quarta-feira, 8 de março de 2017

J. G. de Araujo Jorge (1914 - 1987)


1
Ah, mãos tão frágeis, parecem
pedir arrimo e guarida...
E entretanto, se quisessem
guiariam minha vida...
2
Ah, trova com quem me enleio...
- Tens um gingado qualquer
que lembra esse bamboleio
do corpo de uma mulher...
3
Amor que sofro, que almejo,
mata-me logo de vez!
Longe que estejas, te vejo,
ao teu lado, nem me vês...
4
Antes verdade isto fosse:
dizer que não penso em ti...
Mas basta ver-te, e acabou-se!
Me esqueço que te esqueci.
5
Ao ler uma bela trova
depois que pronta ficou,
- quem calcula a dura prova
por que o poeta passou ?
6
Aos meus ciúmes doentios
tu me disseste ainda nua:
- De olhos abertos sou dele!
De olhos fechados, sou tua!
7
A poesia que desejo
tiro de mim como aquela
cantiga do realejo
se alguém roda a manivela…
8
A saudade é este vazio
que a vida, ao partir, deixou;
rio seco, que foi rio,
porque a água já secou...
9
A saudade, intimamente,
devagarzinho nos rói;
é uma emoção diferente,
como uma dor que não dói.
10
A saudade me atormenta
e pesa como uma cruz,
- é como a sombra que aumenta
quanto mais se afasta da luz...
11
Assim tão só, como eu fico,
tão sem ti, neste amargor,
quem dirá que eu já fui rico,
milionário de amor?!
12
Às vezes não acredito:
- como há de findar assim
o nosso amor infinito ,
se o infinito não tem fim?
13
A todos prende e cativa,
e não se rende a qualquer...
- É pequena, mas esquiva...
... Não fosse a trova, mulher...
14
A Vida - ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo!
15
A vida passa e a saudade
passa a ser a vida ausente,
- é uma vaga claridade
de um clarão de antigamente...
16
A vida - uma onda que avança
e volta - vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança!
Quanta amargura, ao voltar!
17
Cão de guarda, ameaçador,
a rosnar, furioso e cego
eis afinal, meu amor,
este ciúme que carrego...
18
Como o quadro na moldura,
como a rosa no botão,
como Deus na criatura,
- estás no meu coração.
19
- "Crê na vida!" - eis o conselho
da Esperança, ante a desgraça...
A face fria do espelho,
de calor ainda se embaça...
20
Definir a eternidade
é fácil, já a defini:
é o instante de saudade
e eu vivo longe de ti.
21
Delicados diademas
trabalhadas obras-primas...
...Tuas mão são dois poemas
rimando, em vermelhas rimas…
22
De mãos dadas com as lembranças,
com o mar, com a noite, com a lua,
faço versos, como as crianças
fazem ciranda na rua...
23
Deslumbrada, com certeza,
a tua própria camisa,
ao descobrir-te a beleza,
para um momento indecisa...
24
Dosado, o ciúme é tempero
que à afeição da mais sabor...
Mas se chega ao exagero
é o pior veneno do amor...
25
E como que por encanto
minha dor se vai embora,
pois estas trovas que eu canto
são feitas... como quem chora...
26
E eis a suprema ironia
ao meu coração ferido:
- Tu foste trair-me um dia,
mas, com quem? - Com teu marido...
27
Este amor nunca se apaga:
é chama que me incendeia,
é espuma a florir na vaga,
é vaga a brincar na areia.
28
Eu faço versos assim
como quem respira ou canta,
a poesia nasce em mim
como do chão nasce a planta...
29
Longe o amor, quem pode amar?
Tudo é inquietude, aflição...
A saudade é falta de ar
asfixiando o coração...
30
Louco de amor, te busquei,
e ao te encontrar, percebi
que não fui eu que te achei;
eu, sim, é que te perdi.
31
"Matar saudades", querida
é uma expressão, simplesmente,
pois, em verdade, na vida,
saudade é que mata a gente
32
Mentiste? Foste mesquinha?
Que importa se já não cremos?
Importa é que foste minha
que eu fui teu, e que vivemos!
