1
A mentira mais sincera
sempre peca pelo excesso:
agradar a quem espera
que essa vida é só sucesso.
2
Ante os "beijos do cinema",
o casal enfim se rende;
todos sabem que esse tema
facilita um "happy end".
3
Ao clarão da tarde quente,
te abandono e tenho medo:
quando chove só na gente,
nasce a lágrima em segredo.
4
Ao tentar ser mais feliz,
disse adeus à solidão;
mas nenhum amigo quis
animar-me um violão...
5
Ao tomar de um violão,
tomo o bonde da esperança;
no abandono da estação,
estaciono em mim criança.
6
As palavras caem frouxas
no terreno dos ouvidos;
as imagens são as trouxas
nestes ombros doloridos.
7
Cada história dessa vida,
no arvoredo de uma voz
que se fez de adormecida,
só renova a Elis em nós.
(Pelo Aniversário de Elis Regina)
8
Cada lágrima guardada
guarda, sim, o coração:
fica sempre represada,
entre a voz e um violão.
9
Calendário da mentira
tem seu próprio movimento,
mas o povo que se vira
vira o jogo e muda o vento.
10
Cansadíssimo de tudo,
dou adeus à Boa Sorte,
calo a boca, fico mudo,
mas te amo até a morte.
11
Canto triste, na ribeira,
denuncia o poetinha
que se dera à cordilheira,
poesia que ele tinha.
12
Carrilhões, barulho santo,
como a música em João
Pernambuco, doce espanto
que nos dói no coração.
13
Castro Alves, bom poeta,
como um grande cantador,
conquistou a nobre meta
de expurgar do negro a dor.
14
Coração de mentiroso
sempre tem um bom motivo
para achar maravilhoso
ser do próximo o mais "vivo".
15
Coração de namorado
bate as horas como o sino,
avisando que é chegado
novo amor ao seu destino.
16
Coração que diz “Adeus”
bate fraco e sem barulho;
queira logo, nosso Deus,
eu me livre desse orgulho.
17
“Devagar, se vai ao longe”,
diz o povo em seu adágio;
seu adeus me fez o monge
da “saudade sem pedágio”.
18
Entre campos e cidades,
esta máxima conduz:
as mentiras são verdades
que queriam vir à luz.
19
Entre velhos pergaminhos,
chilreando feito gralhas,
namorados são pombinhos
que dividem as migalhas.
20
Folhas secas são histórias
de um verão inesquecível;
entretanto, até memórias
têm seu tempo previsível.
21
Fora escrava e alforriada,
"Anastácia" em ré menor,
mas, no céu da batucada,
mulher negra é sol maior.
(Pelo Dia Latinoamericano da Mulher Negra)
22
Hoje, quando sou sincero
e lhe escrevo minha alma,
muito mais me desespero,
dando adeus a toda calma.
23
Inda espero, distraído,
por teu carro à minha porta:
canto triste, dolorido,
esperando quem me importa.
24
Já perdi seu telefone,
só me vale seu e-mail:
hoje vivo só, “alone”,
sem a hora do recreio.
25
Já são trinta e dois verões
sem Elis cantando ao vivo;
tempo passa sem senões,
pois seu canto é redivivo.
(Pelo Aniversário de Elis Regina)
26
Lá do Sul, do comecinho
do pais que tanto amou,
certa Elis fez seu caminho
no país que a consagrou.
(Pelo Aniversário de Elis Regina)
27
Ladrilhada de brilhante,
ou “sujinha” de poeira,
Poesia é todo instante
que se pega na “peneira”.
28
Meu amigo mais querido,
Baden Powell de ilusão,
fez-se em algo conhecido:
abandono e eterno não.
29
Meu amigo mais querido,
com histórias de aventura,
fez-se logo o preferido
da saudade que perdura.
30
Meu poeta preferido
não escreve, nem recita,
mas dedilha, comovido,
cada nota que visita.
31
Na historinha familiar,
o João chamou Maria,
e Maria, sem pensar,
fez a ele companhia.
32
Namorado sempre esconde
quando chora de saudade,
pois amor, se perde o bonde,
nunca perde a majestade.
33
Na valsinha da memória,
num coreto enfim desperto,
todo mundo vira história
e anoiteço em um deserto.
34
No cantinho, atrás da porta,
meu amor ficou sozinho;
muitas vezes, quem importa
diz adeus devagarzinho.
