sábado, 25 de março de 2017

Marina Bruna


1
A ciranda traz lembranças,
que a saudade perpetua,
de um tempo em que nós, crianças,
éramos todas de rua...
2
Afeto infinito eu leio
nos olhos, cheios de brilho,
da mãe que desnuda o seio
e oferta seu leite ao filho!
3
Amena e doce ebriedade,
que a adega do tempo apura,
o amor, na terceira idade,
é um vinho de uva madura!
4
À noite, a areia da praia,
com rendas à beira-mar,
lembra um lençol de cambraia
onde se deita o luar...
5
A noite desfez, em contas,
o seu colar de cristal
e fez agrados nas pontas
da grama do meu quintal!...
6
Ante um berço, comovida,
e no adeus dos cemitérios,
fui aprendendo que a vida
é ponte entre dois mistérios.
7
A Primavera passou...
mas passou tão distraída,
que nem sequer se lembrou
de reflorir minha vida…
8
Aqueles grãos sem valor
- e eu fico pensando agora -
eram sementes de amor
e eu, sem querer, joguei fora...
9
 A seca fora um martírio
mas, sob a chuva esperada,
vi o meu roçado em delírio
beijando a terra molhada!
10
A teu lado, mas... sozinho...
quantas noites, quantos dias
eu transbordei de carinho
mas te achei de mãos vazias.
11
A tua mão deslizando
no meu corpo, em leve afago,
é como a brisa encrespando
a superfície de um lago.
12
A tua ofensa me assusta
e, desta vez, digo “não”!
Quem ama sabe o que custa
ter que negar o perdão!
13
A vida insiste em manter
em dois tons sua canção:
o mais agudo é o poder;
o mais grave, a servidão!
14
Blasfemar... sei que é errado
mas, Te pergunto, Senhor:
se o amor que eu sinto é pecado,
por que me deste este amor?...
15
Bondes... quintais... lampiões...
Nesta saudade eu me abrigo
aconchegando ilusões
que envelheceram comigo…
16
Brinquedos velhos, em trapos,
sem importância parecem,
mas guardam, nos seus farrapos,
lembranças que não se esquecem.
17
Canta, Poeta! O teu canto,
de um sentimento profundo,
é o turíbulo de encanto
que vai incensar o mundo!
18
Colombo aos mares se fez
sem que o perigo o assustasse...
e, graças ao genovês,
ganhou, o mundo, outra face!
19
 Combater... morrer herói...
não faz a luta perdida
se o ideal que se constrói
foi além da própria vida...
20
Como é grande a solidão
de um ator, que em sua estréia,
põe em cena o coração
e está vazia a platéia...
21
Crepita a floresta... e os ninhos
vão de roldão na queimada.
Que vai ser dos passarinhos
que não têm culpa de nada?
22
Da cruz, do açoite, do espinho,
de um sofrimento profundo
veio o sangue que, sozinho,
lavou as culpas do mundo!
23
Descalços, pelo gramado,
teus pés mansamente vão...
Pões, no pisar, tanto agrado
que eu tenho inveja do chão!...
24
Deus modela a nossa estrada
porém nós, em atos falhos,
modificando a jornada,
nos perdemos nos atalhos...
25
Ele partia e, na pressa,
prometeu que voltaria.
Hoje eu sei, não foi promessa.
Na verdade... ele mentia...
26
Em fortuna, eu tenho sido
qual uma agulha modesta
que borda um belo vestido
e a linha é quem vai à festa!
27
Em meu olhar recatado,
teu olhar viu, mas não leu,
a ternura de um recado
que o meu amor escreveu.
28
Enfim voltaste... mas peço
que este clima de alegria
envolvendo o teu regresso
não dure só por um dia...
29
 Esta fé que me incentiva,
e em minha vida se espalma,
é uma luzinha votiva
na capela de minha alma!
30
Esta flor que me restou
num livro da mocidade
é um sonho que se tornou
medalha de uma saudade!
31
Eu faço um apelo mudo
na velhice que me alcança:
- Destino, tire-me tudo
mas não me roube a esperança!
32
Eu não cobro desta vida
as respostas que ela esconde.
Se a minha razão duvida,
a minha fé me responde.
33
Eu nunca amarei um poeta
mesmo que ele me seduza
pois seu verso, de alma inquieta,
vagueia, de Musa em Musa!...
34
Eu te espero... Tu demoras...
