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sexta-feira, 27 de junho de 2025

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1
Adoro a treva ao açoite
do vento que não tem dono:
Deus fez o escuro da noite
para a carícia do sono.
2
A dor que minha alma corta
de maneira aguda e infinda,
é ter-te à conta de morta
sabendo que és viva ainda.
3
Amor perfeito suponho
se houvesse seria assim:
ela dentro do meu sonho,
seu sonho dentro de mim.
4
Amor que passou – rosário
de saudade e de ilusão,
folhinha de calendário
que a gente atira no chão.
5
A trova é gemido brando,
breve cantiga inocente,
que dizemos suspirando,
pensando na amada ausente.
6
Dá de graça o que recebes
de graça se diz, em suma,
e o que te peço e me negas
não te custou coisa alguma. 
7
Da distância em que me vejo
quero ir pelos espaços
voando para o teu beijo,
fugindo para os teus braços
8
Da trova fiz o meu pão
minha cantiga inocente,
a voz do meu coração
e o sentir da minha gente.
9
De meus idílios, o fado
me traz em triste labor:
quanto mais sou desprezado
mais aumenta o meu amor.
10
De quem favores te pede
nunca procures fugir;
- só sabe a dor de quem pede
quem precisa e vai pedir.
11
Destaco a minha folhinha
quando o sol nascendo vem:
o calendário da vida
mais um dia a menos tem...
12
Deus pensou em nós. Primeiro
para esculpir nosso amor,
deu-me uma alma de troveiro
deu-te a ternura de uma flor.
13
Eu quando tiver certeza
que meu bem já não me quer,
irei matar a tristeza
nos braços de outra mulher.
14
Fui à missa e rezei muito,
depois de haver comungado,
deixei a igreja e encontrei-te:
nem Deus evita o pecado. 
15
Inda recordo, querida,
foi numa noite de lua,
te beijei e a minha vida
se misturou com a tua.
16
Inverno, a terra se veste
de flores em profusão,
somente a minha alma agreste
vive em eterno verão.
17
Meu coração, se a esperança
dentro dele se renova,
se alegra qual a criança
que veste uma roupa nova.
18
Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.
19
Mulheres que estão me olhando
pensando no mesmo assunto,
são como freiras rezando
na intenção de um só defunto.
20
Na minha cova - meu leito
eterno - por caridade
ninguém plante amor perfeito,
dou preferência à saudade.
21
Não sei de maior pecado:
não sou santo e, como tal,
vi meu retrato guardado
dentro do teu manual.
22
Nem sempre a face do espelho
mostra exato as dimensões,
há quem dê o bom conselho
com segundas intenções.
23
Nosso amor, que se renova,
aumenta em tal proporção
que não cabe numa trova
nem dentro do coração.
24
No teu jardim, entre flores,
feliz estou ao teu lado
meu calendário de dores
hoje marcou feriado.
25
Nunca me chames de ingrato
porque com outra casei:
podia eu, metal barato,
dar liga a ouro de lei?
26
Parece uma coisa louca:
para aumentar meu desejo
eu vejo que tua boca
Deus fez em forma de beijo.
27
Penso em ti de olhos fechados
e o pensamento aprofundo:
ah! se estivesse ao teu lado 
para glória do meu mundo!
28
Prometo dar-te um milhão
de beijos, se me disseres
quem tem o meu coração
que perdi entre as mulheres.
29
Quando os raios prateados
do luar beijam a noite,
pede a saudade pernoite
nos corações namorados.
30
Quem tiver a alma doente
não fuja deste caminho:
recorde a mulher ausente
faça trova e tome vinho.
31
Rico de amor como eu
não há quem possa igualar,
e o muito que Deus me deu
é pouco para te dar.
32
Saudade – alívio das dores
e dentro da alma se estampa
qual um canteiro de flores
plantado sobre uma campa.
33
Sobre minha enfermidade
disse o doutor, com razão;
é o germe de uma saudade
destruindo o coração.
34
Teu olhar sereno e terno
sobre os meus olhos pousou,
qual chuva de fim de inverno
num campo que já secou!
