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quinta-feira, 16 de maio de 2024

Contos Eslavos (O garoto que falava com os pássaros)

Há algum tempo na Rússia, vivia um comerciante e sua esposa. Seu único filho era um garoto de bom coração chamado Ivan. Esse garoto adorava ouvir o canto de um rouxinol que a  família mantinha como animal de estimação, ou, alguns poderiam dizer, como prisioneiro, dentro de uma gaiola dourada.

"Qual o significado desse canto?" ele sempre se perguntava. "É tão adorável, mas tão triste."

Um dia, o pai ouviu Ivan indagando em voz alta e acrescentou:

— Sim, eu também gostaria muito de compreender esse belo canto. Eu daria metade de minha fortuna para quem pudesse ensinar-me a linguagem dos pássaros. 

As palavras do pai causaram grande impacto em Ivan. Pouco tempo depois, ele saiu para passear pelo bosque, quando, de repente, o tempo começou a mudar. A chuva veio forte, quase se transformando em neve e caindo em grandes gotas frias — plop! plopí plop! —, o que era muito desagradável. No meio dessa chuva torrencial, os ouvidos aguçados de Ivan captaram um som perturbador vindo dos galhos acima de sua cabeça. Pequenas vozes gritavam "piu! piu! piu!" em tom de lamento. 

Ele olhou para o alto e viu um ninho onde filhotes de pássaro muito frágeis moviam-se para cima e para baixo gritando debaixo da chuva fria. Ivan sentiu pena daquelas pequenas criaturas e, em vez de correr para casa, subiu na árvore e estendeu as abas de seu kajian sobre o ninho para proteger os filhotes da chuva. O kajian era um casaco que o pai lhe havia dado, bordado com fios de ouro. Certamente não era o tipo de roupa apropriada para subir em árvores. 

Ele esperou algum tempo até que a mãe pássaro retornasse. Quando ela viu que o gentil garoto havia salvado seus filhotes do frio intenso, ficou muito agradecida.

— Jovem rapaz — ela disse em bom russo —, você me prestou um grande favor. Ocorre que possuo poderes mágicos e posso lhe oferecer uma bela recompensa. Diga o que mais deseja e será seu."

O menino respondeu;

— Pássaro gracioso, por acaso há uma habilidade que eu adoraria possuir. Você poderia ensinar-me a linguagem dos pássaros?

— Certamente — assentiu a mãe-pássaro, e combinaram que ele a visitaria todos os dias durante um mês para que aprendesse as palavras, a gramática e os timbres dos pássaros. Felizmente, o menino tinha um bom ouvido para música, pois os pássaros se comunicam através do canto. Ele aprendeu bem as lições, fez sua lição de casa e, ao final de um mês, conseguia entender tudo o que os pássaros diziam uns aos outros.

Pouco tempo depois, Ivan sentou-se no sofá de sua casa, onde sempre costumava ficar para ouvir o rouxinol em uma gaiola dourada. Agora ele entendia o significado da bela canção do pássaro e sentia-se profundamente triste. Seus pais não puderam deixar de notar sua fisionomia triste e sua mãe perguntou:

— Querido Van-ooshka — (apelido carinhoso pelo qual ela o chamava) —, por que pesadas lágrimas escorrem em seu rosto? Acaso você está sofrendo por um amor não correspondido?

— Não, mãe, eu ainda sou jovem demais para amar. Eu aprendi a língua dos pássaros e agora entendo o significado do canto do nosso rouxinol de estimação, e é por isso que estou tão triste.

Seu pai ficou intrigado e disse:

— Bem, Ivan, conte-nos o significado do canto do nosso amado pássaro.

— Ele canta, querido pai — disse Ivan de maneira simples, ingênua e tola —, que um dia Ivan será um príncipe e seu pai será seu servo.

