terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Humberto Rodrigues Neto


1
A alguém, só por seu sorriso,
nunca julgue, eis meus conselhos;
muita vez, por trás de um riso,
há uma alma de joelhos!
2
Ah, que fados sorrateiros
têm nossas vidas sombrias...
os leitos sempre solteiros,
de duas camas tão vazias!
3
A noite, de ar seco, anidro,
por não ver no céu a lua,
põe-se a acender sóis de vidro
nos postes da minha rua!
4
Ano velho não demora,
põe-te ao largo e vai saindo.
Anda, ano velho! Cai fora,
pois o novo já vem vindo!
5
Anseio ver-te assim louca
presa aos meus lábios tiranos,
pois repriso na tua boca
meus beijos dos vinte anos!
6
A saudade é suavidade
e engana-se o que a maldiz,
pois só chora de saudade,
quem um dia foi feliz!
7
As contas de amor resolvo,
pois com dívidas não brinco,
teu beijo com dois devolvo
pra me dares outros cinco!
8
As flores fito uma a uma,
e mais que eu nelas repare,
em beleza não há nenhuma
que contigo se compare!
9
As mulheres são primores,
que Deus fez pensando em mim...
e ao perceber que eram flores,
plantou-as no meu jardim.
10
Às vezes fico sonhando
com coisas que não consentes:
minhas mãos metrificando
tuas formas adolescentes!
11
A um retiro me decido
levar-te pra ousarmos mais,
mas calo e não te convido,
porque não sei se tu vais!
12
A vida passa, e enquanto
passa a vida eu penso nela;
só não passa este quebranto
que eu passo na ausência dela!
13
Buscar o céu noutro espaço,
não, meu bem, não é preciso;
se eu tiver o teu abraço,
que me importa o paraíso?
14
Cascatas, selvas e fontes,
se em rimas tento escrevê-las,
vejo sóis saltando montes
e noites fervendo estrelas!
15
Como é bom, como eu desejo,
quanto a minh'alma se agita
de nos lábios ter um beijo
de mulher moça e bonita!
16
Como é doce, em terno encosto,
debruçar por entre apelos,
o entardecer do meu rosto
na noite dos teus cabelos!
17
Como sofrem meus desejos,
ao saber, meu querubim,
que os teus braços e os teus beijos
não foram feitos pra mim!
18
Confesso-te meus queixumes,
que esquecer jamais consigo:
suportar mortais ciúmes
desse alguém que está contigo!
19
Dá-me, Deus, com certa urgência,
a graça que aqui rabisco:
dez por cento da paciência
que puseste em São Francisco!
20
Dá-me um beijo bem ardente,
já que és moça e tão menina,
só pra ver se assim a gente
sente algo que combina!
21
Das mágoas que me consomem,
a que mais me faz chorar
é ter ciúme do homem
que puseste em meu lugar!
22
Desse teu beijo fagueiro,
jamais vou sentir-me farto...
dá-me mais dois, e um terceiro,
e mais três depois do quarto!
23
Deus foi artista perfeito
no marcar da noite os mastros,
mas bem que podia ter feito
dos teus dois olhos, dois astros!
24
De vez em quando o ciuminho
vem junto a mim e reclama;
sente inveja desse ursinho
com que enfeitas a tua cama!
25
Dois mimos teus inda anseio,
pois vivos n’alma os mantive:
o abraço que jamais veio
e o beijo que nunca tive!
26
Do paraíso os recamos
não estão nas Escrituras,
pois de há muito os desfrutamos
nas nossas mútuas loucuras!
27
Do teu rosto a linda imagem
é um colírio à nossa vista,
parece até personagem
dessas capas de revista!
28
Eis um rápido resumo
do que seja um cabaré:
drinques, droga, e pra consumo
mulheres sem rumo ou fé!
29
Em matéria de grandeza,
Deus não se omitiu em nada;
pegou tudo que é beleza
e deu tudo à minha amada!
30
É nos becos da tua rua
que eu quero te namorar,
pra que só o olhar da lua
se atreva a nos espiar.
31
Entre afagos e carinhos,
pressentem meus sonhos vãos
que há mil sins escondidinhos
na timidez dos teus nãos!
32
Entre nós Deus colocou
da distância os desatinos;
sem saber crucificou
na mesma cruz dois destinos!
33
É sublime ouvir o frolo
da saia erguida em viés...
desde a alvura do teu colo
ao rosado dos teus pés!
34
É tão intenso e tão terno
nosso eclodir de ternuras,
que nem sei se vai pro inferno
quem comete tais loucuras!
35
Eu não sei qual julgamento
de ti sobre mim recaia,
mas adoro ver o vento
levantando a tua saia!
36
Lisinhas, macias, mimosas,
carinhosas e branquinhas,
são fofinhas, são formosas
quais duas rosas, tuas mãozinhas!
37
Mesmo em invernos cerrados,
as nossas sensuais fraquezas
tornam dois corpos gelados
em duas fogueiras acesas!