35
Vendo-te assim tão formosa,
de porte esbelto e sereno
para intrigar uma rosa
chamei-te cravo moreno.
36 
Vi teus braços… que ventura!
teu colo… as pernas… que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Humberto Del Maestro (Vitória/ES)

1
A chuva cessou há pouco, 
mas o frio continua... 
Grita o vento como um louco 
por entre os becos da rua. 
2
Acordo, olho o céu e vejo 
que a manhã imaculada 
traz os perfumes de um beijo 
que roubou da madrugada. 
3
A minha casa é pequena, 
e embora tal restrição, 
nela reside serena 
minha doce inspiração. 
4
Amo a minha biblioteca, 
doce nave da ilusão, 
pois nela sigo até Meca 
ou molho os pés no Jordão. 
5
Ando em busca da centelha 
do teu beijo de esplendor 
e da papoula vermelha 
que escondes com teu pudor. 
6
Ao longe, de madrugada, 
por sobre o mar terno e lindo, 
a pequenina jangada 
parece a lua dormindo. 
7
As nossas línguas macias, 
em carícias muito loucas, 
parecem duas enguias 
disputando em nossas bocas. 
8
A tarde se abrasa em cores 
e lentamente desmaia. 
O céu, pintado de flores, 
lembra uma enorme lacraia. 
9
A tarde triste adormece. 
Estrelas piscam em cruz... 
Ao longe, a lua parece 
delgada foice de luz. 
10
A trova é um poema grácil, 
que surge de um mundo etéreo: 
- Para quem sabe é bem fácil. 
- Pra quem não sabe é um mistério. 
11
Brilha o céu como turquesa 
e o nascente é de romã… 
Nunca vi tanta beleza 
surgindo assim, na manhã. 
12
Chego a pensar que sou forte, 
vendo a velhice chegar, 
pois mesmo perto da morte 
consigo ainda sonhar. 
13
Cresci buscando esperança, 
nada achei e foi fatal. 
E quantas deixei, criança, 
brincando no meu quintal. 
14
De noite durmo e desperto... 
E, nesse doce vaivém, 
a infância chega tão perto 
que escuto apitos do trem. 
15
De tudo quanto me assiste, 
neste mundo miserando, 
nada me fala mais triste 
do que a velhice chegando. 
16
É frio, a noite descansa; 
o espaço é vasto e medonho. 
De repente, a lua mansa 
surge nos braços de um sonho. 
17
É noite calma de lua. 
Os ventos, em rodopios, 
são violinos na rua 
tocando valsas nos fios. 
18
Escondes mito e bonança 
na aparente timidez. 
Tens a graça e a temperança 
de um gatinho siamês. 
19
Essa mancha exígua e preta, 
no seu colo alvo e desnudo, 
lembra frágil borboleta 
toda feita de veludo. 
20
Fico olhando o teu aprumo. 
És linda e jovem demais... 
E eu sou um barco sem rumo, 
sem mais direito ao teu cais. 
21
Inefável labareda, 
a borboleta a voar 
parece um lenço de seda 
que um anjo esqueceu no ar. 
22
Meditando em meu cansaço 
não me entristeço nem rio... 
os troféus do meu fracasso 
valorizam meu vazio. 
23
Menino ainda acredito, 
olhando o céu com minúcia, 
que as estrelas do infinito 
sejam mimos de pelúcia. 
24
Meus versos feitos de sedas, 
do mais puro tom lilás, 
lembram calmas alamedas 
em tardes cheias de paz. 
25
Minha porta, que era arguta, 
de repente ensandeceu. 
Qualquer toque que ela escuta, 
julga logo ser o seu. 
26
Na doce tarde de outono, 
ruflam brisas em farol. 
As nuvens louras, sem dono, 
lembram novelos de sol. 
27
Na estrada que compartilho, 
meu coração, aos pedaços, 
lembra a mãe que já sem filho 
nina a solidão nos braços. 
28
Nasci na vida tristonho 
e vou por ela tão sério, 
que é por isso que o meu sonho 
tem as marcas de um cautério. 
29
Noite linda. O céu aberto 
faz-se de suave emoção. 