Pela noite, o tempo avança
e, no cansaço das horas,
vai se apagando a esperança.
35
Falo de tuas ausências
à garoa, que não passa
e ela deixa reticências
sobre o frio da vidraça.
36
Fim do amor... mas nosso enredo
restou em minha lembrança,
como ficou em meu dedo
a marca de uma aliança...
37
Finges dormir... e eu, sozinho,
sofro o que a briga nos fez:
pôs no espaço de um carinho
a muralha da altivez!
38
Foi num mar encapelado
que o meu barco de ideais
naufragou de tão pesado:
- tinha esperanças demais!
39
 Grande humildade é a do mar
que, de um reino onde se alteia,
vem à praia rendilhar
as saias brancas da areia!
40
Homem bom de rosto feio!
Tua aparência enganosa
lembra a pedra cujo seio
guarda uma gema preciosa!
41
Impiedoso, o fogo avança
e a floresta, calcinada,
perde o verde da esperança;
ganha o cinza do mais nada!
42
Meu viver lembra uma estrada
com mistérios para mim:
do começo não sei nada...
não sei nada do seu fim...
43
Minha fortuna eu desdenho
quando vejo, em solidão,
que o carinho que eu não tenho
sobra em muito barracão!
44
Morrem florestas, açudes,
e o mundo, pobre de afeto,
perde os versos e as virtudes:
- vira selva de concreto!
45
Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha…
46
Na insônia da solidão,
eu só sei que o tempo passa
porque escuto um carrilhão
dando as horas, lá na praça!
47
Nas águas turvas dos rios,
os venenos poluidores
nos darão dias sombrios
de primaveras sem flores...
48
Nas letras quase sem cor
de um diário escrito a medo,
guardo as mensagens do amor
que sempre foi meu segredo...
49
 Na tarde cálida e mansa,
o tempo quase não passa
e até o silêncio descansa
nos velhos bancos da praça.
50
Neste ano novo eu pretendo
rasgar meus dias tristonhos
e, de remendo em remendo,
reconstruir os meus sonhos...
51
Nosso amor, hoje em desgaste,
fez do convívio um açoite...
Tempo! Por que não paraste
naquela primeira noite?
52
Nosso amor hoje é passado
e, apesar de breve história,
persiste, ainda, ancorado
no cais de minha memória.
53
Num foguetório cerrado,
o céu junino reluz
qual um chuveiro dourado
pingando gotas de luz!
54
O coração nunca esquece
as mágoas de uma traição...
Quem trai, no amor, não merece
a largueza do perdão!
55
O cheiro de flor que invade
a varanda, onde eu me abrigo,
engana a minha saudade
e eu penso que estás comigo.
56
O destino rege as vidas
num balé, cujo andamento
lembra o das folhas caídas
dançando ao sabor do vento...
57
O flerte, as voltas na praça,
o tempo levou embora
e o amor foi perdendo a graça
sem o respeito de outrora...
58
O que mais feriu minha alma,
relendo os bilhetes teus,
foi ver a grafia calma
com que me escreveste “Adeus”!
59
 Ó Senhor, eu te agradeço
pois vejo, em teus filhos sãos,
uma fortuna sem preço
que puseste em minhas mãos!
60
Ousei te amar sem medida,
sem cautela, sem pudor...
e hoje pago, arrependida,
por esse instante de amor...
61
Partias... mas, era tarde
para eu tentar te deter...
E nessa omissão covarde
te perdi... sem combater...
62
Parto... não levo saudade...
as desavenças são tais,
que a minha e a tua verdade
já são mentiras iguais.
63
Passei a viver tristonho
depois que encontrei, surpreso,
o limite do meu sonho
no muro do teu desprezo!
64
Pela noite, atormentado,
eu vou desfeito em pedaços,
invejando o afortunado
que dorme envolto em teus braços!...
65
Pessoas que, na ilusão,
cantam virtudes sem tê-las,
são como as poças do chão
que pensam conter estrelas.
66
Primeiro amor... é a ternura
que a nossa memória enfeita.
É como a fruta madura
de uma primeira colheita...
67
Prostrado... na dor infinda
de um desprezo que o consome,
meu coração bate ainda,
porque murmura o teu nome...
68
Quando ao teu corpo eu me rendo,
tuas mãos, com muito ardor,
em silêncio vão dizendo
loucas palavras de amor!
