segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Edmar Japiassú Maia (Trovas em Preto & Branco)

 


 1
Aperta meu coração
ser mãe de um filho ilustrado...
- Ele tem muita instrução?
- Não!... É todo tatuado!
2
Coração...cerca o pedaço
para que o amor não se perca,
que hei de cuidar desse espaço,
antes que a dor ponha cerca…
3
Entardece em minha infância...
Temendo que o medo cresça,
espreito a vida, à distância,
antes que a infância anoiteça!
4
Ilusão... velha charrete
que, teimoso, eu não desmancho,
pois, vez por outra, faz frete
de sonhos... aqui no rancho!
5
Na fábrica de tecidos,
proposto o aperto nos planos,
os "acertos" resolvidos
são "por debaixo dos panos"!
6
Nas asas do desvario,
tentando um sonho alcançar,
eu despenquei no vazio,
mas... aprendi a voar!
7
Ninguém vai sentir-se preso
ao peso da minha cruz;
que a cruz só revela o peso
para o ombro que a conduz…
8
No aperto, ao chefe ele vai
e expressa sua revolta...
- E a grana, sai ou não sai?
- Já saiu!... Não sei se volta!!!
9
O sonho é carga festiva
nos trilhos das ilusões...
E o amor é a locomotiva
que vem puxando os vagões!
10
Por mais que a vida se oponha,
traze os sonhos junto a ti,
porque, aos olhos de quem sonha,
o infinito... é logo ali!
11
Quem por cigarro se entrega
às mãos do vício, sem medos,
não percebe que carrega
a morte acesa entre os dedos!
12
Talvez porque a noite esconda
sombras de amor...é que a Lua
põe mais luz em sua ronda,
quando ronda a minha rua!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE EDMAR EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

As trovas de Edmar Japiassú Maia são uma bela expressão de sentimentos e reflexões sobre a vida, amor, sonhos e desafios.

1. Aperta meu coração
Esta trova brinca com a ideia de ser mãe de um "filho ilustrado", que é um jogo de palavras sobre a aparência. A tatuagem, muitas vezes associada a rebeldia, contrasta com a expectativa de educação e respeito. Isso sugere que o amor transcende as aparências e os estigmas sociais.

2. Coração...cerca o pedaço
Aqui, a metáfora do "coração cercando o pedaço" fala sobre a proteção do amor frente à dor. Refere-se à vulnerabilidade emocional e à necessidade de cuidar das relações para evitar a perda, enfatizando a fragilidade do afeto.

3. Entardece em minha infância
Esta trova evoca a transição do tempo, simbolizando o medo de perder a inocência da infância. A metáfora do entardecer sugere uma aproximação do fim de um ciclo, refletindo a ansiedade que vem com o crescimento e a perda da simplicidade.

4. Ilusão...velha charrete
A charrete simboliza os sonhos que persistem, mesmo que estejam desgastados. A ideia de "frete de sonhos" sugere que, apesar das dificuldades da vida, ainda é possível transportar esperanças e desejos, mesmo em condições adversas.

5. Na fábrica de tecidos
Esta trova critica a hipocrisia nas relações de trabalho, onde os “acertos” são feitos de maneira obscura. Reflete a corrupção e as injustiças que permeiam a vida laboral, evidenciando a luta dos trabalhadores por reconhecimento e direitos.

6. Nas asas do desvario
A metáfora das "asas do desvario" indica a busca por liberdade e sonho, mesmo que essa busca leve a quedas. A aprendizagem a partir das dificuldades sugere que as falhas são parte do processo de crescimento e autodescoberta.

7. Ninguém vai sentir-se preso
Essa trova aborda a ideia de que o peso da cruz (as dificuldades da vida) é sentido de forma diferente por cada pessoa. A cruz pode ser um símbolo de sacrifício, mas a percepção do seu peso depende da força e resiliência de quem a carrega.

8. No aperto, ao chefe ele vai
Esta trova escrita com uma pitada de humor expressa a frustração do trabalhador em relação à remuneração e à falta de transparência nas relações de emprego. A dúvida sobre o retorno do dinheiro sugere um ciclo de incertezas e desconfiança nas promessas feitas.

9. O sonho é carga festiva
Aqui, o sonho é comparado a um fardo alegre, e o amor é visto como a força motriz. Essa metáfora mostra que, apesar das dificuldades, os sonhos e o amor são essenciais para a jornada da vida, trazendo esperança e propósito.

10. Por mais que a vida se oponha
A mensagem central é de perseverança. O convite para levar os sonhos consigo sugere que, mesmo diante de adversidades, o otimismo e a determinação podem transformar a visão da realidade, tornando o futuro mais promissor.

11. Quem por cigarro se entrega
Esta trova é uma crítica ao vício, simbolizando a autodestruição que muitos não percebem. A imagem da "morte acesa entre os dedos" destaca a insustentabilidade do vício, revelando uma luta interna que pode ser fatal.

12. Talvez porque a noite esconda
A lua, que dá luz à escuridão, simboliza esperança e beleza. A ideia de que a noite esconde sombras de amor sugere que, mesmo em tempos difíceis, há sempre um espaço para a luz e a beleza nas experiências da vida.

AS TEMÁTICAS DAS TROVAS DE EDMAR 

1. Amor e Relações
O amor e as relações nas trovas de Edmar Japiassú Maia são abordados com uma sinceridade e complexidade que refletem tanto a beleza quanto a fragilidade desses sentimentos.

Em várias trovas, Edmar demonstra que o amor transcende aparências e circunstâncias. A primeira trova, por exemplo, brinca com a ideia de um "filho ilustrado", revelando que o amor de uma mãe não é condicionado à aparência ou às escolhas do filho, mas é profundo e inabalável. Trovas como a segunda e a terceira refletem a fragilidade do amor. O cuidado necessário para proteger o amor das dores da vida é um tema recorrente, mostrando que as relações exigem atenção e carinho para não se perderem.

