trova, não!...
— No entanto, sai num momento,
quando vem do coração...
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Ao beijares uma flor
com tal ternura, antevejo
como é bom o teu amor,
como é gostoso o teu beijo. (*)
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* = Na época, eram outras regras nas trovas, ejo rimava com eijo, atualmente pelas normas da UBT este tipo de rima não é aceita. Veja bem, só para trovas, em poesias esta rima é aceita, pela aproximação do som.
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Aquele amor passageiro,
aquela afeição tão pura,
e esta saudade tamanha (*)
de tão pequena ventura!...
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* = Na época, era obrigatório a rima do 2. com 4. verso somente, não existindo a obrigatoriedade de rimar o 1. com 3., contudo pela União Brasileira de Trovadores, fundada no Rio de Janeiro, em 21 de agosto de 1966 e instalada oficialmente em 1° de janeiro de 1967, para a participação em concursos desta entidade existe a obrigatoriedade de rimar o 1. com 3. e o 2. com o 4. versos.
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Às vezes, quero partir...
correr mundo... viajar...
Mas, quando me afasto muito,
que vontade de voltar!...
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Beija-te o sol, o luar,
cheios de amor e desejo...
Vive o vento a te beijar!
Só eu é que não te beijo…
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Com tristeza a gente conta:
No mundo, que tanto ilude,
há virtude — quase afronta,
pecado, quase virtude!...
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Droga de efeito impreciso,
veio o doutor receitar...
— A calma de que preciso,
só quem tirou pode dar...
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Epopeias... Caravelas...
D. Diniz... Camões... Cabral...
Guitarras... Cachopas* belas...
Saudade e amor... Portugal!...
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* = Cachopas: meninas, raparigas.
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Há trovas de tal beleza,
prendem tanto os versos seus:,
que a inspiração, com certeza,
deve ter vindo de Deus.
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Levaste tanto de mim,
deixaste tanto de ti,
que chego a pensar, enfim,
que estou lá... e estás aqui…
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Meu. doce Lar é pequeno,
cheio de paz e candura...
— Pequeno... mas nele cabe
uma porção de Ventura!...
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Meus dezoito anos de idade!
Da alma esta mágoa não sai:
perdi meu melhor amigo!
A morte levou meu pai!
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Muita gente, como escrava,
vive em busca da Ventura,
e abandona onde morava,
o que tanto, em vão, procura!
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No dia em que tu nasceste,
já nasceste para mim,
tal como a ti destinado
foi que a esse mundo eu vim...
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No mundo incerto e inconstante,
uma coisa é verdadeira;
— Dura o bem um só instante
e a dor — uma vida inteira!...
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Ó Mar verde, imenso Mar,
sendo tão grande e profundo,
não poderias guardar
todas as dores do Mundo?
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Para muitos, a Bondade
é como se fosse um dom...
— Eu cá, sofri de verdade!
E o sofrer tornou-me bom...
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Portugal — jardim de encanto
que mil saudades semeias...
Nunca te vi... e, no entanto,
tu corres nas minhas veias!...
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Quanta amargura incontida
para o espírito mais forte,
se não visse uma outra vida
que só inicia na morte!?...
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Quantos momentos felizes
trocaria, com prazer,
para que este mau momento
nunca viesse a viver!...
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Saudade — um eco perdido -
de uma cantiga da infância...
Perfume de flor, nascido
lá nas brumas da Distância...
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Se eu tiver a graça, um dia,
de contigo me casar,
tu verás quanta alegria
e ventura em nosso lar!
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Se soubesses o desejo
que trago dentro de mim,
tu não falavas em beijo,
nem ficavas rindo assim!...
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Ventura — rosa escondida
no alto jardim da esperança…
Perfuma de longe a vida,
mas não se vê... nem se alcança...
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Viver... morrer... pouco importa!
— Quanta gente, por aí,
que há muito uma alma, morta
carrega dentro de si...

Fonte:
Luiz Otávio. Cantigas dos sonhos perdidos. Coleção Trovas e Trovadores, organizada por Aparício Fernandes e Zalkind Piatigorky. RJ: Livraria Freitas Bastos, 1964.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Luiz Otávio (Jardim de Trovas) 2

 

A dor que mais nos abala,
que fere profundamente,
não é a dor de que se fala,
mas a que apenas se sente.
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A trova recende a rosas
e sabe a favos de mel,
e é tão pequena que cabe
num cantinho de papel...
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A trova tudo nos conta.
De coisas belas nos fala.
Basta alma para fazê-la…
E ouvidos para escutá-la...
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Benditas sois, Caravelas,
que, enfrentando riscos mil,
trouxestes, entre procelas,
a semente do Brasil!
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Da vida, quando eu partir,
findando sonhos e dores,
serei levado, a sorrir,
por quatro anjos trovadores...
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Deixou a Felicidade
Saudade em meu Coração...
Depois a própria Saudade
cansou-se da Solidão...
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Há olhos para a Gramática!
Há olhos para a Razão!
Mas, lendo a trova, é preciso
ter olhos no coração...
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Nasce a trova facilmente
e correndo o mundo vai...
É como a água nascente,
ou como o orvalho que cai...
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Nas desgraças ou venturas,
há sempre, em todas as vidas,
angústias, medos, torturas,
de origens desconhecidas ...
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"Ninguém faz falta no Mundo"
— O povo não tem razão...
Perca um bem grande e profundo,
veja se faz falta ou não!...
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Numa simples despedida,
nunca sabemos, meu Deus,
se ao darmos um "até breve",
estamos dando um "adeus"...
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Oh! quanto nos atormenta,
na vida, que se dilui,
sentir que a saudade aumenta
e a esperança diminui!...
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Ó nuvens — minha alma implora! –
Segredai àquela ingrata
que, se ela não volta agora,
esta Saudade me mata!
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O que fala que é feliz,
está, por certo, enganado.
— Não creia no que ele diz...
vive apenas conformado...
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Os seus olhos sonhadores
me falam de seus desejos:
que os seus lábios tentadores
nasceram para os meus beijos...
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Parte ao encontro do amor
com um sorriso na face,
como se ele fosse um bem
que nunca nos enganasse...
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Pensa bem no que eu te digo:
um conselho sem ressábios
é dado num tom amigo,
com um sorriso nos lábios.
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Pra compensar a maldade
de ser o bem tão fugaz,
Deus inventou a saudade
— a melhor das coisas más...
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"Qualquer um faz uma trova..."
falaram-me com desdém…
Fazer... fazer... todos fazem...
A questão é fazer bem!...
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Que dolorosa ironia!
— Esta paixão derradeira
deu-me Ventura um só dia
e Saudade a vida inteira!...
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Rouba-se tanto, tão alto,
com tal malícia e sussurro,
que a gente, quando é honesto,
ganha diploma de burro...
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Saudade... luz do poente,
que se esconde atrás do mar,
voltando após, docemente,
na ternura do luar…
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Será feliz, com certeza,
o que, entre mágoas, prejuízos,
só vê, do mundo, a beleza,
da humanidade, os sorrisos...
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Tenho tudo nesta vida..,
Às vezes, penso: contudo,
se tu me faltas, querida,
de repente perco tudo!...
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Teus olhos, tua voz quente,
teu sorriso endiabrado,
dão logo impressão, à gente,
de ver o próprio pecado...
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Veio um dia a tempestade,
jogou-me a um canto da vida!
Tinha vinte anos de idade
e a mocidade perdida...
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Vida — mistério profundo!
Quem dirá da nossa Sorte?!
Que haverá depois do mundo?
Que haverá depois, da morte?!

