terça-feira, 11 de abril de 2017

Anis Murad (1904 - 1962)


1
Achei uma forma nova
de tornar-me trovador:
nossos lábios – uma trova
na doce rima do amor.
2
Alô!… Quem fala?… Esperança?….
– Um momento!… Vou chamar!…
Esperei… – pobre criança
que envelheceu a esperar!…
3
A minha alma – agradecida,
elevo a Deus com fervor,
pelo amor – maior da vida!
Que nasceu do nosso amor.
4
A minha alma não se cansa,
- embora desiludida,
de acalentar a esperança,
que é o acalanto da vida.
5
Amo no amor a ternura,
a meiguice, a suavidade;
o amor – que é todo doçura,
o amor – que é todo amizade.
6
Ao verme o verme me diz,
depois de me haver provado; e
bonito!… bebi anis…
Vou ficar embriagado…
7
Aqui jaz, na quadra imerso,
um vate, vivo e mordaz.
Fez sepulturas, do verso,
e sepultou-se; aqui jaz.
8
As trovas feitas a esmo,
são difíceis de fazer:
conversa contigo mesmo,
que a trova sai sem querer.
9
As trovas, quando eu as faço,
faço-as de mim para mim.
Vou dizê-las… que embaraço…
Estremeço… fico assim..
10
A vida é mesmo engraçada:
correr, correr, para enfim,
tombar, ao fim, para o Nada -
no eterno nada – sem fim…
11
A vida é noite fechada,
num coração sem amor.
Amor é Luz – madrugada!
Raio de Sol – Esplendor!
12
Bebida da mesma adega,
serás igual a teu pai…
Tu, Anis novo – que chega,
- “Quem é?” – Eu, Anis velho – que vai…
13
Cansado estou da esperança,
cansado do meu ser,
da própria vida – que cansa,
vivendo, assim, sem viver…
14
Com a luz, pai, que me deste,
do teu meigo olhar profundo,
eu vejo – no mundo agreste,
toda a beleza do mundo.
15
Dá tantas voltas a vida,
a gente, atrás, a correr…
Que gente doida, varrida!
Correr tanto, pra morrer!
16
Debaixo da nossa cama,
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo – Maria.
17
Deixa a vida do menino
viver a vida, meu bem,
ninguém muda o destino,
nem a vida de ninguém!…
18
Depois de sua partida,
mais a possuo, porque:
toda a saudade da vida,
ficou em mim – de você!
19
De sete meses gerado,
vim ao mundo temporão.
Já fui tesouro guardado,
em caixa de papelão.
20
Disseste não, fiquei triste,
mas disseste sim, depois.
Maldito “sim”, que persisti,
no eterno “não”, de nós dois.
21
Do meu berço pequenino,
fizeram tosca jangada,
que voga ao léu do destino,
para o destino do nada.
22
Do meu quarto de solteiro
- já cansei de te pedir,
vem buscar teu travesseiro,
que não me deixa dormir!…
23
“É bebida apetecida,
- de gostosura sem fim…
Se bebo desta bebida,
eu fico cheio de mim…
24
É, francamente, bobagem,
possuir televisão
se eu posso ver tua imagem,
no vídeo do coração.
25
Envelhecer! – que tristeza,
sentir a vida fugir
e ter a triste certeza,
que a morte certa há de vir.
26
Esperança!… quem diria,
quem diria – que a esperança
fosse os olhos de Maria,
vagando em minha lembrança.
27
Esperei-a toda a vida…
Nessa espera envelheci…
Ela – de verde, vestida
passou por mim e não vi…
28
Essa Maria – que existe,
chorando nos versos meus,
foi a saudade mais triste,
que alguém deixou num adeus!
29
Esses balões e as fogueiras,
trazem à minha lembrança,
as esperanças fagueiras,
dos meus tempos de criança!…
30
Esses teus olhos tão lindos,
misteriosos, profundos,
são dois abismos infindos
dois precipícios – dois mundos!..
31
Estes teus olhos brejeiros!
- Ah! Se eu pudesse, meu Deus!
Por noites, dias inteiros,
ver meus olhos nos teus!
32
Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem!
Só pelo bem – que há na vida
de se poder querer bem.
33
Eu nada tenho de meu,
por isso vivo a cantar -
a graça que Deus me deu:
mulher, um filho – meu lar!
34
Eu seria bem feliz,
das mágoas que já sofri,
se pudesse, sendo anis,
ser somente para ti…
35
Eu só, tu só, nós dois sozinhos…
O amor chegou certa vez,
misturou nossos trapinhos,
somos um mundo: – nós três!
36
Guarda, meu bem, na lembrança,
esta lembrança do bem:
quem não tiver esperança,
seja a esperança de alguém!…
37
Guardo esta crença comigo,
com carinho e devoção:
todo mundo é meu amigo,
