quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Adalberto Dutra Rezende (1913 - 1999)


1
A esperança sempre tem
um jeitinho enganador:
é tão verde quando vem,
depois vai mudando a cor...
2
A missão será cumprida,
quer tu acertes ou falhes;
Deus traça as linhas da vida,
e o destino, seus detalhes...
3
Ao céu eu faço, baixinho,
um pedido, o dia inteiro:
que seja sempre vizinho
do meu o teu travesseiro…
4
Ao chegar a abolição,
que surgiu com falso enleio,
foi se embora a escravidão
e a liberdade não veio!
5
Ao julgardes os humildes,
não o façais com rigor,
porque estais sendo julgado
ante os olhos do Senhor.
6
Aquele sonho secreto,
que minha alma acalentou,
foi seu brinquedo dileto
e o meu destino o quebrou!
7
As curvas e encruzilhadas
quantas mudanças contém,
modificando as estradas
e os transeuntes também!...
8
A uma alegria alcançada
vem a tristeza, em seguida...
Estrada toda manchada
de sombra e luz - nossa vida!
9
A vida é ponte comprida
por onde nós caminhamos…
pouco a pouco é destruída
à medida que passamos!
10
Como a sombra é muita gente
que, em horas boas ou más,
ou nos vai fugindo à frente
ou nos vem seguindo atrás.
11
Conta-me histórias, às pressas,
a esperança e eu fico a ouvi-las...
e, contando-as, faz promessas
sem intenção de cumpri-las!
12
De tédio o rio enlouquece
na solidão das quebradas...
e a cachoeira parece
ser as suas gargalhadas.
13
Era a minha fantasia
toda verde, sem mudança,
quando a saudade vestia
a roupagem da esperança!…
14
Esperança – voam aves…
Galhos, cascas flutuando…
Colombo comanda as naves
cheias de nautas cantando.
15
Medita o velho tristonho
e, em monólogo, baixinho,
parece chamar um sonho
que se perdeu no caminho...
16
Minha vida transcorreu
em tão louca disparada,
que o poente apareceu
e era, ainda, madrugada!...
17
Muitos metais que há na terra
teriam grandes destinos
se, ao invés de canhões de guerra,
tomassem forma de sinos.
18
Na infância eu ia cantando
uma canção terna e amiga,
mas a vida foi mudando
toda a letra da cantiga!...
19
Não passa o tempo, ao contrário,
todo passado é presente:
se passa no calendário,
não passa dentro da gente.
20
Nossos destinos evitam
nos unir, pelas estradas,
e os meus passos se limitam
a seguir tuas pegadas...
21
O que faz triste uma ausência
é a brevidade da vida,
por isso é curta a existência
para conter despedida.
22
O tempo vai se arrastando...
o seu pêndulo balança
e a gente vai se agarrando
em pedaços de esperança!...
23
Por uma falta de senso
eu a deixei... que tolice!
E o nosso amor era imenso
- foi a saudade quem disse...
24
Primeiro amor... era inverno,
nós dois saindo da infância...
Fica mais puro, mais terno,
visto através da distância!
25
Quando minha alma se atreve
a sonhar um pouco mais,
a esperança diz: "em breve"
e o destino diz: "jamais"!
26
Quem oprime o pensamento,
a inteligência de escol,
é nuvem, no firmamento,
tentando esconder o Sol.
27
Quem seu ciúme proclama,
fazendo questão de expô-lo,
insulta aquela a quem ama,
e ainda faz papel de tolo…
28
Que o negro ao branco revele
sentenças deste teor:
a alma humana não tem pele
e a virtude não tem cor.
29
Se uma nuvem tem por meta
vedar do Sol o clarão,
não veda, apenas projeta
a própria sombra no chão.
30
Sob a luz do Sol nascente
segue o velho, estrada a fora...
- É uma gota de poente
vagando dentro da aurora...
31
Unidos, nunca dispersos,
vivem brincando os meninos.
Depois... caminhos diversos,
encruzilhadas, destinos!
32
Vida, canção que se esgota
com o tempo que a castiga...
e cada sonho é uma nota
a compor essa cantiga!

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