Fonte:
Luiz Otávio. Cantigas dos sonhos perdidos. Coleção Trovas e Trovadores, organizada por Aparício Fernandes e Zalkind Piatigorky. RJ: Livraria Freitas Bastos, 1964.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Nei Garcez (O Paraná em Trovas)

 
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Curitiba em Trovas
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Conheça nossa cidade,
seus shoppings, parques e praças,
e em Santa Felicidade,
6ons vinhos, frangos e massas.
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Venha fazer um passeio
na Curitiba sorriso.
Seus parques, sempre em recreio,
são formas de paraíso.
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Curitiba hoje o convida,
entre o sol, ou com respingos,
conhecer a mais comprida
feira-livre dos domingos.
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Se você é enclausurado
por ouvir só dissabores,
deixe a tristeza de lado...
Venha pra Rua das Flores!
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Quando a vontade é viajar,
acompanhado, ou sozinho,
nunca fique a divagar...
Curitiba é um bom caminho!
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Da Curitiba de dantes
Saint Hilaire* deixou a ideia
de que, aqui, tinha habitantes
com tradição europeia.
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Todas as vinte e oito etnias
que imigraram para cá,
trouxeram intenções sadias
dando vida ao Paraná.
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O Paraná cresceu tanto
com os povos que acolheu
e, hoje, agradece este encanto
que cada etnia lhe deu.
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Curitiba de outrora,
pela cultura formada,
mostra, ao seu jovem de agora,
que continua ilustrada.
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Curitiba, tanta graça,
entre a prosa e a poesia
quanto mais o tempo passa
és, das Letras, a magia!

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Paranaguá em Trovas
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Desde o seu descobrimento,
o Brasil Colonial
principiou seu crescimento
a partir do litoral.
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Quem conhece a geografia
e as memórias de onde está,
sabe que aqui principia
a História do Paraná!
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Ao formar-se a povoação,
erigiu-se um santuário
- a Capela - em devoção
à Senhora do Rosário…
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Isto tudo começou
em meio a mil e seiscentos,
quando Lara** anunciou
muito ouro, aos quatro ventos!
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A corrida pelo ouro
descobriu Paranaguá
que, encontrando este tesouro,
desbravou o Paraná!
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A Província e sua História,
desmembrando o Paraná,
principiou, com grande glória,
dentro de Paranaguá!
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* Nascido em Orleans, o botânico, naturalista francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (1779 – 1853) chegou ao Brasil em 1816, acompanhando a missão do Duque de Luxemburgo. Na visita que fez  pela região em 1820, o botânico conta em seu livro aspectos dos Campos Gerais; as vilas e fazendas da região; costumes indígenas e aspectos físicos. Ele começou sua viagem em Itararé e passou por Castro, Curitiba, Paranaguá e Guaratuba, até continuar sua missão por Santa Catarina.

** Gabriel de Lara foi um sertanista paulista, natural de Santana do Parnaíba, no atual estado de São Paulo, e que fundou arraiais e vilas no sul do Brasil, sendo as principais Paranaguá e Curitiba.


Fonte:
Trovas em marcadores de livros enviados pelo trovador.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Luiz Otávio (Jardim de Trovas) I

* Na época não era obrigatório rimar o 1. com o 3. verso, somente foi normalizada esta obrigatoriedade com a fundação da União Brasileira de Trovadores, em 1966.

