quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 1

 

Ah, se essa distância fosse
ponte, entre a nascente e a foz;
como seria mais doce
essa distância entre nós!
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Ao vê-lo, em meio aos escombros,
a ajudá-lo, eu me propus,
sentindo o peso nos ombros
do peso daquela cruz!
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A sensação dos afetos
que recebi de meus pais...
Oferto aos filhos e netos,
por serem todos iguais!
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Busquei, na fonte de um templo,
a paz de um novo horizonte;
e achei essa paz no exemplo
que há no silêncio da fonte!...
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Da sorte, nunca lamente.
Ame a vida com seus ais,
que a sorte de muita gente
cresce em falsos pedestais!
= = = = = = = = = = = = =

Dizem que a justiça é cega.
Não creio, é falsa premissa;
cega, àquele que se apega,
aos infiéis da justiça!
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Em meio às indiferenças,
dar bons exemplos preciso,
jogando fora as ofensas
dentro da fonte do riso!
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Enquanto, tu buscas rindo,
a paz do azul desse mar...
Eu busco esse abismo infindo
do verde do teu olhar!
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Entre esperas e demoras,
vi passar tanta quimera!.,.
Que, a primavera das horas,
já nem é mais primavera!
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Essa constante ansiedade
que ao fim da tarde, caminha...
É a velha dor da saudade
que eu sinto toda tardinha!
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Eu amo as gotas serenas
do orvalho que beija a flor,
porque sei que são apenas
serenas gotas de amor!
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Eu ouço em tuas demoras,
vozes de outros rituais...
Na ressonância das horas
do martelar dos meus ais!
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Exemplo bom é o exemplo,
que as almas bondosas dão,
rezando no altar do templo
pelas outras que se vão!
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Lembrando canções antigas,
de volta ao meu velho chão...
Vi muitas sombras amigas
na orquestra da solidão!
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Meus dias!... Feliz por tê-los
na vida que se refaz,
no branco dos meus cabelos
aos ventos pedindo paz!
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Meu sertão não tem floresta,
é pobre o pó deste chão...
Mas esta paz que me empresta
me faz amar meu sertão!
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Na estrada em que a luz palmilha,
é que a verdade se inspira;
e ante a luz que, tanto brilha,
jamais se esconde a mentira!
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No mosteiro abandonado,
na solidão da clausura,
o silêncio é tão calado
que à solidão se mistura!
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Pelos teus gestos fanados,
para voltar não me peças;
sinto em teus sins camuflados,
o olhar de falsas promessas!
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Pobreza dói mas não mata,
não faz vergonha a ninguém;
pobre, é quem tem ouro e prata,
mas quer ter mais do que tem!
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Por longa que seja a espera,
calma, que tudo se alcança!
Enquanto houver primavera
não morre a flor da esperança!
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Pregado à cruz, por seus atos,
ante falsa acusação...
Jesus perdoa Pilatos
e ensina ao mundo o perdão!
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Se a esperança é paz no outono,
sê paciente na espera;
que a flor desperta do sono
na eclosão da primavera!
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Sei que a velhice me alcança;
e, entre uns sins e outros senões..,
Enquanto houver esperança
vou cultivando ilusões!
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Sem saber se tu me esperas,
cada verso que componho,
tem sabor das vãs quimeras
do tempero do meu sonho!
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Teu adeus, roubou-me a cena,
de toda a beleza agreste,
de tua pele morena
queimada ao sol do Nordeste!
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Velho mar, meu confidente,
entre nós, tudo se arruma,
quando a queixa que se sente
vaga entre os cachos de espuma!

Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 2


A Noite — irmã da Saudade,
dela um dia alguém já disse:
Tão curta na mocidade,
como é longa na velhice...!
*
As alegrias e as dores
seguem os mesmos caminhos:
são iguais àquelas flores
que a gente colhe entre espinhos.
*
As maiores despedidas
são mudas. A gente sabe
que o que coube em duas vidas
numa palavra não cabe.
*
A trova para ser bela
não pode ser complicada.
Ela deve ser singela,
dizer tudo, em quase nada.
*
Com amor tu me dizias:
''tudo podes, tudo eu posso".
Ai de nós, tu te esquecias
que este mundo não é nosso!
*
Entre mim e ti havia
o tempo nos separando:
tu eras meu dia-a-dia,
eu era teu quando-em-quando.
*
Eu creio que Deus existe
nas profundezas do Amor,
quando num pântano triste
vejo nascer uma flor.
*
Há mãos que colhem as rosas...
há mãos cruéis que magoam.
Benditas as mãos rugosas,
trêmulas mãos que abençoam!
*
"Homem não chora'' e com isto
muita gente se enganou.
O maior homem foi Cristo,
e quantas vezes chorou...
*
Jamais o mal será eterno
para quem, em doce espera,
semeia no seu inverno
as rosas da primavera.
*
Já te quis, glória fugaz...
Já te amei, mundo inclemente...
Hoje quero e peço: Paz!
Como o tempo muda a gente.
*
Mocidade! Sonho, enredo,
tempo fugaz de uma flor.
Cada sorriso é um segredo,
cada segredo é um amor.
*
Muita gente há que não sabe
se uma trova tem valor.
Mas ela inteirinha cabe
na alma do trovador.
*
Não sei de vitórias plenas
em batalhas que não vi.
Mas sei de glórias serenas
nas lutas que já venci,
*
Na voz de um sino que tange
no dobre final da hora,
há sempre a ceifa do alfange
e um anjo que canta e chora.
*
No cair das tardes calmas
há tanta melancolia!
Parece que as próprias almas
soluçam no fim do dia!
*
No outono da vida a gente
não conta o tempo em auroras;
vai contando, tristemente,
na breve fuga das horas.
*
O amor é um raio profundo
de luz numa solidão.
Se não vale inteiro um mundo
vale, ao menos, a ilusão,
*
Por longos anos viveu.
Seu destino foi tão lindo!
Minha Mãe nunca sofreu
porque as mães choram sorrindo...
*
Quando Deus me pôs na alma
a humildade da alegria,
deu-me a bênção, deu-me a palma
deu-me o dom da poesia.
*
Quando vislumbro a procela
nas nuvens, em céu tristonho,
eu me debruço à janela
e abro a cortina do sonho.
*
Saudade! Tu és somente
a visita inesperada
que bate á porta da gente
depois da festa acabada.
*
Se a Esperança é uma quimera
mas pode alegrias dar,
é feliz sempre o que espera
porque viver é esperar!
*
Sempre em busca de uma flor
onde minha mão alcança,
se perco a rosa do Amor
colho o Lírio da esperança!
*
Senhor! Em prece conclamo:
(eu sei que tudo tem fim)
poupa-me ver os que amo
morrerem antes de mim.
*
Seu olhar curioso brilha,
quer ser moça a pequenina.
Se soubesses, minha filha,
como é linda ser menina!
*
Sorria na mocidade!
De risos faça um buquê.
breve virá a saudade
para chorar com você.
*
Vejo Deus na pura lida,
na humildade do caminho;
nas coisas simples da vida,
na Mãe que embala o filhinho!
*
Velhice ! Final de festa,
quando um triste violão
tange em surdina a seresta
nas cordas da solidão!

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Flávio Roberto Stefani (Querência de Trovas) 1

 

A gatinha, de bom tom,
só quer mesmo, no seu ninho,
em vez de um baita edredom
um musculoso gatinho...

A gatinha, na balada,
viu seu gato, com um "cacho",
e partiu para a "porrada",
mostrando quem era o macho...

Ah, se eu pudesse, faria,
tudo de novo outra vez,
estudava economia,
pro salário dar pro mês...

A vergonha foi demais
no casório da velhinha:
a velha queria mais
e mais o velho não tinha…

Caiu a casa do gato
da madame 'socialite'
depois ela viu um rato
desfilando no seu 'site'...

Chuta o balde a dona Mima
porque o marido, Vavá,
em vez de partir pra cima,
vai pra baixo do sofá...

Desesperado, o ladrão,
vendo que vítima orava,
roubou-lhe a própria oração
só pra dizer que roubava...

É político de escol,
sabe tudo, até no escuro,
faça chuva ou tenha sol,
não sai de cima do muro...

