quinta-feira, 20 de abril de 2017

Campos Sales


1
A chama aos poucos se apaga
velando este amor desfeito,
enquanto a saudade afaga
o sonho morto em meu peito!
2
Ah! se Deus juntasse um dia,
as águas dos desenganos,
só de lágrimas, teria
outros tantos oceanos…
3
A lama seca rachada
lembra as malhas de uma rede,
na paisagem desolada
de um rio morto de sede!
4
A minha lembrança insiste,
de uma maneira indiscreta,
em ser uma rima triste.
nos versos deste poeta!
5
Ao cantinho que era nosso,
que, em nosso adeus se desfez,
eu volto sempre que posso,
e choro tudo outra vez…
6
Ao luar de tantas luas,
minha São Paulo querida,
fiz, somando as suas ruas,
a estrada da minha vida!
7
Ao menor abandonado,
que ávido um prato consome
a gula não é pecado,
o pecado é passar fome!
8
Ao poeta, não quiseste,
e, acredite, vida minha,
que o mundo que tu lhe deste
era o tudo que ele tinha…
9
A receita é de colírio
mas, o bebum se apavora
e diz, cheio de delírio:
“pinga, só uma vez por hora?!”
10
A mágoa que a um pai consome,
e do olhar rouba-lhe o brilho,
é ver a cara da fome
na cara do próprio filho!
11
Angústia que a um pai consome,
e do olhar rouba-lhe o brilho,
é ver a cara da fome
na cara do próprio filho!
12
Boteco é a maior desgraça,
grita o padre em tom agudo;
acabem com a cachaça,
grita o bebum - eu ajudo!
13
Chego de cabeça erguida,
à vida, devo o que sou,
tudo o que aprendi na vida,
foi a vida que ensinou…
14
Cobra a vida o preço justo,
por nossos erros fatais,
ser feliz a qualquer custo,
é sempre caro demais !
15
- Custa essa grana o motel?
– É cinco estrelas, meu bem.
- Então vamos pro “moitel”,
lá estrela é o que mais tem.
16
Detalhe triste e sombrio
é o rastro que alguém deixou
na lama seca do rio
que a seca também matou!
17
Distante de quem adoro
minha alma triste se queixa,
tento fingir que não choro,
mas meu semblante não deixa!
18
Fantasmas de dois defuntos,
namorando à luz da lua:
– Meu bem, vamos dormir juntos?
– Na minha tumba, ou na tua?!
19
Foi juntando os pedacinhos
de um velho sonho desfeito
que as mágoas fizeram ninhos
na varanda do meu peito...
20
Lágrimas dos sonhos vãos,
já não guardam meus segredos,
se escondo o rosto nas mãos,
elas vertem entre os dedos!
21
Lembro o sertão, seu encanto,
a lua cheia, tão minha,
sem nada eu ter, tinha tanto,
naquele nada que eu tinha…
22
Meu mundo foi devastado,
não por um vento qualquer; 
foi passagem de um tornado,
que tem nome de mulher.
23
Meu mundo se foi com ela
e, no vazio que resta,
a saudade abre a cancela
e a solidão faz a festa…
24
Meu sonho se foi com ela,
e no vazio que resta,
a saudade abre a cancela
e a solidão faz a festa!
25
Mulher por Deus concebida
é o fruto que ao mundo veio,
trazendo a fonte da vida
na vida do próprio seio.
26
Não passei por faculdades,
curso algum eu concluí
passei, sim, dificuldades,
mas, enfim, cheguei aqui…
27
Na solidão da moldura,
ainda vejo em teu olhar,
o momento em que a ternura
se deixou fotografar…
28
Nem a esperança conforta
o pai que vê, com tristeza,
a fome rondando a porta,
querendo sentar-se à mesa!
29
No beco, os dois às escuras,
depois da orgia tão louca,
notaram que as dentaduras,
tinham trocado de boca!
30
No leito frio da cova,
Luiz Otávio, afinal,
se fez semente de trova,
e a trova o fez imortal!
31
Nos campos que a relva cobre
minério em profusão,
fui só um menino pobre
sem escola, pés no chão…
32
No silêncio da moldura,
ainda vejo em seu olhar,
o momento em que a ternura
se deixou fotografar.
33
Nossas culpas divididas,
por castigo ou por maldade,
dividiram nossas vidas,
sem dividir a saudade!
34
Nos telhados da cidade
a garoa não cai mais,
somente a minha saudade
ainda escorre dos beirais!
35
O adeus foi breve, no entanto,
naqueles olhos morenos,
uma gotinha de pranto
falou bem mais que os acenos.
36
O pranto do amor desfeito,
motivo do meu desgosto,
rompe a barragem do peito
e se esparrama em meu rosto.
37
Pelos caminhos do bem,
quem faz o bem nem percebe
quão nobre é o vício que tem
quem dá mais do que recebe…
38
Pode parecer bravata,
mas, no fundo, não é não
eu sou, sim, autodidata,
quer na escrita, ou na canção…
39
Por mais que uma frase doa,
sangrando fundo no peito,
a saudade até perdoa,
é a mágoa que não tem jeito!
40
Quando os olhos rasos d'água
fazem do rosto a vertente,
parece que toda a mágoa
busca refúgio na gente.
41
Quando o tempo bate à porta
e a saudade invade o peito,
cansaço a gente suporta,
mas, solidão não tem jeito! 
42
Quando o vento em tarde calma,
teu rosto toca mansinho,
saiba, meu bem, que é minha alma
que vem fazer-te um carinho.
43
Queixando-se do calor,
no consultório, a gatinha:
– Ponho onde a roupa, doutor?
– Deixa ali, perto da minha…
44
Saudade, aço que corta,
fazendo estragos no peito:
A mágoa, a gente suporta,
mas, solidão, não tem jeito…
45
Sei que esquecê-la é preciso,
mas a esperança perdida
vai apagando o sorriso
no rosto de minha vida!
46
Sem precisar das imagens
ou linguagens que os ensinem,
os olhos trocam mensagens
que as palavras não definem.
47
Se queixando do calor,
no consultório a gatinha,
- Ponho onde a roupa doutor?
- Deixa ali perto da minha...
48
Silente, o mendigo reza,
e a indiferença que o espia,
não sabe o quanto lhe pesa
a mão que estende, vazia…
49
Só Deus conhece a tristeza,
de um pai que lutando em vão,
vê a fome rondando a mesa,
e a mesa faltando o pão!
50
Terra selvagem, seu moço,
bem diferente daqui,
nos confins do Mato Grosso,
às margens do Taquari…
51
Teu retrato desbotado
que há tanto tempo perdura,
é um perfil do meu passado
na solidão da moldura!
52
Viu revoltada, a baranga,
seu marido, “moralista”,
quase nu, soltando a franga,
no desfile na Paulista…

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