O amor também é apresentado como algo que evolui. A passagem da infância para a vida adulta, por exemplo, traz consigo desafios e medos, como visto na terceira trova. Essa transição é um momento de reflexão sobre como as relações mudam ao longo do tempo.

A metáfora dos sonhos, presente em várias trovas, indica que o amor é um veículo para aspirações e esperanças. O amor é descrito como uma locomotiva que puxa os sonhos, enfatizando a necessidade de compartilhar objetivos e visões com o outro.

Edmar também não hesita em abordar as desilusões que podem surgir nas relações. A crítica às injustiças e à hipocrisia no cotidiano sugere que, mesmo dentro do amor, existem desafios e desentendimentos que precisam ser enfrentados.

Apesar das dificuldades, as trovas transmitem uma mensagem de esperança. A ideia de que o amor pode iluminar os momentos mais sombrios, como a lua que brilha na noite, sugere que, mesmo nas dificuldades, o amor é uma força renovadora.

Assim como Adélia Prado que explora o amor em suas diversas formas, com uma linguagem íntima e sensível.

2. Infância e Crescimento

A transição da infância para a vida adulta é um tema recorrente. Edmar capta a inocência da infância e os medos que surgem com o crescimento, refletindo sobre como as experiências moldam a percepção do mundo. Essa temática aponta para a inevitabilidade da mudança e a luta interna entre manter a inocência e enfrentar as duras realidades da vida. A nostalgia pela infância e o receio de perder essa fase são sentimentos profundos que permeiam suas trovas.

Como Edmar, Cecília Meireles em sua obra, reflete sobre a infância e a passagem do tempo, capturando a inocência e a melancolia. Marília Garcia, aborda a infância e suas complexidades em um contexto moderno, refletindo sobre o crescimento e as mudanças.

3. Sonhos e Aspirações

Os sonhos são apresentados como uma força vital, essenciais para a motivação e o propósito. Edmar utiliza metáforas como a locomotiva para ilustrar como os sonhos movem a vida das pessoas. Ele ressalta que, apesar das adversidades, manter os sonhos vivos é fundamental para a felicidade. Essa busca incessante por realização é uma forma de resistência contra as dificuldades impostas pela realidade.

Para Fernando Pessoa, a ideia de sonhos e aspirações é central em sua obra, especialmente no que diz respeito à busca por identidade. A poetisa contemporânea Alice Sant'Anna explora a busca por sonhos e a realidade moderna, refletindo sobre anseios e desilusões.

4. Injustiça Social

Edmar traz à tona a crítica social, especialmente em contextos de trabalho e desigualdade. Ele expõe a hipocrisia e a corrupção que permeiam as relações laborais, refletindo a luta do trabalhador por dignidade e reconhecimento. Essa temática é um chamado à consciência social, lembrando que as injustiças afetam profundamente as relações humanas e a dignidade individual.

Dentro desta temática, Castro Alves, conhecido por sua poesia abolicionista, critica as injustiças sociais de sua época. Rafael Cardoso aborda questões sociais e políticas, refletindo sobre a realidade do trabalhador e as desigualdades.

5. Superação e Resiliência

A superação é um tema inspirador nas trovas de Edmar. Ele aborda a capacidade humana de se reerguer após quedas e dificuldades. A ideia de que as falhas são oportunidades de aprendizado reflete uma visão otimista da vida. Essa resiliência é fundamental para enfrentar os desafios cotidianos e manter a esperança viva, mesmo diante das adversidades.

Olavo Bilac fala sobre a busca pela superação e a força do espírito humano, enquanto Bráulio Bessa, transmite mensagens de esperança e resiliência, valorizando a cultura popular em seus poemas.

6. Vícios e Consequências

A abordagem de Edmar sobre os vícios revela uma crítica ao comportamento autodestrutivo. Ele destaca como os vícios podem levar à cegueira em relação às consequências, usando imagens poderosas para transmitir essa mensagem. Essa temática serve como um alerta sobre os perigos que os vícios representam, não apenas para o indivíduo, mas também para suas relações.

Álvares de Azevedo explora os dilemas existenciais e os vícios em sua obra, refletindo sobre a juventude e a autodestruição, assim como Marcio-Antônio Camilo, aborda o tema do vício e suas consequências na vida moderna, trazendo uma abordagem crítica.

7. Beleza da Vida Cotidiana

As trovas frequentemente celebram a beleza nas pequenas coisas do cotidiano. Edmar encontra significado nas experiências simples, ressaltando a importância de valorizar cada momento. Essa apreciação pela vida diária traz uma sensação de gratidão e conexão com o mundo ao redor, convidando o leitor a refletir sobre a riqueza das experiências comuns.

Carlos Drummond de Andrade captura a beleza e a complexidade da vida cotidiana em seus poemas. Atualmente, a poetisa Claudia Roquette-Pinto enfatiza a beleza nas pequenas coisas e nas experiências do dia a dia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Edmar Japiassú Maia representam uma rica tapeçaria de emoções, reflexões e críticas sociais que ressoam profundamente com a condição humana. Sua obra captura a essência do amor e das relações, explorando a beleza, a fragilidade e a vulnerabilidade que permeiam esses laços. Ao abordar temas como a infância, o crescimento, os sonhos e as aspirações, Edmar revela a complexidade das experiências que moldam nossas vidas.

Além disso, sua crítica às injustiças sociais e ao cotidiano do trabalhador destaca a relevância de sua voz em um contexto mais amplo, chamando a atenção para as desigualdades que permeiam a sociedade. A resiliência e a superação são temas que oferecem esperança, mostrando que, apesar das dificuldades, a capacidade de se reerguer é uma característica intrínseca ao ser humano.

Os vícios e suas consequências são abordados com uma sensibilidade que alerta para os perigos do comportamento autodestrutivo, enquanto a celebração das pequenas belezas da vida cotidiana convida à apreciação do presente.

