Postagens por Marcador

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Rita Mourão (Trovas Premiadas) II


Não temo o mar que me nega
ser mais branda a travessia.
Temo sim, a mente cega
que me bloqueia a ousadia!
- - - - - -
Não temo quedas, barreiras,
por mais que a tristeza insista.
Águas que são cachoeiras
não tem lodo que resista!
- - - - - -
Nas serestas da lembrança
onde o orvalho enfeita a tela,
a minha ilusão te alcança,
mas a razão diz:- Cautela!!!
- - - - - -
Nesta espera em que me farto
só dispenso a nostalgia
é quando a porta do quarto
tua chegada anuncia!
- - - - - -
Neste teatro que há em mim,
do meu papel não lamento.
Sem saber qual é meu fim
enceno o final que invento.
- - - - - -
No espaço, brilhando inquieta,
Cadente estrela me induz
a pensar que algum poeta
faz no céu versos de luz.
- - - - - -
No lar que me fez honrado
ante os conceitos de espaço,
o respeito era sagrado
mesmo que o pão fosse escasso.
- - - - - -
Nos meus embates medonhos
sempre enfrento os desafios,
quando a vida tece sonhos
e o tempo desfaz os fios.
- - - - - -
Nossas almas parecidas,
nossos sonhos se irmanando,
eu e tu, vidas vividas,
tarde demais se encontrando.
- - - - - -
Num cenário à luz de vela,
papai repassando a lida
deixou-me a lição mais bela
encenando a própria vida.
- - - - - -
Num jogo da fantasia
entre a loucura e a razão,
vislumbro na cama fria
teu corpo que busco, em vão.
- - - - - -
Os meus desejos de agora,
juntei-os, pus no correio:
(destino, Natais de outrora),
mas a resposta não veio
- - - - - -
O trovador finge tanto
que ao cantar a própria dor,
finge que a dor no entanto
é de um outro trovador.
- - - - - -
Ousar não é ser valente
ao buscar gloria e poder.
Ousadia é quando a gente
humaniza o nosso ser!
- - - - - -
Para ter felicidade,
ao buscá-la eu pressuponho,
que seja qual for a idade
felicidade é ter sonho.
- - - - - -
Por mais que o orgulho insista
peço a Deus a quem me entrego
que nas horas da conquista
eu saiba despir meu ego.
- - - - - -
Por medo meu coração
fechou-se e ainda pôs trave,
mas agora outra paixão
bate à porta e quer a chave.
- - - - - -
Quando a lua me abre as frestas
das lembranças que são tuas,
eu choro as velhas serestas
feitas à luz de outras luas!
- - - - - -
Quando deixei minha terra,
jurei e cumpri a jura,
que venceria esta guerra
entre o sertão e a cultura!
- - - - - -
Quando uma ofensa me oprime
em silêncio enfrento tudo.
Qualquer grito se redime
ante meu protesto mudo.
- - - - - -
Queres chamar-me de amigo,
mas teu olhar traidor
é a frase que eu mais bendigo
das frases mudas do amor
- - - - - -
Resisto, mas me afrouxando,
revogo a minha sentença.
Quem ama mesmo sangrando
perdoa e renova a crença.
- - - - - -
Retida além do horizonte
onde a razão se esvazia,
dos sonhos ergo uma ponte
e prossigo a travessia.
- - - - - -
Roxa ou preta quando antiga,
mas rubra se a dor maltrata.
Por isso na há quem diga
da saudade a cor exata.
- - - - - -
Se a porta é larga, desvio,
sem luta não tem vitória.
Porta estreita é o desafio
de quem vence e faz história!
- - - - - -
Sem ter fortuna aparente,
sob a luz de um lampião
fui bem mais rica e mais gente
naquela casa de chão.
- - - - - -
Se o homem abaixasse a fronte
com fé, respeito, humildade,
seria a Terra uma ponte
entre Deus e a humanidade.
- - - - - -
Seria a paz mais presente
e o porvir menos incerto,
se nas mãos do adolescente
sempre houvesse um livro aberto.
- - - - - -
Ser mãe é perpetuar
a vida em seu seguimento
conjugando o verbo AMAR
seja qual for o momento.
- - - - - -
Sozinha, num desvario,
sem concretude, meus braços,
traçam, sobre um leito frio
o perfil dos teus abraços.
- - - - - -
Tiro a máscara e ouço aflita,
de um mar de farsas sem fim,
meu outro eu que ainda grita
por vida dentro de mim.
- - - - - -
Trazendo o filho nos braços,
ante a dor ou alegria
toda mãe possui os traços
da Virgem Santa Maria!
- - - - - -
Velha casa, sonho alado
que a saudade hoje remonta
para mostrar meu passado
brincando de faz de conta.