A lua chegou tão perto 
que eu quase a peguei na mão. 
30
Numa batalha renhida, 
vou lutar até o fim, 
pois quero sair da vida 
muito melhor do que vim. 
31
O arquiteto faz o traço, 
seu trabalho é no nanquim. 
Eu vivo as trovas que faço, 
que elas são partes de mim. 
32
O dia já nasce lindo. 
Passam ventos frios, nus. 
A manhã acorda rindo 
num escândalo de luz. 
33
Olhos brandos, mãos que espargem 
sorrisos como troféu... 
Pelo que os filhos lhe fazem 
as mães merecem o céu. 
34
O menino que era sonho 
de alma da cor do marfim, 
não sei mais onde é que o ponho, 
depois que cresceu em mim. 
35
O tempo amassou meu rosto. 
Não doeu, foi devagar... 
Mas as mágoas e o desgosto 
como é que custam passar. 
36
Pai querido, não morreste, 
que a morte nos lembra um fim 
e tudo aquilo em que creste 
anda a viver dentro em mim. 
37
Passa o vento num arrulho. 
A noite é fria lá fora. 
Como é gostoso o barulho 
da chuva caindo agora. 
38
Pelas manhãs de bonança, 
junto à brisa que flutua, 
borboletas são crianças, 
brincando alegres na rua. 
39
Penso ainda ser menino, 
correndo à toa na rua, 
empinando, sem destino, 
a branca raia da lua. 
40
Pressinto estar de partida 
e o mistério me seduz. 
Se fecho os olhos na vida 
acordo em mimos de luz. 
41
Que bom ficarmos juntinhos, 
distantes de um novo adeus, 
pois vejo nos seus olhinhos 
todo o carinho de Deus. 
42
Quero as minhas tardes feitas 
de luzes em algazarras; 
cheias de cores perfeitas, 
com festivais de cigarras. 
43
Saudade é dor muito estranha, 
toca no peito tão fundo 
que sinto que a minha entranha 
abriga as dores do mundo. 
44
Saudoso comprei passagem 
de retorno à minha infância. 
Mas como seguir viagem 
se eu nem sei mais a distância? 
45
Tem encanto, tem magia 
minha pequena janela, 
que ao abri-la a cada dia 
eu vejo a vida mais bela. 
46
Trabalho, sofro, padeço 
carregando a minha cruz, 
para ver se pago o preço 
desta roupagem de luz. 
47
Tudo se foi da lembrança... 
E do nosso antigo enredo 
nem mais a marca da aliança 
se acha gravada em meu dedo. 
48
Um doce aroma flutua 
nesta noite de ateneu 
e há tanta paz pela rua 
que eu penso que o céu desceu. 
49
Um gesto só, um arranjo, 
um traço apenas de acuro 
e acabarás sendo o anjo 
que em minhas preces procuro. 
50
Um remorso me espezinha 
se ponho, com aflição, 
no seu corpo de andorinha 
meus olhos de gavião. 
51
Veio Deus. Do caos agreste, 
ergueu o espaço sem fim. 
Porém tu bem mais fizeste 
do nada que havia em mim. 
52
Vitória: – um colar de ilhas! 
Cantar-te, com que talento?! 
Já bastam as maravilhas 
que escuto na voz do vento.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Giselda de Medeiros Albuquerque (Fortaleza/CE)

1
Aprendi, na tua ausência,
uma lição ponderada:
– que a espera, com paciência,
torna mais breve a chegada.
2
As trovas são diamantes
que certo ourives, um dia,
com suas mãos operantes,
cravou no anel da poesia.
3
Cem anos da abolição
e o negro sofre a desgraça
de acorrentar-se à prisão
do preconceito da raça!
4
Chove a cântaros... e o frio
cai sobre tudo, por fim...
E, enchendo este meu vazio,
chovem saudades em mim...
5
É carnaval… e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão…
6
É o mais belo panorama
e de Deus o melhor verso
o sol ressurgindo em chama,
banhando de ouro o universo.