todo amigo: – meu irmão!
38
Há uma lâmpada encantada,
acesa no coração,
que tem a chama sagrada,
que se chama inspiração.
39
Mãe que traz uma criança,
nas entranhas de seu ser,
carrega a própria esperança,
no filho que vai nascer.
40
Mandei a saudade, um dia,
à procura de meu bem,
desse meu bem – que é Maria,
mas que é saudade – também…
41
Manhã de sol, que alegria!
De pés descalço, meu ser,
é um garoto que assovia,
na alegria de viver.
42
Mente, descaradamente,
o coração da mulher.
Diz que não gosta da gente,
só pra dizer que nos quer..
43
Mesmo velhinho e cansado,
não sei que estranha magia,
fico um saci, assanhado,
quando te vejo, Maria.
44
Na noite triste, vazia,
ouvi a voz de meu bem.
Corri louco de alegria,
abri a porta – ninguém!
45
Não, saudade, não açoite
o carro de bois, dolente,
gemendo dentro da noite…
chorando dentro da gente…
46
Não sei porque a lembrança,
de uma florzinha que cai,
faz-me pensar na criança,
abandonada, sem pai.
47
Não sei se foi por maldade,
não sei se foi por vingança:
mataram minha saudade…
roubaram minha esperança..
48
Na triste quadra da vida,
rima-se a felicidade,
com esta rima querida,
que se rima na amizade.
49
No meu ermo – “Soledade”,
alguém bateu, certo dia.
“Sou eu, a Saudade!”
- “Meu Deus! A voz de Maria!”
50
Nós nos queremos, querida,
com tanta simplicidade,
que o maior bem desta vida,
não vale a nossa amizade!
51
Olho o boi, de olhar parado,
que me fica amargamente
Parece que o desgraçado
tem piedade da gente.
52
Olhos risonhos, infindos,
que choram de quando em quando:
sorrindo – lindos, tão lindos;
feios, tão feios – chorando…
53
O trovador – simplesmente,
é uma pessoa feliz;
se às vezes diz o que sente,
nem sempre sente o que diz.
54
Por um beijo concedido,
ficou desfeito o noivado;
pois o futuro marido,
sentiu-se logo enganado.
55
Quando eu partir – não sei quando,
não ponhas, minha querida,
teus olhos, lindos, chorando,
sobre os meus olhos, sem vida.
56
Saudade – doce maldade,
que a gente sente e não vê,
mas eu vejo esta saudade,
esta saudade é você!…
57
Saudade – dor repartida
entre o que fica e o que vai.
Uma esperança perdida
num sonho azul que se esvai.
58
Saudade – rede vazia
a balançar tristemente…
ninando a melancolia
que dorme dentro da gente.
59
Saudade – sonho, desejo,
lembrança, recordação……
Um beijo – que já foi beijo,
um amor – que foi paixão…
60
Saudade – tristeza imensa,
por meu amor que não vem.
Saudade – tristeza imensa,
de alguém ausente… de alguém!
61
Se todo mundo quisesse,
melhor o mundo seria,.
se todo mundo soubesse,,
do nosso mundo, Maria.
62
Simples jardim sobre a cova,
trevos repousando em calma
Em cada trevo uma trova,
em cada trova a minha alma…
63
Só senti a luz da vida,
com mais calor e mais brilho,
quando tu deste, querida,
a luz da vida a meu filho.
64
Surpreendeu-me o garoto,
em colóquio com meu bem.
E diz, num sorriso maroto:
- Eu quero beijar, também!
65
Tal qual ingênua criança
nas noites de São João,
vou soltando as esperanças,
como quem solta balão!…
66
Também nas flores existe
uma saudade de amor…
Orvalho – saudade triste,
lacrimejando na flor…
67
Tens o sentido profundo
da fé – que é paz, é perdão!
Braços abertos ao mundo,
portal do céu – redenção!
68
Terá, mulher, se quiseres,
o mundo todo a teus pés.!
Porque é todo das mulheres,
que forem como tu és!
69
Tudo passa – na verdade,
passa tudo – sem parar.
Só não passa esta saudade,
que ficou no teu lugar.
70
Um vagido de criança
sacode todo meu ser:
era o pranto da esperança
que gritava pra viver.
71
Vem o trem cortando a serra,
no seu grito lancinante
Talvez saudade da terra
que foi ficando distante.
72
Vendo-a passar, ficou triste,
quando alguém lhe perguntou:
- E aquele amor… inda existe?
- Não! – respondeu… Já passou!…

Fonte:
Luiz Otávio e J. G. De Araújo Jorge (organizadores). 100 Trovas de Anis Murad. Coleção “Trovadores Brasileiros”. RJ: Editora Vecchi – 1959

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