Fonte:
Site de Rita Mourão
https://versosderita.weebly.com/trovas-premiadas.html

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Rita Mourão (Trovas Premiadas) I


Abro a porta do passado
e vejo em pleno apogeu,
um rosto alegre, animado,
teimando que o rosto é o meu.
- - - - - -
Abro a porta e a janela
do meu coração em festa
quando a manhã tagarela
põe voz na densa floresta
- - - - - -
Abro a porta, enxugo o pranto
e fico a esperar teus braços,
mas para o meu desencanto
os passos não são teus passos.
- - - - - -
Amanhece, o dia é lindo,
e o passaredo contente
faz festa ao sol, que sorrindo.
lá do céu contempla gente.
- - - - - -
A mulher que é mãe me encanta,
no lar, seja aonde for.
Pois sendo mãe ela é santa
sendo mulher é o AMOR.
- - - - - -
Ante a bandeira hasteada
revendo as lutas, conceitos,
o pobre sem pão, sem nada
pede à pátria os seus direitos.
- - - - - -
Buscando nosso poente,
vamos nós dois bem juntinhos
sem deixar que envolva a gente
a solidão dos caminhos.
- - - - - -
Busquei-O além do horizonte,
nas águas do mar sem fim,
mas curvando a minha fronte
senti Deus dentro de mim.
- - - - - -
Com as chaves da alvorada,
Deus que é poder e magia,
deixa a noite enclausurada
e abre as portas para o dia.
- - - - - -
Com ousadia me olhaste,
ousada eu correspondi.
Com loucura me abraçaste
e o resto eu juro, nem vi!
- - - - - -
Desbravando o chão mineiro,
com brio, amor e esperança,
de um pai humilde e guerreiro
me veio a maior herança!
 - - - - - -
Deus ao criar as estrelas
zeloso cumpriu a meta,
mas para alguém descrevê-las
criou também o poeta.
- - - - - -
Escrevo, mas sou discreta,
me anulo, libero a mente
e deixo solto o poeta
que só fala o que ele sente.
- - - - - -
Este meu andar sisudo,
que modela a caminhada
já retrata quase tudo
que a vida transforma em nada!
- - - - - -
Eu juro, mas com loucura,
minha emoção num relance,
abre a porta, quebra a jura
e a ti concede outra chance.
- - - - - -
É um velho lar meu legado
onde o amor gerou bonança
e pôs um filho ao meu lado
multiplicando essa herança.
- - - - - -
Faça do livro, criança,
a rota dos sonhadores.
O livro é o barco que alcança
o porto dos vencedores.
- - - - - -
Felicidade, abre a porta
vem logo ressuscitar
minha esperança já morta
cansada de te esperar.
- - - - - -
Fortuna, uma velha aldeia
onde a minha mãe querida
sob a luz de uma candeia
me dava lições de vida.
- - - - - -
Fui juiz de alheios fatos
hoje a vida com razão
me faz réu dos mesmos atos
que aos outros neguei perdão.
- - - - - -
Julguei sem pensar que um dia
os anos réu me fizessem,
sem defesa à revelia,
nos bancos dos que envelhecem.
- - - - - -
Levada por fantasia
de um desejo inconsciente,
eu beijo na cama fria
as formas de um corpo ausente.
- - - - - -
Meu pai foi um homem pobre,
mas dentro do lar garanto
que na vida nenhum nobre
pela família fez tanto.
- - - - - -
Meus retalhos de esperança,
juntei-os, pus no correio.
( Destino, velha criança,)
mas a resposta não veio.
- - - - - -
Mineira com mil louvores,
Paulista por adoção,
dois estados, dois amores,
dividindo um coração.
- - - - - -
Minha casa é pequenina,
com janelas sem vidraça,
mas tem a luz genuína
que do céu me vem de graça.
- - - - - -
Minha saudade é concreta,
tem nome, tem residência,
foi luz que me fez poeta
mas hoje se faz ausência.
- - - - - -
Minha saudade em vigília
revive os velhos Natais,
das orações em família
que os anos não trazem mais.
- - - - - -
Na humilde escola do lar,
de um saber santo e prudente,
com lições do verbo amar
meu pai me fez ser mais gente.
- - - - - -
Na minha fé hoje intensa
repasso o tempo que avança.
Foi recompondo essa crença
que ainda tenho esperança.
- - - - - -
Não condeno a caminhada
culpo sim, meus passos falhos.
Foi bem larga a minha estrada
fui eu quem buscou atalhos.
- - - - - -
Não diga adeus por favor,
me deixa assim , iludida.
Quero pensar que este amor
não tem porta de saída.
- - - - - -
Não lamento o meu outrora,
nem choro uma dor vivida,
lamento sim, a demora
em pôr Deus em minha vida.
- - - - - -
Não lamento o meu passado,
nem mesmo o tempo me ofende.
Viver é um aprendizado
quem mais vive mais aprende.
- - - - - -
Não me curvo ante o fracasso
nem lamento as busca mortas,
na coragem dos meus passos
trago as chaves de outras portas
- - - - - -
Fonte:
Site de Rita Mourão
https://versosderita.weebly.com/trovas-premiadas.html

