Há algum tempo na Rússia, vivia um comerciante e sua esposa. Seu único filho era um garoto de bom coração chamado Ivan. Esse garoto adorava ouvir o canto de um rouxinol que a família mantinha como animal de estimação, ou, alguns poderiam dizer, como prisioneiro, dentro de uma gaiola dourada.
"Qual o significado desse canto?" ele sempre se perguntava. "É tão adorável, mas tão triste."
Um dia, o pai ouviu Ivan indagando em voz alta e acrescentou:
— Sim, eu também gostaria muito de compreender esse belo canto. Eu daria metade de minha fortuna para quem pudesse ensinar-me a linguagem dos pássaros.
As palavras do pai causaram grande impacto em Ivan. Pouco tempo depois, ele saiu para passear pelo bosque, quando, de repente, o tempo começou a mudar. A chuva veio forte, quase se transformando em neve e caindo em grandes gotas frias — plop! plopí plop! —, o que era muito desagradável. No meio dessa chuva torrencial, os ouvidos aguçados de Ivan captaram um som perturbador vindo dos galhos acima de sua cabeça. Pequenas vozes gritavam "piu! piu! piu!" em tom de lamento.
Ele olhou para o alto e viu um ninho onde filhotes de pássaro muito frágeis moviam-se para cima e para baixo gritando debaixo da chuva fria. Ivan sentiu pena daquelas pequenas criaturas e, em vez de correr para casa, subiu na árvore e estendeu as abas de seu kajian sobre o ninho para proteger os filhotes da chuva. O kajian era um casaco que o pai lhe havia dado, bordado com fios de ouro. Certamente não era o tipo de roupa apropriada para subir em árvores.
Ele esperou algum tempo até que a mãe pássaro retornasse. Quando ela viu que o gentil garoto havia salvado seus filhotes do frio intenso, ficou muito agradecida.
— Jovem rapaz — ela disse em bom russo —, você me prestou um grande favor. Ocorre que possuo poderes mágicos e posso lhe oferecer uma bela recompensa. Diga o que mais deseja e será seu."
O menino respondeu;
— Pássaro gracioso, por acaso há uma habilidade que eu adoraria possuir. Você poderia ensinar-me a linguagem dos pássaros?
— Certamente — assentiu a mãe-pássaro, e combinaram que ele a visitaria todos os dias durante um mês para que aprendesse as palavras, a gramática e os timbres dos pássaros. Felizmente, o menino tinha um bom ouvido para música, pois os pássaros se comunicam através do canto. Ele aprendeu bem as lições, fez sua lição de casa e, ao final de um mês, conseguia entender tudo o que os pássaros diziam uns aos outros.
Pouco tempo depois, Ivan sentou-se no sofá de sua casa, onde sempre costumava ficar para ouvir o rouxinol em uma gaiola dourada. Agora ele entendia o significado da bela canção do pássaro e sentia-se profundamente triste. Seus pais não puderam deixar de notar sua fisionomia triste e sua mãe perguntou:
— Querido Van-ooshka — (apelido carinhoso pelo qual ela o chamava) —, por que pesadas lágrimas escorrem em seu rosto? Acaso você está sofrendo por um amor não correspondido?
— Não, mãe, eu ainda sou jovem demais para amar. Eu aprendi a língua dos pássaros e agora entendo o significado do canto do nosso rouxinol de estimação, e é por isso que estou tão triste.
Seu pai ficou intrigado e disse:
— Bem, Ivan, conte-nos o significado do canto do nosso amado pássaro.
— Ele canta, querido pai — disse Ivan de maneira simples, ingênua e tola —, que um dia Ivan será um príncipe e seu pai será seu servo.
Os pais de Ivan não esperavam uma fala tão insolente e questionaram-se sobre o que havia acontecido com seu amado filho. Talvez ouvir tanto os pássaros o tivesse deixado com a mente perturbada. De fato, eles não confiavam mais nele. Pouco tempo depois, a mãe preparou um pouco de leite quente para Ivan e misturou-o com uma forte poção para dormir, que certamente o colocaria em um sono bastante profundo.
Quando ele estava completamente adormecido e roncando alto, seus pais o carregaram para a praia e, à luz do luar, colocaram-no em um pequeno barco e empurraram-no para o mar. Eles pensaram que ele se afogaria e ninguém o saberia.
Mas não era o destino de Ivan afogar-se no mar. As correntes levaram o garoto adormecido em seu pequeno barco na direção de um navio. Era uma noite estrelada, e o vigia viu Ivan deitado em sua frágil embarcação, à mercê da próxima grande onda que certamente o lançaria na água. Ele chamou seus colegas marinheiros para ajudá-lo, e um deles usou uma corda para descer pela lateral do navio até o barco de Ivan, onde ele bateu no rosto do garoto até despertá-lo. Os marinheiros então puxaram os dois de volta para a segurança do convés. Dessa maneira, pela bondade da tripulação do navio, a vida de Ivan foi salva.
