segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Octávio Babo Filho (1915 - 2003)


1
A diferença que vejo
entre a virtude e o pecado:
– virtuoso - peca a varejo,
pecador - por atacado.
2
A facilidade imensa
com que os homens são julgados
simboliza bem a crença
de sermos todos culpados.
3
A força do inevitável,
já pela força que tem,
faz o destino imutável,
sem indagar quem é quem.
4
Ante a vinda inesperada
da indesejável cegonha,
de susto morre a empregada,
morre o patrão... de vergonha!
5
Ao partires, mãe querida,
deixaste a imagem comigo:
nem durante toda a vida
eu te segui como sigo!
6
A paz verdadeira e pura,
que a consciência enobrece,
é a que sente a criatura
que, para subir, não desce.
7
As desventuras da vida,
eu não as conto a ninguém,
pois mágoa, que é transmitida,
se multiplica por cem.
8
Bem que procuro ser santo,
mas não consigo, porque
eu encontro em cada canto
alguém que lembra você...
9
Buscando falsa razão
para razão que não tem,
ninguém ilude o irmão
sem iludir-se também.
10
Construíste mil castelos...
E a tua imaginação,
depois de sonhos tão belos,
quis morar num barracão...
11
Convém às vezes fugir,
porque a presença frequente   
não deixa a gente sentir
se sentem falta da gente.
12
Creio que ninguém duvida
desta inconteste verdade:
há mundo, mas não há vida,
quando falta a liberdade!
13
Dentro da imensa tristeza
que a minha alma sempre invade,
o que me mata é a certeza
de não sentires saudade.
14
Dois destinos são iguais,
na proporção em que dois,
sofrendo menos ou mais,
sofrerão juntos, depois.
15
Enquanto os povos discutem
a teoria da paz,
os mais fracos se desnutrem
e os mais fortes comem mais…
16
Esta Fé que hoje me invade,
traz tanto alento à minha alma
que, dentro da tempestade
sinto a natureza calma!
17
Eu perdi muita amizade,
defendendo injustiçados.
- É que o vento da maldade
sopra de todos os lados.
18
Eu rezo em casa, na igreja,
na rua, em qualquer lugar...
Duvido Deus não esteja
onde costumo rezar!
19
Façamos logo um acordo,
sem queixa, mágoa ou rancor:
– dividamos o ciúme,
multipliquemos o amor.
20
Gosto de moça formosa,
sabendo embora o perigo
- Eu não desprezo uma rosa,
temendo o espinho inimigo…
21
Mãe - é palavra sem rima,
buscá-la é inútil, não tente,
pois mãe está muito acima
de tudo, coisas e gente.
22
Minha mulher não perdoa
a quem me faça maldade.
Não porque ela seja boa:
– pretende é exclusividade!  
23
Na mentira a se perder,
não sabe aquele infeliz
que ele nunca se faz crer
nem nas verdades que diz.
24
Não dou ouvido ao lamento
e não escondo o porquê:
tudo, na vida, é um momento
- e o meu momento é você...
25
Não há calvários iguais,
toda cruz é diferente,
e as cruzes que pesam mais
são sempre as cruzes da gente.
26
Não lhe adivinhando o nome,
batizei-a de Maria.
E o remorso me consome:
– nunca vi tanta heresia!
27
Não nos feneçam os sonhos,
deles precisamos tanto!
Mudam pensares tristonhos
e secam fontes de pranto.
28
Nascemos sentenciados:
“Os que vierem se vão”.
E nem somos informados
do dia da execução...
29
Os santos de antigamente
só foram santos, porque,
conhecendo tanta gente,
não conheceram você...
30
Penetrei fundo demais
no poço das ambições.
Vejo, agora, o mal que faz
um sonho sem proporções.
31
Poeta mau não conheço,
mau poeta ah, isto sim!
Conheço e digo onde mora:
bem aqui… dentro de mim.
32
Por que será que você,
tendo os defeitos que tem,
os seus defeitos não vê,
vendo os dos outros tão bem?
33
Quando penso em falsidade,
teu nome logo me vem:
Teu nome: Felicidade!
- Felicidade? De quem?...
34
Quanta alegria semeia
quem vive sempre contente:
- A felicidade alheia
também faz feliz a gente.
35
Quem da riqueza faz praça,
muito cedo se esqueceu
de que Deus tira de graça
o que, de graça, nos deu.
36
Quem constrói seu barracão
no do vizinho apoiado,
pelo sim e pelo não,
confia... desconfiado!
37
Saber não ocupa espaço,
mas é preciso que a gente,
ao caminhar, passo a passo,
modere o passo da frente...
38
Saudade, o mundo embalando,
dói, de modo tão diverso,
que o poeta, mesmo chorando,
pode cantá-la em seu verso.
39
Se a morte nos avisasse
a respeito do seu dia,
não creio que nos matasse:
a gente é que morreria...
40
Se é por simples gentileza
que a mim você se anuncia,
não me leve a mal, Tristeza!
Prefiro a casa vazia!
41
Se o trabalho me enfastia,
eu dele logo me vingo,
fazendo, de cada dia,
a sucursal de domingo…
42
Se querer fazer mistério
de coisas tão triviais:
- É na paz do cemitério
que vivem todos em paz…
43
Se toda gente soubesse
como custa querer bem,
quanta gente gostaria
de não gostar de ninguém!
44
Tenham medo é dos medrosos
- fugidios, reticentes -,
mil vezes mais perigosos
que os atrevidos valentes...
45
Teus encantos, criatura,
mexeram tanto comigo
que eu vivo da desventura
de sonhar sempre contigo…
46
Toda mulher tem seu quê,
tem um encanto qualquer.
Não tendo, é o que a gente vê
naquela que a gente quer.
47
Trabalho, sem me cansar.
E é tão bom que seja assim!
- Chego, às vezes, a pensar
que Deus trabalha por mim.
48
Ventura... Felicidade...
Duas palavras vazias
que, depois de certa idade,
não enchem mais nossos dias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...