Esse inverno tudo arrasa
e a gente agora aconselha
ter sempre guardado em casa
um bom cobertor de orelha...

Morre a sogra... e no velório,
aparece, no cantinho,
o genro com o foguetório
já prontinho... já prontinho...

Na jogada de furor,
a galera aperta o passo,
quando o urso driblador
faz o gol sai pro abraço...

Na sociedade mais rica,
preguiça é 'doença rara'
que o médico diagnostica
somente olhando na cara...

No balcão do botequim,
o bebum tenta falar,
mas gasta todo o latim...
e não consegue explicar…

No desespero, o casal
vestiu a roupa ao contrário,
e o flagrante foi fatal:
"casal mal vestido e otário..."

O barulho na cozinha
denunciou mais um duelo:
o gordo atrás da sardinha,
a esposa atrás do chinelo...

O jogo foi traiçoeiro,
e foi expulso o infeliz,
porque o chute foi certeiro
bem nas partes do juiz...

O pijama de bolinha,
não anima nada, nada…
e o coronel perde a linha,
a vontade, o jeito, a espada...

O sabonete caiu
e o desespero da Bruna,
não foi tanto o que ela viu,
mas o drama da coluna...

O soldado trapaceiro
vai pra banda, e, como tal,
'ta’ treinando dia inteiro
para ser o general...

O velho fica feliz
pois há tempos não namora,
mas a velha acorda e diz
- "Muita calma nessa hora...”

Passa a noite no batuque,
mas, na volta, muda o tom:
ele, atrás de um novo truque,
mas ela, atrás do batom…

Põe pijama, baixa o som...
E o meu compadre, na cama,
bem na hora do "bem bom"
só quer mostrar o pijama…

Pra sogra que mora ao lado,
tem um remédio chinfrim:
fazer um muro elevado,
igualzinho ao de Berlim...

Toda vez que o time afunda,
deixando a torcida à míngua,
a rima, rica e profunda,
esta na ponta da língua...

Trabalhando a noite inteira
na boate, a Leonor
não entra na bebedeira,
pois só toma... suador!...

Vendo a grave situação,
o padre ao casório vem,
e aproveita a ocasião
para o batismo também...

Fonte:
Flávio Roberto Stefani. Novas andanças: trovas & poemas. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.

sábado, 6 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (O Bom Humor nas Trovas)


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!

A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua… mas, da amiga!

A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.

À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser “lelé da cuca”.

“Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela”
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).

Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa – que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.

Casa a Maria do Céu…
e que grande trapalhada…
porque segurando o véu
segue toda a filharada!

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
chora por não ter marido
e quando tem… também chora!

Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!

Diz a mulher ao marido
(velho, bem intencionado)
“daqui a meses, querido
vai nasceu teu enteado”.

Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.

É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca:
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca…

Falam tanto mal de sogra,
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.

Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho?
“honi soit qui mal y pense”! *

Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça.
Mas é só cão perdigueiro:
corre atrás, não come a caça.

Mesmo que ele seja “um pão”
quando se torna marido,
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.

“Não tem profundeza a trova”
disse alguém – profunda asneira!
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!

No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
“ Favor não trazer coroa,
só ramos cheios de brotos”.

Nua, a Godiva, coitada!
Causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa “suspense” algum.

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela pra trabalhar!

O homem pensa, sofisma,
cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?

Paquerador o Andrada
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.

Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
“ Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha”.

Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali…
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.

Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.

– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou;
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.

Tanta pílula espalhada…
tanta gente sem-vergonha…
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.

Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
“ Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era “lisa a mona”.
_________________________
Nota:
* Honi soit qui mal y pense é uma expressão em francês que significa Envergonhe-se quem nisto vê malícia, muito usada em meios cultos. Também é o lema da Ordem da Jarreteira, comenda britânica criada pelo rei Eduardo III de Inglaterra, no tempo das Cruzadas. E um dos lemas do Reino Unido, estando estampado em sua bandeira.

Diz a lenda que, em 1347, durante um baile, a Condessa de Salisbury, amante do mesmo Eduardo III, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos (cúmplice) dos nobres. O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense! Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Maldito seja quem pense mal disto! Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).

