quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Sérgio Bernardo


1
A glória não mais me acena...
Mas, por amor à ribalta,
eu sou artista que encena,
mesmo se o público falta!...
2
A nuvem que o céu escreve,
desfeita no entardecer,
é uma carta clara e breve
que o vento rasga sem ler...
3
Ao meter no basculante
seus cem quilos de ousadia,
que sufoco o do assaltante:
–  não entrava... nem saía!
4
Ao sentir que a noite nasce,
fecho as cortinas, ligeiro,
pra que o luar não te abrace
sem que eu te abrace primeiro!
5
Ao velho ator fracassado
resta o cenário sombrio
de um projetor apagado
junto ao cinema vazio...
6
Ao ver, com creme vermelho,
da esposa o rosto emplastado,
teve impressão o Botelho
de que entrou no inferno errado!
7
A Rainha, em sua ira,
quer presa a velha condessa,
porque, à noite, o Rei não tira
a "coroa" da cabeça!
8
A vida nada me entrega...
mas quando durmo, a teu lado,
sonho ter o que ela nega
sempre que sonho acordado!!!
9
Baiano, ele odeia pressa,
E avisa, ao se machucar:
–  Se tiver de pôr "compressa",
que seja bem devagar!!!
10
Cava o tempo uma cratera
onde a infância se ocultou,
pois não encontro quem era
no semblante de quem sou...
11
Celular eu não tolero
desde um pré-pago que eu tinha,
que tocou “Mamãe eu quero...”
no velório da vizinha!
12
Chega gritando o anãozinho
no velório do Jacó...
Pede alguém: – Fala baixinho!
E ele diz: – Baixinho é a vó !!!
13
Chegam antes do café...
E a comadre, num sussurro:
–  Visita que vem a pé
quase sempre “amarra o burro”!
14
Comprovo, num pranto mudo,
após a espera frustrada,
que o depois promete tudo
mas não cumpre quase nada!
15
Delírio próprio de um louco,
a que o amor me tem exposto:
–  Olhei-me no espelho há pouco
e em vez do meu... vi teu rosto!
16
Depois de um sonho frustrado
que a própria vida desfez,
insiste... volta ao passado
e sonha tudo outra vez!...
17
Entardece...e a dor dos sós
entra em meu quarto sombrio.
Ontem...tão cheio de nós...
E hoje...de ti, tão vazio!
18
Envelhecemos... Nós dois...
E hoje é que voltas, por fim...
Não pensei que o teu "depois"
fosse tão depois assim...
19
Feitos de instantes tristonhos,
se os meus dias são banais,
não é porque faltam sonhos,
mas porque há mágoas demais!...
20
Fiz à luz de um candelabro
a poesia aqui guardada.
–  Ele sabe o quanto me abro
nessa gaveta trancada.
21
Foram tantos namorados
com mãos lascivas demais,
que hoje ela é um banco de dados
só de impressões digitais!
22
Grita a roceira, ao olhar
seu filhinho na balança :
–  Doutor, só vim consultar...
Não vim vender a criança!
23
Meu sonho, num louco intento,
quis o céu e, em gesto aflito,
prendeu-se à pipa que o vento
despedaçou no infinito!...
24
Minha alma é nau que se solta,
e eu, sem comando de mim,
ouço os gritos de revolta
dos meus sonhos em motim !
25
Na campa do tal rapaz
que no batuque era um bamba,
em vez de por: "Aqui jaz"...
alguém gravou: "Aqui samba"…
26
Na festa de caridade,
Zé, com cara de tragédia,
tirando a média de idade,
foi parar na Idade Média!
27
Na porteira passa o dia
e a quem passa ele se queixa:
– Eu, por mim, trabalharia...
a preguiça é que não deixa!
28
Nas garras de amor tão louco
que exige agora o depois,
uma vida é muito pouco,
para o encontro de nós dois!
29
Nas horas de desencanto,
não me falta um bom amigo
que, se não seca o meu pranto,
ao menos, chora comigo!...
30
No churrasco, um pelo branco...
E o freguês, desconfiado:
–  Acho que o “boi” desse espeto
já “miou” no meu telhado!!!
31
No portão, seu “Love” a agarra...
E a mãe a põe na berlinda:
–  Tão cedinho e já na farra?
Diz ela: –  Já, não... Ainda!!!
32
Nos corações onde agora
falta o encanto da alegria,
quem sabe não tenha outrora
também faltado ousadia...
33
O elevador não fechava;
e, irritada, uma roceira
quis saber onde ficava
a "tramela" da "porteira"!!!
34
O Pacote é bom, Batista?
–  Pra mim é, pois dá dinheiro...
–  Ah, o amigo é economista?
–  Não, senhor... sou pipoqueiro!
35
O Zé segue o enterro... E ao ver
seu rosto, um verme diz, sério:
–  Quando esse "troço" morrer,
eu fujo do cemitério!...
36
Pelo guarda não multada
por dirigir velozmente,
exclama a moça, espantada
–  Meu Deus, que guarda imprudente.
37
Piada foi quando o Augusto
entrou no armário, apressado,
e quase morreu de susto
quando alguém disse: - Ocupado!
38
Pra falar sozinho, a esmo,
o louco quis inovar,
telefonando a si mesmo
do orelhão pro celular!...
39
Quando um cão grã-fino olhou
sua cadela, de esguelha,
meu cão pulguento ficou
"com a pulga atrás da orelha"!
40
–  Quero ficar um bebê...
Doutor, quais rugas removo?
–  O remédio pra você
seria nascer de novo!!!
41
Quis remédio contra insônia,
mas, sem óculos, não viu
que abria o vidro de amônia...
Aí, sim, que não dormiu!!!
42
– Refém do teu pouco caso,
de alvoradas não entendo...
Meus dias só têm ocaso
sem teu sol me amanhecendo…
43
Se entre os monstros, algum dia,
fosse eleito um presidente,
o fantasma venceria,
pois só ele é "transparente"!
44
Sem ousar, temendo assombros,
meus sonhos recolho e guardo...
E agora sinto em meus ombros
o quanto pesa este fardo!
45
Sempre que a vida me assalta,
eu luto com tanto empenho,
que é quando a força me falta
que eu meço a força que tenho!
46
–  Seu filho pôs brinco, Elisa
–  Que é que tem ? É moda usar!
–  Não tem nada... Mas precisa
pulseira, anel e colar ?
47
Sozinho, ao fim das andanças,
desfio nas madrugadas
meu rosário de lembranças
de ousadias não tentadas...
48
– Subiu na vida o Fernando.
–  Ficou rico? - indaga o Lima.
–  Não, senhor Está morando
seis barracos, morro acima !!!.
49
Tão bom se alguém inventasse
– para o gasto ser contido –
um relógio que marcasse
somente o tempo perdido.
50
Tem um cacoete vulgar
indo à reza, tal senhora:
na pressa de comungar,
já vai com a língua de fora!
51
Uma ironia que arrasa
quem vê perto a despedida:
– Sobram relógios na casa,
mas falta tempo na vida.
52
Vovó fez rir a torcida,
e a gincana quase "fura":
–  Quando a maçã foi mordida,
levou junto a dentadura!
53
Vovó se afoga ... e, no cais,
com vovô tentando a cura,
o boca a boca foi mais
dentadura a dentadura.

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