quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Domitilla Borges Beltrame


 1
A exemplo de um bom peão,
eu já não tenho altivez;
se um amor me joga ao chão
tiro o pó...tento outra vez!
2
A favela à luz da lua
é um presépio em miniatura.
Mas, ante o sol, triste e nua
tem de um calvário a estatura.
3
Agora que tu partiste,
sinto a força da verdade,
do grito de dor que existe
no silêncio da saudade.
4
Além, no horizonte, à borda
de um infinito sem véu
o lindo arco-íris é a corda,
que os anjos pulam, no céu!
5
A mamãe cura o dodói,
afaga, põe atadura…
e o rosto do seu herói
se lambuza de ternura!
6
A nossa fé é a virtude
que nos dá tanto otimismo,
que deixa ver, da altitude,
a flor nas trevas do abismo!
7
Assim banhada de lua,
em um silêncio encantado,
a velha matriz da rua
guarda o perfil do passado!...
8
A Trova, bem trabalhada
e que é feita com ternura,
é como jóia engastada
em nossa literatura!
9
A tua volta eu aguardo
sem censuras, satisfeita,
como quem carrega o fardo
na fartura da colheita.
10
A vovó não tem memória:
perde os óculos… na testa!
Mas jamais esquece a história
da varanda… e uma seresta!…
11
Brigamos, mas a tormenta
em instantes se desfaz...
um grande amor sempre inventa
um arco-íris de paz!
12
Brigamos...o amor se cala...
mas o orgulho não se importa,
pois a saudade se instala,
qual mendiga, à minha porta!...
13
Briguei contigo, é verdade,
peço perdão, volto atrás
e faço desta saudade
bandeira branca de paz!
14
Cavaquinho, violão,
o bandolim e o pandeiro.
Acrescente o coração
e eis o "choro" brasileiro!
15
Colorindo o alvorecer,
a claridade dourada
qual um gari, vem varrer
segredos da madrugada!…
16
Com altivez, disse um dia:
- “Ir procurar-te? Jamais!”
Mas a saudade vadia
não respeita o “nunca mais”…
17
Com as "notas" da alegria,
ou "dissonância" sofrida,
Deus compõe a melodia
da partitura da vida!
18
Cuidado se ao inocente
mostras um caminho escuro;
és passado, no presente,
comprometendo o futuro.
19
Das ofensas de um irmão
não guardes nenhum rancor,
que um minuto de perdão
vale uma vida de amor!
20
Depois do agrado, é verdade,
apressado ele partia...
Mas hoje tenho saudade
da saudade que eu sentia…
21
Diz a garota sapeca
ao seu flerte deputado:
-O que guardas na cueca
é o que tem me conquistado...
22
Em minha terra morena
- meu Brasil de tanta luz –
velando a noite serena,
estrelas brilham em cruz!
23
Em minha varanda, a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede!
24
Eu ergo a taça a brindar
a noite que o quarto invade
e no cristal do luar
bebo o vinho da saudade!
25
Eu não entendo porque
fica assanhado o meu gato
todas as vezes que vê
o buraquinho do rato...
26
Eu não te esqueço e confesso:
No calvário da lembrança,
teu corpo ficou impresso
no sudário da esperança!... 
27
 Foste embora e, na saudade,
a ofensa se fez lição:
-descobri que o amor-verdade
se alicerça no perdão!
28
Guardando o Sol na algibeira,
o céu, de estrelas brilhantes,
mostra a Lua, alcoviteira
dos segredos dos amantes…
29
Lembro a garoa...a seresta...
minha feliz mocidade
e o que restou desta festa
embala minha saudade!
30
Li teu bilhete: "Lembranças!".
E, na emoção que me invade
um carrilhão de esperanças
desperta minha saudade !
31
Minha mágoa se retrata
neste porto... Junto ao cais,
pois, na espera, me maltrata
o medo do “nunca mais”...
32
Na calmaria aparente,
num silêncio enganador,
saudade dentro da gente,
grita mais alto que a dor...
33
Na alegria de ser mar
o rio atravessa as matas
e na pressa de chegar
se precipita em cascatas!
