quinta-feira, 21 de maio de 2020

Rita Mourão (Trovas Premiadas) II


Não temo o mar que me nega
ser mais branda a travessia.
Temo sim, a mente cega
que me bloqueia a ousadia!
- - - - - -
Não temo quedas, barreiras,
por mais que a tristeza insista.
Águas que são cachoeiras
não tem lodo que resista!
- - - - - -
Nas serestas da lembrança
onde o orvalho enfeita a tela,
a minha ilusão te alcança,
mas a razão diz:- Cautela!!!
- - - - - -
Nesta espera em que me farto
só dispenso a nostalgia
é quando a porta do quarto
tua chegada anuncia!
- - - - - -
Neste teatro que há em mim,
do meu papel não lamento.
Sem saber qual é meu fim
enceno o final que invento.
- - - - - -
No espaço, brilhando inquieta,
Cadente estrela me induz
a pensar que algum poeta
faz no céu versos de luz.
- - - - - -
No lar que me fez honrado
ante os conceitos de espaço,
o respeito era sagrado
mesmo que o pão fosse escasso.
- - - - - -
Nos meus embates medonhos
sempre enfrento os desafios,
quando a vida tece sonhos
e o tempo desfaz os fios.
- - - - - -
Nossas almas parecidas,
nossos sonhos se irmanando,
eu e tu, vidas vividas,
tarde demais se encontrando.
- - - - - -
Num cenário à luz de vela,
papai repassando a lida
deixou-me a lição mais bela
encenando a própria vida.
- - - - - -
Num jogo da fantasia
entre a loucura e a razão,
vislumbro na cama fria
teu corpo que busco, em vão.
- - - - - -
Os meus desejos de agora,
juntei-os, pus no correio:
(destino, Natais de outrora),
mas a resposta não veio
- - - - - -
O trovador finge tanto
que ao cantar a própria dor,
finge que a dor no entanto
é de um outro trovador.
- - - - - -
Ousar não é ser valente
ao buscar gloria e poder.
Ousadia é quando a gente
humaniza o nosso ser!
- - - - - -
Para ter felicidade,
ao buscá-la eu pressuponho,
que seja qual for a idade
felicidade é ter sonho.
- - - - - -
Por mais que o orgulho insista
peço a Deus a quem me entrego
que nas horas da conquista
eu saiba despir meu ego.
- - - - - -
Por medo meu coração
fechou-se e ainda pôs trave,
mas agora outra paixão
bate à porta e quer a chave.
- - - - - -
Quando a lua me abre as frestas
das lembranças que são tuas,
eu choro as velhas serestas
feitas à luz de outras luas!
- - - - - -
Quando deixei minha terra,
jurei e cumpri a jura,
que venceria esta guerra
entre o sertão e a cultura!
- - - - - -
Quando uma ofensa me oprime
em silêncio enfrento tudo.
Qualquer grito se redime
ante meu protesto mudo.
- - - - - -
Queres chamar-me de amigo,
mas teu olhar traidor
é a frase que eu mais bendigo
das frases mudas do amor
- - - - - -
Resisto, mas me afrouxando,
revogo a minha sentença.
Quem ama mesmo sangrando
perdoa e renova a crença.
- - - - - -
Retida além do horizonte
onde a razão se esvazia,
dos sonhos ergo uma ponte
e prossigo a travessia.
- - - - - -
Roxa ou preta quando antiga,
mas rubra se a dor maltrata.
Por isso na há quem diga
da saudade a cor exata.
- - - - - -
Se a porta é larga, desvio,
sem luta não tem vitória.
Porta estreita é o desafio
de quem vence e faz história!
- - - - - -
Sem ter fortuna aparente,
sob a luz de um lampião
fui bem mais rica e mais gente
naquela casa de chão.
- - - - - -
Se o homem abaixasse a fronte
com fé, respeito, humildade,
seria a Terra uma ponte
entre Deus e a humanidade.
- - - - - -
Seria a paz mais presente
e o porvir menos incerto,
se nas mãos do adolescente
sempre houvesse um livro aberto.
- - - - - -
Ser mãe é perpetuar
a vida em seu seguimento
conjugando o verbo AMAR
seja qual for o momento.
- - - - - -
Sozinha, num desvario,
sem concretude, meus braços,
traçam, sobre um leito frio
o perfil dos teus abraços.
- - - - - -
Tiro a máscara e ouço aflita,
de um mar de farsas sem fim,
meu outro eu que ainda grita
por vida dentro de mim.
- - - - - -
Trazendo o filho nos braços,
ante a dor ou alegria
toda mãe possui os traços
da Virgem Santa Maria!
- - - - - -
Velha casa, sonho alado
que a saudade hoje remonta
para mostrar meu passado
brincando de faz de conta.