Em suma, as trovas de Edmar não apenas entretêm, mas também provocam reflexão e emoção, oferecendo um olhar profundo sobre a vida, as relações e a luta contínua por significado e justiça. Sua obra é um convite à introspecção e à valorização das experiências humanas, tornando-se um legado importante na poesia brasileira contemporânea.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

domingo, 29 de setembro de 2024

Messias da Rocha (Trovas em Preto & Branco)

 


 1
A arte se torna plena,
quando o ator, um menestrel,
coloca a verdade em cena
e encena o próprio papel.
2
A imensidão é por certo,
uma questão de lugar:
descobri que era um deserto
o que pensei que era um mar...
3
Cedo demais minha cãs
brotam em brumas de outono:
são as mudas temporãs
das sementes do abandono.
4
No buteco do Zé Galo
tanto a sujeira se agrupa,
que servem bife à cavalo,
com mosquito na garupa!
5
O meu Deus sempre despreza
quem na hora consagrada,
pede tudo enquanto reza,
mas não precisa de nada!
6
Para fugir do cansaço,
ensinou-me um velho monge,
que uma pausa a cada passo,
sempre nos leva mais longe!
7
Quando a paixão foge à norma,
a razão com maestria
rege a orquestra que transforma
nosso amor em sinfonia.
8
Quando tu cobres teu rosto
com este véu de tristeza,
vivo a impressão de um sol posto
numa tarde sem beleza.
9
Se a saudade me consome
e alimenta a minha dor,
lembrando apenas teu nome
eu mato a fome de amor!
10
Sempre o povo impõe seu veto,
quando a cegueira de um rei
cria trevas por decreto
e apaga as luzes da lei!
11
Seremos grandes e plenos,
se a equidade for premissa
e dermos, mesmo aos pequenos,
um pleno acesso à justiça.
12
Vejo a varanda sem rede...
Silêncio no casarão
e os retratos na parede
parecem vivos... não são...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Messias da Rocha são uma bela expressão poética, capturando temas como a busca pela verdade, a efemeridade da vida, e a condição humana.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A arte se torna plena...
A primeira trova aborda a relação entre arte e autenticidade. O ator, como menestrel, não apenas representa personagens, mas também expressa verdades pessoais. Isso sugere que a arte pode ser um reflexo da vida interior, onde a sinceridade é fundamental.

2. A imensidão é por certo...
Aqui, a imagem do deserto versus o mar simboliza a desilusão. O "deserto" representa solidão e aridez emocional, enquanto o "mar" poderia ser visto como esperança e abundância. A revelação da realidade muitas vezes é dolorosa, mostrando que nossas percepções podem estar repletas de ilusões.

3. Cedo demais minha cãs...
Essa trova reflete a inevitabilidade do envelhecimento e a perda de sonhos. As "brumas de outono" evocam a passagem do tempo, enquanto as "sementes do abandono" sugerem que as esperanças não realizadas podem germinar em tristeza. O uso de metáforas naturais reforça a conexão entre vida, crescimento e perda.

4. No buteco do Zé Galo...
Com uma abordagem humorística, essa trova critica a realidade social e as condições de vida. O "bife à cavalo" com "mosquito na garupa" representa a combinação de pobreza e descaso. O ambiente do buteco, sujo e caótico, também reflete a desumanização em contextos cotidianos.

5. O meu Deus sempre despreza...
Aqui, a relação entre fé e intenção é explorada. A crítica se dirige àqueles que pedem tudo sem reconhecer suas próprias carências. Esta trova sugere que a verdadeira espiritualidade envolve humildade e autoconhecimento.

6. Para fugir do cansaço...
A sabedoria do velho monge ensina sobre a importância da pausa. A ideia de que "uma pausa a cada passo" pode levar mais longe sugere que o descanso e a reflexão são essenciais para a jornada da vida. Esse ensinamento é uma crítica à pressa da sociedade contemporânea.

7. Quando a paixão foge à norma...
Essa trova aborda a complexidade do amor, onde a paixão desafia a lógica. A "orquestra que transforma" sugere que o amor, quando autêntico, cria uma harmonia única, capaz de transcender a razão. É uma celebração da intensidade emocional.

8. Quando tu cobres teu rosto...
A imagem do "véu de tristeza" evoca a vulnerabilidade emocional. O contraste entre o "sol posto" e a "tarde sem beleza" sugere uma luta interna entre esperança e desespero. Essa dualidade reflete a experiência humana de encontrar beleza mesmo em momentos difíceis.

9. Se a saudade me consome...
Essa trova explora a saudade como uma forma de sustento emocional. O ato de lembrar o nome do amado é uma forma de alimentar o desejo, mesmo na ausência. Essa relação entre dor e amor destaca a profundidade dos sentimentos humanos.

10. Sempre o povo impõe seu veto...
A décima destaca a resistência do povo frente à tirania. A "cegueira de um rei" simboliza a desconexão entre o poder e a realidade social. A escuridão criada pela opressão contrasta com a luz da justiça, enfatizando a importância da voz coletiva.

11. Seremos grandes e plenos...
Aqui, a busca pela equidade é central. A ideia de justiça acessível a todos, especialmente aos menos favorecidos, aponta para uma sociedade mais justa e inclusiva. Essa trova sugere que a grandeza de uma nação está em sua capacidade de tratar todos com dignidade.

12. Vejo a varanda sem rede...
A última trova evoca uma sensação de nostalgia e solidão. A "varanda sem rede" sugere um espaço de descanso que se tornou vazio. Os "retratos na parede" representam memórias que, embora presentes, são incapazes de trazer vida à solidão. Esta imagem finaliza com um tom melancólico, refletindo sobre o passado e a perda.

