quinta-feira, 24 de junho de 2021

Oficina de Trovas do Assis

 Trova é isto: uma sequência de 28 sons, ou seja, 28 notas musicais, formando um poema composto de quatro redondilhas maiores.

Entende-se por redondilha maior o verso setissílabo, provavelmente o mais antigo modo, ou pelo menos o modo mais natural de transformar palavras em música. Uma escala musical completa: dó-ré-mi-fá-sol-lá-si...

A redondilha está na boca e no ouvido do povo, em todas as línguas, desde que o homem e a mulher aprenderam a emitir sons vocais.

Está nos ditados populares:

- Quem tem boca vai a Roma.

- Filho de peixe é peixinho.

- Quem nasceu pra lagartixa / nunca chega a crocodilo.

- Agua mole em pedra dura / tanto bate até que fura...

 
Está nas cantigas de roda:

- Oh ciranda, cirandinha / vamos todos cirandar...

- Meu limão, meu limoeiro, / meu pé de jacarandá...

 
Está na declamação das crianças:

- Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão... / Batatinha quando cresce / vira um baita batatão...

 
Está na música popular de modo geral:

~ Toda vez que eu viajava / pela estrada de Ouro Fino...

- Fica comigo esta noite / e não te arrependerás...

Está na linguagem bíblica:

- Deus criou o céu e a terra / e viu que tudo era bom.

- Pai nosso que estás no céu / santificado é o teu nome...

Técnica

Aqui não cabe um estudo pormenorizado sobre técnicas de versificação. Vale, entretanto, lembrar que a trova, como as demais modalidades de poesia, tem normas a serem obedecidas. O trovador necessita, sobretudo, estar atento às questões da rima e da métrica.

 RIMA

 A rima, segundo as normas atuais, como já vimos, deve ser dupla, isto é, devem ser rimados o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Em trova não há, porém, grande exigência quanto ao fato de a rima ser rica ou pobre, no sentido tradicional de que rica seria a rima entre palavras de diferentes categorias gramaticais: verbo com substantivo, adjetivo com advérbio etc. Isso não tem sido levado muito a sério atualmente. Mais importante é o trovador estar atento para evitar certos cochilos que, estes sim, enfraquecem o verso. Por exemplo:

 rimas com palavra derivadas: ver / rever; agir / reagir; tempo / contratempo.

 rimas imperfeitas, assim chamadas por haver diferença no timbre das vogais tônicas:

ideia / areia; sacode /pôde; melhor /favor.

rimas regionais: há, por exemplo, quem pronuncie /friu/, /riu/, num único som, rimando com "viu", em vez de /fri-o/, /ri-o/, em dois sons, como recomenda o Decálogo de metrificação adotado pela UBT.

rimas homófonas, em que a vogal tônica seja a mesma - e com o mesmo timbre – nos quatro versos (sem que haja sons internos fortemente contrastantes), como nestes exemplos inventados:

 Moda nova quando nasce
já se espalha pela praia;
porém logo ela desfaz-se
se outra moda entra na raia.
 
Tenho uma rede e uma esteira
no meu rancho de sapê;
e uma roseira faceira
que plantei para você...
 
Fiz que fiz, fiz que não fiz,
fiz do jeito que farias.
Se o que fiz te faz feliz,
faço assim todos os dias!

  MÉTRICA

(Estudo com base no Decálogo de Metrificação de Luiz Otávio, adotado pela UBT) 
 

1) As sílabas são contadas até a última tônica do verso.

Poderá a força etrica 
de um sábio computador 
ensinar contagem trica 
mas não faz um trovador...
 
- relâmpagos e trovões 
- esta vida é passageira 
- o canto alegre dos ssaros 
 

2) As pontuações não impedem as junções de sílabas.

Pensa em calma! Evita errar, 
injusto é se nos reprovas, 
pois não queremos mudar 
o modo de fazer trovas.
 
 - Moça que sonha, escondida,
- Que pena... ela foi-se embora
- Vou dizer-te: avida é bela

3) Não se deve aumentar uma sílaba métrica nos encontros consonantais disjuntos. Ou seja: deve-se evitar suarabactí (não pronunciar "letra muda").

