domingo, 23 de abril de 2017

Giselda de Medeiros Albuquerque (Fortaleza/CE)

1
Aprendi, na tua ausência,
uma lição ponderada:
– que a espera, com paciência,
torna mais breve a chegada.
2
As trovas são diamantes
que certo ourives, um dia,
com suas mãos operantes,
cravou no anel da poesia.
3
Cem anos da abolição
e o negro sofre a desgraça
de acorrentar-se à prisão
do preconceito da raça!
4
Chove a cântaros... e o frio
cai sobre tudo, por fim...
E, enchendo este meu vazio,
chovem saudades em mim...
5
É carnaval… e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão…
6
É o mais belo panorama
e de Deus o melhor verso
o sol ressurgindo em chama,
banhando de ouro o universo.
7
Essas rugas que há no rosto,
mostrando a idade inclemente,
são rumos onde o desgosto
caminha, pisando a gente.
8
Esse gemido tristonho
das ondas, sempre a chorar,
é a voz queixosa de um sonho
preso nas conchas do mar!
9
Felicidade... momentos
de emoções transcendentais,
que se vão na asa dos ventos
e não voltam nunca mais!
10
Lançada a sorte! Em verdade,
eu parti... Mares medonhos!...
E, no Porto da Saudade,
fui ancorar com meus sonhos…
11
Leu tanto amor… e, no entanto,
sozinha, a cigana, à morte,
convive com o desencanto
de não ler a própria sorte!…
12
Não deixes preto o teu céu...
Vê que as grandes tempestades
espalham sombras ao léu,
mas vêm, depois, claridades.
13
Nesta existência sofrida, 
triste certeza me invade: 
– o sonho ardendo na vida, 
e a vida a arder na saudade.
14
O teu adeus, mesmo em sonho,
me aniquila de tal sorte
que, estando viva, suponho
estar nos braços da morte!
15
Por te amar tão loucamente,
fui-me tornando um palhaço,
fazendo rir tanta gente
às custas do meu fracasso.
16
Por um momento de sonho,
que dure uma eternidade,
darei tudo e não me oponho
a viver só da saudade.
17
Ri, palhaço, que o teu riso
vai à dor dar acolhida,
transformando em paraíso
teu picadeiro da vida.
18
Se a noite vem, com azedume,
vestindo de preto o céu,
que sejas tu, vagalume,
e espalhes luz a granel.
19
Sê como o mar, grandioso,
cujo esplendor estonteia,
mas, humilde e generoso,
vem bordar rendas na areia!
20
Se vires um tom de escuro
na trilha dos rumos teus,
não temas, e vai seguro,
que é a sombra da mão de Deus.
21
Sublime, aquele momento
em que o poeta, risonho,
põe asas no pensamento
e voa, buscando o sonho.
22
Tenta esconder o teu pranto,
às frustrações, ao desgosto,
pois não há maior encanto
que mostrar a paz no rosto.
23
Teu olhar, por sorte, às águas,
sombra nenhuma deixou,
no entanto deixou-me mágoas
nesta sombra que hoje eu sou!
24
Teus olhos, ardentes círios,
meus dias tornam risonhos,
e tuas mãos, brancos lírios,
vão modelando meus sonhos.
25
Vasculhando meu passado,
encontrei nele, tristonho,
teu retrato empoeirado
na gaveta do meu sonho.
26
Vencendo todo o cansaço,
decerto gargalharei,
pois hoje sou um palhaço
dos sonhos que não sonhei.

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