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Antônio Sales (Paracuru/CE, 1868 - 1940, Fortaleza/CE)

- A certa moça, na rua
bradei com sinceridade:
- Vossa Excelência é a Verdade!
- Por quê? - Porque está tão nua!
- - - - - –

- A fealdade é um direito;
por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito...
Perdão: a senhora abusa!
- - - - - –

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses... mulher de Adão.
- - - - - –

— As cobras que tem no anel,
certo médico alopata,
são, de certo, cascavel:
onde ele põe a mão, mata!
- - - - - –

(A um juiz) 
- A tua venalidade
não tem, neste mundo, a gêmea,
foi uma felicidade
não teres nascido fêmea...
- - - - - –

- E difícil que aconteça
dor de cabeça ela ter:
pode a dor aparecer,   
mas não encontra cabeça...
- - - - - –

— Em certo escritor satírico,
de uma irreverência atroz,
nós achamos muito espírito...
quando não fala de nós.
- - - - - –

- Em tua genealogia
Fidalgo, vais longe... Até
que hás de chegar, algum dia,
ao Congo, Angola ou Guiné...
- - - - - –

Eu conheço um plumitivo*,
cheio de vaidade imensa,
que anda sempre pensativo
e apenas pensa que pensa.
- - - - - –

- "Não gosto de ouvir tolices!" -
exclamas, estomagado;
Para que não as ouvisses,
devias ficar calado.
- - - - - –

- Para que não te despraza**
ver gente má pela frente,
precisas primeiramente
não ter espelhos em casa...
- - - - - –

— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- "Mas que animal elegante!"
- - - - - –

- Vi um médico fardado...
Que perfeito matador:
quem escape do soldado,
não escapa do doutor...

________________________________
Notas:
Despraza – do verbo desprazer.
** Plumitivo – escritor ou jornalista sem méritos.