Podes sempre acreditar, 
ter a pura con / vic / ção 
de que não vou te obrigar 
a ter a minha opinião...

 (Na contagem métrica, pronuncie "convição”, não "con/vi/qui/ção”)

 - Danço no rit / mo do samba ("rimo”não "rí / ti / mo") 
- Que muda o as / pec / to das coisas ("aspeto”  não "as /pé / qui / to")
- Subs/ tantivos e ad/jetivos (“sus”, não "su/bis... ; a/je”, não a/di/je...") 
 

4) Uma vogal fraca faz junção com a vogal fraca ou forte inicial da palavra seguinte.

Podes crer, és muito injusto 
e estás íonge da verdade; 
pois na trova a todo custo 
defendo aespontaneidade...
 
- "Onde canta osabiá" 
- "num ranchinho àbeira-chão" 
- e é bom que estejas presente

Observação - Aceitam-se exceções a esta regra no sentido de evitar a formação de sons duros e desagradáveis. Exemplo: "cuja ventura / única consiste" (venturúnica)

 
5) Uma vogal forte pode, ou não, fazer junção com vogal fraca da palavra seguinte, no entanto, jamais deve juntar-se com vogal forte.
 
É u/ ma história bem correta,
porquanto o ensino é preciso,
e no entanto só poeta
quer ser gênio de improviso...
 
 - No Para / aspessoas
 - No Para / ná as / pessoas
 - No Para / pessoas

 Observação - Nos casos em que se prefira a junção "forte + fraca", deve-se ter sempre o cuidado de evitar sons desagradáveis ("mais que tu/ardo") ou formar novas palavras ("via” ao invés de "vi a...").

  
6) Pode haver a junção de três vogais numa sílaba métrica.

§ 1° - Não deve haver mais de uma vogal forte.

§2" - No caso em que a vogal forte não esteja colocada entre as vogais fracas e sim em 1" e 3° lugar, para que seja correta a junção as duas vogais fracas devem juntar-se por crase ou por elisão, e não por sinalefa (ditongação). Assim, estará certo: "é / a am/ bição que nos prende"; (ou) "é a am/ bição que nos maltrata". Mas não podemos unir as três vogais de "e a / ín / tima palavra derradeira".

Es / taé u/ ma regra indiscreta,
convenções mal-amparadas:
induzem muito poeta
a convicções enraizadas.
 
- Ela / e eu/ juntos no cinema
- Ho / je eu/ dis / se a al/ guns amigos
- Coloquei- / lhe o a / nel no dedo
 
7) - As junções com vogais fracas são aceitas nos ditongos crescentes  (/ e eu /), mas são repelidas nos ditongos decrescentes ("Eu sou / aque no mundo anda perdida").
Para medir nossos versos,
se o ou / vido fosse o juiz,
em nossos metros diversos
ninguém poria o nariz...
 
- Devi / do àau/ sência dos noivos
- A inteligên / cia in / fantil
- Os belos montes / da Eu/ ro / pa
 
8) Nos encontros vocálicos ascendentes (formados por vogais ou semivogais átonas seguidas de vogais ou semivogais tônicas), a ditongação (sinerese) é de uso facultativo:
 
ci / ú/ me, ciú/ me;
vi / a / gem, via/ gem;
cri / an/ ça, crian/ ça;
po / e / ta, poe/ ta).
 
Na trova, soneto ou poe/ ma,
em toda parte do mundo,
se a forma for o dilema
su / a / al / maé sempre o fundo!
 

Observação 1 - Há nesse grupo alguns encontros vocálicos que não aceitam a ditongação:

Sa / a / ra, fe / é/ ri / co, a / é/ reo, pa / ra / í/ so, ra / í/ zes,   ba / ú, sa / ú/ va etc.

 
9) - Nos encontros vocálicos descendentes (formados por vogais ou semivogais tônicas seguidas de vogais ou semivogais átonas) não se aceita a ditongação (tu / a, su / a, lu / a, gui / a, fri / o, ri /o, pa / vi / o, sa / di / o etc.

§único - Em algumas regiões do Brasil é usada a ditongação nesses encontros vocálicos, com base na fonética local. No entanto, não será aceita na metrificação, em benefício da uniformidade, uma vez que na maioria dos estados é feita a separação dessas vogais.