AS TEMÁTICAS DAS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA

1. A Arte e a Verdade
A busca pela verdade em suas trovas não é uma verdade universal, mas uma experiência subjetiva. Cada ator, cada artista, traz suas vivências e emoções para o palco da vida. Isso se reflete na forma como Messias aborda suas próprias experiências, usando metáforas que tocam em questões existenciais e sociais.

A relação entre arte e verdade também implica uma crítica à ilusão. Quando ele menciona a imensidão de um deserto que se pensava ser um mar, é uma metáfora poderosa para a desilusão. A arte, então, pode ser vista como uma forma de desvelar essas ilusões, ajudando o espectador a confrontar suas próprias percepções e a realidade ao seu redor.

A verdade na arte de Messias não é apenas intelectual, mas emocional. Ele busca provocar sentimentos profundos, levando o leitor ou ouvinte a uma jornada introspectiva. Ao fazer isso, a arte se torna um espelho que reflete não apenas a realidade externa, mas também a interna.

Este tema ressoa com Fernando Pessoa, que em sua obra muitas vezes examina a multiplicidade do eu e a busca pela verdade interior. Ambos os poetas valorizam a sinceridade na expressão artística.

2. Desilusão e Percepção do Mundo
A desilusão é tratada como uma experiência universal. Captura a essência da frustração humana ao perceber que as esperanças e sonhos podem ser ilusórios. Essa temática ressoa com a experiência de muitos, criando uma conexão emocional com o leitor.

A imagem do deserto em Messias dialoga com Cecília Meireles, que em "Romanceiro da Inconfidência" reflete sobre a solidão e a busca por significados em um mundo muitas vezes árido. A desilusão é um tema comum, onde a realidade se revela diferente das expectativas.

3. Passagem do Tempo e Nostalgia
A solidão é frequentemente explorada nas trovas, refletindo um sentimento de perda e saudade. A nostalgia por momentos passados e a busca por conexões significativas permeiam sua obra, revelando a fragilidade das relações humanas.

O envelhecimento e a saudade nas trovas lembram Carlos Drummond de Andrade, especialmente em poemas como "No Meio do Caminho", onde a passagem do tempo é inevitável. Ambos os poetas exploram a fragilidade da vida e a nostalgia como parte da experiência humana.

4. Cotidiano e Realidade Social
O trovador não hesita em criticar as injustiças sociais e a opressão. Suas trovas abordam a luta do povo e a resistência contra a tirania, destacando a importância da voz coletiva e da busca por equidade e justiça.

No buteco do Zé Galo, a crítica social de Messias se alinha com a obra de Adélia Prado, que frequentemente retrata a vida cotidiana e suas contradições. A ironia e o humor são usados para evidenciar as realidades duras da vida.

5. Espiritualidade e Humildade
A relação entre fé e intenção em Messias ecoa os escritos de Hilda Hilst, que explora a busca pela transcendência e pela verdade espiritual em sua poesia. Ambos questionam as convenções em busca de uma conexão mais profunda.

6. Amor e Passagem do Tempo
A inevitabilidade do envelhecimento e a passagem do tempo são temas que permeiam suas obras. Messias reflete sobre como o tempo molda nossas experiências e expectativas, levando à contemplação sobre a vida e suas transições.

A transformação do amor em sinfonia em Messias se relaciona com Vinícius de Moraes, especialmente em seus poemas sobre o amor, onde a paixão é exaltada e a música da vida é uma constante. A intensidade emocional é um tema comum.

7. Resistência e Justiça
A luta do povo contra a tirania nas trovas de Messias é um eco das obras de Castro Alves, que em suas poesias abolia a escravidão e clamava por justiça. A voz do povo e a luta por equidade são traços que conectam os dois poetas.

8. Memória e Solidão
A saudade e a solidão na última trova se conectam com a obra de Mário Quintana, que muitas vezes aborda a passagem do tempo e a melancolia. A memória é um tema recorrente, onde as lembranças se tornam simultaneamente fonte de dor e beleza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Messias da Rocha oferecem um tapete de temas que exploram a condição humana, a busca pela verdade, e a complexidade das emoções. Através de metáforas e imagens vívidas, o poeta convida à reflexão sobre a vida, o amor, a justiça e a passagem do tempo, fazendo com que as experiências individuais ressoem de maneira universal.

A relação entre arte e verdade nas trovas é complexa e multifacetada. Através da autenticidade, da crítica social e da busca pessoal, o poeta cria um espaço onde a arte se torna um meio poderoso de explorar e revelar verdades sobre a vida, a sociedade e a condição humana.

A busca por sentido e a reflexão sobre a espiritualidade são evidentes. Messias questiona convenções e busca uma conexão mais profunda com o divino, explorando a relação entre fé, dúvida e autoconhecimento.

A vida cotidiana é um cenário frequente nas trovas, onde Messias captura a beleza e a dureza do simples viver. Ele utiliza imagens do cotidiano para refletir sobre questões mais amplas, mostrando como as experiências comuns podem ser profundamente significativas.

Através de uma linguagem acessível e de metáforas poderosas, Messias transforma suas vivências e observações em um diálogo contínuo com o mundo. Suas trovas revelam a fragilidade da esperança diante da realidade, mostrando como as ilusões podem ser tanto um refúgio quanto uma fonte de dor. Essa dualidade é central em sua obra e ressoa na experiência humana, onde a busca por verdades autênticas é frequentemente marcada por desenganos.

Além disso, a crítica social presente em suas trovas não se limita a uma mera descrição das injustiças; ela é um chamado à ação, uma incitação à consciência coletiva. Messias se posiciona como um cronista da vida cotidiana, utilizando seu talento para dar voz aos marginalizados e para questionar as estruturas de poder. Essa abordagem confere às suas trovas uma relevância atemporal, instigando o leitor a refletir sobre seu próprio papel na sociedade.

A espiritualidade, entrelaçada nas suas reflexões, sugere uma busca por conexão e transcendência, evidenciando a luta interna entre fé e dúvida. Essa tensão permeia suas obras, criando um espaço onde a arte se torna um veículo de autodescoberta e de compreensão do mundo.

