Carlos Ribeiro Rocha (Ipupiara/BA, 1923 - 2011, Salvador/BA)

A lua é também rendeira,

e o trovador tem razão:
sua luz sobre a mangueira
faz a renda sobre o chão...
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Amigo, seja cordato,
que a vida é sempre esse jogo;
o fogo — incendeia o mato,
a fonte — elimina o fogo.
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A Natureza, exultante,
põe versos, por compaixão,
sobre o papel palpitante
do meu pobre coração.
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Ao pé do morro cravado,
qual o antigo Prometeu,
está o pequeno povoado
onde o poeta nasceu.
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Ao tempo da minha infância
não tive Norte nem Sul,
não sabia que, à distância,
toda serra é sempre azul.
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A pedra da estrada arreda,
e o mal não impera aqui,
quando, pensando na queda,
a gente cai mesmo em si.
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Bebo lições eloquentes
e escuto de Deus um hino,
nas asas verde-fulgentes
de um beija-flor pequenino.
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De ser magro, minha gente,
não tenho — confesso — mágoa,
o rio, em sua nascente,
é também filete d'água.
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Detesto a intriga, o revide,
porque, na vida, o que alcanço
é o dia — para que eu lide,
e a noite — para o descanso.
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Escuta-me, trova amada,
mesmo triste e cismarento:
como o cipó, na galhada,
te envolvo num pensamento.
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Essa cena, vez em quando,
contemplo, manhã bem cedo:
as trepadeiras botando
laçarotes no arvoredo.
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Está sendo bem feliz
e dando felicidade,
quem, injuriado, não diz
aquilo que tem vontade.
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Eu sinto grande euforia
quando a trova vou tecer,
— é meu pão de cada dia,
sem ela não sei viver.
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Lá nas serras passeando,
aprendi um tanto mais:
eu vi as pedras chorando
sem glândulas sensoriais.
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Minhas trovas — Primavera
sobre as durezas da vida,
são aquilo que eu quisera:
— estrada sempre florida.
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Morrer nos causa pavor,
porque não temos lembrado
de que — morrendo de amor,
damos vida ao ser amado.
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O nome do meu Colégio?
Ninguém suas letras soma;
Nunca tive o privilégio
de receber um diploma.
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O sovina e o pistoleiro
fazem coisas parecidas:
Cede a vida — por dinheiro,
por dinheiro — arranca vidas.
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Ouço da saudade o grito
vibrando uma tarde inteira,
naquele canto bonito
da nambu, na capoeira.
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O vento, com pé macio,
passou pelo meu jardim,
e como guri vadio,
nas minhas rosas deu fim.
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Para escrever, inspirado,
no horizonte os olhos fito,
com o coração mergulhado
nas belezas do Infinito,
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Para minha mãe, viúva,
neste maio de esplendor,
quero rogar-te uma chuva
de luz e bênçãos, Senhor.
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Pedi hoje, também ontem,
rogo a Deus o dia inteiro,
para que trovas despontem
fresquinhas, no meu canteiro.
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Pequenez é coisa feia?
Grandeza é documentário?
— Pequeno é o grão de areia,
mas enguiça um maquinário.
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Piedosa, mãe Natureza
vendo a terra assim despida,
teceu um manto (lindeza!)
e a deixou verde e florida.
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Poeta, se queres, venha
escutar a voz da mágoa
pela garganta rouquenha
do boqueirão do Olho d'Agua.
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Quadro que nos enternece,
pintura de que se gosta:
a água evapora — é a prece,
e a chuva cai — a resposta.
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Que quadro lindo, estupendo!
— Por entre as brechas do morro,
raízes longas, descendo,
pedindo à terra socorro...
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Querendo trova perfeita,
rabisco, lápis em punho,
mas depois da trova feita,
volto à busca do rascunho.
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Saiba, amigo, que Deus brilha
na face dessas estrelas;
quem quer ver de Deus a trilha,
procure somente vê-las.
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Sem Colégio, encontro tudo
no livro da Natureza,
e como não tive estudo,
— sou ave no visgo presa.
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Se queres "bandeira branca",
procura assim praticar:
O orgulho — de ti arranca,
' planta amor no seu lugar.
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Se queres viver tranquilo,
ouve em ti mesmo essa voz:
Seremos somente aquilo
que construímos em nós.
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Sou de crer, ninguém resiste
a força desse episódio:
Sai o amor, aflito e triste,
quando no lar entra o ódio.
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Tem mais valor, entre os meus,
muito mais do que um retrato,
meus versos simples, plebeus,
que me retratam, de fato.
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Trovador, que belo enredo
para uma trova louçã:
na pia do sol, bem cedo,
lava seu rosto a manhã.
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Tua casinha, menina,
bem no sopé da ladeira,
é o lírio da colina
que quanto menor, mais cheira!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.