sábado, 4 de março de 2017

Heloisa Zanconato Pinto


1
A centelha do ciúme
transformou-se em fogaréu.
Queimou-me o peito... E seu lume
pôs o inferno onde era o céu!
2
A lei da vida nos diz
que, entre o instinto e a prudência,
é sempre o melhor juiz,
nossa própria consciência!
3
A ofensa mais dolorida,
que à humilhação se compara,
é quando a mão estendida
leva uma "porta na cara"!
4
Ao ler o verso perfeito
que algum poeta escreveu,
brota-me o ousado direito
de achar que a Musa fui eu!!
5
Após o parto, o marido
vendo o nariz da criança,
saiu buscando, ofendido,
um turco na vizinhança!
6
A saudade me garante,
já que a tristeza persiste,
que eu devo, de agora em diante,
me acostumar a ser triste!
7
A tristeza mais pungente...
aquela que ninguém vê,
é a que dói dentro da gente
e a gente sabe por quê!
8
Ciúme - diz o ditado
é o tempero do amor.
Mas, se não for bem dosado
toma indigesto o sabor!
9
Dando, à solidão, guarida,
na amplidão de seus portais,
as noites de minha vida
ficaram longas demais!!!
10
É meio a meio, eu garanto,
a culpa de meus pecados,
pois só deixei de ser santo
quando aceitei seus agrados!
11
Eu não sou Mago, nem Santo,
mas na magia do amor
hei de quebrar teu encanto;
fazer-te escrava... e, eu, Senhor!
12
Feito a chama de uma vela
que se esvai no alvorecer,
qualquer poder se esfacela
ante o Supremo Poder! ...
13
Gente existe emque o entalho
de um visual elegante
apenas lustra o cascalho
mas não o torna um brilhante!
14
Magoei afetos, trilhando
rumos, os mais incorretos...
E agora pago, penando
nas garras dos desafetos!
15
"Meu bem - indaga o marido -
o que é brega...que eu não sei?"
“É aquela saia, querido,
que me deste e eu nunca usei!”
16
Não busque ocultar os traços
do amor, com farsa nenhuma...
Se me prefere em seus braços,
tire o disfarce... e me assuma!
17
Na solidão que, hoje resta,
em meio à casa vazia,
eu bebo as sobras da festa
que nós tivemos um dia!
18
Na vida, faço e desfaço
duras laçadas sem medo,
porque no ajuste do laço
é Deus quem me empresta o dedo!
19
No ardor com que me devora,
esse amor, sinto, afinal,
que se foi delírio outrora...
hoje, é loucura total!!!...
20
Nosso conflito, suponho,
deu-se em razão de um defeito:
coração, é que o teu sonho
era maior que o meu peito!
21
O afeto mais eloquente
que a vida nos pode dar
é o que expressa a mãe da gente,
numa canção de ninar!
22
O ciumento: - Não, senhora,
nada de roupa moderna!
Quer pôr barriga de fora?
Ponha a barriga da perna!
23
O Destino se afigura
aquela torre elevada
que oferta o gozo da altura
pelo suplício da escada!…
24
O nosso amor clandestino,
vivendo à mercê da sorte,
viaja pelo Destino
sem carimbar passaporte!...
25
O solitário modera
seus passos no viajar.
Quem não tem ninguém à espera,
não tem pressa de chegar!...
26
Padece a Nação inteira
e explodem forças armadas,
quando a Sorte põe, arteira,
o poder em mãos erradas! ...
27
Para inseri-la entre as flores,
Deus, empunhando a paleta,
pintou um mundo de cores
nas asas da borboleta!...
28
Parece que um anjo arruma,
no céu, a luz das estrelas:
de dia, apaga uma a uma...
E à noite, torna a acendê-las!
29
Porque, sempre, nas vitórias,
logrei o apoio de alguém,
eu reparto as minhas glórias
com meus amigos também!
30
Qual seria o saldo bruto
da nossa conta corrente,
se Deus cobrasse tributo
pelas fraquezas da gente?!
31
Quando ao amor te recusas,
a inspiração não acordas...
Porque poetas sem musas
lembram violas sem cordas!
32
Quando a sorte traiçoeira
cresta o fogo da ilusão,
volto a ser a Borralheira
entre as cinzas do fogão!
33
Quando, formal, eu te abraço,
tu nem percebes, suponho,
o quanto eu sinto que enlaço
a forma viva de um sonho!
34
Se ao romance eu me refiro,
a moçada de hoje em dia
me responde que suspiro
se encontra... em Confeitaria!
35
Seja cobrado... ou de graça,
num paradoxo profundo,
por melhor que algo se faça,
não se agrada a todo mundo!
36
Sendo esquelético, feio,
ao cemitério não vai,
pelo devido receio
de que se entra... não sai!
37
- Se um dia eu virar defunto,
vou ser na rede, enterrado.
- Que melhor caixão, pergunto,
pra quem viveu "pendurado"?...
38
Sol a pino, castigando...
Terra seca do sertão!
E o nordestino chorando...
Só seu pranto molha o chão!
39
Tu és a chuva voltando
após os meses de estio...
E eu, o rio te esperando
naquele leito vazio!
40
Unem-se povos irmãos
num gesto nobre e fecundo,
cuja corrente de mãos
faz-se o suporte do Mundo!
41
Vai à luta enquanto é cedo
que amanhã já será tarde
e, da semente do medo,
terá nascido um covarde!
42
Vendo chegar a saudade
que a tua ausência me trouxe,
mesmo não sendo verdade,
gravei na porta: MUDOU-SE!

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