quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Santiago Vasques Filho (Teresina/PI, 1921 - 1992, Fortaleza/CE)

1
A chuva traz à lembrança
uma janela quebrada,
a casa humilde e a criança
olhando, triste, a enxurrada.
2
Agora, sem mais nem quando,
sofrendo porque fugiste,
eu sonho que estás voltando,
para eu deixar de ser triste…
3
A jangada, quando alcança
dos mares a imensidade,
leva no bojo a esperança,
deixa na praia a saudade.
4
- Algo impede o casamento?
Se alguém sabe, agora fale!...
- Eu sei, seu padre... - Um momento!
Você é o noivo, e assim não vale!
5
Ao migrante maltrapilho,
que cruza o adusto sertão,
só resta, ao morrer-lhe o filho,
o consolo da oração…
6
Ao te encontrar, sem querer,
tarde linda, sol morrente,
mais triste que te perder
foi te rever novamente.
7
Apregoa o Zé Seráfico,
que a mulher está na dela:
- como um filme fotográfico,
só no escuro se revela…
8
Buscando esperanças vãs
no descompasso dos prazos,
gastei, sem ver, mil manhãs
e não sei quantos ocasos.
9
Cai a chuva fina e mansa,
e, na janela, que graça:
- O nariz de uma criança
achatado na vidraça!…
10
Casa assombrada... sombria...
Portas rangendo... Arrepio...
E o Zé tremia, tremia,
dizendo que era de frio!…
11
Coragem!... Sua mulher
tem poucos dias... Lamento...
- Doutor, se o destino quer,
mais uns dias eu aguento...
12
Da loja um ladrão levou
cristais valiosos ao léu,
e o lojista assim rezou:
- Pai nosso cristais no céu...
13
Das mágoas, dos sacrifícios,
das dores, dos sofrimentos,
fiz enormes edifícios
onde alugo apartamentos.
14
De longe, não desconfias
que, esperando tua volta,
tua ausência de mil dias
traz mil noites de revolta.
15
De repente este conflito,
quando a ausência me revolta,
por tudo que não foi dito
para trazer-te de volta!
16
Desconfio que a velhice
chega sempre bem depressa
quando se faz a tolice
de pensar que ela começa...
17
Descrente, maldigo até
meus atos de contrição,
por não ter, a minha fé,
o tamanho da oração!…
18
De volta à casa paterna,
revejo os vitrais antigos,
por onde a saudade eterna
repassa rostos comigo…
19
Diz, de cabeça enfaixada
- Não brigue, nem se aborreça.
Sua mulher, se é charada,
a minha é quebra-cabeça !...
20
Diz que vai me abandonar,
cai em pranto mas, depois,
perdoa e põe-se a rezar,
pedindo aos céus por nós dois…
21
Eis-me no inverno da vida
velando ocasos tristonhos,
mantendo a mão estendida,
tentando alcançar meus sonhos…
22
Ela se foi manhã cedo,
furtiva, sem que eu a visse,
guardando o rumo em segredo
para que eu não a seguisse.
23
Em passos e contrapassos,
ao som de acordes tristonhos
sempre foges dos meus braços
no bailado dos meus sonhos...
24
Endoidou e, em seus chiliques,
diz que é um relógio em destaque,
por isso vai, com seus tiques,
repetindo - tique-taque…
25
E o marido da Mercedes,
pintor sagaz, com seus trecos,
de dia pinta paredes,
de noite... "pinta os canecos".
26
Eu baterei na janela...
Confia em mim! - prometeu...
Mas foi a saudade dela
quem na vidraça bateu…
27
Grita a mulher do ladrão:
- Por onde andaste, cretino ?...
Não vejo qualquer menção
de assaltos, no matutino!
28
Há muita gente enganosa
qual goiaba sazonada:
- Por fora, a casca sedosa;
por dentro, podre ou bichada!
29
Maria!... grito, encantado,
quando me encontro sozinho.
Mas, quando estou ao seu lado,
só sei dizê-lo baixinho...
30
Não fosse a dor no traseiro,
numa corrida recorde,
diria, ainda, o carteiro,
que "cão que ladra não morde!...’