Os pais de Ivan não esperavam uma fala tão insolente e questionaram-se sobre o que havia acontecido com seu amado filho. Talvez ouvir tanto os pássaros o tivesse deixado com a mente perturbada. De fato, eles não confiavam mais nele. Pouco tempo depois, a mãe preparou um pouco de leite quente para Ivan e misturou-o com uma forte poção para dormir, que certamente o colocaria em um sono bastante profundo. 

Quando ele estava completamente adormecido e roncando alto, seus pais o carregaram para a praia e, à luz do luar, colocaram-no em um pequeno barco e empurraram-no para o mar. Eles pensaram que ele se afogaria e ninguém o saberia.

Mas não era o destino de Ivan afogar-se no mar. As correntes levaram o garoto adormecido em seu pequeno barco na direção de um navio. Era uma noite estrelada, e o vigia viu Ivan deitado em sua frágil embarcação, à mercê da próxima grande onda que certamente o lançaria na água. Ele chamou seus colegas marinheiros para ajudá-lo, e um deles usou uma corda para descer pela lateral do navio até o barco de Ivan, onde ele bateu no rosto do garoto até despertá-lo. Os marinheiros então puxaram os dois de volta para a segurança do convés. Dessa maneira, pela bondade da tripulação do navio, a vida de Ivan foi salva.

Na manhã seguinte, Ivan sentou-se no convés, envolto em um cobertor quente. Um bando de aves voava no alto, e ele esticou o pescoço para entender o que eles diziam. Isto é o que ele ouviu;

"Rápido, rápido, voe o mais rápido possível. Vá para a praia. Uma tempestade terrível está a caminho!"

O garoto tentou alertar os marinheiros sobre o que os pássaros diziam, e pediu que seguissem para o porto antes que a tempestade reduzisse o navio a escombros. Mas os marinheiros riram, pensando que o pobre rapaz devia ter tomado muito sol enquanto estava à deriva no mar.

Mas a tempestade chegou, e foi tão feroz quanto Ivan havia previsto, e o navio sofreu com as fortes pancadas do vento e das ondas, que causaram grande dano.

Alguns dias depois de a forte tempestade ter passado, um bando de cisnes sobrevoou o navio. Ivan ouviu o que eles estavam dizendo:

"Lá está um navio cheio de piratas que planejam fazer muitas maldades."

Ivan relatou o que ouvira ao capitão, que, desta vez o levou a sério. Ele ordenou à tripulação que retornasse e seguisse para um porto seguro. O ligeiro navio pirata começou a persegui-los. Eles navegaram o mais rápido que puderam em direção ao porto, e o barco que transportava Ivan e os bons marinheiros chegou em segurança e bem a tempo.

Pelo que parecia, eles haviam chegado a uma cidade governada por um rei que estava extremamente perturbado por causa de três corvos. Esses pássaros barulhentos e nocivos estavam pousados no parapeito da janela de seu quarto e gritavam dia e noite. Os criados tentaram espantá-los com vassouras, e os soldados tentaram derrubá-los com flechas, mas sem sucesso.

Então o rei ofereceu uma recompensa — a mão de sua filha em casamento e metade de seu reino para quem pudesse livrá-lo daquele problema. Mas ele alertou que qualquer um que desperdiçasse seu tempo corria o risco de perder a cabeça.

Um pequeno pássaro contou a Ivan sobre o problema que perturbava o rei e ele entendeu que aquela seria uma oportunidade de ouro. Ele foi até o castelo e ofereceu seus serviços para solucionar a questão dos três corvos. O camareiro do rei mostrou-lhe a janela onde os pássaros pousavam e gritavam. Ivan ouviu o que eles estavam dizendo e disse ao camareiro:

— Existem três corvos, um pai corvo, uma mãe corvo e um filho corvo. A mãe e o pai estão buscando o divórcio. Eles vieram aqui para pedir ao rei que julgue a quem o filho deve seguir; a mãe ou o pai. Até que tenham recebido o julgamento sobre essa questão, eles não irão embora.

