quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Romeu Gonçalves da Silva (1914 - 1984)


1
A noite se foi, e agora,
- aquarela sobre o monte -
explode em cores a aurora
na tela azul do horizonte!
2
Ao vê-la passar, mostrando
suas pernas nota zero,
foge o paquera, gritando:
- Ó pernas, pra que vos quero?"
3
Ao voltar, ela sorriu,
e aquele olhar de perdão
foi um farol que surgiu
nas trevas da solidão…
4
Aquela velha coroca,
de discrição sempre à míngua,
fez tanta, tanta fofoca,
que deu nó-cego na língua!
5
As almas onde a maldade
jamais entrou em eclipse,
lembram bem a potestade
da besta do Apocalipse!
6
A saudade machucada
e presa, em meu coração,
é uma pipa emaranhada
em fios de alta tensão...
7
As noites viviam nuas
e o Senhor, para atendê-las,
moeu pedaços de luas
e encheu o espaço de estrelas!
8
Cansaço e dor o consomem;
o sangue seus olhos veda...
Jesus não resiste – é homem –
e sofre a terceira queda.
9
Das fugas vê se te esqueces,
sem gestos desesperados...
- Pede amor com mãos em preces
e não com punhos cerrados!…
10
Depois de ouvir minha prece,
a noite, triste  e cansada,
chora sereno e adormece
no colo da madrugada!
11
Dom Pedro foi rebeldia,
Bonifácio inteligência;
somaram-se os dois, um dia,
resultado: Independência"!
12
Em maus rumos quebrei lanças
e a poeira dos cansaços
pousou sobre as esperanças
que eu carregava nos braços.
13
Em seus rumos, algemados,
os sonhos de liberdade
vão por caminhos calçados
com pedras de eternidade!…
14
É um moleque em liberdade,
o passado impertinente:
- Solta pipas de saudade
dentro do peito da gente!…
15
Fecho os olhos: vejo a Terra...
E o medo em mim se insinua.
Vejo luta... Vejo guerra...
Não há mais paz, nem na lua.
16
Fim do meu rumo. Eu, grisalho,
dos netos entre os carinhos,
pareço um velho espantalho
cercado de passarinhos.
17
Há corações que são ilhas
circundadas de rochedos,
transformadas em bastilhas,
para refúgio dos medos...
18
Homem, se és justo, perfeito,
e a bondade em ti se vê,
então tu tens o direito
de tratar Deus por você!
19
Minhas vidraças marcadas
parecem cheias de estrelas,
pois as pedras atiradas
não conseguiram rompê-las!…
20
Na esquina das esperanças,
quando a tarde se desfaz,
a inocência das crianças
canta cirandas de paz!
21
Não é a vidraça que chora,
sou eu, que, junto à janela,
vejo meu sonho lá fora,
correndo louco atrás dela...
22
Não se livra dos tormentos
quem de chorar se envergonha,
quem dá fuga aos sentimentos
e prende os sonhos que sonha!...
23
No espelho ardente dos rios,
as estrelas, desfilando,
lembram sonhos fugidios
que o tempo vai carregando.
24
No itinerário das fugas
há temporais e bonanças
que deixam trilhas de rugas
onde passeiam lembranças...
25
No teu olhar, espelhadas,
há tristezas de sol posto,
mostrando estrelas molhadas
em procissão no teu rosto.
26
O luar das esperanças
já partiu... deixou-te só,
mas o luar das lembranças
brilha em teus olhos, vovó.
27
O pai de cabeça cheia,
a mãe, "cabeça virada"...
Resultado: entrou areia
na "cuca" da filharada ...
28
Quando o amor nos pega a jeito,
segundo dizem os sábios,
o coração sai do peito
e passa a morar nos lábios...
29
Tiradentes, sol vencido
no ocaso da inconfidência,
surgiu, depois, revivido,
na aurora da independência.
30
Tua fuga, mocidade,
nem de leve me entristece:
- Há força de eternidade
neste amor que me enternece!
31
Turista: em nossas igrejas,
velhos conventos, museus,
é bem possível que vejas
e, até, que fales com Deus!
32
Um sobrado com balcões,
a moça e seu namorado;
na rua, dois lampiões:
- cartão postal do passado!
33
Vivas lembranças colhendo,
de uma vida bem vivida,
vou de saudades vivendo
o que me resta da vida...
34
Zé Cambono no pandeiro,
Zé Caboclo na zabumba,
Zé dos Santos de violeiro...
– Isto é forró, ou macumba?

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