sábado, 4 de fevereiro de 2017

Waldir Neves (1924 - 2007)


1
Abandono… O Sol declina…
Vem baixando a cerração…
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
2
A cortina da janela…
A cama… Tudo tal qual…
— Só que o cenário, sem ela,
nunca mais vai ser igual…
3
A espontânea palavrada,
que acompanha um tropeção,
faz bem crer que uma topada
seja a mãe do palavrão.
4
A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!
5
Ah!, meu peito… Esta saudade…
Quero que a expulses, que grites…
Tu lhe deste intimidade,
e ela passou dos limites!
6
Amanhece… A névoa fina
vai cobrindo a cerração…
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
7
Ao sair d’água, a banhista
gritou de vergonha: – “Xiii…”
no maiô, na frente e à vista,
veio agarrado… um siri !
8
A saudade, em horas mortas,
sem ver que o tempo passou,
teima em abrir velhas portas
que há muito a vida fechou…
9
Cai a noite… Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo perfume
um lamento sem tamanho…
10
Circo novo na cidade!
- No poleiro, a dar risada,
olhem lá minha saudade
no meio da garotada!
11
Depois que os céus lhe mandaram
As gotas do seu desejo,
duas outras marejaram
os olhos do sertanejo…
12
Deste-me um beijo – um somente!
E queres que eu me console …
- O desejo é sede ardente,
que não se mata de um gole!…
13
Deus intangível, etéreo,
mas sempre amor e indulgência,
guarda no próprio mistério
sua infinita evidência.
14
Deus que é paz… amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!
15
Doente, a velha cegonha
recusa trabalhos duros,
e pra não passar vergonha
só carrega … prematuros.
16
Enquanto eu durmo, querida,
minh’alma, por compulsão,
se aninha e dorme, encolhida,
aí… no teu coração.
17
Espalhou pedras à estrada
do velho barraco… “Ô xente!
Não dizem que é só topada
que põe o pobre pra frente ?…
18
É uma lágrima sentida
que toda mulher enxuga:
a que lhe rola escondida
por sobre a primeira ruga!
19
Faz teu ciúme um barulho
que me soa encantador.
- Ele acorda o meu orgulho
de dono do teu amor!…
20
Flagrado, na contramão,
no quarto da serviçal,
o vivaldino patrão
fingiu “confusão mental”
21
Folha em branco… A esmo, um nome
rabisco, na tarde calma.
E a angústia… que me consome…
vai rabiscando minh’alma…
22
Fugi do amor com receio
do seu fascínio… e o que fiz
foi só cortar, pelo meio,
meu meio de ser feliz….
23
Homem sem rasgos nem brilho,
a quem a luz não atrai,
vou me orgulhar se meu filho
tiver orgulho do pai.
24
Importuno e impertinente,
o desejo insatisfeito
sempre foi, literalmente,
meu “inimigo do peito”…
25
Irmãos no meu insucesso
o peito implora, a alma pede…
Todos querem teu regresso…
Só meu orgulho não cede!
26
Maduro ao sol outonal,
pela brisa acariciado,
freme, ondulante, o trigal,
num desvario dourado !…
27
Mais vibrantes, mais risonhos
a palpitar de inquietude,
diferem dos outros sonhos
os sonhos da juventude!
28
Meus braços estão vazios,
meus desejos transbordando,
meus pensamentos vadios
no quarto te procurando.
29
Motel chique… Olha o marido!!!
E a confusão foi tão feia,
que blusa virou vestido,
e sutiã virou meia.
30
Muito moço inconseqüente,
despreparado e revel,
ganha têmpera de gente
na bigorna do quartel.
31
Na casa do casal velho,
a confusão é total:
-lê-se o jornal no Evangelho;
e o evangelho, no jornal.
32
Não te esqueças, otimista,
de lembrar, no teu anseio,
que, entre o desejo e a conquista,
há sempre pedras no meio…
33
Neste abandono sofrido,
sou mais um, que, por vaidade,
deixou que o orgulho, ferido,
matasse a felicidade…
34
No abandono, desvairado,
levo noites a fitar
o vestido desbotado
que ela esqueceu de levar…
35
No apogeu do seu ardor,
tão ternamente se exprime,
que chamamos nosso amor
o “desvario sublime”.
36
No rubro céu da alvorada,
um ponto pisca e alumia…
- É uma estrela embriagada
que volta da boemia!
37
Nos abismos do mistério,
onde a razão perde a voz,
talvez o desvão mais sério
se oculte dentro de nós…
38
Nosso amor é, neste ensejo,
brasa oculta em cinza quente.
-Basta um sopro de desejo,
e arde em fogo, novamente…
39
No teu sucesso, milhares
Vêm implorar-te favores.
Uns poucos, se fracassares,
partilham das tuas dores
40
O abismo maior que existe,