Fonte:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Alberto Isaías Ramires (Vila Velha/ES, 1924 - 2004, Rio de Janeiro/RJ)


A trova boa e perfeita
tem, na sua formação,
um pouco de pensamento,
um pouco de coração.
- - - - - –

Da vida, pelos caminhos,
uma coisa aprendi bem:
a roseira dá espinhos,
mas nos dá rosas, também…
- - - - - –

Falar mal da vida alheia
é coisa que não convém;
quem tem telhado de vidro
não fustiga o de ninguém…
- - - - - –

Juraste que eternamente
minha, só minha, serias.
Mas o teu "eternamente"
não foi além de dois dias...
- - - - - –

Lá se foi a meninice,
meu barquinho do papel,
minha ingênua peraltice,
meu doce Papai Noel...
- - - - - –

Não entendes meu desgosto,
mas aprende esta lição:
nem sempre pomos no rosto
as mágoas do coração.
- - - - - –

Num mundo triste e sisudo,
cheio de ódio e ambição,
do trabalho fiz escudo
e, da honradez, religião!
- - - - - –

O amor começa, meu bem,
num sorriso ou num olhar;
mas, por capricho, também,
assim pode terminar…
- - - - - –

Passam dias, meses, anos...
Quem na vida, nada alcança
deve sempre aos desenganos
antepor uma esperança.
- - - - - –

Por nascer pobre, o Divino
num gesto compensador,
despertou, em meu destino,
a lira de trovador…
- - - - - –

Quando eu morrer, por favor
coloquem na minha cova
um epitáfio de amor
escrito em forma de trova!
- - - - - –

Saudade - um berço vazio,
uma lágrima, uma dor;
coração sentindo frio
longe da chama do amor…
- - - - - –

Semeia por onde fores,
bondade, amor e carinho;
e transformarás em flores
as pedras do teu caminho.
- - - - - –

Sobre o Amor já se tem dito
muita coisa de valor;
mas bem poucos, acredito,
sabem mesmo o que é o Amor!
- - - - - –

Via-a rezando, contrita,
com os olhos fitos no céu.
Quanto pecado escondido
debaixo de um fino véu!...
- - - - - –

Vitória - Ilha do mel
que nos deslumbra e extasia.
Um pedacinho de céu
que é sonho, amor e poesia...

terça-feira, 12 de maio de 2020

Amaryllis Schloenbach


A lua fulge tristonha,
sozinha no céu imenso;
Minha alma na noite sonha
enquanto em teus olhos penso.
- - - - - –

— Coração, bates ligeiro,
até mudas de compasso,
se recordo o amor primeiro
ou se perto dele passo!
- - - - - –

— Coração, fonte de amor,
mostras a cada segundo
que em toda ilusão há dor,
nos destinos deste mundo!
- - - - - –

Espumas, ondas bravias,
soluça o oceano em revolta;
como ele sou (não sabias?)
quando aguardo tua volta.
- - - - - –

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada...
Responde, na voz do vento,
somente o eco, mais nada!
- - - - - –

Este amor que eu acalento,
pelo qual estou perdida,
é meu canto e meu lamento,
minha morte e minha vida!
- - - - - –

Foste embora, certo dia;
fiquei magoada, a chorar...
Hoje sinto — quem diria? —
que foi sorte e não azar!
- - - - - -

Invejo a rosa tão linda,
que, sem ligar para a sorte,
a vida perfuma ainda,
altiva, à espera da morte!
- - - - - –

Já não posso refrear
esta paixão violenta,
que ruge mais do que o mar,
presa de rude tormenta!
- - - - - –

Morre a noite de repente.
Seu sangue cobre a amplidão,
e a aurora, triste e silente,
se ajoelha em oração.
- - - - - –

O fio do pensamento
vai tão longe e até parece
que, impelido pelo vento,
quer prender quem já me esquece!
- - - - - –

O orvalho, do céu liberto,
de uma flor se fez amante,
e em seu regaço entreaberto
pôs um límpido brilhante!
- - - - - –

Procura esquecer teu pranto
secando o pranto de alguém;
assim verás mais encanto
no encanto que a vida tem!
- - - - - –

Quando, no ocaso da vida,
um amor nos surpreende,
a existência agradecida
em nova chama se acende!
- - - - - –