33
Minha maior alegria
minha glória humilde e nua
é ver a minha poesia
fazer ciranda na rua...
34
Misto de pranto e alegria,
sol e chuva, sonho e dor,
a saudade é o sol num dia
de chuva, no nosso amor...
35
Na despedida - com pressa -
escrever me prometeste.
Esqueceste da promessa,
ou apenas me esqueceste?
36
Nesse jardim de surpresas,
que foi o amor que me deste,
as violetas são tristezas,
minha saudade, um cipreste.
37
No peito dos marinheiros
nasceu , cresceu, emigrou...
Mas nos porões dos "negreiros"
foi que a saudade... chorou!
38
No teu olhar há dois sóis,
na tua alma, um mal-me-quer,
e há duas luas redondas
no teu corpo de mulher...
39
(Ó Amor, como desandas!)
Ontem, ciúmes... mil espreitas...
Hoje, nem sei onde andas,
nem em que cama te deitas...
40
O tal ditado é um conselho,
não te mostres desolado:
- "há sempre um chinelo velho
para um pé doente e cansado..."
41
Ó vento, que em ti resumes
tudo quanto a vida tem:
- tu, que trazes perfumes,
levantas poeira também...
42
Partiu com sonhos de glória!
Ficou com a dor e a tristeza!
Eis afinal toda a história
da saudade portuguesa!
43
Perigoso, onipotente,
verdadeiro ditador...
o ciúme é um cego, doente,
ou um doente, cego de amor?
44
Persistente e fina dor,
sombra da felicidade,
ânsia e gemido de amor,
lembrança e espera... Saudade.
45
Podes ter outro Senhor,
até mais rico que um Rei,
mas nunca mais outro amor
há de te dar quando dei.
46
Poesia, flor de mistério
que brota do coração
e abre as pétalas de etéreo
no céu da imaginação.
47
Por certo a pior solidão
é aquela que a gente sente
sem ninguém no coração...
no meio de muita gente...
48
Por certo que me comovo,
nem glória existe maior :
ouvir um poeta o seu povo
dizer seus versos de cor !
49
Por ironia maior,
sorriste do meu desgosto,
e sepultaste este amor
nas covinhas de teu rosto...
50
Praias longe, em solidão
fora de todas as rotas,
tal como o meu coração
como o sonho... das gaivotas...
51
Quando estás longe, querida,
na minha angústia sem fim,
saudade é o nome da vida
que morre dentro de mim...
52
"Quem canta os males espanta"
Disto, afinal, tenho prova,
pois meu sofrer hoje canta
e se desfaz numa trova.
53
- "Quem espera desespera...."
- "Quem espera, sempre alcança..."
Ah, meu amor, quem me dera
esperar tendo esperança!
54
Resta um consolo: pensar
no amor que juntos colhemos...
Nem Deus pode tirar
os instantes que vivemos!
55
Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas,
quero que as rosas te vejam...
56
Saudade é fidelidade,
e eis como a imagem se explica:
partem o amor, a amizade,
todos partem... ela fica.
57
Saudade, - estranha ilusão,
que a solidão recompensa,
presença no coração
maior que a própria presença...
58
Sempre fiel, e verdadeira
vigia da nossa dor,
ó saudade, companheira
dos solitários do amor...
59
Se a coisa dada, algum dia,
de nós não fosse tirada,
ainda assim, gente haveria
que nunca daria nada.
60
Tudo é trova: a flor, a onda,
a nuvem que passa ao léu
e a lua, trova redonda
que a noite canta no céu!
61
Tu tão moça, eu tão vivido.
Tantos anos de permeio.
Bem poderias ter sido
o grande amor que não veio...
62
Velhos mastros, verticais
como certos pensamentos,
vossas bandeiras de paz
são almas soltas aos ventos.
63
Vida amarga! E na amargura
da vida, eu pensei, querida:
- quem dera a tua doçura
para adoçar minha vida!
64
Vi teu retrato, - revivo
um velho amor que foi meu...
A saudade é um negativo
de foto que se perdeu...
65
Vivo a vida cada dia,
vida comum, sem engodos,
por isto a minha poesia
reflete a vida de todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...