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A minha alma está. vazia,
alegre e gentil Princesa!
— Vem casar tua alegria
à minha grande tristeza!…
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As vidas têm — mesmo aquelas
mais felizes e serenas —
ondas de tédio tão grandes,
e alegrias tão pequenas!...
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Até a dor eu bendigo!
E declaro, francamente:
— Foi tanto afeto de amigo
que valeu ficar doente!
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Carregando só desgosto,
tristeza e desilusão,
o meu Natal tem o gosto
de uma noite de Paixão...
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Deves ter uma só alma,
em qualquer ocasião…
Sê sincero, embora sofras!
Traze puro o coração!
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É bem cruel esta dor
que me acabrunha., espezinha.
— saber que é meu teu amor,
mas, que nunca serás minha…
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E chegam depressa os anos!
E passam assim os dias:
— Milhares de desenganos
e bem poucas alegrias...
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... E há no mundo quem reclame
e que sinta a alma vazia,
tendo na vida quem o ame,
tendo o pão de cada dia!...
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... E os amigos fui perdendo...
Alguns, repentinamente...
Coração, triste, sofrendo,
levando a Vida pra frente...
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Eu, hoje, olhei-me no espelho,
e tive cruel desengano...
— Quantos anos fiquei velho,
no período de um só ano!
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Hoje, saudoso, relembro
nosso Passado tão doce...
Foi no Natal... em dezembro.
que o Papai Noel te trouxe…
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Meus sentimentos diversos
prendo em poemas tão pequenos.
— Quem na vida deixa versos,
parece que morre menos...
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Não paras quase ao meu lado...
E em cada tua partida,
eu sinto que sou roubado
num pouco da minha vida…
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Olhando o mar, penso em Deus.
E também, não sei porque,
no céu pondo os olhos meus,
eu me lembro de você...
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Os dias dos namorados
são singelos e risonhos!
Os dedos entrelaçados
e entrelaçados os sonhos!...
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Para o triste, Deus concede
— na sua grande clemência —
o consolo da Saudade
— Nossa Senhora da Ausência…
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"Perder tempo" — contingência
que o Homem traz aturdido,
sem saber que na existência
o melhor tempo é o perdido...
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Primeiro amor… doce encanto.
— Feliz página da vida
que, raramente, entretanto,
pode um dia ser relida...
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Se aos filhos tu podes dar
tua vida como exemplo,
não terás somente um lar,
mas, sim, um sagrado templo!
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Saudade... Quando partiste,
nunca pensei que assim fosse!
— Não há tristeza mais triste,
nem há palavra mais doce!...
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Teríamos a alma em paz,
lembrando a todo momento,
que, às vezes, sofremos mais
na espera do sofrimento!...
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Tu ficaste bem zangada!
Não sei a razão, contudo...
Tudo, talvez, por um nada...
E às vezes, um nada é tudo...
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Um dia é que eu percebi
o que há muito aconteceu;
o maior bem, que eu perdi,
foi a fé que já morreu!
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Um mês assim tão risonho,
eu juro: nunca vivi!
— Uns dias cheios de sonho..
Uns sonhos cheios de ti...


Fonte:
Luiz Otávio. Cantigas dos sonhos perdidos. Coleção Trovas e Trovadores, organizada por Aparício Fernandes e Zalkind Piatigorky. RJ: Livraria Freitas Bastos, 1964.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Myrthes Neusali Spina de Moraes (Caderno de Trovas)


A igreja toda enfeitada,
e a bela noiva no altar.
Que destino... que mancada!
Não veio o noivo casar.
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A saudade nos conforta,
na dor por alguém ausente,
pois abre sempre uma porta
a quem se encontra carente.
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As folhas caem no outono
vão cobrindo todo chão.
As aves nesse abandono,
debandam sem direção.
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Belas flores perfumaram
os jardins de nossas casas.
Os passarinhos cantaram,
bailando, a bater as asas.
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Dos folguedos de criança,
eu tenho muita saudade.
Vovó é a doce lembrança
que me traz felicidade!
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Em fria noite de inverno
eu dispenso o cobertor,
pois teu abraço tão terno
faz-me até sentir calor!
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Já no outono desta vida,
muitos espinhos pisei.
Encontrei uma saída:
em vergeis os transformei.
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Mamãe carinhosa e bela,
que saudade de você...
da história da Cinderela
e do Saci-Pererê.
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Minha mãe, quanta saudade,
do teu tão doce cantar.
Tempo de felicidade,
que hoje só posso sonhar.
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Ninguém foge do destino,
diz um dito popular,
mas, quando se é pequenino,
como nele acreditar?
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No inverno, a formiguinha
trabalhava sem cessar
e a folgada cigarrinha
ficava a cantarolar!
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No inverno, em noite bem fria
e insônia a me torturar,
para espantar a agonia,
faço versos ao luar.
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O inverno chegou depressa
e com muito vento e frio.
O tempo corre e não cessa
de nos fazer desafio.
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O outono já passou,
tão depressa como o vento
e tristonha me deixou
contigo em meu pensamento.
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O peão de boiadeiro,
foi na arena o boi montar,
e o destino traiçoeiro
veio a vida lhe roubar.  
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Primavera, tu chegaste
florindo nossos jardins
e feliz tu nos deixaste,
quando colhemos jasmins!
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Procurei no meu jardim
uma rosa pra lhe dar,
Só encontrei branco jasmim
perfumando todo o ar.
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Quando a saudade dorida
sufocar-lhe o coração,
prossiga com fé na vida,
busque a Deus em oração.
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Quando as folhas, sem beleza,
no chão a rodopiar,
é o outono, com certeza,
que anuncia seu chegar.
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Quando o inverno acabar
e a  tristeza então sumir,
irei de novo cantar
sem pensar mais em partir.
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Se com lágrimas pudesse
fazer o outono voltar,
pediria a Deus em prece
pra de novo te encontrar.
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Se um acidente acontece,
sem a pessoa querer,
joga a culpa no destino,
para deixar de sofrer.
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Se você tem um pomar,
guarde bem essa lição:
não deixe de acrescentar
bons sucos à refeição!
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Uma florzinha cheirosa
dentro de um livro rasgado
trouxe a lembrança saudosa
daquele outono passado.
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Um ratinho muito esperto,
saiu  da toca e correu,
mas um gato estava perto,
(triste destino!...) e o comeu!
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Violetas e jasmins
florescem na primavera.
Alegram nossos jardins,
perfumando a atmosfera.
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Fonte:
UBT – Bragança Paulista

domingo, 11 de dezembro de 2022

Manoel Monteiro (Canteiro de Trovas)

 