Quero da rosa a existência,
sua beleza e frescor:
veludo toda, e essência,
para a colheita do amor.
- - - - - –

Relembro as tardes da infância,
olho a praia, escuto o vento...
Fica mais perto a distância
nas asas do pensamento...
- - - - - –

Se queres colher a paz,
não procures tão a esmo;
só pode tê-la quem traz
a paz dentro de si mesmo!
- - - - - –

Solitário, junto à margem
chora, saudoso, o salgueiro:
parecem vir da ramagem
as águas do rio inteiro!
- - - - - –

Sonho, palavra pequena,
porém, de grande valor:
faz a vida mais amena
e muito mais belo o amor!
- - - - - –

Um breve sonho de amor
— depois, ventura perdida —
é aquele doce amargor
em que se resume a vida.
- - - - - –

Viver num corpo sem alma
— eis o meu drama, porque
perdi minha paz e a calma
depois que perdi você.

Fontes:
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
– Revistas Virtual de Trovas “Trovia”
- Boletim da UBT Seção São Paulo
– A Trovadora

domingo, 10 de maio de 2020

Casimiro de Abreu (1839 - 1860)

Barra de São João, hoje Casimiro de Abreu

A borboleta travessa
vive de sol e de flores...
— Eu quero o sol de teus olhos,
o néctar dos teus amores!
- - - - - –

A vida é triste — quem nega?
— Nem vale a pena dizê-lo.
Deus a parte entre seus dedos
qual um fio de cabelo!
- - - - - –

Como a ave dos palmares,
fugindo do caçador,
eu vivo longe do ninho,
sem carinho e sem amor!
- - - - - –

Conchinha das lisas praias,
nasceste em alvas areias;
não corras tu para os charcos,
arrebatada nas cheias...
- - - - - –

Nas horas mortas da noite,
como é doce o meditar,
quando as estrelas cintilam
nas ondas quietas do mar!
- - - - - –

Ri, criança, a vida é curta,
o sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
mostra a cova ao viandante.
- - - - - –

Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!
- - - - - –

Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha;
nas débeis cordas da lira
hei de faze-la rainha.
- - - - - –

Tudo se gasta e se afeia,
tudo desmaia e se apaga,
como um nome sobre a areia,
quando cresce e corre a vaga.
- - - - - –

Um anjo veio e deu vida
ao peito de amores nu:
Minha alma agora remida,
adora o anjo — que és tu!


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Augusto Vasconcelos Rubião (1905 - ????)


— Bom dia, Dona Alegria,
com tanta pressa, onde vais?!
— Vou plantar uma saudade
onde o Amor não volta mais!
- - - - - –

Casar é um verbo difícil
de conjugar de mãos dadas.
Às vezes, noivos ditosos,
no lar, são almas penadas.
- - - - - –

Dizem que existe feitiço
que nos deixa atormentado.
Hoje estou acreditando:
por ti ando enfeitiçado...
- - - - - –

Meu coração é relógio,
que vive sempre a bater.
Na dor está atrasado,
mas adianta no prazer.
- - - - - –

Minha terra tem mulatas
e broinhas de fubá.
Recordando os meus amores,
mais prazer encontro eu lá…
- - - - - –

Nossa casa é pequenina,
mas tem a graça de Deus.
De dia o sol a ilumina,
e de noite — os olhos teus.
- - - - - –

O meu peito é um país;
capital — o coração!
É Maria a imperatriz,
para dar-lhe a direção,
- - - - - -

Os teus seios são dois ninhos,
tão brancos como algodão;
neles vivem dois pombinhos,
em busca de um coração.
- - - - - –

Quando chegaste na igreja,
rezei a Salve-Rainha;
com as contas dos teus olhos,
cantei uma ladainha...
- - - - - –

Se a vista tivesse dente,
este mundo estava preto:
teu belo corpo seria
um descarnado esqueleto...


