terça-feira, 18 de abril de 2017

Adaucto Soares Gondim (Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE)

1
Adoro a treva ao açoite
do vento que não tem dono:
Deus fez o escuro da noite
para a carícia do sono.
2
A dor que minha alma corta
de maneira aguda e infinda,
é ter-te à conta de morta
sabendo que és viva ainda.
3
Amor perfeito suponho
se houvesse seria assim:
ela dentro do meu sonho,
seu sonho dentro de mim.
4
Amor que passou – rosário
de saudade e de ilusão,
folhinha de calendário
que a gente atira no chão.
5
A trova é gemido brando,
breve cantiga inocente,
que dizemos suspirando,
pensando na amada ausente.
6
Dá de graça o que recebes
de graça se diz, em suma,
e o que te peço e me negas
não te custou coisa alguma. 
7
Da distância em que me vejo
quero ir pelos espaços
voando para o teu beijo,
fugindo para os teus braços
8
Da trova fiz o meu pão
minha cantiga inocente,
a voz do meu coração
e o sentir da minha gente.
9
De meus idílios, o fado
me traz em triste labor:
quanto mais sou desprezado
mais aumenta o meu amor.
10
De quem favores te pede
nunca procures fugir;
- só sabe a dor de quem pede
quem precisa e vai pedir.
11
Destaco a minha folhinha
quando o sol nascendo vem:
o calendário da vida
mais um dia a menos tem...
12
Deus pensou em nós. Primeiro
para esculpir nosso amor,
deu-me uma alma de troveiro
deu-te a ternura de uma flor.
13
Eu quando tiver certeza
que meu bem já não me quer,
irei matar a tristeza
nos braços de outra mulher.
14
Fui à missa e rezei muito,
depois de haver comungado,
deixei a igreja e encontrei-te:
nem Deus evita o pecado. 
15
Inda recordo, querida,
foi numa noite de lua,
te beijei e a minha vida
se misturou com a tua.
16
Inverno, a terra se veste
de flores em profusão,
somente a minha alma agreste
vive em eterno verão.
17
Meu coração, se a esperança
dentro dele se renova,
se alegra qual a criança
que veste uma roupa nova.
18
Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.
19
Mulheres que estão me olhando
pensando no mesmo assunto,
são como freiras rezando
na intenção de um só defunto.
20
Na minha cova - meu leito
eterno - por caridade
ninguém plante amor perfeito,
dou preferência à saudade.
21
Não sei de maior pecado:
não sou santo e, como tal,
vi meu retrato guardado
dentro do teu manual.
22
Nem sempre a face do espelho
mostra exato as dimensões,
há quem dê o bom conselho
com segundas intenções.
23
Nosso amor, que se renova,
aumenta em tal proporção
que não cabe numa trova
nem dentro do coração.
24
No teu jardim, entre flores,
feliz estou ao teu lado
meu calendário de dores
hoje marcou feriado.
25
Nunca me chames de ingrato
porque com outra casei:
podia eu, metal barato,
dar liga a ouro de lei?
26
Parece uma coisa louca:
para aumentar meu desejo
eu vejo que tua boca
Deus fez em forma de beijo.
27
Penso em ti de olhos fechados
e o pensamento aprofundo:
ah! se estivesse ao teu lado 
para glória do meu mundo!
28
Prometo dar-te um milhão
de beijos, se me disseres
quem tem o meu coração
que perdi entre as mulheres.
29
Quando os raios prateados
do luar beijam a noite,
pede a saudade pernoite
nos corações namorados.
30
Quem tiver a alma doente
não fuja deste caminho:
recorde a mulher ausente
faça trova e tome vinho.
31
Rico de amor como eu
não há quem possa igualar,
e o muito que Deus me deu
é pouco para te dar.
32
Saudade – alívio das dores
e dentro da alma se estampa
qual um canteiro de flores
plantado sobre uma campa.
33
Sobre minha enfermidade
disse o doutor, com razão;
é o germe de uma saudade
destruindo o coração.
34
Teu olhar sereno e terno
sobre os meus olhos pousou,
qual chuva de fim de inverno
num campo que já secou!
35
Vendo-te assim tão formosa,
de porte esbelto e sereno
para intrigar uma rosa
chamei-te cravo moreno.
36 
Vi teus braços… que ventura!
teu colo… as pernas… que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.

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