I
Já virou lugar-comum dizer que “humor é coisa séria”. De fato, apesar da propensão inata que temos de fazer piadas das coisas e das pessoas, a distinção entre o pastelão e o humorismo é tão evidente, que fica difícil tentar fazer uma definição propriamente dita.
Não que não se tenha tentado. O humorista Leon Eliachar, que se definia como um “carioca” da gema (nasceu no Cairo, capital do Egito, e se fixou na capital carioca), disse certa vez que o verdadeiro humorismo faz cócegas na inteligência das pessoas. Fora isso, o resto seria apenas comédia.
Tenho pessoalmente minhas dúvidas quanto à rigidez da ideia do escritor, porque quando o assunto é riso, para as pessoas é indistinto se a questão é entreter ou fazer pensar. Na realidade, tudo é possível. Há momentos em que as pessoas querem apenas se divertir, e para isto riem com as personagens caricaturais dos programas “Zorra Total”, “Pânico na TV” ou “A Praça é Nossa”, assim como riam de “Os Trapalhões” na década de 80. Em outros momentos, as pessoas preferem o humor mais, digamos assim, “intelectualizado” de Jô Soares e de seu anedotário político. O “Casseta e Planeta”, por exemplo, oscila entre o pastelão e a sátira política, em momentos “felizes”. (Se bem que político brasileiro é matéria-prima indiscutível para a sátira...)
II
Quando o assunto é a “Trova”, a oscilação é parecida. A Trova Humorística (chamada por A. A. de Assis de “brincante”) oscila da incorporação de anedotas populares a ditos chistosos e trocadilhos linguísticos.
Gritei: “- Pare, seu Joaquim”,
quando o trem apareceu...
Ele ainda olhou pra mim,
falou: “Ímpare!” e morreu...
A trova acima, de Therezinha Dieguez Brisolla, é um exemplo de como um trovador aproveita uma piada e a transforma em trova. Há quem não goste e considere falta de originalidade aproveitar uma piada em trova e prefira um trocadilho, um dito chistoso, uma sátira política ou de qualquer outra mazela brasileira.
Esse é um assunto que tem dividido os trovadores, pelo que percebi ao conversar com vários sobre o assunto. Parece que, quando se trata de humorismo, a ideia realmente original é difícil. Tudo é motivo de brincadeira e é difícil afirmar com precisão o que é anedótico ou não.
- Coragem!... Sua mulher
tem poucos dias... Lamento...
- Doutor, se o destino quer,
mais uns dias eu aguento...
A trova acima, de Vasques Filho, é de uma piada ou não? Quem sabe se Vasques Filho fez essa trova, já existisse a anedota e ele pessoalmente não soubesse?
José Maria Machado de Araújo fez um genial trocadilho entre um substantivo e uma interjeição nessa joia do humorismo:
Feita a macumba, sisudo,
disse-me o velho orixá:
- Oxalá vai te dar tudo...
E eu respondi: - Oxalá...
Não se trata de uma anedota. Mas como sabemos disto? Também é difícil dizer com precisão. A trova humorística, geralmente, é um “microconto” de cunho brejeiro. As trovas de Therezinha Dieguez Brisolla e de Vasques Filho nos parecem mais plausíveis, mais “narrativas”, poderíamos dizer. A anedota transformada por Therezinha é conhecida. A trova de Vasques Filho, se não era uma anedota, poderia perfeitamente se transformar numa gag visual do “Casseta e Planeta”, por exemplo. A trova de José Maria Machado de Araújo não é “narrativa”, ou “teatralizável”, embora seja construída “narrativamente”. Difícil concebê-la como uma gag.
A velha soprava a vela,
quando o velho, de surpresa,
soprou no cangote dela...
e a velha ficou acesa!
Mais um “lance” de gênio, desta vez de Edmar Japiassú Maia. Assim como a trova de José Maria Machado de Araújo, a de Edmar não é tão “narrativa” ou “teatralizável”. A situação jocosa, o jogo de palavras entre “vela” e “velha” são ingredientes perfeitos de um “trouvaille”. Também seria difícil transformá-la em uma gag visual. Comparando as duas, vemos o elemento em comum: o trocadilho, o jogo de palavras que constitui o mote da ideia.
Para a criatividade dos trovadores, nem o céu é limite. Isto eu disse no texto sobre “folclore”. O humor é feito com elementos tão distintos, que é difícil elencar. Tudo é possível, desde anedotas de sogras, de lusitanos, de infidelidades conjugais, de bêbados, de vizinhas, passando pela sátira a políticos ou a suas “realizações” e chegando a trocadilhos verbais e a situações inusitadas... Não há limites.
Na praia, alguém grita: gente,
dois carecas se afogando!
- Outro diz: calma, é somente
um nudista mergulhando...
José Tavares de Lima
Há uma loura acompanhando
seu marido o dia inteiro..."
- Pois vai acabar cansando...
O meu marido é carteiro !
Alba Christina Campos Netto
Pediu o bobó bem quente
o turista distraído...
E a pimenta, a mais ardente,
deixou seu bobó ardido...
João Freire Filho
- Escolha a pessoa certa
para entregar-se, querida...
- Mamãe, quando a fome aperta
não dá pra escolher comida!
José Tavares de Lima
A noivinha vaporosa
fita o noivo e se atordoa:
- De um pijama cor-de-rosa
não vai sair coisa boa...
Antônio Carlos Teixeira Pinto
É claro que a referida “oscilação” (ou, talvez dizendo, diferença) entre os tipos de trova humorística não permite uma “formatação”. Embora isto resulte no efeito colateral de trovas “humorísticas” de chorar, por outro lado também impede que o trovador se veja cerceado, que se veja em meio a contingenciamentos. Há quem seja contrário às anedotas ou ao emprego de nomes próprios em trovas humorísticas. Outros preferem o “liberou geral”. Não podemos afirmar que haja necessidade de uma “corrente” ou de “reformas” nesse sentido. Tudo é uma questão de discernimento e de bom-gosto.
A trova humorística:
1. não é idiota;
2. se não faz rir a matéria, faz rir o espírito;
3. é bem construída;
4. quando é realmente boa reconhecemos à distância e quando é ruim, também.
Claro que qualquer critério de análise será subjetivo, mas podemos perceber que a trova humorística e a trova lírica/filosófica têm mais pontos em comum do que à primeira vista notamos:
Se rirmos da trova lírica e chorarmos com a trova humorística, alguma coisa certamente estará errada...
Fonte:
Falando de Trova. http://falandodetrova.com.br/colunadopedromello. 21.08.2008.
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