Quando o camareiro relatou o problema ao rei, ele ordenou: "O corvo filho deve ficar com sua mãe". 

Assim que o rei anunciou sua decisão, o pai corvo voou por conta própria com um mal-humorado "crás! crás!" e a mãe e o filho partiram em outra direção.

O rei ficou encantado que os corvos finalmente haviam saído do peitoril de sua janela. De bom grado, entregou a mão de sua filha mais nova em casamento ao garoto que entendia a linguagem secreta dos pássaros.

À medida que a fortuna de Ivan aumentava, a estrela de seu pai decaía. Sua esposa havia partido para um mundo melhor e, enquanto ele estava de luto, perdeu sua fortuna quando piratas atacaram o barco que carregava toda mercadoria. O velho tornou-se um mendigo errante, dependente da bondade e generosidade de estranhos. Suas viagens o levaram ao castelo onde o príncipe Ivan estava morando feliz com sua princesa. Lá o velho veio diante do jovem príncipe e implorou por esmolas. Sua visão estava falhando, e ele não reconheceu que Sua Majestade não era outro senão seu próprio filho.

— Velho, o que posso fazer por você? — perguntou o Príncipe Ivan.

— Seja gentil, deixe-me ficar aqui e trabalhar como um de seus servos — disse o velho. — No passado eu era rico, mas agora perdi tudo, minha querida esposa, meu filho honesto, minha fortuna e, finalmente, meu orgulho.

— Querido pai — disse Ivan —, você já duvidou do canto de um rouxinol, mas agora vê que minha interpretação era verdadeira.

A princípio, o velho ficou intrigado, depois atordoado e então assustado. Ajoelhou-se diante do filho e pediu perdão. 

Mas riqueza e boa sorte não haviam mudado o caráter de Ivan. Ele era o mesmo garoto de bom coração que sempre foi. Ele desceu do trono para abraçar o pai com as palavras:

— Papai, não desejo nada além de amá-lo, confortá-lo e apoiá-lo na velhice.

E o príncipe Ivan foi fiel à sua palavra.

Fonte> Juliana Garcia (org.). Contos populares eslavos. Ed. Pandorga, 2020.

Vereda da Poesia n. 02

 

UM SONETO

Maria Santos Nascimento
Rio de Janeiro/RJ

Dilema

Eu que pensei ser livre como o vento,
não fraquejar em cada despedida,
aceitar meus fracassos sem lamento
e nunca me queixar das leis da vida…

Eu que pensei domar meu sentimento,
e ser, na luta, justa e destemida,
agora, com você no pensamento,
pouco importa vencer ou ser vencida…

O nosso bem-querer gera perigos,
mas, como só podemos ser amigos,
é fácil controlar as emoções…

Difícil é lutar contra a saudade
e acreditar que os elos da amizade
têm mais poder que a fúria das paixões!…
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UMA TROVA

Wandira Fagundes Queiroz 
Curitiba/PR

Quando aos luzeiros da fama
se agregam luzes do Bem,
há um brilho, a mais, que se inflama
e imortaliza também.
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UM POEMA

Rui Knopfli
(Rui Manuel Correia Knopfli)
Inhambane/Moçambique, 1932 – 1997, Lisboa/Portugal

PRINCÍPIO DO DIA

Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.

 Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.

 No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.

 E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.

 (Amanhã volto a experimentar).
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

UMA QUADRA

Fernando Pessoa
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Tens um livro que não lês, 
tens uma flor que desfolhas; 
Tens um coração aos pés 
e para ele não olhas.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Vereda da Poesia n. 01

 

Uma Trova

NEI GARCEZ
(Curitiba/PR)

Entre o sonho e a verdade
vai vivendo, em seu juízo,
toda a nossa humanidade
seu inferno ou paraíso.
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Um Soneto

CARLOS NEJAR
(Luís Carlos Verzoni Nejar)
(Porto Alegre/RS)

Poemas e Sapatos

Nada tenho de meu, nem os sapatos
que vão acompanhar este defunto.
Nem tampouco montanhas e regatos
que habitaram o verso, nem o indulto

pode valer-me, o soldo, mero extrato
de contas. Nada tenho, nem o intuito
consome esta vontade ou desacato.
Desapareça o nome, seu reduto

de carne e bronze, a fome incorporada
e mais desapareça onde fecundos
são dias e são deuses nesta amada.