Adoro a Virgem Maria;
Maria ensinou-me a ler;
outra roubou-me a alegria
e tu me fazes morrer.
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Ao vê-la, em vistoso templo,
fazendo o pelo-sinal,
fui imitar-lhe o exemplo,
ficou me querendo mal.
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Aprendi, cheio de ardor,
pensando no paraíso,
o A B C de meu amor
na carta de teu sorriso.
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Costuma-te a ser jocundo,
coração, não desesperes:
Hás de viver neste mundo
sem entender as mulheres.
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De ternas flores mimosas
terno leito vou fazer,
embora possa entre as rosas
teu corpinho se esconder.
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Filhinha, toma cuidado!.,.
não largues mais tua cruz,
que o demônio anda trajado
nas roupagens de Jesus.
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Fiz inveja a muita gente
no dia em que andei contigo...
Até um lírio inocente
mostrou-se meu inimigo.
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Fui confessar-me e na grade
contei meus crimes e o teu,
se é bonita... disse o frade,
e rindo me absolveu.
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Maio surgiu entre flores.
Tudo ri no mês de maio.
Só eu, senhora, desmaio*
pelo caminho das dores,
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Meu peito sofre calado,
nunca chorou nem gemeu,
pois se o fizer, desgraçado,
sua fortuna perdeu.
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Milagres - terra de Olinda
quando o sol no azul desmaia,
é corpo de moça linda
deitado à beira da praia.
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No dia em que tu fizeste
a primeira comunhão,
a hóstia do amor me deste,
guardei-a em meu coração.
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Nos olhos não tenho pranto,
Lucília o pranto levou.
Pela morta chorei tanto
que a pobre fonte secou.
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Os dobres causam-me espanto!
Antes de morto previno:
se houver dobres me levanto
e quebro as cordas do sino.
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Pois da vida nos escombros
minha esperança me diz:
há de cair de teus ombros
este manto de infeliz.
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Seguindo junto ao teu seio,
vendo teu rosto sem véu,
julguei-me um santo em passeio
pelas estradas do céu.
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Somos cinco retirantes
pelas estradas reais!
Pobres dos nossos descantes,
descantes pobres de mais! ...
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Suporto negro ciclício,
mas não conto meu desgosto
que, pelos traços do rosto,*
todos lerão meu suplício
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Todo moço que for pobre,
faça o que eu faço também
para quem mágoas descobre
só desprezo o mundo tem.
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Um só desejo na vida
eu sinto-me perseguir:
é nos teus braços, querida...
pousar a fronte e dormir.
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Vem aos meus braços abertos,
desce do teu quinto andar,
que os anjos do céu, espertos,
procuram te namorar.
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Vivo ausente de Palmares,
feliz terra onde nasci.
Eu lá não senti pesares,
vim padecer foi aqui.
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* Na época não era obrigatório rimar o 1. com o 3. verso, somente foi normalizada esta obrigatoriedade com a fundação da União Brasileira de Trovadores, em 1966.
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Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

sábado, 10 de dezembro de 2022

Wadad Naief Kattar (Canteiro de Trovas)


A conquista nesta vida,
não se compra com dinheiro,
mas com fé e de paz provida
eu enfrento o mundo inteiro.
= = = = = = = = = = =

A família é o maior bem
que Deus nos presenteou.
Os anjos disseram Amém!,
quando a minha ele criou.
= = = = = = = = = = =

A mulher, ninguém entende,
porque é sempre misteriosa.
é a imagem que ela vende,
sabendo que é enganosa.
= = = = = = = = = = =

A música é um emblema
importante da cultura,
como se fosse um poema
musicado de ternura.
= = = = = = = = = = =

Eliminei a saudade
e hoje vivo bem sozinho.
Conheço a tranquilidade
sem pedras no meu caminho.
= = = = = = = = = = =

É meia volta, volver,
se tu cruzas meu caminho.
Se meu destino é sofrer,
prefiro sofrer sozinho.
= = = = = = = = = = =

Englobando a criação
do que Deus aqui deixou,
é a mulher confirmação
de quanto ele caprichou.
= = = = = = = = = = =

Eu nunca temo o perigo,
não me amedronta a batalha.
A paz sempre está comigo
e essa força me agasalha.
= = = = = = = = = = =

Hoje o frio me incomoda
muito mais que antigamente
pois já não mais me acomoda
o seu peito confidente.
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Meu amor eu encontrei
nos braços de uma qualquer.
- É destino, eu pensei,
de quase toda mulher.
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Meus avós são muito amados
minha bisavó também;
são todos abençoados
e como me fazem bem!
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Música, arte, cinema,
sempre envolveram a vida.
Fazem com que não se tema
a tristeza amortecida.
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Na jornada desta vida
já amei, sofri, chorei.
Hoje assopro a ferida,
disso tudo me cansei.
 = = = = = = = = = = =

O mais puro sentimento
à família eu dedico.
Mesmo que seja o momento
complicado, eu simplifico.
= = = = = = = = = = =

O tempo passou... nem vi
que o destino me traiu.
Só no corpo envelheci,
pois a mente não seguiu!
= = = = = = = = = = =

Quando a mulher fala e grita
tentando assim convencer,
é uma falha, ela acredita.
Basta chorar pra vencer.
= = = = = = = = = = =

Quando estou em um dilema
a família é o meu esteio;
enfrento qualquer problema
com coragem e sem receio.
= = = = = = = = = = =

Quem dera, Deus, eu pudesse
deter a morte bandida
e só elevar uma prece
pela dádiva da vida.
= = = = = = = = = = =

Sabe o que é felicidade?
É a família em harmonia,
que após animosidade
sempre se reconcilia.
= = = = = = = = = = =

Saudade do amor perdido,
pois sei que não volta mais.
É meu destino bandido
onde suporto meus ais.
= = = = = = = = = = =

Se encontrar uma mulher
mostrando-se toda prosa,
vá como quem nada quer
e teste se é  “caridosa”.
= = = = = = = = = = =

Sempre a saudade adivinha
a ausência de um amor
e tal qual erva daninha,
sufoca causando dor.
= = = = = = = = = = =

Ser trovador é destino
ou é dom que Deus me deu?
Só sei que é um dever divino,
que ao cumprir, prazer me deu.
= = = = = = = = = = =

 Só hoje conheço a paz
depois de muito sofrer
e até me sinto capaz
de voltar a me envolver.
= = = = = = = = = = =

Tenho sempre na lembrança
dos tempos que longe vão,
meus avós  - eu tão criança...
que doce recordação!
= = = = = = = = = = =

Tudo em você me fascina,
por isso vivo em pecado.
É destino, minha sina,
viver pedinte ao teu lado.
= = = = = = = = = = =

Viva, ame e sobreviva,
mas a aprender a lição:
sempre a conquista afetiva
nos embaralha a razão.
= = = = = = = = = = =
 
Você que gosta de ler,
sempre buscando a cultura,
saiba que este prazer
é um vício que perdura.

