segunda-feira, 18 de março de 2019

Raul Poli (1946 – 2004)


A coragem é virtude
que enobrece o coração,
e mais atinge amplitude,
ao defender-se um irmão.

A façanha mais bonita
que alguém pode realizar,
é alegrar-se na desdita,
e sem pedir, ofertar.

Ancião, por que tens no olhar
dor profunda, sem igual?
- Só estou saudoso a lembrar
dos meus tempos de Natal…

A vida que nós amamos,
não passa de uma ilusão,
pois nela nos encontramos,
envoltos na escuridão.

A vida sempre a passar
arrasta todos com ela,
despeja prata o luar,
banha o beiral da janela.

Era pequeno e custava
pôr-me de pé a caminhar,
só percebi quando estava
aos pés da cruz a rezar...

Escritor sem dicionário
não atinge a perfeição.
Qual caneta é necessário,
igual os dedos da mão.

Estrela rica e brilhante
explode, dentro de mim,
como se fosse um diamante
com mescla de carmesim.

Eu sinto a vida enfadada
e tão inúteis meus dias...
– Não precisas fazer nada,
basta apenas que sorrias...

Eu tenho a chave da vida
que fecha a porta da dor.
Cura males e a ferida,
a excelsa chave do amor.

Fulge a lua prateada,
é pura voz da razão,
ouvir-se a boca fechada,
é o cantar do coração.

Lá nas paragens do Além,
no renascer verdadeiro,
a flauta doce do Bem,
há de soar por inteiro.

Lutava tanto por fama
que veio a tê-la de fato.
Por sossego agora clama,
busca refúgio no mato.

Na clara noite estrelada,
só valem letras escritas,
na campina ensolarada,
pedras também são bonitas.

Não preciso e não careço
ir ao encontro de um jardim
pois o mais belo adereço
se encontra dentro de mim.

Nesse mundo degradante
o decente perde espaço.
Rotulado a todo instante
com o timbre de palhaço...

No plano em que nós vivemos,
estamos mortos, ao certo,
por isso é que apenas vemos
dores e angústias por perto.

No rico pampa gaúcho
sento num toco no chão
mas sou um monarca de luxo
quando eu sorvo o chimarrão.

Olho pro céu, me parece
a cor de lá esmorecer,
talvez estrelas em prece
pela ventura de ver.

O que chamamos de morte,
e tanto nos faz chorar,
na verdade é a grande sorte,
glorioso retorno ao Lar.

Os rudes nossos avós
que eram sábios também,
legaram ditos pra nós
vermos das brumas além.

Quando o trabalho me cansa
ao chegar o fim do dia,
a minh’alma então descansa
nos acordes da poesia.

Quem não puder entender,
não se importe co’a demora.
O mais prudente é saber:
pra tudo há tempo e hora...

Quero-quero, sentinela,
no meio da noite grita,
espalhando que é por ela
que minha alma anda proscrita...

Sala nobre e iluminada,
partiu-se a mais fina taça,
tradição longa quebrada,
resta diamante com jaça.

Se me persegue um ladrão,
busco do guarda a perícia.
Agora, pergunto, então:
– Quem me salva da polícia?

Tangem, solenes, os sinos,
um monge canta, distante.
Na sinfonia dos dois hinos,
faço uma prece, exultante.

Todo mundo arruma um jeito
de eleger sua mãe, rainha.
Mas no reino do meu peito,
tenho um trono só pra minha.

Tudo tem igual valor,
no meu tranco de solteiro:
– Caso com o último amor,
mas lembrando do primeiro...

Um brilho fraco e distante,
do mais suave fulgor,
me acena muito lá adiante
pois era a estrela do amor.

Vamos fazer o correto,
de nossa vida um resumo:
tu serás meu objeto,
eu serei o teu consumo...

Vida, suprema magia,
hino de canto e louvor,
é luz que vibra e irradia
a plenitude do amor.
 ___________________________________
Fonte:
Trovas de Luiz Damo e Raul Poli. Coleção Terra e Céu vol. XXXV. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2016.

sexta-feira, 15 de março de 2019

José Maria Machado de Araújo (1922 - 2004)


A água jorrando em cascatas
pelos penhascos da serra,
é o sangue puro das matas
enchendo as veias da terra!

A cruz que às costas tu levas
pesa mais que a minha cruz:
é que eu ponho luz nas trevas
e tu, pões trevas na luz.

Ama, sê bom, e terás
horas tranquilas e calmas...
O amor é um sol que desfaz
a neblina que há nas almas!...

Angústia é a pressão feroz
daquela tristeza ingente,
que é bem maior do que nós
e teima em caber na gente...

Ante as sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
mas os maus passos que dei.

Ao candidatar-se a Alice,
a modelo, o secretário
deu-lhe uma tanguinha e disse:
- Preencha este formulário...

Ao dentista, todo dia,
vai a noiva do Ventura...
E o noivo nem desconfia
que ela usa dentadura...

Ao pôr-lhe a esmola no prato
pergunto ao surdo, baixinho:
- És mesmo surdo de fato?
E ele: - Surdinho, surdinho!...