o mais fundo que já vi,
é aquele que um homem triste
carrega dentro de si…
41
O desvario arrebata…
E eu fui por falso caminho.
Minha sombra, mais sensata,
deixou-me seguir sozinho…
42
O golpe da despedida
foi tão rápido e tão fundo,
que fracionou minha vida
numa fração de segundo…
43
O ladrão, envergonhado,
diz : – “Doutor, vim me entregar:
o roubo era tão pesado
que eu não pude carregar…”
44
O mendigo da calçada,
a quem a mágoa não poupa,
talvez tenha esfarrapada
bem mais a alma que a roupa.
45
Opondo orgulho e egoísmo
aos meus acenos risonhos,
cavaste o profundo abismo
onde enterrei os meus sonhos.
46
O vento leva a amizade,
leva o amor, o riso e os ais,
só não carrega a saudade,
- acha pesada demais!
47
Para a “sede de saber”
há no mundo água abundante.
Para a “sede do poder”
água nenhuma é bastante…
48
Perante a Divina Luz
a Ciência se ajoelha,
pois, sendo sábia, deduz
quem lhe acendeu a centelha…
49
Perguntou-me, à despedida:
– Quem sabe é melhor assim?…
E uma lágrima incontida
deu-lhe a resposta por mim!…
50
Por topadas em excesso
- um tormento em seu caminho –
o dedão abriu processo
contra os olhos do ceguinho.
51
Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis respostas
Foi em silêncio que eu dei.
52
Pra fugir do casamento,
o noivo, meio “frufru”,
alegou, como argumento,
“vergonha de ficar nu”
53
Provocador e brigão,
o General de Brigada,
sempre que arma confusão,
ela é… generalizada.
54
Quando a jovem aluada
deu, no amor, um “tropeção”,
foi um caso de “topada
com os pés fora do chão”.
55
Quando a vida, qual verdugo,
me trespassa de agonias,
minhas lágrimas enxugo
num lenço de Ave-Marias…
56
Quando Deus cobrar meu prazo,
hei de sempre aqui voltar,
ou numa sombra de ocaso,
ou num raio de luar !
57
Que momento abençoado
e que gesto redentor,
quando o orgulho, derrotado,
cai, humilde, aos pés do amor !…
58
Quem um filho vê feliz,
seguir por si, resoluto,
vive a glória da raiz
orgulhosa pelo fruto.
59
Que estranho mistério existe
no lamento da viola:
- queixume que me faz triste;
- tristeza que me consola!…
60
Quisera que Deus me desse,
acima de qualquer bem,
um orgulho que pusesse
bem abaixo o teu desdém.
61
Saudade é gota caída,
é pranto que ninguém vê:
-É uma lágrima sentida
que leva sempre a você. …
62
Saudade é uma diligência
que nos leva, docemente,
com repetida freqüência,
ao velho oeste da gente!
63
Saudade!…Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!
64
Saudade!… Raio de lua,
suprindo o Sol que brilhou…
Tábua solta, que flutua,
depois que o amor naufragou!
65
Saudoso dos braços dela,
voltei, contrito e humilhado.
- Quando a saudade martela,
qualquer orgulho é quebrado!…
66
Senhora de cada instante
das minhas horas vazias,
a Saudade é uma constante
na inconstância dos meus dias…
67
Severo no condenar,
o Céu abranda o rigor
quando o pecado a julgar
é um desvario de amor…
68
Sonha sim, pobre, com festa!
Que a fantasia, afinal,
é tudo que ainda te resta
neste mundo desigual!
69
Tal fascínio lhe desperta
o mistério das estrelas,
que, às vezes, de mim liberta,
minh’alma vai percorrê-las.
70
Terminamos… e ela pensa
que será logo esquecida.
O que ganhou foi presença
para sempre, em minha vida!
71
Uma das mágoas, apenas,
que à minh’alma são pesadas…
faria leves as penas
até das almas penadas…
72
“Um prodígio o seu arranco,
a dois metros da chegada!”
E o vencedor, meio manco:
“prodígio foi a topada…”
73
Velho par, na academia,
é ímpar na confusão:
-foi de sunga à confraria
e à praia foi de fardão!
74
Velho cultor de utopias
e de ambições sobranceiras,
sonho ver, ainda em meus dias,
um mundo igual, sem fronteiras!
75
Vergonha, mesmo, passou
dr. Cornélio, homem sério.
Imaginem… Processou
a mulher por adultério.
76
Vista seda ou popeline,
seja Amélia ou seja Inês,
toda mulher se define
no dia em que diz: -“Talvez!…”
77
Zerando ofensas e afrontas,
o beijo é o mago auditor
que faz o ajuste de contas
depois das brigas de amor!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Cézar Augusto Defilippo (Zé Gute) Trovas em Preto & Branco

  1 Ao ver-te mãe, insegura, percebo em meio à pobreza que o teu olhar de ternura tem muito mais de tristeza.  2 Canoeiro chora ao marco da ...