Fonte:
Site de Rita Mourão
https://versosderita.weebly.com/trovas-premiadas.html

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Rita Mourão (Trovas Premiadas) I


Abro a porta do passado
e vejo em pleno apogeu,
um rosto alegre, animado,
teimando que o rosto é o meu.
- - - - - -
Abro a porta e a janela
do meu coração em festa
quando a manhã tagarela
põe voz na densa floresta
- - - - - -
Abro a porta, enxugo o pranto
e fico a esperar teus braços,
mas para o meu desencanto
os passos não são teus passos.
- - - - - -
Amanhece, o dia é lindo,
e o passaredo contente
faz festa ao sol, que sorrindo.
lá do céu contempla gente.
- - - - - -
A mulher que é mãe me encanta,
no lar, seja aonde for.
Pois sendo mãe ela é santa
sendo mulher é o AMOR.
- - - - - -
Ante a bandeira hasteada
revendo as lutas, conceitos,
o pobre sem pão, sem nada
pede à pátria os seus direitos.
- - - - - -
Buscando nosso poente,
vamos nós dois bem juntinhos
sem deixar que envolva a gente
a solidão dos caminhos.
- - - - - -
Busquei-O além do horizonte,
nas águas do mar sem fim,
mas curvando a minha fronte
senti Deus dentro de mim.
- - - - - -
Com as chaves da alvorada,
Deus que é poder e magia,
deixa a noite enclausurada
e abre as portas para o dia.
- - - - - -
Com ousadia me olhaste,
ousada eu correspondi.
Com loucura me abraçaste
e o resto eu juro, nem vi!
- - - - - -
Desbravando o chão mineiro,
com brio, amor e esperança,
de um pai humilde e guerreiro
me veio a maior herança!
 - - - - - -
Deus ao criar as estrelas
zeloso cumpriu a meta,
mas para alguém descrevê-las
criou também o poeta.
- - - - - -
Escrevo, mas sou discreta,
me anulo, libero a mente
e deixo solto o poeta
que só fala o que ele sente.
- - - - - -
Este meu andar sisudo,
que modela a caminhada
já retrata quase tudo
que a vida transforma em nada!
- - - - - -
Eu juro, mas com loucura,
minha emoção num relance,
abre a porta, quebra a jura
e a ti concede outra chance.
- - - - - -
É um velho lar meu legado
onde o amor gerou bonança
e pôs um filho ao meu lado
multiplicando essa herança.
- - - - - -
Faça do livro, criança,
a rota dos sonhadores.
O livro é o barco que alcança
o porto dos vencedores.
- - - - - -
Felicidade, abre a porta
vem logo ressuscitar
minha esperança já morta
cansada de te esperar.
- - - - - -
Fortuna, uma velha aldeia
onde a minha mãe querida
sob a luz de uma candeia
me dava lições de vida.
- - - - - -
Fui juiz de alheios fatos
hoje a vida com razão
me faz réu dos mesmos atos
que aos outros neguei perdão.
- - - - - -
Julguei sem pensar que um dia
os anos réu me fizessem,
sem defesa à revelia,
nos bancos dos que envelhecem.
- - - - - -
Levada por fantasia
de um desejo inconsciente,
eu beijo na cama fria
as formas de um corpo ausente.
- - - - - -
Meu pai foi um homem pobre,
mas dentro do lar garanto
que na vida nenhum nobre
pela família fez tanto.
- - - - - -
Meus retalhos de esperança,
juntei-os, pus no correio.
( Destino, velha criança,)
mas a resposta não veio.
- - - - - -
Mineira com mil louvores,
Paulista por adoção,
dois estados, dois amores,
dividindo um coração.
- - - - - -
Minha casa é pequenina,
com janelas sem vidraça,
mas tem a luz genuína
que do céu me vem de graça.
- - - - - -
Minha saudade é concreta,
tem nome, tem residência,
foi luz que me fez poeta
mas hoje se faz ausência.
- - - - - -
Minha saudade em vigília
revive os velhos Natais,
das orações em família
que os anos não trazem mais.
- - - - - -
Na humilde escola do lar,
de um saber santo e prudente,
com lições do verbo amar
meu pai me fez ser mais gente.
- - - - - -
Na minha fé hoje intensa
repasso o tempo que avança.
Foi recompondo essa crença
que ainda tenho esperança.
- - - - - -
Não condeno a caminhada
culpo sim, meus passos falhos.
Foi bem larga a minha estrada
fui eu quem buscou atalhos.
- - - - - -
Não diga adeus por favor,
me deixa assim , iludida.
Quero pensar que este amor
não tem porta de saída.
- - - - - -
Não lamento o meu outrora,
nem choro uma dor vivida,
lamento sim, a demora
em pôr Deus em minha vida.
- - - - - -
Não lamento o meu passado,
nem mesmo o tempo me ofende.
Viver é um aprendizado
quem mais vive mais aprende.
- - - - - -
Não me curvo ante o fracasso
nem lamento as busca mortas,
na coragem dos meus passos
trago as chaves de outras portas
- - - - - -
Fonte:
Site de Rita Mourão
https://versosderita.weebly.com/trovas-premiadas.html