35
No desenho de um acorde,
no lirismo de uma rima,
eu só quero que concorde:
seu adeus é nosso clima.
36
No divã da inconsciência,
entre Freud e o próprio eu,
peço a Deus a paciência
que o Abandono já comeu.
37
No lirismo do palhaço,
todo feito em poesia,
fantasio e me desfaço
desta falsa alegoria.
38
No serão da fantasia,
entre quarto e o calendário,
violão faz companhia
para um homem solitário.
39
No sertão de minha vida,
vivo feito o Riobaldo:
só "veredas" dão guarida
para o rio do Olivaldo.
40
No seu dia, Poesia,
todo mundo fica atento:
a metáfora, tardia,
busca o pé até do vento!
41
O barquinho, Poesia,
de mil versos carregado,
desemboca n’alegria
do oceano desdobrado.
42
O ninguém se faz de “flor”,
vale bem o quanto pesa;
quando espeta o seu amor,
despetala quem despreza.
43
O Pinóquio poderia,
se ele fosse brasileiro,
ser o dono d'alegria
desse trem eleitoreiro.
44
O segredo do abandono
se revela ao sol mais pleno:
és verão, e sou outono,
neste inverno nada ameno.
45
O verão que amarelece
cai em folhas, coração;
mas você jamais fenece,
faz do outono floração.
46
Para honrar o meu ofício
e “animar” a biografia,
vou pular no precipício
dos amantes da poesia.
47
Poesia bota em cheque
toda a nossa imensidão:
tempo curto de moleque,
breve tempo de ancião.
48
Poesia, forma vaga,
lua fixa a nós defronte,
cada verso é tua baga
neste cacho de horizonte.
49
Por pensar demais em ti,
vivo o carma desta prova:
incorporo um bem-te-vi,
bem te vejo e faço trova.
50
Pra dizer adeus assim,
não precisa piedade:
basta ser um ser a fim
de matar felicidade.
51
Quando a banda toca Chico,
fico alegre e, de repente,
muito mais tristonho eu fico,
porque tu estás ausente.
52
Quando choro com razão
percebendo o que se deu,
dou-me inteiro ao violão,
que me dá o que era meu.
53
Quando eu era só abismo
no silêncio de meus ais,
tu me deste o “catecismo”
da amizade, luz no cais.
54
Quando vi a nossa foto,
desgastada, na gaveta,
vi nascer um terremoto
neste inóspito poeta.
55
"Romaria" de canções
arrastando a "Madalena",
travessia e comoções:
era Elis roubando a cena.
(Pelo Aniversário de Elis Regina)
56
Se jurei não mais falar
sobre nada do que disse,
é porque sou de trocar
a promessa por crendice.
57
Sem resposta a meus e-mails,
tua ausência é muito forte;
já tentei “milhões” de meios,
mas “deletas” minha sorte.
58
Se o verão lhe der licença
e o caminho for propício,
chegue e faça a diferença,
doce outono, neste início.
59
Solidão e violão
são irmãos e não se largam:
uma amarga o coração,
outro adoça os que se amargam.
60
Todo adeus tem duas beiras,
duas margens de amizade;
numa beira, estão trincheiras,
noutra beira, só saudade.
61
Todo outono faz de mim
o jardim que fora eterno;
mas o "eterno" do jardim
ressuscita findo o inverno.
62
Trabalhando desde cedo,
aprendendo a conquistar,
todo jovem perde o medo
de esboçar o céu no mar.
63
Uma casa de escritores
junto ao "rio guaçuano"
foi a causa dos amores
que cobri de desengano.
64
Um adeus só quer dizer
o que nunca se diria:
diz-se adeus para esquecer
quem jamais esqueceria.
65
Vaga-lumes incendeiam
a plateia de meninos:
são poetas que semeiam
poesia aos pequeninos.
66
Vulnerável coração,
coração dilacerado:
a cantora chora, não,
é soluço marejado.
(Pelo Aniversário de Elis Regina)
67
Violão deixado ao léu,
tua estante, muitas folhas,
todos vivem sem papel,
no entreato sem escolhas.
68
Violão que vive mudo,
sempre à espera de seu bem,
sonha dedos de veludo
que o dedilhem para alguém.
69
Violão, tens muitas cordas,
mais até que o coração;
entretanto, quando acordas,
só se move a da emoção.
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