7
Essas rugas que há no rosto,
mostrando a idade inclemente,
são rumos onde o desgosto
caminha, pisando a gente.
8
Esse gemido tristonho
das ondas, sempre a chorar,
é a voz queixosa de um sonho
preso nas conchas do mar!
9
Felicidade... momentos
de emoções transcendentais,
que se vão na asa dos ventos
e não voltam nunca mais!
10
Lançada a sorte! Em verdade,
eu parti... Mares medonhos!...
E, no Porto da Saudade,
fui ancorar com meus sonhos…
11
Leu tanto amor… e, no entanto,
sozinha, a cigana, à morte,
convive com o desencanto
de não ler a própria sorte!…
12
Não deixes preto o teu céu...
Vê que as grandes tempestades
espalham sombras ao léu,
mas vêm, depois, claridades.
13
Nesta existência sofrida, 
triste certeza me invade: 
– o sonho ardendo na vida, 
e a vida a arder na saudade.
14
O teu adeus, mesmo em sonho,
me aniquila de tal sorte
que, estando viva, suponho
estar nos braços da morte!
15
Por te amar tão loucamente,
fui-me tornando um palhaço,
fazendo rir tanta gente
às custas do meu fracasso.
16
Por um momento de sonho,
que dure uma eternidade,
darei tudo e não me oponho
a viver só da saudade.
17
Ri, palhaço, que o teu riso
vai à dor dar acolhida,
transformando em paraíso
teu picadeiro da vida.
18
Se a noite vem, com azedume,
vestindo de preto o céu,
que sejas tu, vagalume,
e espalhes luz a granel.
19
Sê como o mar, grandioso,
cujo esplendor estonteia,
mas, humilde e generoso,
vem bordar rendas na areia!
20
Se vires um tom de escuro
na trilha dos rumos teus,
não temas, e vai seguro,
que é a sombra da mão de Deus.
21
Sublime, aquele momento
em que o poeta, risonho,
põe asas no pensamento
e voa, buscando o sonho.
22
Tenta esconder o teu pranto,
às frustrações, ao desgosto,
pois não há maior encanto
que mostrar a paz no rosto.
23
Teu olhar, por sorte, às águas,
sombra nenhuma deixou,
no entanto deixou-me mágoas
nesta sombra que hoje eu sou!
24
Teus olhos, ardentes círios,
meus dias tornam risonhos,
e tuas mãos, brancos lírios,
vão modelando meus sonhos.
25
Vasculhando meu passado,
encontrei nele, tristonho,
teu retrato empoeirado
na gaveta do meu sonho.
26
Vencendo todo o cansaço,
decerto gargalharei,
pois hoje sou um palhaço
dos sonhos que não sonhei.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Alcy Ribeiro Souto Maior (Rio de Janeiro/RJ, 1920 - 2006)

1
A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
2
Ao velho diz o brotinho:
"Quero fugir com você”.
Indaga o pobre velhinho:
"Fugir? Mas ... Fugir pra quê?"
3
Bates a porta ao chegar
e essa agressão não me importa.
- Eu prefiro acreditar
que o vento é que bate a porta.
4
Com ciúme, enfurecida,
deu nele tanta pancada,
que a amizade colorida
anda um pouco desbotada...
5
Com uma telefonista
casou-se um pobre coitado.
Agora, por mais que insista,
só dá “ramal ocupado”...
6
Da infância e de seus folguedos,
relembro instantes diletos,
quando sou, entre brinquedos,
brinquedo na mão dos netos!
7
De esperanças luminosas
vê se enfeita a tua mágoa:
- em meio às plagas rochosas
quase sempre há um veio d'água.
8
Deixei restos de carinho
sob insensatos protestos
e agora, triste e sozinho,
ando em busca desses restos ...
9
Depois que me abandonaste,
só te desejo um castigo:
que a insônia que me deixaste,
passe uma noite contigo!
10
Eis-me, de novo, defronte
das malhas de tua rede,
a beber da mesma fonte
que não matou minha sede...
11
Este amor traz-me ventura
num conflito que alucina:
Faz com que eu, mulher madura,
tenha sonhos de menina...