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Antônio Sales (Paracuru/CE, 1868 - 1940, Fortaleza/CE)

- A certa moça, na rua
bradei com sinceridade:
- Vossa Excelência é a Verdade!
- Por quê? - Porque está tão nua!
- - - - - –

- A fealdade é um direito;
por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito...
Perdão: a senhora abusa!
- - - - - –

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses... mulher de Adão.
- - - - - –

— As cobras que tem no anel,
certo médico alopata,
são, de certo, cascavel:
onde ele põe a mão, mata!
- - - - - –

(A um juiz) 
- A tua venalidade
não tem, neste mundo, a gêmea,
foi uma felicidade
não teres nascido fêmea...
- - - - - –

- E difícil que aconteça
dor de cabeça ela ter:
pode a dor aparecer,   
mas não encontra cabeça...
- - - - - –

— Em certo escritor satírico,
de uma irreverência atroz,
nós achamos muito espírito...
quando não fala de nós.
- - - - - –

- Em tua genealogia
Fidalgo, vais longe... Até
que hás de chegar, algum dia,
ao Congo, Angola ou Guiné...
- - - - - –

Eu conheço um plumitivo*,
cheio de vaidade imensa,
que anda sempre pensativo
e apenas pensa que pensa.
- - - - - –

- "Não gosto de ouvir tolices!" -
exclamas, estomagado;
Para que não as ouvisses,
devias ficar calado.
- - - - - –

- Para que não te despraza**
ver gente má pela frente,
precisas primeiramente
não ter espelhos em casa...
- - - - - –

— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- "Mas que animal elegante!"
- - - - - –

- Vi um médico fardado...
Que perfeito matador:
quem escape do soldado,
não escapa do doutor...

________________________________
Notas:
Despraza – do verbo desprazer.
** Plumitivo – escritor ou jornalista sem méritos.


Fonte:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Alberto Isaías Ramires (Vila Velha/ES, 1924 - 2004, Rio de Janeiro/RJ)


A trova boa e perfeita
tem, na sua formação,
um pouco de pensamento,
um pouco de coração.
- - - - - –

Da vida, pelos caminhos,
uma coisa aprendi bem:
a roseira dá espinhos,
mas nos dá rosas, também…
- - - - - –

Falar mal da vida alheia
é coisa que não convém;
quem tem telhado de vidro
não fustiga o de ninguém…
- - - - - –

Juraste que eternamente
minha, só minha, serias.
Mas o teu "eternamente"
não foi além de dois dias...
- - - - - –

Lá se foi a meninice,
meu barquinho do papel,
minha ingênua peraltice,
meu doce Papai Noel...
- - - - - –