Fonte;
UBT Bragança Paulista

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 1

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.


A desgraça do pau verde
é ter o pau seco ao lado:
Vem o fogo, queima o seco
fica o verde sapecado…
= = = = = = = = =

Alguém te chamou de feia
e te puseste a chorar…
O agrado supre tudo
bela — é quem sabe agradar.
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De muita gente que existe
e que julgamos ditosa,
toda a ventura consiste
em parecer venturosa.
= = = = = = = = =

Dês a ponta do dedo,
que eles desejam a mão;
se vai a mão, vai-se o braço,
vai-se o peito e o coração.
= = = = = = = = =

Dizem que a fortuna é cega,
é mentira, ela vê bem...
Dá milhões a quem tem muito,
a quem não tem, nem vintém.
= = = = = = = = =

Menina bonita ou feia,
tudo tem sua procura:
Amor não enjeita nada,
porque tudo é criatura.
= = = = = = = = =

Ninguém se julgue feliz,
inda tendo bom estado,
às vezes tirana sorte
faz dum feliz, desgraçado.
= = = = = = = = =

O mal dos outros faz pena,
só o nosso faz cuidado.
Não se aprende com os outros
a ser menos desgraçado.
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Quem dá o seu coração
àquele que não conhece,
por muitas penas que passe
dobradas penas merece.
= = = = = = = = =

Quem tiver o seu segredo,
não conte à mulher casada,
que a mulher conta ao marido,
e o marido ao camarada.
= = = = = = = = =

Não se mostra o possuído
para não ser cobiçado;
Dinheiro ou mulher à vista
falta pouco pra roubado.
= = = = = = = = =

Não há vantagem no mundo
que não tenha o seu senão;
Nunca vi rapaz bonito
que não fosse paspalhão.
= = = = = = = = =

Meu amor está mal comigo
eu não sei por que motivo;
Que me importa, lá se venha,
não é de amores que eu vivo.
= = = = = = = = =

Quem corre nem sempre alcança,
nem vence por madrugar.
Quem quiser chegar a tempo
ande firme e devagar.
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Vê o que dizes: tu passas
de livre a preso, num’ hora:
Palavra guardada é escrava
palavra solta é senhora.
= = = = = = = = =

Hoje, Sancho é muito bom,
amanhã, Sancho é ruim...
Já fica sendo um demônio,
quem ontem foi serafim.
= = = = = = = = =

Os tolos pensam que regras
ao mundo vieram dar;
Vão ver que pra ter juízo
na caneca hão de apanhar.
= = = = = = = = =

Eu quero dar um conselho
a quem o quiser tomar,
quem quiser viver no mundo
há de ouvir, ver e calar.
= = = = = = = = =

Quem muito alto quer subir
sem ter asas para voar,
as nuvens já estão se rindo
da queda que ele há de dar.
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Minha gente, venham ver
coisa que nunca se viu:
O tição brigou com a brasa
e a panelinha caiu!
= = = = = = = = =

Eu quero a minha malícia
tal e qual se eu mesmo visse;
eu nunca maliciei
que certo não me saísse,
= = = = = = = = =

Como o sereno da noite
procura o seio da flor,
assim minha alma amorosa
suspira por teu amor.
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Menina da saia verde,
de verde cor de esperança,
teus desdéns não me amotinam,
quem espera sempre alcança.

Fonte:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.

domingo, 4 de dezembro de 2022

Solange Colombara (Tertúlia Trovadoresca) I

 


Algumas fotografias
fizeram-me soluçar…
Despertaram utopias
das férias à beira-mar.
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Ao partires deste mundo,
encontrei na fé, coragem
e um sentimento profundo,
quando foste pra viagem.
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As águas em calmaria
brotando em tua nascente,
são rios em romaria
em um queixume doente.
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As inúmeras metades
que habitam meu coração,
às vezes gritam saudades,
noutras, choram de emoção.
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Através do olhar do filho,
viu no espelho refletindo
vida, em um único brilho,
o ontem no hoje coexistindo.
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Celebrando um sentimento,
eu vejo um poema escrito
pelo tempo frágil, lento,
horas mortas… infinito…
= = = = = = = = =

Contemplo imensa magia
nesta tranquila paisagem
e agradeço pelo dia,
aproveitando a viagem.
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Das lágrimas de um poeta
renasce uma inspiração,
um poema se completa…
Leva alento ao coração.
= = = = = = = = =

Deixo minha inspiração
despir a criatividade
poetizada em emoção...
Encontro a serenidade.
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Divulga a boa leitura
levando entretenimento,
um viva à literatura!
Livro é luz, conhecimento!
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Em instantes de harmonia,
venho minha paz colher
na melhor hora do dia…
minha hora de agradecer.
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Inaugurando nova era
com flores e poesia,
vem chegando a Primavera
plena em cores e alegria!
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Livros abrem as janelas
da nossa imaginação…
Criam imagens tão belas
nos pulsares da emoção!
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Mãe, o teu riso gostoso,
eterno, presente em mim,
é o legado mais saudoso...
Uma saudade sem fim.
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Meu gatinho Trololó
gosta de fazer folia,
nos novelos da vovó
e nos móveis da titia!
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Na noite, em serenidade,
admirando a Lua Cheia,
converso com a saudade…
Este luar me norteia.
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Ninguém tem sua razão
e tampouco entendimento
se a palavra for em vão…
Se faltar bom sentimento.
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Nos trilhos da solidão,
um apito de saudade
ecoa em cada estação,
súplicas de liberdade.
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O desafio do dia
foi com intensa emoção!
Transformar em poesia,
o meu medo de injeção.
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O Pererê do Ziraldo
ou Sonetos de Camões,
livro sempre traz bom saldo
carregado em emoções.
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O sol hoje apareceu
e veio dizer: -Bom dia!
Um poema alvoreceu
em raios de poesia.
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Por horas, sempre brindando
ao tempo, a cada momento
vivido, vou caminhando,
celebrando um sentimento.
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Procurando sustentáculo,
mediante um desafio,
supero qualquer obstáculo
com humildade e com brio.
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Quando eu olho para trás,
os meus passos de coragem
dão-me forças, para, em paz,
continuar a viagem.
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Seu sorriso acaricia,
abraça o meu coração,
é chamego que vicia…
Dentro dele perco o chão.
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Todos os dias, feliz,
olho o céu, agradecida,
por tudo que me bendiz!
Troféu que ganhei da vida.
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Uma doce ingenuidade
no rosto de uma criança,
demonstra serenidade,
nos traz alento e esperança.
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Uma luz aconchegante
faz na noite moradia
e nesta paz radiante,
avulta-se a estrela-guia!