No dia seguinte cria a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra. (wikipedia)

__________________________
Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 7


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!
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A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.
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À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser "lelé da cuca".
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"Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela"
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).
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Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa –  que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.
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Casa a Maria do Céu...
e que grande trapalhada
porque segurando o véu
segue toda a filharada!
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Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.
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Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
– chora por não ter marido
e quando tem... também chora!
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Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!
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Diz a mulher ao marido
(velho bem intencionado)
"daqui a meses, querido,
vai nascer teu enteado".
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Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.
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É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca;
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca...
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Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho,
"honni soit qui mal y pense"!
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Esta expressão francesa significa: «Maldito seja quem pensa mal a esse respeito!»
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Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça,
mas é só cão perdigueiro;
corre atrás, não come a caça.
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Mesmo que ele seja "um pão"
quando se torna marido
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!
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"Não tem profundeza a trova"
disse alguém - profunda asneira.
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!
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No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
"Favor não trazer coroa,
só ramos cheio de brotos"
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Nua, a Godiva, coitada!
causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa "suspense" algum.
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O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela vai pra trabalhar !
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O homem pensa, sofisma.
Cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?
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Paquerador o Andrada,
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.
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Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
"Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha".
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Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali...
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.
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Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.
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– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou.
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.
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Tanta "pílula" espalhada...
tanta gente sem-vergonha...
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.
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Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?
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Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
"Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era "lisa a mona".

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 6

 


A ignorância é um profundo
flagelo que o mundo vê.
Livros, livros, pede o mundo.
Feliz o homem que lê!
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Amor! Palavra eloquente
que hoje soa e persiste
na boca de tanta gente
que nem sabe se ele existe!
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A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua... mas, da amiga.
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Andei cega nos caminhos
de perdidos ideais.
Cantei como os passarinhos
que cegos — cantam demais!
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É quando a angústia me enlaça
numa dor que nada explica,
que sinto a vida que passa,
e vejo a noite que fica.
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Eu não te amo, coqueiro!
Nem o mar nada me diz.
Vivo à sombra do pinheiro:
sou serrana e sou feliz!
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Eu quero viver contente...
pinheiros em meu caminho...
E na morte, suavemente
dormir num caixão de pinho.
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"Eu vi minha Mãe rezando"
é a trova que mais encanta.
Quer sorrindo, quer chorando,
toda Mãe é sempre santa!
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Falam tanto mal de sogra
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.
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Foi à sombra de um pinheiro
naquela tarde feliz,
que li teu verso primeiro,
e leste as trovas que fiz!
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Meu amor por ti não arde
nas falsas chamas do amor,
É como a brisa da tarde
depois de um grande calor.
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Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.
= = = = = = = = = = =

Monstro sagrado, jucundo,
por quem o mundo suspira:
Seu nome é "glória do mundo"
seu apelido é; mentira !
= = = = = = = = = = =

Na aridez do teu caminho
por mais íngreme e adverso,
trilhas sempre um pedacinho
da grandeza do universo.
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Na existência transitória
entre doçura e amargor,
a vida é um ato de glória,
viver é um ato de Amor!
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Na humildade de uma vida
sem resquício algum de glória,
talvez esteja escondida
a mais sublime vitória.
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Não compre a glória que passa,
nem dê riqueza ao ladrão.
Leia livros e, de graça,
terá a glória em sua mão!
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Não sei de quadro mais lindo
que mais desperte emoção,
que uma criança sorrindo
c' um livro aberto na mão.
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Na paisagem sempre nova
de magia e de beleza,
cada pinheiro é uma trova
no Livro da Natureza.
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Nunca procures a calma
em algo longe de ti;
busca-a, antes, em tua alma.
Ela deve estar ali...
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Os desencontros da vida...
os sofrimentos, o adeus,
às vezes são a partida
de nosso encontro com Deus!
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Pinheiro que cedo eu vi
no doce embalo da infância,
jamais entre mim e ti
a vida ponha distância.
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Quem não viu o sol surgindo
entre os pinheiros na serra,
não viu o quadro mais lindo
que a mão de Deus pôs na terra.
= = = = = = = = = = =

Se a vida a gente levasse
em prolongado prazer,
talvez o homem inventasse
um modo para sofrer...

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. 
Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...