Não entendes meu desgosto,
mas aprende esta lição:
nem sempre pomos no rosto
as mágoas do coração.
- - - - - –

Num mundo triste e sisudo,
cheio de ódio e ambição,
do trabalho fiz escudo
e, da honradez, religião!
- - - - - –

O amor começa, meu bem,
num sorriso ou num olhar;
mas, por capricho, também,
assim pode terminar…
- - - - - –

Passam dias, meses, anos...
Quem na vida, nada alcança
deve sempre aos desenganos
antepor uma esperança.
- - - - - –

Por nascer pobre, o Divino
num gesto compensador,
despertou, em meu destino,
a lira de trovador…
- - - - - –

Quando eu morrer, por favor
coloquem na minha cova
um epitáfio de amor
escrito em forma de trova!
- - - - - –

Saudade - um berço vazio,
uma lágrima, uma dor;
coração sentindo frio
longe da chama do amor…
- - - - - –

Semeia por onde fores,
bondade, amor e carinho;
e transformarás em flores
as pedras do teu caminho.
- - - - - –

Sobre o Amor já se tem dito
muita coisa de valor;
mas bem poucos, acredito,
sabem mesmo o que é o Amor!
- - - - - –

Via-a rezando, contrita,
com os olhos fitos no céu.
Quanto pecado escondido
debaixo de um fino véu!...
- - - - - –

Vitória - Ilha do mel
que nos deslumbra e extasia.
Um pedacinho de céu
que é sonho, amor e poesia...

terça-feira, 12 de maio de 2020

Amaryllis Schloenbach


A lua fulge tristonha,
sozinha no céu imenso;
Minha alma na noite sonha
enquanto em teus olhos penso.
- - - - - –

— Coração, bates ligeiro,
até mudas de compasso,
se recordo o amor primeiro
ou se perto dele passo!
- - - - - –

— Coração, fonte de amor,
mostras a cada segundo
que em toda ilusão há dor,
nos destinos deste mundo!
- - - - - –

Espumas, ondas bravias,
soluça o oceano em revolta;
como ele sou (não sabias?)
quando aguardo tua volta.
- - - - - –

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada...
Responde, na voz do vento,
somente o eco, mais nada!
- - - - - –

Este amor que eu acalento,
pelo qual estou perdida,
é meu canto e meu lamento,
minha morte e minha vida!
- - - - - –

Foste embora, certo dia;
fiquei magoada, a chorar...
Hoje sinto — quem diria? —
que foi sorte e não azar!
- - - - - -

Invejo a rosa tão linda,
que, sem ligar para a sorte,
a vida perfuma ainda,
altiva, à espera da morte!
- - - - - –

Já não posso refrear
esta paixão violenta,
que ruge mais do que o mar,
presa de rude tormenta!
- - - - - –

Morre a noite de repente.
Seu sangue cobre a amplidão,
e a aurora, triste e silente,
se ajoelha em oração.
- - - - - –

O fio do pensamento
vai tão longe e até parece
que, impelido pelo vento,
quer prender quem já me esquece!
- - - - - –

O orvalho, do céu liberto,
de uma flor se fez amante,
e em seu regaço entreaberto
pôs um límpido brilhante!
- - - - - –

Procura esquecer teu pranto
secando o pranto de alguém;
assim verás mais encanto
no encanto que a vida tem!
- - - - - –

Quando, no ocaso da vida,
um amor nos surpreende,
a existência agradecida
em nova chama se acende!
- - - - - –

Quero da rosa a existência,
sua beleza e frescor:
veludo toda, e essência,
para a colheita do amor.
- - - - - –

Relembro as tardes da infância,
olho a praia, escuto o vento...
Fica mais perto a distância
nas asas do pensamento...
- - - - - –

Se queres colher a paz,
não procures tão a esmo;
só pode tê-la quem traz
a paz dentro de si mesmo!
- - - - - –

Solitário, junto à margem
chora, saudoso, o salgueiro:
parecem vir da ramagem
as águas do rio inteiro!
- - - - - –

Sonho, palavra pequena,
porém, de grande valor:
faz a vida mais amena
e muito mais belo o amor!
- - - - - –

Um breve sonho de amor
— depois, ventura perdida —
é aquele doce amargor
em que se resume a vida.
- - - - - –

Viver num corpo sem alma
— eis o meu drama, porque
perdi minha paz e a calma
depois que perdi você.