38
Meu amor, eu não pensava,
que pra ver o paraíso,
bastava, apenas bastava
contemplar o teu sorriso!
39
Meus olhos não mais buscaram
mentirosos paraísos
desde o dia em que pousaram
no encanto dos teus sorrisos!
40
Mimos de tanta beleza,
tais como os teus, jóia minha,
não possui uma princesa,
nem os sonha uma rainha!
41
Não maldigas as diabruras
que o amor nos faz cometer,
antes fazer mil loucuras
que ser sãos e não viver!
42
No amar-te tanto é que sinto
do pecado o vil assomo,
pois ao te abraçar pressinto
mil tentações que eu não domo!
43
No céu Deus gravou a face
de faiscantes universos
pra que o poeta os cantasse
na beleza dos seus versos!
44
Noel: nem chinelos tenho
pra pores uns brinquedinhos;
então, suplicar-te eu venho:
dá-me um par de sapatinhos!
45
No olhar que a noite esquadrinha,
eu procuro a imagem tua
e te encontro sentadinha
na foice prata da lua!
46
Noutra mulher não havia
sentido o amor tão desperto,
pois antes sequer sabia
que o céu ficava tão perto!
47
Os meus dois olhos castanhos
são tristes, pobres, plebeus...
não têm encantos tamanhos
como esses que têm os teus!
48
Pergunta ao mestre o aprendiz:
- Que é a luz, nos conceitos teus?
E a sorrir, Einstein lhe diz:
– A luz é a sombra de Deus!
49
Por nuances maravilhosas
meu raciocínio se espraia
no quão devem ser ditosas
as tuas colchas de cambraia!
50
Possa eu dar-te, ó sepultura,
algo que os vermes não comem:
mente limpa e alma pura,
dois tesouros num só homem!
51
Pra não viver tão sozinho,
quisera ter-te por dona,
só pra ser como o gatinho
que em teu colinho ronrona!
52
Qual cortesã libertina,
assim que surge o arrebol,
a serra despe a neblina
e exibe a nudez ao sol!
53
Quando deito me angustio
com carinho tão escasso,
e me abraço ao travesseiro
na ilusão de que te abraço!
54
Que em nós dois Cupido mire
suas flechas num voo breve;
que de ti ninguém me tire,
que de mim ninguém te leve!
55
Quem foge à paixão tirana
temendo remorsos ter,
ou tem uma mente insana,
ou nunca amou pra valer!
56
Quero afastar os revezes
das mágoas que me consomem:
ser teu menino cem vezes
e mil vezes ser teu homem!
57
Quero, em anseio incontido,
do céu levar-te aos confins,
e escutar junto do ouvido
teus nãos simulando sins!
58
Que vivam na dor, conjuntos,
dois corações machucados,
pois é melhor sofrer juntos
do que chorar separados!
59
Remexo da mente o cofre,
mas não descubro o que é isto:
na face de alguém que sofre
eu vejo o rosto do Cristo!
60
Saudade é glória ou castigo
quando alguém, num tom pungente,
noss'alma leva consigo
e deixa a sua com a gente!
61
Saudade, pensando bem,
é quando a mente se queixa
que tenta esquecer alguém,
mas o coração não deixa...
62
Se consulto o coração
pra ver aquela que o dome,
ele pulsa de emoção
e diz baixinho o teu nome!
63
Se há algo que nos deslumbra
e ao proibido nos inclina,
é aquele beijo em penumbra
no cerrar de uma cortina!
64
Sempre alheia ao meu apelo,
és a encarnação de Fedra,
pois em teu peito de gelo
bate um coração de pedra!
65
Se puxo as mãozinhas tuas,
tento mais perto senti-las
pra ver dividida em duas,
minha face em tuas pupilas!
66
Se teu bem partiu, foi embora,
não penses nunca mais nele;
enxuga os olhos, não chora,
e me põe no lugar dele!
67
Sobre meu chão colocaste
um mar de espinhos e abrolhos
desde o dia em que lançaste
sobre mim teus lindos olhos!
68
Somos seres incompletos
vivendo eterno amargor...
Você tão pobre de afetos
e eu tão carente de amor!
69
Valei-me, ó Deus, me conforta...
piedade, Senhor, piedade!
me afasta, da esposa morta,
o martírio da saudade!
70
Vão tão bem os teus pezinhos
calçadinhos nas chinelas,
que os meus olhos, coitadinhos,
vão doidinhos atrás delas!
71
Vê como a sorte judia
do nosso amor (coitadinho!):
a tua cama tão vazia,
e eu na minha tão sozinho!
72
Vem, neste inverno polar,
aquecer-me em teus mormaços...
Vem, meu quindim, me aninhar
no verão dos teus abraços!
73
Vem, ó “Príncipe Encantado”
dar nela o beijo da vida,
depois deixa a meu cuidado
a tua “Bela Adormecida”!
74
Ver amor igual ao nosso,
nunca sonhes nem esperes:
quero ter-te, mas não posso,
podes ter-me, mas não queres!

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