quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Fernando Vasconcelos (1937 - 2010)


1
“Água mole em pedra dura”
meu amor, como se vê,
repetindo a mesma jura,
tomou conta de você.
2
Amor é renunciar
pedacinhos de ventura,
espaço, tempo e doar
a luz a outra criatura.
3
A sina da fazendeira
foi triste, eu não invejo,
descuidou-se da porteira,
sua vaca foi pro brejo!
4
As trovas são coisas boas,
por um dom vão inspiradas,
deviam unir pessoas,
não fazê-las separadas.
5
A trova é coisa sucinta,
toda glória ao inventor…
só com pouquinho de tinta,
eu posso falar de amor.
6
Cada vez que tenho um sonho,
formas, luzes, cores, som,
é você que lá eu ponho,
para o sonho ficar bom!
7
Casar-se é sina dorida,
tolo modo de viver…
é bronca por toda vida
e se paga pra sofrer!
8
Cigarro, branco tubinho
de resultado tão vil…
numa ponta tem foguinho
e na outra um imbecil.
9
Ciúme encerra perigo,
guarda tendência mortal,
tem mira no inimigo,
mas aos dois ele faz mal.
10
Corre o homem a toda brida,
buscando mil emoções…
é cavalo de corrida,
no prado das ilusões.
11
Deixa a tristeza, vizinho,
que chorar, não lhe compensa,
só se sentirá sozinho
quem do amor perdeu a crença.
12
De minha alma, nas dobrinhas,
a sua alma se aninhou…
As duas parecem minhas,
no ambíguo que eu hoje sou!
13
De um sentimento profundo,
no silente ou no escarcéu,
prosa é linguagem do mundo,
o verso a prosa do céu.
14
Do bico de minha pena
o meu doce arauto eu fiz,
pra numa trova pequena
proclamar que sou feliz.
15
É cada estrela cadente,
tendo o seu curto escarcéu,
um traço fosforescente
com que Deus rabisca o céu!
16
É como água morro abaixo,
como fogo morro acima,
ninguém segura o “facho”,
quando o desejo domina.
17
Encha aos olhos a grandeza,
ao poder todo valor…
mas não há outra riqueza
mais durável do que o amor.
18
Entre os desejos da vida
mais gostosos, não mais sábios,
– quero dar uma mordida
na frutinha de teus lábios.
19
Entre ossos, mui animada,
sua caveira sorria…
maldade da descarnada,
vendo a carne entrar em fria!
20
Este pobre jornalista
é poeta e escritor…
na existência um artista,
e na trova um pichador!
21
Faça este bom sonho arder,
no fundo do coração…
quando o querer é poder,
desejo se faz ação.
22
Fio dental, trajezinho
que a rapaziada adora…
esconde só um pouquinho,
deixando o resto de fora.
23
Há sempre, no imaginável,
dois termos fundamentais:
teu amor inigualável,
os outros todos iguais.
24
Inocência é pranto e riso,
que puro nossa alma alcança,
vindo lindo e sem aviso
do sentir de uma criança.
25
Lindas estrelas acesas,
quadro que prende e seduz…
É Deus dizendo belezas
num alfabeto de luz!
26
Menina namoradeira,
que brincava escondidinha,
quis tanto da brincadeira,
que acabou barrigudinha!
27
Não há quem se esforce à toa,
é rotina o desafio,
sendo a vida uma canoa
que atravessa o grande rio.
28
Na roça não se complica
a higiene rotineira:
começa na velha bica
e um gamelão é banheira!
29
No ocaso, sem alarde,
liberto de todo afoite,
sou tarde, dentro da tarde,
o dia, na boca da noite.
30
Nosso grande encantamento,
quando a julgar eu me ponho,
é o encanto do momento
do nosso primeiro sonho.
31
O cara conquistador
entrou muito mal naquela…
pegou sufoco de amor,
no sufoco da donzela.
32
O Gildo se fez de louco,
pra bular aquele “tira”,
depois passou um sufoco,
pra sustentar a mentira.
33
O meu peito, um campanário
consagrado em seu louvor,
onde se reza em rosário
feito de contas de amor.
34
Ó meus irmãos trovadores,
quanta vida podem dar,
rimando sonhos e amores,
plantando cantigas no ar.
35
O pobre homem só se fere,
ao meter-se com a bebida…
não é a pinga que ele ingere,
ele bebe a própria vida.
36
Os anos passam ligeiros,
mas o tempo não me ilude…
já tenho mitos janeiros,
nesta mesma juventude.
37
Os pombos, sem ter zoeira,
foram a primeira prova
que, no arrulho, na figueira,
fez a natureza a trova.
38
Palavras são universos,
aqui mesmo está a prova,
ao prender em quatro versos
o infinito de uma trova.
39
Passadas pinga e arruaça,
disse ao ser interrogado:
foi depressão, não cachaça,
que me deixou transtornado!
40
Plano de deixar a pinga
sempre na flauta levou…
estava enchendo a moringa,
quando a cirrose o matou.
41
Poetando nossa Princesa
tem cantado seus amores,
na voz de tanta beleza
que só têm os trovadores.
42
Pra pegar elevador,
quando todo mundo avança,
mais se destaca o humor,
quanto maior for a pança.
43
Quem do verso tem a lida,
a trova trazendo a lume,
porta a lâmina da vida
e usa bem certo o seu gume.
44
Quem já viu só tem certeza
e guarda no coração…
não há uma maior beleza
que um olhar de gratidão.
45
Registrando alguma ausência,
contabilidade ingrata,
nosso amor pediu falência,
desistiu da concordata;
46
Se na aflição se padece,
busque em Deus a solução…
A calma do céu nos desce,
no intercâmbio da oração
47
Sou bode velho, tranqueira,
muito doido com cabrita,
não conheço uma porteira,
pra fechar moça bonita!
48
Tão louco prazer sentindo,
o fumante é uma raça
que não vê vida fugindo,
no disfarce da fumaça.
49
Todo cara bem papudo,
que dá de valente, acorde,
só na aparência é peitudo…
é cão que ladra e não morde.
50
Trabalhador brasileiro
tem que viver tiririca,
com uns nadando em dinheiro
e o salário uma titica.
51
Tua ausência faz aflita,
triste e desesperançada,
a caminhada infinita,
em teus lábios começada.
52
Vamos, sonhar e sorrir”
esse é o remédio ideal,
não nos preocupe o porvir,
pois só o presente é real.
53
Vento, meu pombo-correio,
da UBT a doce prova,
mais uma vez você veio
trazer-me o mimo da trova.
54
Vento que ondula copadas,
nesta sina de viajor.
Leve, nas tantas jornadas,
as nossas trovas de amor.
55
Zé estava tiririca,
por não poder o seu zelo,
curar, com um chá de arnica,
uma dor de cotovelo!

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