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Célia Cerqueira Cavalcanti (1910 - 2003)


A amizade verdadeira,
tem nobreza e galhardia,
pois sabe ser companheira
na tristeza e na alegria.
- - - - - –

A dor, ajuda e consola,
ao pobre dá tua mão,
que bondade é quando a esmola
nos provém do coração.
- - - - - –

Bandeira de minha terra,
tu retratas o Brasil,
a grandeza que se encerra
sob a luz de estrelas mil...
- - - - - –

Da terra à lua, a distância,
pelo astronauta vencida,
que nunca sirva à ganância,
nem à guerra fratricida...
- - - - - –

Ensinemos à criança
o verdadeiro civismo:
nunca lutar por vingança,
ser leal, ter patriotismo.
- - - - - –

Era a lua, antigamente,
fonte só de inspiração...
Hoje, o astronauta, inclemente,
diz que é pedra e solidão…
- - - - - –

Era de paz, tão-somente,
o mundo que Deus criou...
a humanidade, inclemente,
logo a maldade inventou.
- - - - - –

Gosto da trova, é singela
tradução do pensamento;
é pequenina aquarela
retratando um sentimento.
- - - - - -

Humilde seja o trabalho,
mas honesto, que o valor
não vem da forja ou do malho,
mas da alma do lutador…
- - - - - –

Jamais haveria guerra,
se um dia a fraternidade
unisse os povos da terra
na fé, no amor, na bondade.
- - - - - –

Não sei se tenho razão
de ter ciúmes de ti;
confiar desconfiando...
foi contigo que aprendi.
- - - - - –

Na vida, grande tormento,
por vezes terrível mar,
nau perdida é o pensamento
que não sabe onde aportar...
- - - - - –

Nossa infância é madrugada,
juventude é meio-dia;
a velhice, um quase nada
para o fim da nostalgia...
- - - - - –

O lar que tive em criança,
era um farol entre escolhos...
Berço de vida e esperança,
luz que refulge em meus olhos.
- - - - - –

Quando o amor é de verdade,
e puro, sem preconceito,
faz parecer qualidade
até mesmo o que é defeito.
- - - - - –

Que não seja a tua esmola,
vazia de coração.
– A esperança mais consola
do que um pedaço de pão…
- - - - - –

Saudade, tu representas
como se fosses atriz,
repetindo toda a história
do nosso tempo feliz.
- - - - - –

Seja de rico ou de pobre,
a honra é glória, é candor
que do plebeu faz um nobre,
e ao nobre dá mais valor.
- - - - - –

Senhor Deus, tornai unidas
as nações, todos irmãos;
as crianças protegidas,
o trabalho unindo as mãos!...
- - - - - –

Ser avó é, novamente,
ser mãe feliz; é viver,
na ternura do presente,
o passado... é renascer...
- - - - - –

Tão pequenino e, no entanto,
traduz o amor mais profundo!
Que nome existe, mais santo,
do que o teu, mãe, neste mundo?
- - - - - –

Vale mais a lealdade
de calar, tendo razão,
do que triste falsidade
de fingida opinião…
- - - - - –

Vida sem fé não é vida,
é somente escravidão,
é matéria consumida
em sete palmos de chão…
- - - - - –

Viver feliz não é ter
o mundo inteiro na mão;
felicidade é saber
amar, é ter coração.

Fonte:
Enviado por Alexandre Magno Oliveira de Andrade Reis

sábado, 4 de janeiro de 2020

Araceli Rodrigues Friedrich (1913 - 2016)


Abraça, menino, o estudo;
procura, encontra o saber:
– Que ele te sirva de escudo
na luta do bem viver.

A brisa leve me traz
um laivo de teu perfume;
mas esse fato é capaz
de acirrar o meu ciúme.

A chuva lenta que cai,
da nuvem que se desfaz,
a terra encharcando vai
e a seara se refaz.

A felicidade é um triz
que passa, assim, de repente
mas eu para ser feliz
empreendo uma luta ingente.

A goteira impertinente,
ao cair do meu telhado,
incomoda muita gente,
por deixar tudo molhado.

Amizade não se mede
pela distância, pois não!
Na verdade ela só pede,
morar no meu coração.