12
Fiz uma trova tão linda
para a flor que ele me deu...
Eu conservo a flor ainda
mas a trova ele esqueceu...
13
Foram risadas de estrondo
quando o pobre Waldemar
quis envelope redondo
para a "Carta Circular"...
14
Janela fechando e abrindo,
batendo a todo momento,
parece estar aplaudindo
a dança infernal do vento!
15
Mais triste que um céu cinzento,
mais cruel que a própria dor,
é aquele amor de momento,
sem mais momentos de amor!
16
Meu coração chora a perda
de momentos sedutores,
por ter sido um zero à esquerda
na soma de teus amores.
17
Muitos, fugindo aos fracassos,
têm, nas ingênuas conquistas,
o destino dos palhaços
imitando trapezistas...
18
Na humildade do meu ninho,
com teu amor que me enleia,
meu jantar de pão e vinho
tem ares de Santa Ceia!
19
Na liberdade pensando,
exulto com alegria,
vendo um pássaro cantando
e uma gaiola vazia.
20
Na minha doce ilusão,
ser uma trova eu queria,
aquela que tua mão
sem tremer assinaria.
21
Não há maior desengano
ferindo nosso saber,
do que ouvir um ser humano
revelar: “Eu não sei ler”.
22
Não há nada que esmoreça
o brasileiro animado:
- tá levando na cabeça
mas, polegar levantado!...
23
Na igreja, menina arteira,
- não é coisa que se enquadre -
mas... quase que vira freira, 
ao saber quem era o padre...
24
Na paixão em que me abraso
tanto sol tem minha estrada,
que eu não troco o meu ocaso
pela mais linda alvorada!
25
Na prece tenho as respostas
da fé que perdura em mim:
tal como a cruz, não tem costas!
Tal como Deus, não tem fim!
26
Nos teus olhos rasos d’água,
sem ser pintor, eu pintei
uma aquarela de mágoa
com as mágoas que te dei.
27
Num capricho alucinado,
em vindoura encarnação,
eu quero ser o pecado,
se tu fores meu perdão!
28
O calor da mocidade
e os riscos da meninice
deixam brasas de saudade
sob as cinzas da velhice.
29
O pecado nos perdeu
e eu paguei logo depois.
Por que o castigo é só meu,
se a culpa foi de nós dois?
30
Os dilemas venceremos
com firmeza em nossos passos:
- remador que perde os remos
faz remos dos próprios braços...
31
Que idade tens? E eu, risonho,
respondo, sem me abalar:
- Eu tenho a idade que o sonho
permite um sonho sonhar!
32
Se acaso, um dia, escutares
na tua porta um lamento,
é o pranto dos meus pesares
gemendo na voz do vento.
33
Se em vez do bem que fizeste,
todo mal me houvesses dado,
- pela filha que me deste,
estarias perdoado!
34
Só hoje, de alma cansada,
sei minhas preces de cor:
é no fim da caminhada
que a gente reza melhor!
35
Só mesmo como piada
"pão dormido" não engorda,
pois na primeira dentada
é claro que o pão acorda!
36
Sou tímida, na verdade,
e você já percebeu .
Porém ... beije-me à vontade
porque a tímida sou eu...
37
Tão carinhosa ela é,
que, num amor desmedido,
chega a fazer cafuné
na peruca do marido.
38
Tua ausência, na verdade,
não traduz nenhum castigo:
vou me abraçando à saudade
até me encontrar contigo.
39
Tu partes com tal freqüência
que, embora em meio às promessas,
persiste um sabor de ausência
toda vez que tu regressas.
40
Vai, coração, vai teimoso,
vai por aí a bater
por um outro, mentiroso,
que finge por ti bater.
41
Vens... não vens... e nessa espera,
o meu pranto vai deixando,
no mal que me desespera,
o bem de estar te esperando!
42
Vi, na magia de um bumbo,
enquanto ele ressoava,
os soldadinhos de chumbo
de um quartel que eu comandava...

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1 Adoro a treva ao açoite do vento que não tem dono: Deus fez o escuro da noite para a carícia do sono. 2 A dor que minha alma corta de mane...