Em suma, as trovas de Messias da Rocha são um convite à introspecção e à empatia. Elas nos lembram da complexidade da vida, da beleza nas pequenas coisas e da necessidade de confrontar as verdades que muitas vezes evitamos. Ao explorar a intersecção entre o pessoal e o social, o poético e o político, Messias nos oferece uma visão profunda e multifacetada da experiência humana, fazendo de sua obra um legado duradouro na literatura brasileira.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

sábado, 28 de setembro de 2024

Luiz Antonio Cardoso (Trovas em Preto & Branco)

 


 1
A paz que tanto almejei,
em sonhos que não tem fim,
estava onde não busquei:
perdida dentro de mim!
2
A vida, pregando peça,
mostra quem é mesmo amigo,
quando a lida recomeça,
e ninguém segue contigo.
3
Chega o ano novo... e a esperança
faz ressurgir em meu ser
aquela velha criança...
que nunca deixei morrer.
4
Coração desconsolado,
não podeis esmorecer.
Se viver é complicado,
muito mais é não viver!
5
Enquanto proferem: "- Louco!"
Quer romper a tradição!?
Eu sigo ofertando um pouco,
do que sonho, ao meu irmão.
6
Eu guardo dentro do peito 
meu sonho deveras terno: 
- Ver persistir o respeito 
para um mundo mais fraterno!
7
Meu corpo colado ao teu...
dois seres...um sentimento!
Sonho que sobreviveu
apenas em pensamento.
8
Nas lavouras de café
ou nos vinhedos fecundos,
os imigrantes, com fé,
levantaram novos mundos!
9
No teatro, hoje em ruínas,
tantos sonhos eu plantei,
que as lembranças peregrinas
nem percebem que parei…
10
O perdão que concedemos
a cada irmão ofensor,
é treva que revertemos
em luz... em paz... em amor!
11
Os espíritos de escol,
exercendo a caridade,
brilham tanto como o sol,
no silêncio da humildade.
12
Paz! Amor! Felicidade!
Palavras tão usuais,
que seriam, na verdade,
mais bonitas, se reais.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE CARDOSO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Luiz Antonio Cardoso refletem uma profunda sensibilidade e um olhar atento sobre a vida e as relações humanas. Cada trova traz temas como a busca por paz, esperança, amor, e a importância do perdão e da fraternidade.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A Paz Interior
A paz não é algo que se encontra externamente, mas sim uma condição interna. O eu lírico revela que a verdadeira paz estava dentro dele, ignorada em meio a buscas e sonhos.

2. Amizade Verdadeira
A amizade é testada durante dificuldades. Quando a vida recomeça, os verdadeiros amigos se destacam, sugerindo que a lealdade se revela em tempos de adversidade.

3. Esperança e Renascimento
O novo ano simboliza um recomeço, trazendo à tona a criança interior que representa pureza e esperança. Esta ideia sugere que, apesar das experiências, a inocência e a esperança permanecem.

4. Valor da Vida
O trovador reflete sobre os desafios da existência. A mensagem é que, apesar das dificuldades, a vida é um presente que vale a pena ser vivido, reforçando a ideia de que a inação é ainda mais complicada.

5. Sonhos e Solidariedade
Cardoso se coloca como um doador de sonhos, mesmo sob o olhar crítico da sociedade. Isso enfatiza a importância de compartilhar esperanças e aspirações com os outros.

6. Respeito e Fraternidade
O desejo de um mundo onde o respeito prevalece indica um anseio coletivo por harmonia e solidariedade. Esta trova sugere que o respeito mútuo é fundamental para a convivência pacífica.

7. Amor e Memória
A conexão física e emocional entre dois seres é explorada, revelando a fragilidade das relações. O amor, embora presente em pensamento, pode se perder na realidade, indicando a dor da saudade.

8. História dos Imigrantes
A menção aos imigrantes que erguem novas realidades reflete a resiliência humana. Este verso destaca o papel da fé e do trabalho na construção de novos horizontes, simbolizando renovação e esperança.

9. Memórias e Sonhos Não Realizados
O eu lírico explora o espaço do teatro como símbolo dos sonhos não concretizados. As lembranças se tornam um fardo, sugerindo que o passado é muitas vezes uma âncora que impede o progresso.

10. Perdão e Transformação
O perdão é apresentado como um ato de transformação, que converte dor em luz. Essa ideia ressalta a capacidade de liberar ressentimentos, promovendo paz e amor.

11. Caridade e Humildade
Os espíritos de escol simbolizam a verdadeira caridade que brilha em humildade. A comparação com o sol sugere que atos simples de bondade têm um impacto profundo e duradouro.

12. Palavras e Realidade
As palavras "paz", "amor" e "felicidade" são comuns, mas muitas vezes não se concretizam na realidade. O trovador clama por uma vivência genuína desses sentimentos, questionando a autenticidade das intenções.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE CARDOSO E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Busca pela Paz Interior
A paz é um tema universal e atemporal. Cardoso sugere que a verdadeira paz não está em fatores externos, mas sim em uma jornada interna de autoconhecimento. Essa busca reflete a luta humana para encontrar serenidade em um mundo caótico. Implica que a paz deve ser cultivada e que a introspecção é essencial para o bem-estar emocional. A ideia é que, ao nos conectarmos com nosso eu interior, podemos encontrar a harmonia que tanto desejamos.

Fernando Pessoa frequentemente explora a busca pela paz interior em suas obras, refletindo sobre a fragmentação do eu e a necessidade de encontrar a serenidade em meio ao caos da vida. Adélia Prado também aborda essa busca, enfatizando a espiritualidade e a introspecção em suas poesias, conectando emoções pessoais com a universalidade da experiência humana.