Fontes:
– Trovas enviadas pela trovadora.
– https://jardimdetrovas.wordpress.com/

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 2


A Noite — irmã da Saudade,
dela um dia alguém já disse:
Tão curta na mocidade,
como é longa na velhice...!
*
As alegrias e as dores
seguem os mesmos caminhos:
são iguais àquelas flores
que a gente colhe entre espinhos.
*
As maiores despedidas
são mudas. A gente sabe
que o que coube em duas vidas
numa palavra não cabe.
*
A trova para ser bela
não pode ser complicada.
Ela deve ser singela,
dizer tudo, em quase nada.
*
Com amor tu me dizias:
''tudo podes, tudo eu posso".
Ai de nós, tu te esquecias
que este mundo não é nosso!
*
Entre mim e ti havia
o tempo nos separando:
tu eras meu dia-a-dia,
eu era teu quando-em-quando.
*
Eu creio que Deus existe
nas profundezas do Amor,
quando num pântano triste
vejo nascer uma flor.
*
Há mãos que colhem as rosas...
há mãos cruéis que magoam.
Benditas as mãos rugosas,
trêmulas mãos que abençoam!
*
"Homem não chora'' e com isto
muita gente se enganou.
O maior homem foi Cristo,
e quantas vezes chorou...
*
Jamais o mal será eterno
para quem, em doce espera,
semeia no seu inverno
as rosas da primavera.
*
Já te quis, glória fugaz...
Já te amei, mundo inclemente...
Hoje quero e peço: Paz!
Como o tempo muda a gente.
*
Mocidade! Sonho, enredo,
tempo fugaz de uma flor.
Cada sorriso é um segredo,
cada segredo é um amor.
*
Muita gente há que não sabe
se uma trova tem valor.
Mas ela inteirinha cabe
na alma do trovador.
*
Não sei de vitórias plenas
em batalhas que não vi.
Mas sei de glórias serenas
nas lutas que já venci,
*
Na voz de um sino que tange
no dobre final da hora,
há sempre a ceifa do alfange
e um anjo que canta e chora.
*
No cair das tardes calmas
há tanta melancolia!
Parece que as próprias almas
soluçam no fim do dia!
*
No outono da vida a gente
não conta o tempo em auroras;
vai contando, tristemente,
na breve fuga das horas.
*
O amor é um raio profundo
de luz numa solidão.
Se não vale inteiro um mundo
vale, ao menos, a ilusão,
*
Por longos anos viveu.
Seu destino foi tão lindo!
Minha Mãe nunca sofreu
porque as mães choram sorrindo...
*
Quando Deus me pôs na alma
a humildade da alegria,
deu-me a bênção, deu-me a palma
deu-me o dom da poesia.
*
Quando vislumbro a procela
nas nuvens, em céu tristonho,
eu me debruço à janela
e abro a cortina do sonho.
*
Saudade! Tu és somente
a visita inesperada
que bate á porta da gente
depois da festa acabada.
*
Se a Esperança é uma quimera
mas pode alegrias dar,
é feliz sempre o que espera
porque viver é esperar!
*
Sempre em busca de uma flor
onde minha mão alcança,
se perco a rosa do Amor
colho o Lírio da esperança!
*
Senhor! Em prece conclamo:
(eu sei que tudo tem fim)
poupa-me ver os que amo
morrerem antes de mim.
*
Seu olhar curioso brilha,
quer ser moça a pequenina.
Se soubesses, minha filha,
como é linda ser menina!
*
Sorria na mocidade!
De risos faça um buquê.
breve virá a saudade
para chorar com você.
*
Vejo Deus na pura lida,
na humildade do caminho;
nas coisas simples da vida,
na Mãe que embala o filhinho!
*
Velhice ! Final de festa,
quando um triste violão
tange em surdina a seresta
nas cordas da solidão!

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

sábado, 6 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (O Bom Humor nas Trovas)


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!

A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua… mas, da amiga!

A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.

À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser “lelé da cuca”.

“Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela”
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).

Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa – que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.

Casa a Maria do Céu…
e que grande trapalhada…
porque segurando o véu
segue toda a filharada!

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
chora por não ter marido
e quando tem… também chora!

Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!

Diz a mulher ao marido
(velho, bem intencionado)
“daqui a meses, querido
vai nasceu teu enteado”.

Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.

É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca:
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca…

Falam tanto mal de sogra,
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.

Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho?
“honi soit qui mal y pense”! *

Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça.
Mas é só cão perdigueiro:
corre atrás, não come a caça.

Mesmo que ele seja “um pão”
quando se torna marido,
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.

“Não tem profundeza a trova”
disse alguém – profunda asneira!
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!

No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
“ Favor não trazer coroa,
só ramos cheios de brotos”.

Nua, a Godiva, coitada!
Causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa “suspense” algum.

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela pra trabalhar!

O homem pensa, sofisma,
cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?

Paquerador o Andrada
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.

Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
“ Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha”.

Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali…
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.

Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.

– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou;
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.

Tanta pílula espalhada…
tanta gente sem-vergonha…
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.

Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
“ Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era “lisa a mona”.
_________________________
Nota:
* Honi soit qui mal y pense é uma expressão em francês que significa Envergonhe-se quem nisto vê malícia, muito usada em meios cultos. Também é o lema da Ordem da Jarreteira, comenda britânica criada pelo rei Eduardo III de Inglaterra, no tempo das Cruzadas. E um dos lemas do Reino Unido, estando estampado em sua bandeira.

