quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Darly O. Barros



“Aluguel de dentadura?”
“E sem custo algum, parceiro:
quer melhor infraestrutura
do que um cunhado coveiro?”


Amizade é bênção, graça,
essência que canaliza
duas almas: a que abraça
e a que, do abraço, precisa…

A música soa e então,
por um passe de magia,
há só nós dois num salão
onde o mundo inteiro havia....

Anunciou a partida,
dizendo: - “É melhor assim”!
E saiu da minha vida,
levando o melhor de mim...

A vida, que triste sina,
fez comigo o que bem quis:
de uma ditosa menina,
me fez mulher... e infeliz!

Comparo toda emoção
às cordas de um violino,
onde o grau de afinação
tem os dedos do destino...

Coração, por tuas falhas
não te desculpes, eu sei
que além das tuas batalhas,
lutaste as que eu não lutei!!!

Desatado o nó da fita,
renasceste do passado,
no adeus de uma carta escrita,
que eu jurava ter rasgado...

Diz que o asilo é um paraíso
e, ao tom de voz convincente,
o filho, ao ver seu sorriso,
nem supõe que a mãe lhe mente...

Do que é capaz a desdita
eu sou a prova inconteste:
involuntário eremita,
algemado a um peito agreste...

Dos erros que a vida apronta,
meu maior foi ter trocado
por, não mais que um faz-de-conta,
um verdadeiro reinado!...

Lamentando meus fracassos
na vida, insisto em pisar
nas marcas dos mesmos passos
levando a nenhum lugar...

Luta inglória é essa nossa,
minha e da enxada, dois loucos,
tudo em nome de uma roça
que a seca mastiga... aos poucos...

- Mas, mamãe, se é gravidez,
que remédio é sugerido?
- Arranjar, com rapidez,
algum trouxa, pra marido!...

Meu passo, a idade retarda
e eu chego à praça, ansiosa,
onde a saudade me aguarda
para um dedinho de prosa...

Meu perdão foi em tributo
a uma lágrima suspensa
- um detalhe diminuto
mas que fez a diferença...

“Minha filha, tens certeza?”
“Tenho, mãe, é gravidez!”
“Se vais dizer: 'foi fraqueza',
já não cola, é a quarta vez!”

Minha visão de futuro
faz projeções que eu receio:
- Não quero o mundo um monturo
e eu parte desse recheio…

Movido a farsas e engodos...
É assim que o Universo gira,
um mundo onde quase todos
sobrevivem da mentira...

Mudaste tanto, cidade,
que eu só te reconheci,
ouvindo a voz da saudade
jurar que a praça era aqui!...

Muito suor foi preciso,
mas minha audácia venceu:
- finalmente, o chão que eu piso
tem dono... e o dono sou eu!!!

“Não cedas!”, meu sonho manda,
“luta mais, redobra o empenho,
para a casa com varanda
deixar de ser só desenho!”...

Não tens culpa, velha enxada,
desbeiçada, cabo torto,
por só colheres o nada
do ventre de um solo morto...

No meu "barco" eu não blasfemo,
nem quando o mar se encapela:
- se a procela quebra o remo,
a esperança empresta o dela...

O ocaso...o alcance da lente...
o clique...a fotografia:
a imagem do sol poente,
nos braços do fim do dia..

O reencontro... a caminhada...
a lua seguindo os dois...
a chama reavivada,
e o resto... eu conto depois...

Porteira de tábua grossa,
pregos velhos, sem rebites,
limitas a minha roça,
não meu sonho sem limites!...

Quando um sonho vai morrendo,
põe-se o meu peito em ação,
costurando outro remendo
no esgarçado da ilusão.

Quantas viagens frustrantes
meu desejo não tem feito
nesse leito que, "alguém", antes,
chamava de "nosso" leito...

Que cena mais comovente!
Correndo para os meus braços,
esse pinguinho de gente
que ensaia os primeiros passos...

Quem desprezei nessa vida,
hoje, por justo direito,
paga na mesma medida
e o coração diz:  “Bem-feito!”

Quis rejuntá-los, tolice!
Por efeito dominó,
a ferrugem da mesmice
fez dos nossos elos...pó…

Sem mais o amor por escora,
sem outra sustentação,
da ponte que havia outrora,
entre nós, só resta um vão...

Sem vitupérios e afrontas,
cerra às ofensas teus lábios,
que, em muito acerto de contas,
vence o silêncio dos sábios!

Um fio de água barrenta,
à ponte, num balbucio:
- Velha ponte, vê se aguenta,
até que eu volte a ser rio!...

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