31
Não quis ver tua partida
nem teus acenos de adeus,
quando, agora, a tua vida
tem rumos que não são meus.
32
Não vivas com tanto orgulho
em razão do teu talento,
o tambor, que faz barulho,
tem, por dentro, apenas vento!
33
Na tua mão estendida
para este aperto de adeus,
vejo que a linha da vida
tem rumos que não são meus.
34
Nestas horas de sol-posto,
na saudade mais atroz,
nas fotos, beijo-te o rosto;
nas cartas, ouço-te a voz.
35
No forró do Zé Pancada,
que acabou no maior pau,
o Chicão desceu a escada
sem pisar nenhum degrau!
36
No peito a amargura cresce,
quando o caboclo, tristonho,
pede o inverno para a messe
e o inverno é apenas um sonho!
37
Numa farmácia, a freguesa
- Tem sal de frutas aí ?
Tem ? Então, por gentileza,
me dá um de abacaxi...
38
Nunca vi almas! - diz rindo.
E um cara na sua frente,
foi sumindo... foi sumindo...
transparente... transparente...
39
Os teus vestidos, Vitória,
e os lindos sapatos altos,
representam promissória
pela qual dou muitos saltos!
40
O velhinho monologa
contra o remédio, no leito:
- De que me adianta esta droga,
se o resto não tem mais jeito?!…
41
O velho galo, à noitinha,
ouviu a franga assanhada
dizendo para a galinha :
- Ele ainda "canta"... e mais nada!
42
Pago as vidraças quebradas,
que quebrei quando menino,
com as violentas pedradas
que hoje levo do destino!
43
Pelo espaço onde flutua,
nas noites claras de estio,
a lua ri de outra lua
que faz caretas no rio.
44
Pintora boa, de fato,
tem talento a Elizabete,
pois pintando o auto-retrato,
pintou-o "pintando o sete".
45
Por ser muito procurada
pra fazer qualquer trabalho,
foi, na loja, apelidada
de "garota quebra-galho"…
46
Promessa, cheia de graça,
de regressar, ela fez...
... Mas quem bateu na vidraça
foi a saudade, outra vez…
47
Quando teus olhos eu fito,
rezo neles a oração
de um monge em transe, contrito,
num ato de adoração!
48
Realismo mesmo mostrou
o pintor sacro Gregório,
que óleo de rícino usou
pra pintar... o purgatório!
49
Sem rival na adulação,
Belarmino Guararapes
chega a usar mata-borrão
no que o chefe escreve a lápis!…
50
Se não tens mais esperanças,
tantos são os teus fracassos,
muda o curso das andanças...
toma o rumo dos meus braços!
51
Se o patrão conta piada,
puxa-saco faz assim:
solta logo a gargalhada,
sem esperar pelo fim.
52
Se o tormento, como dizes,
é a remissão dos pecados,
por te amar - é bom que frises -
eu tenho os meus perdoados.
53
Socialite na butique:
Qual é a moda, seu Andrada?...
Agora, madame, o chique
é pagar conta atrasada...
54
Sofrendo tuas demoras,
com meus sonhos moribundos,
maldigo a fuga das horas
na precisão dos segundos!…
55
Tendo aos braços o serão
de nove meses atrás,
Marília exclamou: Patrão,
fazer serão... nunca mais!
56
Teus olhos nos meus pousados,
em silente confissão,
são dois monges deslumbrados,
rezando a mesma oração!
57
Tua ausência, tão sentida,
seria menor castigo
se eu soubesse repartida
minha saudade contigo.
58
Tu partes... mas, por piedade,
ao me deixares sozinho,
tira o espinho da saudade
do rumo do meu caminho!
59
Vendo o galã na TV
beijar a sua parceira,
grita o garoto: - Mãiêêê,
igual papai e a copeira!…
60
Verdade que se proclama
pelo efeito contraposto:
- quem joga pedra na lama,
recebe lama no rosto.
61
Vê, Rosário, o que me aprontas!
Eu te conheço do berço.
Tens um rosário de contas
do qual não pagaste um terço!...
62
Vive o rio seu conflito
no dolente marulhar,
marulho que é quase um grito
por nunca poder voltar.

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