1
A chuva cessou há pouco,
mas o frio continua...
Grita o vento como um louco
por entre os becos da rua.
2
Acordo, olho o céu e vejo
que a manhã imaculada
traz os perfumes de um beijo
que roubou da madrugada.
3
A minha casa é pequena,
e embora tal restrição,
nela reside serena
minha doce inspiração.
4
Amo a minha biblioteca,
doce nave da ilusão,
pois nela sigo até Meca
ou molho os pés no Jordão.
5
Ando em busca da centelha
do teu beijo de esplendor
e da papoula vermelha
que escondes com teu pudor.
6
Ao longe, de madrugada,
por sobre o mar terno e lindo,
a pequenina jangada
parece a lua dormindo.
7
As nossas línguas macias,
em carícias muito loucas,
parecem duas enguias
disputando em nossas bocas.
8
A tarde se abrasa em cores
e lentamente desmaia.
O céu, pintado de flores,
lembra uma enorme lacraia.
9
A tarde triste adormece.
Estrelas piscam em cruz...
Ao longe, a lua parece
delgada foice de luz.
10
A trova é um poema grácil,
que surge de um mundo etéreo:
- Para quem sabe é bem fácil.
- Pra quem não sabe é um mistério.
11
Brilha o céu como turquesa
e o nascente é de romã…
Nunca vi tanta beleza
surgindo assim, na manhã.
12
Chego a pensar que sou forte,
vendo a velhice chegar,
pois mesmo perto da morte
consigo ainda sonhar.
13
Cresci buscando esperança,
nada achei e foi fatal.
E quantas deixei, criança,
brincando no meu quintal.
14
De noite durmo e desperto...
E, nesse doce vaivém,
a infância chega tão perto
que escuto apitos do trem.
15
De tudo quanto me assiste,
neste mundo miserando,
nada me fala mais triste
do que a velhice chegando.
16
É frio, a noite descansa;
o espaço é vasto e medonho.
De repente, a lua mansa
surge nos braços de um sonho.
17
É noite calma de lua.
Os ventos, em rodopios,
são violinos na rua
tocando valsas nos fios.
18
Escondes mito e bonança
na aparente timidez.
Tens a graça e a temperança
de um gatinho siamês.
19
Essa mancha exígua e preta,
no seu colo alvo e desnudo,
lembra frágil borboleta
toda feita de veludo.
20
Fico olhando o teu aprumo.
És linda e jovem demais...
E eu sou um barco sem rumo,
sem mais direito ao teu cais.
21
Inefável labareda,
a borboleta a voar
parece um lenço de seda
que um anjo esqueceu no ar.
22
Meditando em meu cansaço
não me entristeço nem rio...
os troféus do meu fracasso
valorizam meu vazio.
23
Menino ainda acredito,
olhando o céu com minúcia,
que as estrelas do infinito
sejam mimos de pelúcia.
24
Meus versos feitos de sedas,
do mais puro tom lilás,
lembram calmas alamedas
em tardes cheias de paz.
25
Minha porta, que era arguta,
de repente ensandeceu.
Qualquer toque que ela escuta,
julga logo ser o seu.
26
Na doce tarde de outono,
ruflam brisas em farol.
As nuvens louras, sem dono,
lembram novelos de sol.
27
Na estrada que compartilho,
meu coração, aos pedaços,
lembra a mãe que já sem filho
nina a solidão nos braços.
28
Nasci na vida tristonho
e vou por ela tão sério,
que é por isso que o meu sonho
tem as marcas de um cautério.
29
Noite linda. O céu aberto
faz-se de suave emoção.
A lua chegou tão perto
que eu quase a peguei na mão.
30
Numa batalha renhida,
vou lutar até o fim,
pois quero sair da vida
muito melhor do que vim.
31
O arquiteto faz o traço,
seu trabalho é no nanquim.
Eu vivo as trovas que faço,
que elas são partes de mim.
32
O dia já nasce lindo.
Passam ventos frios, nus.
A manhã acorda rindo
num escândalo de luz.
33
Olhos brandos, mãos que espargem
sorrisos como troféu...
Pelo que os filhos lhe fazem
as mães merecem o céu.
34
O menino que era sonho
de alma da cor do marfim,
não sei mais onde é que o ponho,
depois que cresceu em mim.
35
O tempo amassou meu rosto.
Não doeu, foi devagar...
Mas as mágoas e o desgosto
como é que custam passar.
36
Pai querido, não morreste,
que a morte nos lembra um fim
e tudo aquilo em que creste
anda a viver dentro em mim.
37
Passa o vento num arrulho.
A noite é fria lá fora.
Como é gostoso o barulho
da chuva caindo agora.
38
Pelas manhãs de bonança,
junto à brisa que flutua,
borboletas são crianças,
brincando alegres na rua.
39
Penso ainda ser menino,
correndo à toa na rua,
empinando, sem destino,
a branca raia da lua.
40
Pressinto estar de partida
e o mistério me seduz.
Se fecho os olhos na vida
acordo em mimos de luz.
41
Que bom ficarmos juntinhos,
distantes de um novo adeus,
pois vejo nos seus olhinhos
todo o carinho de Deus.
42
Quero as minhas tardes feitas
de luzes em algazarras;
cheias de cores perfeitas,
com festivais de cigarras.
43
Saudade é dor muito estranha,
toca no peito tão fundo
que sinto que a minha entranha
abriga as dores do mundo.
44
Saudoso comprei passagem
de retorno à minha infância.
Mas como seguir viagem
se eu nem sei mais a distância?
45
Tem encanto, tem magia
minha pequena janela,
que ao abri-la a cada dia
eu vejo a vida mais bela.
46
Trabalho, sofro, padeço
carregando a minha cruz,
para ver se pago o preço
desta roupagem de luz.
47
Tudo se foi da lembrança...
E do nosso antigo enredo
nem mais a marca da aliança
se acha gravada em meu dedo.
48
Um doce aroma flutua
nesta noite de ateneu
e há tanta paz pela rua
que eu penso que o céu desceu.
49
Um gesto só, um arranjo,
um traço apenas de acuro
e acabarás sendo o anjo
que em minhas preces procuro.
50
Um remorso me espezinha
se ponho, com aflição,
no seu corpo de andorinha
meus olhos de gavião.
51
Veio Deus. Do caos agreste,
ergueu o espaço sem fim.
Porém tu bem mais fizeste
do nada que havia em mim.
52
Vitória: – um colar de ilhas!
Cantar-te, com que talento?!
Já bastam as maravilhas
que escuto na voz do vento.
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