Fontes:
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
– Revistas Virtual de Trovas “Trovia”
- Boletim da UBT Seção São Paulo
– A Trovadora

domingo, 10 de maio de 2020

Casimiro de Abreu (1839 - 1860)

Barra de São João, hoje Casimiro de Abreu

A borboleta travessa
vive de sol e de flores...
— Eu quero o sol de teus olhos,
o néctar dos teus amores!
- - - - - –

A vida é triste — quem nega?
— Nem vale a pena dizê-lo.
Deus a parte entre seus dedos
qual um fio de cabelo!
- - - - - –

Como a ave dos palmares,
fugindo do caçador,
eu vivo longe do ninho,
sem carinho e sem amor!
- - - - - –

Conchinha das lisas praias,
nasceste em alvas areias;
não corras tu para os charcos,
arrebatada nas cheias...
- - - - - –

Nas horas mortas da noite,
como é doce o meditar,
quando as estrelas cintilam
nas ondas quietas do mar!
- - - - - –

Ri, criança, a vida é curta,
o sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
mostra a cova ao viandante.
- - - - - –

Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!
- - - - - –

Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha;
nas débeis cordas da lira
hei de faze-la rainha.
- - - - - –

Tudo se gasta e se afeia,
tudo desmaia e se apaga,
como um nome sobre a areia,
quando cresce e corre a vaga.
- - - - - –

Um anjo veio e deu vida
ao peito de amores nu:
Minha alma agora remida,
adora o anjo — que és tu!


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Augusto Vasconcelos Rubião (1905 - ????)


— Bom dia, Dona Alegria,
com tanta pressa, onde vais?!
— Vou plantar uma saudade
onde o Amor não volta mais!
- - - - - –

Casar é um verbo difícil
de conjugar de mãos dadas.
Às vezes, noivos ditosos,
no lar, são almas penadas.
- - - - - –

Dizem que existe feitiço
que nos deixa atormentado.
Hoje estou acreditando:
por ti ando enfeitiçado...
- - - - - –

Meu coração é relógio,
que vive sempre a bater.
Na dor está atrasado,
mas adianta no prazer.
- - - - - –

Minha terra tem mulatas
e broinhas de fubá.
Recordando os meus amores,
mais prazer encontro eu lá…
- - - - - –

Nossa casa é pequenina,
mas tem a graça de Deus.
De dia o sol a ilumina,
e de noite — os olhos teus.
- - - - - –

O meu peito é um país;
capital — o coração!
É Maria a imperatriz,
para dar-lhe a direção,
- - - - - -

Os teus seios são dois ninhos,
tão brancos como algodão;
neles vivem dois pombinhos,
em busca de um coração.
- - - - - –

Quando chegaste na igreja,
rezei a Salve-Rainha;
com as contas dos teus olhos,
cantei uma ladainha...
- - - - - –

Se a vista tivesse dente,
este mundo estava preto:
teu belo corpo seria
um descarnado esqueleto...


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Célia Cerqueira Cavalcanti (1910 - 2003)


A amizade verdadeira,
tem nobreza e galhardia,
pois sabe ser companheira
na tristeza e na alegria.
- - - - - –

A dor, ajuda e consola,
ao pobre dá tua mão,
que bondade é quando a esmola
nos provém do coração.
- - - - - –

Bandeira de minha terra,
tu retratas o Brasil,
a grandeza que se encerra
sob a luz de estrelas mil...
- - - - - –

Da terra à lua, a distância,
pelo astronauta vencida,
que nunca sirva à ganância,
nem à guerra fratricida...
- - - - - –

Ensinemos à criança
o verdadeiro civismo:
nunca lutar por vingança,
ser leal, ter patriotismo.
- - - - - –

Era a lua, antigamente,
fonte só de inspiração...
Hoje, o astronauta, inclemente,
diz que é pedra e solidão…
- - - - - –

Era de paz, tão-somente,
o mundo que Deus criou...
a humanidade, inclemente,
logo a maldade inventou.
- - - - - –