Diz a lenda que, em 1347, durante um baile, a Condessa de Salisbury, amante do mesmo Eduardo III, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos (cúmplice) dos nobres. O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense! Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Maldito seja quem pense mal disto! Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).

No dia seguinte cria a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra. (wikipedia)

__________________________
Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 7


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!
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A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.
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À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser "lelé da cuca".
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"Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela"
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).
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Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa –  que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.
= = = = = = = = = = =

Casa a Maria do Céu...
e que grande trapalhada
porque segurando o véu
segue toda a filharada!
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Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.
= = = = = = = = = = =

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
– chora por não ter marido
e quando tem... também chora!
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Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!
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Diz a mulher ao marido
(velho bem intencionado)
"daqui a meses, querido,
vai nascer teu enteado".
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Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.
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É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca;
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca...
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Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho,
"honni soit qui mal y pense"!
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Esta expressão francesa significa: «Maldito seja quem pensa mal a esse respeito!»
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Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça,
mas é só cão perdigueiro;
corre atrás, não come a caça.
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Mesmo que ele seja "um pão"
quando se torna marido
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!
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"Não tem profundeza a trova"
disse alguém - profunda asneira.
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!
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No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
"Favor não trazer coroa,
só ramos cheio de brotos"
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Nua, a Godiva, coitada!
causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa "suspense" algum.
= = = = = = = = = = =

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela vai pra trabalhar !
= = = = = = = = = = =

O homem pensa, sofisma.
Cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?
= = = = = = = = = = =

Paquerador o Andrada,
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.
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Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
"Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha".
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Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali...
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.
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Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.
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– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou.
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.
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Tanta "pílula" espalhada...
tanta gente sem-vergonha...
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.
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Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?
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Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
"Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era "lisa a mona".

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 6

 


A ignorância é um profundo
flagelo que o mundo vê.
Livros, livros, pede o mundo.
Feliz o homem que lê!
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Amor! Palavra eloquente
que hoje soa e persiste
na boca de tanta gente
que nem sabe se ele existe!
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A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua... mas, da amiga.
= = = = = = = = = = =

Andei cega nos caminhos
de perdidos ideais.
Cantei como os passarinhos
que cegos — cantam demais!
= = = = = = = = = = =

É quando a angústia me enlaça
numa dor que nada explica,
que sinto a vida que passa,
e vejo a noite que fica.
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Eu não te amo, coqueiro!
Nem o mar nada me diz.
Vivo à sombra do pinheiro:
sou serrana e sou feliz!
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Eu quero viver contente...
pinheiros em meu caminho...
E na morte, suavemente
dormir num caixão de pinho.
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"Eu vi minha Mãe rezando"
é a trova que mais encanta.
Quer sorrindo, quer chorando,
toda Mãe é sempre santa!
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Falam tanto mal de sogra
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.
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Foi à sombra de um pinheiro
naquela tarde feliz,
que li teu verso primeiro,
e leste as trovas que fiz!
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Meu amor por ti não arde
nas falsas chamas do amor,
É como a brisa da tarde
depois de um grande calor.
= = = = = = = = = = =

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.
= = = = = = = = = = =

Monstro sagrado, jucundo,
por quem o mundo suspira:
Seu nome é "glória do mundo"
seu apelido é; mentira !
= = = = = = = = = = =

Na aridez do teu caminho
por mais íngreme e adverso,
trilhas sempre um pedacinho
da grandeza do universo.
= = = = = = = = = = =

Na existência transitória
entre doçura e amargor,
a vida é um ato de glória,
viver é um ato de Amor!
= = = = = = = = = = =

Na humildade de uma vida
sem resquício algum de glória,
talvez esteja escondida
a mais sublime vitória.
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Não compre a glória que passa,
nem dê riqueza ao ladrão.
Leia livros e, de graça,
terá a glória em sua mão!
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Não sei de quadro mais lindo
que mais desperte emoção,
que uma criança sorrindo
c' um livro aberto na mão.
= = = = = = = = = = =

Na paisagem sempre nova
de magia e de beleza,
cada pinheiro é uma trova
no Livro da Natureza.
= = = = = = = = = = =

Nunca procures a calma
em algo longe de ti;
busca-a, antes, em tua alma.
Ela deve estar ali...
= = = = = = = = = = =

Os desencontros da vida...
os sofrimentos, o adeus,
às vezes são a partida
de nosso encontro com Deus!
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Pinheiro que cedo eu vi
no doce embalo da infância,
jamais entre mim e ti
a vida ponha distância.
= = = = = = = = = = =

Quem não viu o sol surgindo
entre os pinheiros na serra,
não viu o quadro mais lindo
que a mão de Deus pôs na terra.
= = = = = = = = = = =

Se a vida a gente levasse
em prolongado prazer,
talvez o homem inventasse
um modo para sofrer...

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. 
Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

sábado, 7 de maio de 2022

Filemon Martins (Escadas de Trovas) II

FELICIDADE


NO TOPO:
"Felicidade não é
Despejada como o vinho,
Vem de dentro, como a fé,
Pondo flores no caminho..."

Carlos Ribeiro Rocha
Ipupiara/BA, 1923 – 2011, Salvador/BA


SUBINDO:

"Pondo flores no caminho"
o Amor presente se faz
e mesmo estando sozinho
planta a semente da Paz.

"Vem de dentro, como a fé"

em silêncio, ela aparece,
é preciso estar de pé
que a bondade vem, floresce.

"Despejada como o vinho"
a Verdade humildemente
traz a Luz e de mansinho
ilumina a nossa mente.

"Felicidade não é"
impossível a ninguém,
é tão simples, pode até
ser a prática do Bem.
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MÃE    

NO TOPO:
Minha mãe - como eu quisera
do meu amor dar-te prova,
e o meu carinho - pudera
enviar-te numa Trova.
Filemon F. Martins
São Paulo/SP


SUBINDO:

Enviar-te numa Trova
toda esta minha paixão,
pois meu amor se renova
quando beijo tua mão.

E o meu carinho - pudera
dar-te sempre de presente,
qual eterna primavera
que faz a vida contente.

Do meu amor dar-te prova
nesta profunda saudade,
pois hoje na vida nova
já tens luz, felicidade!