Na manhã seguinte, Ivan sentou-se no convés, envolto em um cobertor quente. Um bando de aves voava no alto, e ele esticou o pescoço para entender o que eles diziam. Isto é o que ele ouviu;
"Rápido, rápido, voe o mais rápido possível. Vá para a praia. Uma tempestade terrível está a caminho!"
O garoto tentou alertar os marinheiros sobre o que os pássaros diziam, e pediu que seguissem para o porto antes que a tempestade reduzisse o navio a escombros. Mas os marinheiros riram, pensando que o pobre rapaz devia ter tomado muito sol enquanto estava à deriva no mar.
Mas a tempestade chegou, e foi tão feroz quanto Ivan havia previsto, e o navio sofreu com as fortes pancadas do vento e das ondas, que causaram grande dano.
Alguns dias depois de a forte tempestade ter passado, um bando de cisnes sobrevoou o navio. Ivan ouviu o que eles estavam dizendo:
"Lá está um navio cheio de piratas que planejam fazer muitas maldades."
Ivan relatou o que ouvira ao capitão, que, desta vez o levou a sério. Ele ordenou à tripulação que retornasse e seguisse para um porto seguro. O ligeiro navio pirata começou a persegui-los. Eles navegaram o mais rápido que puderam em direção ao porto, e o barco que transportava Ivan e os bons marinheiros chegou em segurança e bem a tempo.
Pelo que parecia, eles haviam chegado a uma cidade governada por um rei que estava extremamente perturbado por causa de três corvos. Esses pássaros barulhentos e nocivos estavam pousados no parapeito da janela de seu quarto e gritavam dia e noite. Os criados tentaram espantá-los com vassouras, e os soldados tentaram derrubá-los com flechas, mas sem sucesso.
Então o rei ofereceu uma recompensa — a mão de sua filha em casamento e metade de seu reino para quem pudesse livrá-lo daquele problema. Mas ele alertou que qualquer um que desperdiçasse seu tempo corria o risco de perder a cabeça.
Um pequeno pássaro contou a Ivan sobre o problema que perturbava o rei e ele entendeu que aquela seria uma oportunidade de ouro. Ele foi até o castelo e ofereceu seus serviços para solucionar a questão dos três corvos. O camareiro do rei mostrou-lhe a janela onde os pássaros pousavam e gritavam. Ivan ouviu o que eles estavam dizendo e disse ao camareiro:
— Existem três corvos, um pai corvo, uma mãe corvo e um filho corvo. A mãe e o pai estão buscando o divórcio. Eles vieram aqui para pedir ao rei que julgue a quem o filho deve seguir; a mãe ou o pai. Até que tenham recebido o julgamento sobre essa questão, eles não irão embora.
Quando o camareiro relatou o problema ao rei, ele ordenou: "O corvo filho deve ficar com sua mãe".
Assim que o rei anunciou sua decisão, o pai corvo voou por conta própria com um mal-humorado "crás! crás!" e a mãe e o filho partiram em outra direção.
O rei ficou encantado que os corvos finalmente haviam saído do peitoril de sua janela. De bom grado, entregou a mão de sua filha mais nova em casamento ao garoto que entendia a linguagem secreta dos pássaros.
À medida que a fortuna de Ivan aumentava, a estrela de seu pai decaía. Sua esposa havia partido para um mundo melhor e, enquanto ele estava de luto, perdeu sua fortuna quando piratas atacaram o barco que carregava toda mercadoria. O velho tornou-se um mendigo errante, dependente da bondade e generosidade de estranhos. Suas viagens o levaram ao castelo onde o príncipe Ivan estava morando feliz com sua princesa. Lá o velho veio diante do jovem príncipe e implorou por esmolas. Sua visão estava falhando, e ele não reconheceu que Sua Majestade não era outro senão seu próprio filho.
— Velho, o que posso fazer por você? — perguntou o Príncipe Ivan.
— Seja gentil, deixe-me ficar aqui e trabalhar como um de seus servos — disse o velho. — No passado eu era rico, mas agora perdi tudo, minha querida esposa, meu filho honesto, minha fortuna e, finalmente, meu orgulho.
— Querido pai — disse Ivan —, você já duvidou do canto de um rouxinol, mas agora vê que minha interpretação era verdadeira.
A princípio, o velho ficou intrigado, depois atordoado e então assustado. Ajoelhou-se diante do filho e pediu perdão.
Mas riqueza e boa sorte não haviam mudado o caráter de Ivan. Ele era o mesmo garoto de bom coração que sempre foi. Ele desceu do trono para abraçar o pai com as palavras:
— Papai, não desejo nada além de amá-lo, confortá-lo e apoiá-lo na velhice.
E o príncipe Ivan foi fiel à sua palavra.
Fonte> Juliana Garcia (org.). Contos populares eslavos. Ed. Pandorga, 2020.