Gosto da trova, é singela
tradução do pensamento;
é pequenina aquarela
retratando um sentimento.
- - - - - -

Humilde seja o trabalho,
mas honesto, que o valor
não vem da forja ou do malho,
mas da alma do lutador…
- - - - - –

Jamais haveria guerra,
se um dia a fraternidade
unisse os povos da terra
na fé, no amor, na bondade.
- - - - - –

Não sei se tenho razão
de ter ciúmes de ti;
confiar desconfiando...
foi contigo que aprendi.
- - - - - –

Na vida, grande tormento,
por vezes terrível mar,
nau perdida é o pensamento
que não sabe onde aportar...
- - - - - –

Nossa infância é madrugada,
juventude é meio-dia;
a velhice, um quase nada
para o fim da nostalgia...
- - - - - –

O lar que tive em criança,
era um farol entre escolhos...
Berço de vida e esperança,
luz que refulge em meus olhos.
- - - - - –

Quando o amor é de verdade,
e puro, sem preconceito,
faz parecer qualidade
até mesmo o que é defeito.
- - - - - –

Que não seja a tua esmola,
vazia de coração.
– A esperança mais consola
do que um pedaço de pão…
- - - - - –

Saudade, tu representas
como se fosses atriz,
repetindo toda a história
do nosso tempo feliz.
- - - - - –

Seja de rico ou de pobre,
a honra é glória, é candor
que do plebeu faz um nobre,
e ao nobre dá mais valor.
- - - - - –

Senhor Deus, tornai unidas
as nações, todos irmãos;
as crianças protegidas,
o trabalho unindo as mãos!...
- - - - - –

Ser avó é, novamente,
ser mãe feliz; é viver,
na ternura do presente,
o passado... é renascer...
- - - - - –

Tão pequenino e, no entanto,
traduz o amor mais profundo!
Que nome existe, mais santo,
do que o teu, mãe, neste mundo?
- - - - - –

Vale mais a lealdade
de calar, tendo razão,
do que triste falsidade
de fingida opinião…
- - - - - –

Vida sem fé não é vida,
é somente escravidão,
é matéria consumida
em sete palmos de chão…
- - - - - –

Viver feliz não é ter
o mundo inteiro na mão;
felicidade é saber
amar, é ter coração.

Fonte:
Enviado por Alexandre Magno Oliveira de Andrade Reis

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Geraldo Pimenta de Moraes (1913 - ????)


As lágrimas que hoje choro
hão de secar, meu benzinho,
quando tiver o que imploro:
— O lenço do teu carinho...
- - - - - –

Da roupa e a cara pintada
faz a mulher seus "engodos"...
Mas... é sem roupa, sem nada,
que ela mais agrada a todos...
- - - - - –

Da vida em seu louco afã,
há quem carregue, com calma,
no rosto, a luz da manhã,
lendo a noite dentro da alma.
- - - - - –

De beijar-te não me tolhas…
— Que teus lábios, a rigor,
são duas primeiras folhas
de um doce livro de amor...
- - - - - –

Despedida — adeus dorido
que tanto nos mortifica...
— Sofrimento repartido
entre quem vai e quem fica.
- - - - - –

De você assim tão junto,
conversando os dois, a sós,
eu sinto, por nosso assunto,
quanta distância entre nós...
- - - - - –

Dor mais funda não existe,
mais acerba, mais pungente,
do que a gente viver triste,
com saudade até da gente.
- - - - - –

Esperança — bem que enleva
nossa vida, no presente...
— Um raio de luz na treva
do incerto amanhã da gente.
- - - - - –

É triste quando ela passa,
tão formosa e indiferente,
esbanjando a sua graça,
sem achar graça na gente!
- - - - - –

Existe uma opção na Terra,
em mentes sãs, há mil sóis:
- É melhor nunca haver guerra
do que ser "Berço de Heróis".
- - - - - –

Lágrimas de nós fluindo,
quando enfrentamos abrolhos,
são gotas de dor fugindo
de nossa alma, pelos olhos.
- - - - - –

Luz sublime, que fascina,
desprende-se, em doce brilho,
do olhar, que é força divina,
da mãe que acarinha um filho!
- - - - - –