2. Amizade e Lealdade
A amizade verdadeira é um dos pilares das relações humanas. Cardoso destaca que a verdadeira amizade se revela em tempos difíceis, quando a lealdade é testada. Sugere que as conexões mais profundas são forjadas através da adversidade. A reflexão sobre quem permanece ao nosso lado em momentos críticos nos ajuda a valorizar as relações significativas.

Camões, em seus sonetos, frequentemente reflete sobre a lealdade nos relacionamentos, destacando a importância da amizade verdadeira em tempos de dor e alegria. Chico Buarque, em suas letras, aborda a amizade e a solidariedade, especialmente em contextos de luta e resistência, mostrando como esses laços se fortalecem em adversidades.

3. Esperança e Renascimento
A esperança é uma força motriz que impulsiona as pessoas a superarem desafios. O autor utiliza a metáfora do ano novo para simbolizar novos começos e renovação. A esperança deve ser cultivada continuamente, e que a capacidade de recomeçar é uma das maiores dádivas humanas. A ideia de manter a criança interior viva enfatiza a importância da inocência e da alegria.

Vinícius de Moraes fala sobre renovação e esperança em suas obras, especialmente em relação ao amor e à busca por novos começos. Alice Ruiz explora a esperança em seus poemas, utilizando imagens cotidianas que refletem a capacidade de encontrar beleza e renovação na vida.

4. Valor da Vida e Existencialismo
A complexidade da vida é uma reflexão profunda sobre a condição humana. O trovador confronta a ideia de que viver é desafiador, mas não viver é ainda mais complicado. Essa análise existencial sugere que a vida, com suas lutas e alegrias, deve ser valorizada. O reconhecimento das dificuldades pode levar a uma apreciação mais profunda da experiência humana.

Cecília Meireles reflete sobre a complexidade da vida e a transitoriedade da existência, abordando a luta interna do ser humano. Affonso Romano de Sant'Anna apresenta uma visão crítica sobre a vida moderna, questionando valores e a busca por significado em um mundo acelerado.

5. Solidariedade e Empatia
A generosidade e a solidariedade são temas centrais nas trovas. Cardoso fala sobre a importância de compartilhar sonhos e esperanças. Tal tema destaca que a solidariedade é essencial para construir comunidades mais fortes e empáticas. A troca de sonhos e ideias é um ato de conexão que pode transformar vidas.

Guilherme de Almeida aborda em seus poemas a importância da solidariedade e do amor ao próximo, refletindo valores humanistas. Bráulio Bessa fala sobre empatia e solidariedade em sua poesia, enfatizando a importância de cuidar do outro em tempos de dificuldade.

6. Respeito e Fraternidade
O respeito mútuo é fundamental para a convivência pacífica. O autor anseia por um mundo onde a fraternidade predomina. Esse desejo por um mundo fraterno sugere que a construção de sociedades mais justas e harmoniosas começa com pequenos atos de respeito e compreensão.

Carlos Drummond de Andrade destaca a importância da fraternidade e do respeito nas relações humanas, frequentemente questionando a condição social e a inclusão. Marília Mendonça, em algumas de suas letras, aborda a valorização das relações humanas, enfatizando a fraternidade e o respeito no cotidiano.

7. Memórias e Nostalgia
A relação com o passado é uma constante nas trovas. Cardoso reflete sobre como as memórias podem ser tanto um refúgio quanto um fardo. Implica que as lembranças moldam nossa identidade e podem influenciar nossas ações futuras. A nostalgia pode servir como motivação para buscar um futuro melhor.

Álvares de Azevedo lida com a nostalgia e as memórias de maneira intensa, refletindo sobre amores perdidos e o peso do passado. Márcio Aruanã, artista multifacetado, conhecido por projetos que envolvem música, arte e literatura, especialmente voltados para a cultura brasileira e a valorização de tradições, aborda a nostalgia em suas obras, utilizando a memória como um elemento central para compreender a identidade. aborda a nostalgia em suas obras, utilizando a memória como um elemento central para compreender a identidade.

8. Perdão como Libertação
O perdão é um tema poderoso que aparece repetidamente. Em seus versos mostra que perdoar é um ato de libertação que transforma relações. O perdão não é apenas para o ofensor, mas um ato que traz paz para quem perdoa. Esse processo de cura é fundamental para o crescimento pessoal e para a construção de relacionamentos saudáveis.

Machado de Assis, em seus contos e crônicas, frequentemente aborda a temática do perdão e suas complexidades nas relações humanas. Lívia de Dantas explora a ideia de perdão como um ato de libertação, enfatizando a transformação pessoal que ocorre ao perdoar.

9. Humildade e Caridade
A humildade é vista como uma virtude essencial. Cardoso associa a caridade a atos simples, mas significativos, que a verdadeira grandeza reside em ações humildes. A caridade, quando exercida com humildade, pode ter um impacto profundo na vida dos outros.

São Francisco de Assis, em seus poemas, fala sobre a humildade e a caridade como virtudes essenciais para uma vida plena. Eulália de Oliveira aborda a caridade de maneira crítica, refletindo sobre a importância da humildade em um mundo que muitas vezes valoriza o oposto.

10. Autenticidade das Palavras
A reflexão sobre palavras como "paz", "amor" e "felicidade" destaca a diferença entre o que é dito e o que é vivido. Convida à autenticidade nas interações humanas. A busca pela concretização desses ideais é um desafio contínuo que requer esforço e sinceridade.

Rainer Maria Rilke enfatiza a importância da autenticidade na expressão poética, questionando a superficialidade das palavras. Hilda Hilst também aborda a autenticidade, desafiando convenções e expressando verdades profundas sobre a existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Luiz Antonio Cardoso nos convidam a uma reflexão profunda sobre a condição humana, explorando temas que ressoam com as experiências universais de amor, dor, esperança e solidariedade. A simplicidade estética das trovas contrasta com a profundidade das questões que aborda, criando um espaço onde o leitor pode se conectar emocionalmente e introspectivamente.