Não foram nunca meus — sonhos e fatos.
Nada tenho. Poemas e sapatos
irão reconhecer-me noutro mundo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Um Quadrão à Antiga

LOURIVAL BATISTA
(Itapetim/PE)

O Cantador repentista, 
Em todo ponto de vista, 
Precisa ser um artista 
De fina imaginação, 
Para dar capricho à arte, 
E ter nome em toda parte, 
Honrando o grande estandarte 
Dos oito pés de Quadrão!
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Um Poema

CELSO BRASIL
(Curitiba/PR)

Tu, eu e a poesia

Te amo com toda energia,
Te quero bem perto de mim,
Mas também tem a Poesia!
Eu Quero as duas, enfim!!!

Te peço... não tenhas ciúme!
Sem ela não posso te amar!
Da minha montanha, ela é o cume,
Do cume, amor te quero gritar!

Abro os braços à magia,
Entre eles, sempre estarás.
Mas se não abraço a Poesia,
A ti... como me declarar?

Poesia, minha eterna amante.
Tu, minha eterna paixão.
A Poesia me leva adiante!
E tu! levo em meu coração.

Se me deixares amá-la,
Para ti também existirei.
Mas se me apartares dela,
Sem versos, então, morrerei.

Ficarás chorando no báratro,
Quando eu tiver que me ir.
Consolar-te até o reencontro,
Sei que a Poesia há de ir.

Tu e a poesia, então, juntas
Viverão a me relembrar.
De vez em quando unidas,
Ambas se porão a chorar.

Nesse momento, querida,
Certamente, ali estarei.
Tu e a Poesia formam minha vida!
E, assim, nunca mais morrerei.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Uma Quadra

AGOSTINHO DA SILVA
(George Agostinho Baptista da Silva)
(Porto, 1906 – 1994, Lisboa)

Não corro como corria
nem salto como saltava
mas vejo mais do que via
e  sonho mais que sonhava
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Uma Glosa

FRANCISCO JOSÉ PESSOA
(Fortaleza/CE, 1949 – 2020)

Mote:
O meu verso tem o cheiro 
Da poeira do sertão.
(Manoel Dantas)

Glosa:
Nasce o sol, outra manhã 
Se espreguiça, é novo dia 
E a morte, má, se anuncia 
No canto da acauã 
Ave de agouro, malsã, 
Que canta nossa desgraça 
Sobrevoando a carcaça 
Do boi que ontem era são 
Hoje inerte jaz no chão 
No pé do seco imbuzeiro 
O meu verso tem o cheiro 
Da poeira do sertão.

sábado, 11 de maio de 2024

O BLOG DEIXA DE SER EXCLUSIVO DE TROVADORES

 

Em virtude da falta de interesse e valorização dos trovadores num blog exclusivo de trovas, deixa de ser exclusivo e ganha nova roupagem.


Em 8 anos e meio no ar, nunca recebi nenhum retorno, nenhum contato, apesar de ser amplamente divulgado em outros blogues, no facebook e revistas virtuais. O blog possuía cerca de 100 mil trovas de uns 3000 trovadores. Todo o seu conteúdo trovadoresco será apagado.


Ele passa a ser um blog de literatura em geral, com crônicas, contos, folclores, letras de músicas, trovas, poesias, entrevistas, etc.

Contos Eslavos (O garoto que falava com os pássaros)

Há algum tempo na Rússia, vivia um comerciante e sua esposa. Seu único filho era um garoto de bom coração chamado Ivan. Esse garoto adorava ...