Minha mãe - como eu quisera
falar-te do meu amor
Tua ausência é longa espera
que aumenta mais minha dor
= = = = = = = = = = = = =

SAUDADE

NO TOPO:
A distância é que nos mata
porque vem logo a saudade;
saudade - presença ingrata
de antiga felicidade.

Filemon F. Martins
São Paulo/SP


SUBINDO:
De antiga felicidade

que o tempo tentou levar,
meu coração tem vontade
de outra vez recomeçar.
    
Saudade - presença ingrata
que no coração perdura,
minha imagem não retrata
0 meu viver de amargura.

Porque vem logo a saudade
morar em meu peito agora?
Antes que tudo se acabe
quero ver a luz da aurora.

A distância é que nos mata
e o castigo tem sabor:
- quanto mais forte a chibata,
mais aumenta o nosso amor.
= = = = = = = = = = = = =

SERTÃO

NO TOPO:
"No Sertão é tanta paz
Que eu chego a ouvir, da soleira,
O esforço que o vento faz
Tentando abrira porteira".

José Ouverney
Pindamonhangaba/SP

SUBINDO:

"Tentando abrir a porteira"
que prende meus velhos sonhos,
ouço a saudade matreira
falando em dias risonhos.

"O esforço que o vento faz"
farfalhando no telhado
dá-me a sensação de paz
que ficou !á no passado.

"Que eu chego a ouvir, da soleira,"
uma canção de ternura
que a brisa sopra, ligeira,
tangendo a doce ventura,

"No Sertão é tanta paz"
e a vida para, intrigante,
que o coração é capaz
de sorrir, mesmo distante.
= = = = = = = = = = = = =

SONHO

NO TOPO:
"Naquele dia, tristonho,
Pousaste os olhos nos meus:
- Vivi na tarde do sonho,
Morri na noite do adeus!"

Maria Thereza Cavalheiro
São Paulo/SP , 1929 – 2018

SUBINDO:

"Morri na noite do adeus"
quando de casa, saíste,
meu sofrimento só Deus
sabe que ainda persiste.

"Vivi na tarde do sonho"
quando entraste em minha vida,
tornei-me um homem risonho,
mas, chorei na despedida.

"Pousaste os olhos nos meus"
dando-me luz e esperança,
quase fui um semideus
e sorri como criança.

"Naquele dia, tristonho"
como doeu, ao saber,
que foste embora, suponho,
por deixar de me querer.

Fonte:
Filemon F. Martins. Sonetos & Trovas. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2014. 
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Moreira Cardoso (Caderno de Trovas)



Contemplando as suas águas
a saudade vem-me então,
Capibaribe de mágoas
dentro do meu coração.
= = = = = = = = = = =

De tanto amar-te, Maria,
já não comporto este amor.
Tão grande é minha alegria
que eu invejo os que têm dor!...
= = = = = = = = = = =

De verme tu me chamaste
por eu ter-te contemplado.
Tu mesma me desculpaste,
inda te fico obrigado...

E ante o insulto fico inerte,
pois se olhei-te, assim de rastros,
é que o verme pra ser verme
precisa olhar para os astros.
= = = = = = = = = = =

Do amor a fera agonia
obriga a quem tem amor,
a ver na dor - alegria -
e a ver n'alegria dor.
= = = = = = = = = = =

Do que amantes hão contado
não se duvides porque
olhares de namorado
veem coisas que ninguém vê.
= = = = = = = = = = =

Lua, pandeiro de prata,
gemendo às mãos do infinito,
seja, ao fim da serenata,
pra ti meu último grito.
= = = = = = = = = = =

Maria, foge aos luares,
que em noites de lua cheia,
desata a lua os pesares
quando no espaço passeia.
= = = = = = = = = = =

Não sei, tão grande parece
a tristeza que padeço,
se a tristeza me entristece
ou se à tristeza entristeço! ...
= = = = = = = = = = =

Não tendo sal, a comida
não presta a qualquer pessoa;
precisa ter sal a vida,
pra que a vida seja boa.
= = = = = = = = = = =

No coração, disse um santo,
origens a mágoa tem.
Se vem da mágoa o teu pranto,
tua mágoa donde vem?
= = = = = = = = = = =

O céu é fita azulada;
e a lua, que em cismas fito,
é medalha pendurada
no pescoço do infinito.
= = = = = = = = = = =

O pesar tem tal voragem
que o prazer não tem valor,
não sendo mais que a passagem
de uma dor para outra dor.
= = = = = = = = = = =

O rio Capibaribe,
que é rio do meu país,
quando aos luares se exibe
sempre me faz infeliz.
= = = = = = = = = = =

Os corações namorados
devem a lua evitar:
são tanto mais desgraçados
quando mais lindo o luar!
= = = = = = = = = = =

Por mais que tentes, senhora,
tirar-me sempre a esperança,
mais a paixão me devora
e mais tormentos me lança.

Pois este amor que me inspira
é cova, mal comparando,
que tanto mais se lhe tira
tanto maior vai ficando.
= = = = = = = = = = =

Pra minha tristeza crua,
busco amparo em que me açoite,
tomando banhos de lua
dentro do tanque da noite.
= = = = = = = = = = =

Quando tu choras, me espanto
e os meus olhos se enchem d'água!
Vem a magoa de teu pranto,
não vem teu pranto da mágoa.
= = = = = = = = = = =

Que calor em teus olhares!...
Em teus lábios, que vulcão!...
Porém, para meus pesares,
que gelo em teu coração!...
= = = = = = = = = = =

Quem espera não é santo,
pois eu tanto te esperei
que assim, de esperar-te tanto,
desesperado fiquei.
= = = = = = = = = = =

Que no amor tudo se negue
pois se uma alma amorosa
pode ver a dor, alegre,
e a ventura, dolorosa.
= = = = = = = = = = =

Se o nosso pranto é salgado,
nosso pranto não faz mal,
quem nunca tiver chorado
não presta, pois não tem sal.
= = = = = = = = = = =

Tenho sofrido bastante...
Porém, quando penso em ti,
da dor me vejo distante.
Nem me lembro que sofri.

Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...