Os temas nas trovas de Cardoso ressoam com preocupações universais e atemporais presentes na poesia de diversas épocas. Enquanto poetas antigos frequentemente lidavam com a busca de sentido em um mundo em transformação, poetas contemporâneos tendem a explorar essas mesmas questões sob novas perspectivas, refletindo mudanças sociais e culturais. Essa continuidade e evolução nas temáticas revelam a riqueza da experiência humana, onde a literatura serve como um espelho das emoções e anseios coletivos.

Cada verso é uma semente que germina em sentimentos de empatia e compreensão, desafiando o leitor a confrontar suas próprias verdades. A busca pela paz interior, a valorização das relações humanas e a reflexão sobre o perdão e a solidariedade são temas que se entrelaçam, formando um mosaico que representa a complexidade da vida.

Essas trovas tornam-se, assim, um espelho da sociedade, refletindo suas esperanças e fragilidades. Em um mundo frequentemente marcado pela fragmentação e individualismo, as trovas de Cardoso ressoam como um chamado à união e à reflexão. Ele nos instiga a cultivar a autenticidade em nossas relações e a praticar a generosidade como forma de transformação pessoal e coletiva.

Seus versos não são apenas belas palavras; são convites à ação, à reflexão e à construção de um mundo mais solidário. Sua poesia desafia o leitor a buscar um sentido mais profundo na vida, a valorizar as conexões e a abraçar a capacidade de recomeçar, mostrando que, mesmo nas adversidades, a beleza da vida e o poder do amor sempre podem prevalecer.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Renata Paccola (Trovas em Branco & Preto)

                         

 1
A força de uma nação
começa com a caneta...
Um a mais na educação:
um a menos na sarjeta!
2
Ao deitar na rede, o Guido
morreu de uma forma tétrica,
porque, de tão distraído,
deitara na rede elétrica!
3
Conquistar novos espaços...
eis a semente da guerra.
Tantas vidas em pedaços
por um pedaço de terra!
4
É na busca pela paz
e o conhecimento novo
que tantas vezes se faz
a identidade de um povo!
5
Eu que fui grão escolhido
nos trigais da mocidade,
hoje sou pão ressequido
nas migalhas da saudade…
6
Fraternidade é sentir
uma comunhão tão alta
que nos leva a dividir
até mesmo o que nos falta…
7
Insensatez... Causa? Efeito?
Sentimento ou atitude?
Para quem pensa, é defeito;
para quem sonha, é virtude!
8
Meu verso reflete a dor
de um coração solitário,
que escreve cartas de amor,
sem qualquer destinatário…
9
Na inspiração oportuna
pode o poeta buscar,
mais do que criar fortuna,
a fortuna de criar.
10
O futuro, eu mesmo faço
nas sementes que eu espalho,
transformando meu cansaço
nos frutos do meu trabalho.
11
Para o furacão filmar,
a TV saiu-se bem:
a matéria foi ao ar
e o repórter foi também!
12
Quem dera a justiça cega
pudesse ver, tão somente,
a falsa prova que entrega
e condena um inocente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE RENATA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman


AS TROVAS UMA A UMA

1. A força de uma nação
A primeira trova destaca a educação como um pilar fundamental para o desenvolvimento social. A metáfora da "caneta" sugere que as decisões escritas, como políticas educacionais, moldam o futuro. A frase "um a menos na sarjeta" ressalta a importância de evitar a marginalização social, indicando que a educação pode tirar indivíduos da pobreza.

2. Ao deitar na rede, o Guido
Aqui, a ironia é evidente. O Guido se distrai e acaba morrendo de forma trágica por um acidente com a rede elétrica. Essa imagem provoca uma reflexão sobre a distração na vida cotidiana e a fragilidade da existência, mostrando como um momento de desatenção pode ter consequências fatais.

3. Conquistar novos espaços
Esta trova aborda a relação entre a luta por território e a guerra. A frase "tantas vidas em pedaços" evoca a devastação causada por conflitos motivados por posse de terra. A mensagem sugere que a ambição territorial é muitas vezes fútil, levando a um custo humano elevado.

4. É na busca pela paz
A busca pelo conhecimento e pela paz é apresentada como uma característica definidora de um povo. A trova sugere que a identidade cultural se forma através da educação e da paz, enfatizando a importância de valores coletivos na construção de uma nação.

5. Eu que fui grão escolhido
Esta reflexão aborda a transição da juventude para a velhice, simbolizada pela mudança de "grão escolhido" para "pão ressequido". O contraste entre a vitalidade passada e a saudade presente revela a melancolia da passagem do tempo e a perda de oportunidades.

6. Fraternidade é sentir
A fraternidade é apresentada como uma comunhão profunda que transcende a escassez. A ideia de compartilhar até mesmo o que se carece ressalta a essência da empatia humana e a importância de cuidar uns dos outros em tempos difíceis.

7. Insensatez... Causa? Efeito?
Essa trova explora a dualidade entre razão e sonho. A insensatez é vista de maneiras opostas: como um defeito para os racionais e como uma virtude para os sonhadores. Isso provoca uma reflexão sobre a natureza do pensamento e da ação humana.

8. Meu verso reflete a dor
Aqui, a solidão é capturada através da metáfora de cartas de amor sem destinatário. Isso simboliza a busca por conexão e a dor da ausência, refletindo a luta interna de quem anseia por amor e compreensão.

9. Na inspiração oportuna
A trova destaca o valor da criatividade e da inspiração. O poeta não busca apenas riqueza material, mas a "fortuna de criar", enfatizando que a verdadeira riqueza reside na capacidade de expressar sentimentos e ideias por meio da arte.

10. O futuro, eu mesmo faço
Esta reflexão aborda a responsabilidade individual na construção do futuro. As "sementes" representam ações e esforços que, com o tempo, se transformam em frutos. Essa mensagem é um chamado à proatividade e à determinação.

