segunda-feira, 27 de março de 2017

Almerinda Liporage


1
Bem caprichosa é a sorte
da infância desprotegida
que vive à espera da morte,
por nada esperar da vida.
2
Cantiga que me transporta
da angústia ao sono da paz
é ouvir a chave na porta
e teus passos logo atrás!
3
Com todo risco a correr
hei de em teus braços chegar:
sou rio que, até morrer,
corre à procura do mar.
4
Criança desprotegida...
feita de nãos e de nadas,
é só rascunho da vida,
rabiscado nas calçadas.
5
Do meu leito eu te arranquei;
mas por mais forte que eu banque,
do meu coração, eu sei,
não há nada que te arranque.
6
Em meu rosto deslizando
vem tua boca em anseios,
no teu beijo terminando
o mais doce dos passeios!
7
Em toda vida eu te vi
tão dentro dos sonhos meus,
que ao despedir-me de ti,
era a mim que eu dava adeus!
8
Eu sinto, na indiferença
com que o tempo me consome,
que em seu Livro de Presença
a vida apagou meu nome.
9
Meu orgulho se rebela
mas o amor faz perdoar,
porque a saudade é janela
que eu não aprendo a fechar.
10
Meus cataventos da infância,
em acenos coloridos
vejo ainda hoje, à distância,
catando sonhos perdidos.
11
Morre o amor .. o espólio é feito,
tudo partido em metade.
Minha inteira, por direito,
só ficou mesmo a saudade.
12
Mudou o jeito de amar...
E em nossa afeição madura,
a volúpia deu lugar
aos afagos da ternura.
13
Nas lâmpadas salpicadas
que enfeitam suas pobrezas,
as favelas enjeitadas
choram lágrimas acesas!
14
Nosso amor só necessita
de alguns metros de coragem,
porque a fronteira limita,
mas não impede a passagem.
15
Nosso amor tem tal magia,
que, mesmo em noites sem lua,
o luar, por cortesia,
brilha só na nossa rua.
16
Nós tanto nos pertencemos,
nosso amor vai tão além,
que nós dois já nem sabemos
qual de nós é mais de quem!
17
No verão era tão mini
a coleção que mostraram,
que uma passou sem biquíni
e os presentes nem notaram!
18
O espelho mostra inclemente,
nas marcas que o tempo aviva,
que hoje eu sigo para a frente
em contagem regressiva.
19
Pela “conversa” de amigo
e esse adeus dito com arte,
o que tu fazes comigo
não é renúncia, é descarte.
20
Por que crianças com frio
não tem o sol de um abraço,
se em tanto braço vazio
há desperdício de espaço ?
21
Por um orgulho idiota
eu não quis lutar por ti...
E com medo da derrota,
mesmo sem luta perdi.
22
Prometo seguir teus passos
na prece em que me concentro,
até que a cruz dos teus braços
se feche, comigo dentro.
23
Quebraste a nossa harmonia
e escravizado ao teu jeito,
meu coração, hoje em dia,
é um corpo estranho em meu peito.
24
Que valem os planos meus
de um dia acertar meus passos,
se o céu me acena com Deus
e eu busco o inferno em teus braços.
25
Se cantar alegra a vida,
por que se vê, pelo chão,
tanta cigarra caída
no fim de cada verão?
26
Sem dúvida nem receios,
meu eu te entrego desnudo.
Se o fim justifica os meios,
o amor justifica tudo!
27
Sem enredo a minha história
foi no tempo se perdendo:
se existe um dia de glória,
a vida está me devendo.
28
Se uma Trova me entristece,
fazê-la, sei que não devo ...
Tristeza ninguém merece
e, por isso, eu não a escrevo...
29
Se voltares por fineza,
entra e pisa devagar;
não acordes a tristeza
que cansou de te esperar.
30
Tão forte nos abraçamos,
confundidos no entrelaço,
que eu acho até que trocamos
de corações nesse abraço!
31
Teu ciúme em demasia,
sem limite a respeitar,
transformou em tirania
tua maneira de amar.
32
Tuas recusas sem jeito
mostram, de modo evidente,
que tens meu corpo em teu leito,
com outra imagem na mente.
33
Uma verdade evidente
não há texto que distorça:
-Ante a imagem contundente,
a palavra perde a força.
34
Um choque levou Zequinha,
sem fios e sem tomada,
ao se ligar na vizinha,
com a mulher dele ligada...

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