69
 Quando a vida aperta o cerco
nos ideais que eu persigo,
quanto mais combate eu perco,
tanto mais lutando eu sigo!
70
Quanto sonho se vislumbra
numa esteira, à luz da vela,
quando um amor e a penumbra
se encontram numa favela!
71
Quebra o trenzinho... eu conserto
e sinto, ao vê-lo nos trilhos,
a minha infância mais perto
quando eu brinco com meus filhos.
72
Que eu te esqueça... não me peças...
Não me obrigues a fingir
e a fazer falsas promessas
que jamais irei cumprir.
73
Que o amor faz sofrer... sabia...
mas, mesmo assim, eu te amei
e, agora, a sabedoria
vive a dizer: - Não falei?...
74
Quis te falar... mas não pude...
Então te dei uma flor.
As flores têm a virtude
de saber falar de amor...
75
Revendo o resto da história
do nosso amor, eu senti
que apagaste da memória
o que eu jamais esqueci…
76
Sabiá, guarda teu canto!
Eu sei que o dia é bem vindo
mas não despertes o encanto
que em meu leito está dormindo!
77
Se alegres, vão repicando;
se tristes, plangem com calma...
E eu fico, às vezes, pensando
que os sinos também têm alma!
78
Sem aliança no dedo,
sem altar, sem certidão,
quanto amor vive em segredo
com laços no coração!
79
 Sem muros, as casas pobres
trocam favores, carinhos...
enquanto que em ruas nobres
ninguém conhece os vizinhos.
80
Se um dia o céu censurar
o nosso amor, não aceito...
e a teu lado hei de encontrar
um outro céu... mais perfeito!
81
Sigo em frente em meus trabalhos,
porém não sigo sozinho.
Com Deus, que aponta os atalhos,
encurto muito caminho.
82
Sobre seda ou algodão,
na trama dos figurinos,
o Supremo Tecelão
faz desiguais os destinos.
83
Sobre os espelhos fanados,
o tempo, em seu transcorrer,
passa escrevendo recados
que não gostamos de ler...
84
Tão suave é o teu carinho
que eu penso, quando te enlaço,
que o meu corpo é um passarinho
que fez ninho em teu regaço...
85
Tem pena de minha dor!
Por favor, usa a franqueza!
Pois as dúvidas, no amor,
maltratam mais que a certeza!
86
“Terra à vista”! e, em praias calmas,
foi ancorando Cabral.
E o destino bateu palmas
nos unindo a Portugal!
87
Teu adeus me machucou
mas eu creio, sem revolta,
que a rua que te levou
trará teus passos de volta!
88
Teu amor... quase acabado...
Mas, tentando me iludir,
sigo sofrendo a teu lado
sem coragem de partir...
89
 Teu desprezo me magoa.
Não me queres, não te forço.
Mas, o que mais me atordoa
é não sentires remorso...
90
Teu olhar não me diz nada
mas, sem querer, eu me iludo
e em delírio, apaixonada,
transformo o teu nada... em tudo!
91
Tímida, não disse nada,
mas o sorriso que deu
foi a mensagem cifrada
que o meu amor entendeu...
92
Traz de longe, a brisa branda,
o jasmim da tua essência
e inebriada a varanda
nem percebe a tua ausência.
93
Tua carícia atrevida,
num suave dedilhado,
musicou a minha vida
com acordes de pecado.
94
Tu chegavas... e eu ouvia
o trem, em tons comoventes,
tocar canções de alegria
no teclado dos dormentes...
95
Tu fizeste um leve aceno
e a esperança que me deste
teve o alento de um sereno
caindo num solo agreste!
96
Um pintor, em seu delírio,
ante a jangada a vogar,
pensou ver um branco lírio
na tela imensa do mar.
97
Vão ficando tão distantes
os carinhos do passado,
que nem sei se o que era antes
foi vivido... ou foi sonhado…
98
Vêm mais tarde os desarranjos
e nos transformam de vez
mas, na infância somos anjos
do jeito que Deus nos fez!
99
 Vem setembro... e algumas flores,
nos galhos desabrochando,
trazem notícias em cores
da primavera chegando...
100
Vou, na insônia de meus passos,
esquecer, na boemia,
que um felizardo, em teus braços,
dorme o sono que eu queria...
101
Vou te escrever... prometias...
e desta jura refém,
espero dias e dias,
mas a mensagem não vem...

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