Ao compor a minha trova
terno desejo me invade,
querer dar-te minha prova
de uma sincera amizade.

Ao contemplar as estrelas
no firmamento de anil
não as encontro mais belas
que as do céu do meu Brasil.

Ao perceber o desprezo
estampado em teu olhar
meu coração, que está preso,
quero do peito arrancar.

Ao ver como é imponente
aquela árvore esguia
esqueço a humilde semente
que lhe deu a vida um dia.

Aquela grácil menina
que tanta beleza encerra,
possui origem divina:
– Foi Deus quem a pôs na terra.

Aquele que ama, perdoa,
eis uma grande lição,
veja quão doce é que soa;
– Sim, eu te perdoo, irmão!"

A saudade é sentimento,
amargoso como fel;
mas há sempre um bom momento,
em que é doce qual um mel.

Assim como é conhecida:
- Ser da instrução a mais pura,
Curitiba nesta lida,
é a "Capital da Cultura".

Às vezes, pensando eu fico
e este pensar me consome...
Como é que em país tão rico
existe quem passe fome?

Às vezes tenho vontade,
de voar pelo infinito:
- É quando sinto saudade
do teu rostinho bonito.

Atento e não mais duvido,
maior orgulho não há,
que ver meu nome incluído,
na UBT do Paraná!

A vida tenho levado,
em fazer umas poesias
que, mesmo com pé quebrado,
dão-me muitas alegrias.

Cismando eu te vi tão lindo,
rezando junto ao altar,
que tive desejo infindo
de correr pra te abraçar.

Coisas que faço e refaço
e, às vezes, digo, também,
não são causa de embaraço
mas a defesa de alguém.

Com a grande pretensão
de ser poeta algum dia
vivo de lápis na mão
tentando fazer poesia.

Com entonação discreta
e com letrinhas, só três,
assim inventou o poeta,
maior nome em português.

Deputado diz "fazido"?
Não me assusto, não senhor;
ele não deve ter tido
um sábio e bom professor.

É bem feliz quem na terra,
vive nas lides da paz,
esquivando-se da guerra,
é de amor tudo o que faz.

É mais difícil na vida,
você subir que descer,
mas não esqueça, querida,
a glória está no ascender.

Em lindas trovas singelas,
eu procurei me inspirar:
- Lendo-as tão simples e belas,
não consegui versejar,

Em vez da palavra guerra
que tanta desgraça traz
devia existir na terra
somente a palavra PAZ!

Enquanto orares não digas
simples palavras ao léu,
pois elas são inimigas
no caminho para o céu.

Eu busco a felicidade
por este mundo sem fim,
mas vejam quanta maldade
– Ela só foge de mim.

Eu gosto de ler quadrinhas,
as que eu fiz e as que não fiz,
pois mesmo as que não são minhas,
também me fazem feliz!

Eu juro! Digo a verdade,
não estou sendo revel...
falando: -"Felicidade"
sinto um gostinho de mel.

Eu perdi a liberdade,
de te adorar, ó querida,
no momento em que a saudade
acorrentou-me na vida.

Eu quero beijar, querida,
seus lábios cor de carmim,
para que, sempre na vida,
você só lembre de mim.

Hoje me punge a saudade
dos dias em Porto União:
ali deixei amizade...
sonho… ternura... ilusão...

Hoje, no romper da aurora,
fui meu relógio acertar;
prevendo ter, ó Senhora,
mais tempo pra Te adorar.

Menina, faça um versinho,
escrito com muita graça,
tendo no enredo o carinho
que muito feliz me faça.

O dia é pleno de sol
à noite a lua ilumina
e quando surge o arrebol
já penso em ti, ó menina!


Fonte:
Luiz Hélio Friedrich. Maurício Norberto Friedrich. Família Friedrich em Trovas. Curitiba/PR: Centro de Letras do Paraná, 2018.

Postagem por Aldhiyb Al' Abyad (Hyderabad/Índia) e José Feldman (Maringá/PR)

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...