11. Para o furacão filmar
A crítica à mídia é evidente nesta trova. A superficialidade com que a mídia pode tratar tragédias é ressaltada, mostrando como a busca por audiência pode desumanizar eventos sérios e transformar a dor em espetáculo.

12. Quem dera a justiça cega
A última trova lamenta a cegueira da justiça, que falha em reconhecer a verdade e pode condenar inocentes. Essa reflexão provoca um questionamento profundo sobre a ética e a eficácia dos sistemas judiciais, ressaltando a necessidade de um olhar mais atento e justo.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE RENATA E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Educação e Progresso
A primeira trova destaca a educação como um alicerce da sociedade. Essa ideia ecoa a obra de Paulo Freire, que defendia a educação como um meio de emancipação. Comparando com Mário Quintana, que também valorizava a simplicidade e a importância do conhecimento, podemos ver como a educação é um tema atemporal na poesia. A ênfase na educação como motor de transformação social destaca a consciência crítica que muitos poetas contemporâneos, como Márcia Leite, também abordam. Ambos reconhecem que a educação é uma ferramenta vital para a emancipação e a construção de identidades coletivas, refletindo um desejo comum de um futuro mais justo.

2. Justiça e Injustiça
Paccola critica a cegueira da justiça, uma preocupação que remete a poetas como Camões, que explorou questões de moralidade e justiça em suas obras. Em tempos contemporâneos, Adélia Prado também aborda a injustiça social, refletindo a dor e a luta da vida cotidiana, criando um diálogo entre a tradição e a modernidade. Suas trovas se alinham a Eucanaã Ferraz, que exploram a complexidade das questões sociais e legais. A injustiça, tanto histórica quanto atual, é um tema que atravessa gerações, e a luta pela verdade e pela equidade permanece central na poesia contemporânea.

3. Paz e Conflito
A luta por território e a dor da guerra são temas universais. Cecília Meireles e sua busca pela paz na poesia dialogam com Paccola, enquanto Vinicius de Moraes reflete sobre as consequências emocionais da guerra e do conflito, enfatizando a fragilidade da paz.

4. Solidão e Saudade
A solidão é um tema profundo na obra de Carlos Drummond de Andrade, que frequentemente explorava a condição humana. Paccola, ao falar da saudade, dialoga com Alphonsus de Guimaraens, cuja poesia é permeada por um sentimento de nostalgia e perda, mostrando como a solidão e a saudade são experiências universais. As trovas dela se identificam com a obra de Ana Cristina César, que também explora a subjetividade e a busca por conexão em um mundo muitas vezes isolante.

5. Fraternidade e Empatia
A ideia de compartilhar o que se tem, mesmo na escassez, ressoa com a obra de Guilherme de Almeida, que frequentemente abordava a solidariedade humana. Em tempos mais recentes, poetas como Carolina Maria de Jesus também enfatizavam a importância da empatia em uma sociedade desigual. A noção de compartilhar mesmo nas dificuldades é um eco das vozes contemporâneas de poetas como Bruno Ramos, que falam sobre a vulnerabilidade e a solidariedade humanas. A empatia, como um valor essencial, é um tema que ganha nova vida nas discussões sobre justiça social e direitos humanos, mostrando que a poesia é um campo fértil para a promoção de valores éticos.

6. Inspiração e Criatividade
A busca pela inspiração na criação poética é um tema comum. Fernando Pessoa, com sua multiplicidade de vozes, se assemelha com Paccola ao explorar a complexidade do ser criador. Adélia Prado também fala da criação como uma forma de transcendência, reforçando a importância da arte. Chico Buarque, não apenas compõe, mas também reflete sobre o ato de criar como um ato de resistência e uma forma de reivindicação social. A arte, para ambos, é um espaço de liberdade e expressão.

7. Identidade Cultural
A construção da identidade de um povo por meio da educação e da paz é um tema que remete a Guilherme de Almeida e sua valorização das raízes culturais. Augusto dos Anjos, com sua crítica social, também explora a formação da identidade através da luta e da dor.

8. Ação e Futuro
A ideia de que cada um é responsável por seu futuro se conecta com a obra de Cora Coralina, que falava sobre o poder do trabalho e da determinação. Essa mensagem é reforçada na contemporaneidade por poetas como Rafael Alencar, que também enfatiza a importância da ação individual na construção de um futuro melhor.

9. Mídia e Realidade
A crítica à superficialidade da mídia na cobertura de tragédias lembra a obra de Bertolt Brecht, que discutia a manipulação da informação. Poetas contemporâneos, como Marcio-André, também abordam a relação entre a mídia e a realidade, mostrando como essa discussão é cada vez mais pertinente.

10. Dualidade da Insensatez
A insensatez como virtude ou defeito é uma dicotomia que pode ser vista na obra de Machado de Assis, que frequentemente explorava a ambiguidade da natureza humana. Poetas contemporâneos, como Ruth Rocha, também tocam nessa complexidade, refletindo sobre a dualidade do ser.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A obra de Renata Paccola não só se destaca por sua musicalidade e profundidade, mas também estabelece um diálogo rico e significativo com poetas de diferentes épocas. Seus temas universais e atemporais ressoam em vozes que vão desde a poesia clássica até a contemporânea, refletindo preocupações humanas comuns e a luta por um mundo melhor. Essa intertextualidade enriquece a análise da poesia, mostrando que a busca por compreensão, justiça e expressão artística é uma constante na literatura.

Os temas abordados por Renata Paccola se conectam a um panorama mais amplo da poesia contemporânea. A intersecção entre suas trovas e a obra de poetas atuais revela uma continuidade na busca por compreensão e transformação social. 

Assim, a obra de Paccola não só se afirma como um testemunho da experiência humana, mas também como um convite à reflexão e à ação em um mundo que continua a desafiar nossos valores e crenças.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

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