sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Wanda de Paula Mourthé


1
Alegrias coleciono
neste meu tardio amor.
É na colheita do outono
que os frutos têm mais sabor.
2
Ao seu filho, desde cedo,
ministre a boa lição:
em vez de armas de brinquedo,
ponha um livro em sua mão!
3
A realidade transponho
e vivo em mundo ideal...
Quero as mentiras do sonho,
não as da vida real!
4
Arma um barulho no "ninho"
ao ver que a cara-metade
curte um som com o vizinho
em "alta-infidelidade!"
5
– Barata em pinga?! Que horror!
E a garçonete “sensata”:
– Mas não pediu o senhor
a cachaça mais barata?
6
Bebe a sogra mais que Baco
e, tendo um gênio de cão,
consegue armar um barraco
maior que meu barracão!
7
Chega bêbado… sequer
distingue um rosto e malogra:
dá alguns tapas na mulher
e muitos beijos na sogra!
8
De um amor que é só miragem
finjo agora ter o assédio,
para escapar da engrenagem
dessa moenda que é o tédio.
9
Disse pra linda tainha
o peixe, muito gamado:
– Casa comigo, peixinha,
que eu estou “apeixonado!”
10
Envolta em brilhos e cores,
a natureza se esmera
para, em delírio de flores,
eclodir na primavera.
11
Esta angústia indefinida,
que sempre à noite me invade,
são sombras próprias da vida
ou disfarces da saudade?
12
Eu fui náufrago da sorte
em um mar de solidão,
mas teu amor foi suporte
e tábua de salvação!
13
Forçada a escolhas na vida
- teatro que não domino
fui marionete movida
pelos cordéis do destino!
14
Gente que escolhe sem tino
as propostas da existência,
quando erra, culpa o destino
pela própria incompetência.
15
Lembranças de amor desfeito...
silêncio em horas tardias,
pois tua ausência em meu leito
dorme onde outrora dormias.
16
Meu coração se comove
por te sentir ao meu lado,
quando a saudade se move
entre as sombras do passado!...
17
Meu diário! Em tuas folhas
morrem desejos sem fim...
Pago o preço das escolhas
que outros fizeram por mim.
18
Minha insensata paixão
passou – transpondo barreiras –
das fronteiras da ilusão
para a ilusão sem fronteiras...
19
Minha madrasta é um bagulho!
No pomar, se abrir os braços,
mesmo sem fazer barulho,
vai espantar os sanhaços!
20
Minha mulher é nanica,
mas na cama é colossal:
ronca mais do que cuíca
na terça de carnaval!...
21
Na feira de antiguidade,
ao ancião combalido
perguntam, não sem maldade:
-Vem comprar ou ser vendido?
22
Na noite do seu casório,
sendo um noivo muito antigo,
usou até suspensório,
mas não sustentou o artigo...
23
Não importam a censura
e o louvor da sociedade:
procuro viver à altura
da minha própria verdade!
24
Não prometo, em nossa história,
meu amor por toda a vida,
porque a vida é transitória,
e meu amor, sem medida!...
25
No lento passar das horas,
em insônia e devaneio,
contei inúteis auroras,
à espera de quem não veio.
26
O casca-grossa sincero
pede a mão da moça aos pais:
– Da sua filha eu espero
ter a mão e tudo mais…
27
O destino traiçoeiro
separou-nos, sem piedade,
mas o amor fez do carteiro
o porta-voz da saudade.
28
Olho a rua... a noite avança,
tudo adormece ao luar...
Dorme até minha esperança,
pois cansou de te esperar!
29
– O meu marido é carteiro;
porém bem cedo aprendeu
que, no lar, o tempo inteiro,
quem dá as cartas sou eu!
30
Os meus sonhos delirantes,
em sua trilha fugaz,
são feito nuvens distantes
que o vento logo desfaz.
31
O teu silêncio me afronta;
nem breve mensagem veio,
mas meu amor faz de conta
que a culpa é só do correio.
32
Pão-duro, o cara declara:
– Ter cara-metade é asneira.
Se a metade já é cara,
imagina a esposa inteira!
33
Partiste...e meu desencanto,
vendo ruir a ilusão,
escorre em gotas de pranto,
orvalhando a solidão.
34
Partiu... nem disse o motivo,
e eu, da saudade à mercê,
estou vivo, mas não vivo,
pois não vivo sem você.
35
Quando pisam no meu calo,
“calada” não fico não,
pois sempre, em revide, falo
frases de “baixo calão”.
36
Que me importam os cansaços
e o céu distante e encoberto,
se, quando presa em teus braços,
minha vida é um céu aberto?
37
Que sempre em mim se concentre
esta união que bendigo:
filho nascendo do ventre,
coração gerando o amigo!
38
Se a voz do orgulho me impele,
sempre, a esquecê-lo de vez,
a paixão, à flor da pele,
impõe silêncio à altivez.
39
Sem oásis, retirante,
na aridez do teu sertão,
única sombra flagrante
é tua sombra no chão.
40
Tanto amor e afinidade
entre nós dois, já se vê,
que perdi a identidade:
eu sou eu... ou sou você?
41
Tua partida me fala
do teu desprezo... um açoite!
E a saudade não se cala
nem na calada da noite...
42
Uma estrela cintilante,
os Reis, a Belém conduz.
Maria, mais fulgurante,
deu à luz... a própria Luz!
43
Volto à capela em que, um dia
me esperaste ao pé do altar...
E hoje a saudade, em magia,
me espera no teu lugar...

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