As dúvidas são pequenas
não sejas tão pessimista,
dá-me a tu / aajuda, apenas,
e será bela a conquista.
 
10) Recomenda-se evitar formas reduzidas, que, por estarem em desuso, possam ferir a sensibilidade dos leitores e dos ouvintes (mui, inda, co'a etc.),
 
Observação 1 - A junção de "com" com palavras iniciadas por vogais tônicas não é recomendável ("com / es/ ta", não "com es/ta).
 
Observação 2 - A forma "pra" tem sido aceita com naturalidade, especialmente em trovas humorísticas.
 

OBSERVE:

Fi /ca / co / mi /go es/ ta / noi / te

e / não / te a/ rre /pen / de / rás...

Lá / fo / ra o/ fri / o é um / a / çoi / te,

ca / lor / a /qui / tu / te / rás.

Adelino Moreira

 

Eu / nas / ci / na / que / la / se / rra,

num / ran / chi / nhoà/ bei / ra- / chão,

to / do / chei / o / de / bu / ra /co,

on / de a / lu / a / faz / cla / rão...

Angelino de Oliveira

 

Se / re / nô, / eu / ca / io, eu/ ca / io;

se /re /nô, / dei / xa / ca / ir...

se / re / nô / da / ma / dru / ga / da

não / dei / xou / meu / bem /dor / mir...

Antônio Almeida

 

Es / ta / vaà/ to / a / na / vi / da,

o / meu / a / mor / me / cha / mou

pra / ver / a / ban / da / pa / ssar

can / tan /do / coi / sas / de a / mor...

Chico Buarque de Holanda

 

Pe / guei / um / I / ta /no / Nor / te

pra / vim / pro / Ri / o / mo / rá...

A / deus, / meu / pai, / mi / nha / mãe;

a / deus, / Be / lém / do / Pa / rá!

Dorival Caymi

 

Pre / pa / re o / seu / co / ra / ção

pras / coi / sas / que eu / vou / contar.

Eu / ve / nho / lá / do / ser / tão,

e / po / sso / não / lhe a / gra / dar...

Geraldo Vandré

 

Na a / la / me / da / da / poe/ si / a,

cho / ra / ri / mas / o / lu / ar...

Ma / dru / ga / da... e A / na / Ma / ri / a

so / nha / so / nhos / cor / do / mar...

Juca Chaves

 

Es / te é/ o e / xem / plo / que / da / mos

aos / jo / vens / re / cém- / ca / sa / dos:

queé/ me / lhor / se / bri / gar / jun / tos

do / que / cho / rar / se / pa / ra / dos...

Lupicínio Rodrigues

 

Quan / do es/ tou / nos / bra / ços / teus,

sin / to o/ mun / do / bo / ce / jar...

Quan /do es/ tás / nos / bra / ços / meus,

sin / to a / vi / da / des / can /sar!

Luiz Vieira

 

O / no / sso a/ mor / tra / du / zi / a

fe / li / ci / da / de, a /fei / ção,

su / pre / ma / gló / ria / que um / di / a

ti / ve ao / al / can / ce / da / mão.

Mário Rossi

 

Mui / ta / gen / te / cai / à/ to / a,

ou / tros / ca / em/ com /  Ra / zão...

A / sau / da / de é u / ma / ga / roa

ca / in / do / no / co / ra / ção.

Roberto Martins

 

O / lho o / sol / fin / dan /do / len / to,

só / nho o / so / nho / de um / a / dul / to:

mi / nha / voz / na / voz / do / ven / to

in / do em / bus / ca / do / teu / vul / to...

Sérgio Bittencourt

 

Eis / a / qui/es/ te / sam / bi / nha

fei /to / de u / ma / no / ta / só...

Ou / tras / no / tas / vão / en / trar,

mas / a / ba / se é/ u / ma / só...

Tom Jobim

 

Um / ve / lho / cal / ção / de / ba / nho,

o / di / a / pra / va / di / ar...

Um / mar / que / não / tem / ta / ma / nho

e um / ar / co– / í/ ris / no / ar.

Vinícius de Moraes

 
Fonte:
Apostila da Oficina de Trova ministrada pelo trovador na Feira Literária Internacional de Maringá (FLIM)

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