quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Dorothy Jansson Moretti



A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.

A existência é definida
não por azar, mas por sorte:
quanto mais cheios da vida,
mais perto estamos da morte.

- Ai, doutor, não acredito...
Picada por um "barbeiro"?
Veja só, pois o maldito
me disse que era engenheiro!

A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
no pentagrama de prata.

"Ao céu vai o bem dotado.
E o criminoso aonde vai?"
Diz o filho do advogado:
"Não sei... isso é com meu pai..."

Bem outro seria o clima
se em tantos gritos cruzados,
fosse ouvida, lá de cima,
a prece dos desgraçados!

Cheguei tarde para a festa...
De véu, grinalda e um sorriso,
ela é a imagem que me resta
de um pretenso paraíso.

Dizemos que o tempo voa,
e enquanto filosofamos,
ele vive aí, à toa,
e somos nós que voamos.

Dizem que amas de mentira,
mas gosto de acreditar,
e até que um dia eu confira,
vou-me deixando enganar.

Do coveiro, a noiva, rente
É tão magra o estrupício
Que ele diz: "Literalmente:
Casei com os ossos do ofício."

Do que agitou nossas almas,
restam sonhos calcinados,
cingindo as crateras calmas
de dois vulcões apagados!

Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.

Em cada tarde a cair,
vejo a vida em agonia,
aos poucos se despedir
na morte de mais um dia.

- Este bolso é meritório,
nunca viu nada roubado!
Perguntam lá do auditório:
- Terno novo, Deputado?

Eu me faço de blindado.
Amor? Bobagem... Pieguice...
Meu medo é que, apaixonado,
eu me envolva na tolice.

Guri do boné virado,
estilingue... palavrão...,
hoje, vigário ordenado: –
Pax vobiscum, meu irmão! 

Irrequieto, o molecote,
no jeitinho turbulento,
parece um mini-quixote,
perseguindo um catavento.

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me sonhando outra vez!

Na taça de cada dia,
a transbordar de amargura,
cai um pingo de alegria,
e o fel se torna doçura.

Nossa terra e a terra lusa,
na doce língua que as liga,
são cordas nas mãos da musa,
cantando a mesma cantiga.

O amor, ao termo da vida,
deixa na pauta apagada
uma só nota sentida,
canto de cisne... mais nada.

O cara dentro do armário
diz: “Não é o que você pensa”...
“Eu já sei”, responde o otário,
“o gajo é o lá da despensa”.

Ora eloqüente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés de um Nada.

Os erros que fiz na vida
quero apagar sem alarde
mas, a consciência revida
e, aos brados, me diz: é tarde!

O sol, cumprida a rotina,
cerra o painel em que atua,
some por trás da colina
e abre o portão para a lua.

Pancada de chave inglesa
amontoou o Garcês,
que para a própria surpresa,
acordou falando inglês!

"Para sempre!" Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.

Por que é que eu te chamo, Nei,
de 'porquinho' ... faz favor?
É que ainda eu não cheguei
ao tamanho do senhor...

Presença eterna do ausente,
perfume em frasco vazado,
saudade é sombra incoerente
num coração apagado.

Quando me entrego ao passado,
sinto-o tão perto e envolvente,
que – esquecido e enevoado –
longe de fato... é o presente.

Que bela seria a vida
se, acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!

"Que tanto estudas, Leal?"
"Geografia, Seu Garcês."
"Humm... e onde está Portugal?"
"Na página cento e três."

Somos tão bem afinados,
que, em termo gramatical,
podíamos ser chamados
"encontro consonantal"!

Tecendo trovas ao vento
nascidas do coração,
num pouco de luz e alento,
Eu disfarço a solidão.

Trem-de-ferro, o teu apito
lembra-me um sino plangente:
tanta mágoa no teu grito,
tanta saudade na gente!”

Triste e sozinha eu me deito,
mas encontrando um desvão,
a lua invade o meu leito,
e afugenta a solidão.

Vendo, em mudo sofrimento,
a vida me desertar,
entendo, enfim, porque o vento
se recusa a silenciar.

"Vovô, feche os olhos já!
Vi papai dizendo à Guida
que quando você fechá,
vamo ficá bem de vida!”

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