Mulher bela, indiferente,
como a sorte fugaz:
 - Quanto mais foge da gente,
mais a gente corre atrás...
- - - - - –

Muita vez, fingindo calma,
na vida enfrentando escolhos,
a dor eu a escondo na alma,
de riso enfeitando os olhos.
- - - - - –

Na mãe que canta, embalando
um filhinho, até faz gosto
ver-se tanto amor brincando
na ternura de um só rosto!
- - - - - –

Na solidão, triste, assim,
minha dor é tão intensa,
que eu sinto fugir de mim
a minha própria presença...
- - - - - –

Neste mundo de percalço,
mentira existe tão linda
que se troca um amor falso
por amor mais falso ainda...
- - - - - –

Num velório, a vela acesa,
com chama embora aziaga,
não tem tamanha tristeza
como depois que se apaga.
- - - - - –

O alegre que ri de um triste
deve lembrar-se, no entanto,
no exíguo espaço que existe
entre o riso, a dor e o pranto.
- - - - - –

O Criador, na ânsia extrema
de tornar tudo mais lindo,
fez o Amor — esse poema,
que as almas cantam, sorrindo!
- - - - - –

O meu viver, na verdade,
chego a senti-lo risonho...
Que eu gozo a felicidade
onde ela existe — no sonho...
- - - - - –

Os meus olhos buliçosos,
fitando-te, assim risonhos,
são dois pássaros ansiosos,
buscando um ninho de sonhos...
- - - - - –

O tempo enfrento com gosto,
com paciência, amor e calma...
Se a velhice vem-me ao rosto,
não a deixo entrar-me na alma.
- - - - - –

Quando amor você murmura,
meu bem, me beijando assim,
a minha alma, com ternura,
ri feliz, dentro de mim!...
- - - - - –

Quanta angústia nos invade
na despedida inclemente,
quando a sombra da saudade
passa a ser sombra da gente.
- - - - - –

Quando comigo dançou,
tão embebido eu sonhava
que, quando a orquestra parou,
minha alma ainda dançava…
- - - - - –

Quando padeço um tormento,
da trova eu faço meu pranto.
E assim, ante o sofrimento,
em vez de chorar, eu canto.
- - - - - –

Quando passo por diversos
tormentos, buscando calma,
faço trovas, cujos versos
são retalhos de minha alma.
- - - - - –

Quanto Bem não nos seduz
por trazer contradição...
– Que valor teria a luz
não houvesse a escuridão?...
- - - - - –

Quem nunca sentiu saudade,
com sua angústia e negror,
jamais sentiu, na verdade,
em sua alma, a luz do amor.
- - - - - –

Saudade... rosa envolvente,
de inebriante fragrância,
perfumando a alma da gente,
da roseira da distância...
- - - - - –

Se no tempo eu me mergulho,
com minhas cãs tenho zelos,
chegando a sentir orgulho
da alvura dos meus cabelos.
- - - - - –

Se vendesses teu carinho,
teu carinho que é tão doce,
comprá-lo-ia, inteirinho,
por qualquer preço que fosse...
- - - - - –

Um clarão há que retalha
e enegrece os corações:
— É o que irrompe na batalha,
ao ribombar dos canhões.
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Geraldo Pimenta de Moraes, que eventualmente usava o pseudônimo Gerpimoré, nasceu na cidade de São Sebastião do Paraíso/MG, em 19 de setembro de 1913. Filho de Francisco Pimenta de Moraes e Antonieta Cosmina de Moraes. Vitorioso em diversos concursos de trovas e poesias. Além dos diplomas e medalhas que possui, conquistados em concursos de tremas e poesias — principalmente de trovas. Têm inúmeros trabalhos publicados em jornais e revistas, coletâneas, e através dos concursos já referidos. Pertenceu à Arcádia de Pouso Alegre e à União Brasileira de Trovadores. Militar inativo, capitão do Exército, onde prestou serviços durante 25 anos, conquistando, nesse tempo: Medalha de Bronze (10 anos de bons serviços); Medalha de Prata (20 anos de bons serviços); Medalha de Guerra e Medalha do Pacificador (por haver tomado parte na última Grande Guerra). Residia em São Paulo.
 
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

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