34
Na tarde macia e doce,
teu retrato à luz dourada,
me sorri como se fosse
a saudade emoldurada!
35
Nesta vida rotineira,
tua saudade em minha alma
é cantiga de goteira
em noite de chuva calma!
36
No alento para viver
mergulhando em teu olhar,
sou como um rio a correr
na eterna busca do mar...
37
No jardim ali da praça,
por entre as flores de lis,
a minha saudade passa
brincando de ser feliz.
38
Nossa união, em verdade,
é assim perfeita, eu suponho:
tu és sol da realidade.
Sou lua, carrego o sonho !
39
Oh! minha mãe, quando eu falho,
tua lágrima rolada,
é qual pérola de orvalho
sobre a rosa machucada!...
40
"Olvidarei !"...E, orgulhosa,
nem chorei na despedida,
mas, a saudade,teimosa,
foi no meu lenço, escondida!
41
O marido agonizante,
insistindo quer saber:
- Fui traído?...E ela hesitante:
- E, se você não morrer?!
42
O meu pranto é só carinho
quando lembro a mocidade...
é garoa, de mansinho
na seresta da saudade!...
43
O nosso amor escondido,
sem promessa de aliança,
tem o sabor proibido
da fruta da vizinhança!...
44
Para o encontro dos amantes,
o dia cerrou o olhar,
mas, indiscreta, em instantes,
a lua veio espiar!
45
Perco todos os cansaços
e minha angústia tem fim,
ao doce som dos teus passos
no cascalho do jardim…
46
Preciso, mesmo a chorar,
de coragem ser vestida,
pois já vejo em teu olhar
a sombra da despedida...
47
Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada! 
48
Quando a lágrima apagou
o meu verso apaixonado,
a despedida ficou
num bilhete inacabado!…
49
Quando a lembrança me invade
no porto da vida – e quanto!
- brilha o farol da saudade
sob a neblina do pranto!
50
Quando a vida, num desmando,
fecha a porta da esperança,
vem a saudade, arrombando,
as janelas da lembrança !…
51
Quando entre estrelas flutua,
qual um brilhante e tão bela,
parece-me um broche, a lua,
que a noite põe na lapela...
52
Que murmurem, não me importa ...
Pecado, nossos abraços?!
Deixo o mundo além da porta ,
faço meu céu em teus braços !
53
Rasgando o ventre da serra,
num parto de luz e cor,
o sol vem brindar a terra
numa oferenda de amor!
54
Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto…
55
São flores, eu penso vê-las
uma azul...outra dourada...
quando o Sol colhe as estrelas
dos canteiros da alvorada!...
56
Sobre a praia, com amor,
em noites de lua cheia,
o mar se faz trovador
e espalha versos na areia!…
57
Sou um pecador confesso.
Do teu castigo a alguns passos,
um só favor eu te peço:
-Crucifica-me em teus braços!...
58
Teu adeus fez dos meus dias
um contraste que tortura,
são tão poucas alegrias
e saudades com fartura…
59
Toma o chá "Mate Leão"
como remédio, o vizinho:
Se mata bicho grandão,
vai matar meu "vermezinho"...
60
Tricotando o sapatinho,
a mamãe para um momento
e acaricia o pezinho
no seu ventre, em movimento.
61
Tua face envelhecida
oh! Mãe, de tanto lutar…
Diz cada ruga, querida,
quanto sofreu por amar!
62
Um aceno...a despedida...
Vou soluçando os meus ais...
E, mais triste que a partida
é prever o"nunca mais"!...
63
Vem a noite e, sem tardança,
esta saudade se espalma
e acorda tua lembrança
adormecida em minha alma !
64
Vendo a descrença ao meu lado
e a esperança por um triz,
eu chego a achar que é pecado
crer na vida e ser feliz!
65
"Voltarei"! Dizes depressa
num agrado à despedida:
-fica comigo a promessa
e em tuas mãos, minha vida.
66
Vou carregar vida afora
esta dor que mortifica,
por eu não ter tido agora
coragem de gritar: Fica!

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