Ao vê-la, cheia de encantos
nos braços de outro, não nego,
os meus ciúmes são tantos,
que preferia ser cego!

Após longa caminhada
meus pés, sangrando em ferida,
deixaram no pó da estrada
as reticências da vida...

Aprende, filho, a viver
com amor, paz e alegria,
e eu te juro que hás de ter
mais de um hoje em cada dia.

As crianças ao falar
inventam frases tão belas,
que a gente fica a pensar
que é Deus que fala por elas.

A trova com boa rima
Mas sem um bom pensamento
Lembra uma linda menina
Com cabecinha de vento.

Bendigo o trabalhador
que, sem febre de ambição,
constrói domínios de amor
num pedacinho de chão!

Cite a terceira pessoa
do verbo amar, por favor.
E a voz do aluno ressoa:
- O ciúme, professor!

Com treze pontos que fez
na loteca, o Zé Gambá
já pronuncia, em Francês:
Niterói - "Niteruá"!

Coração, nunca te iludas,
pode ser falso o teu pranto:
há muito santo que é judas...
e muito judas que é santo...

De meu coração cativo
que é fonte de amor imenso,
nascem mágoas - porque vivo;
nascem culpas - porque penso!...

Demitiram o Waldir
da chefia da seção,
por esquecer-se de rir
da piada do patrão!

Deus deposita a ventura
nas almas puras e mansas:
há domínios de ternura
no coração das crianças!

Disse: "Que trova bonita!"
Mas tu não ouviste bem
e logo indagaste aflita:
"Quem é que é bonita, quem?"

Dizes serem diferentes
nossos ciúmes, - convenho:
-Tu sabes por quem os sentes,
eu não sei de quem os tenho!

Dos grandes não tenhas medo
se a razão não te faltar:
olha que um simples rochedo
tem domínio sobre o mar.

Ela é boa e não se poupa...
Vive a limpar, sem mãos frouxas:
de dia – trouxas de roupa,
de noite – roupa de trouxas!...

Ela é tudo em minha vida!
Seu nome... seu nome... Bem,
quem ama mulher proibida
não diz o nome a ninguém!

"Ela voltará, descansa",
a esperança me dizia...
E eu não via que a esperança
por piedade me mentia...

Em cada abismo em que afundo,
eu sempre planto um jardim
para achá-lo mais fecundo
quem cair depois de mim...

Em conflitos e bonanças
nossos destinos se traçam:
nós somos duas crianças
que brigam, depois se abraçam!

Em meu peito amargurado
tantos conflitos abrigo
que, às vezes, fico arrasado
de tanto brigar comigo!...

Em te negar a ternura
que eu tinha e nunca te dei,
quantos anos de ventura
à minha vida roubei!...

Entre a tua e a minha idade,
filho meu, quanta distância! ...
- És a infância da saudade,
sou a saudade da infância. . .

Esses olhos que possuis,
cheios de encanto e calor,
são dois convites azuis
para uma festa de amor!

Estuda, criança, aprende,
te educa enquanto puderes,
que o teu futuro depende
da educação que tiveres!

É tão forte e tão perfeito
o teu olhar, doce e mudo,
que ao infiltrar-se em meu peito
toma o domínio de tudo...

Eu, com outra? - Que maldade!
E tu crês nessa tolice?
- Não houve nem a metade
do que o ciúme te disse!...

É uma loura de lascar
minha secretária, a Elisa.
Só não sabe trabalhar,
mas eu pergunto: e precisa?

Eu sempre soube enfrentar
os conflitos mais violentos:
um velho lobo do mar
não foge à fúria dos ventos!

"Eu sou, sim!"  Ela jurou...
E o rapaz casou com ela.
Não era o que ele pensou,
mas era o signo dela...

Eu tenho amor, tu pureza,
não temas um lar modesto:
a nossa fé põe a mesa
e Deus há de por-lhe o resto...

Feita a macumba, sisudo,
disse-me o velho orixá:
- Oxalá vai lhe dar tudo...
E eu respondi: - Oxalá!...

Finjo ter ciúme agora,
para matar a saudade
daqueles tempos de outrora
em que o tinha de verdade.

Fizemos, na vida ingrata,
do nosso amor um tesouro:
os filhos nos deram prata!
Os netos nos deram ouro!

Há, na vida, uma verdade
que é cumprida com rigor:
- Só se encontra com a saudade
quem teve encontros de amor.

Há nos pais tamanhos brilhos
de meiguices e de afetos,
que alforriados dos filhos,
tornam-se escravos dos netos!

Hoje, na mansão mais alta
do Céu, sem falta de nada,
o artista lamenta a falta
que tem feito à garotada!...

Já fui jovem, mas não pude
tal ventura perceber,
porque a minha juventude
passou por mim sem eu ver!

Lentamente cai a tarde...
E o medo da solidão
vai fazendo com que eu guarde
as tardes no coração.

Louvo os heróis e heroínas
que cruzam o mar da vida
por entre espessas neblinas
e encontram, sempre, saída!

Mesmo eu não sabendo de nada
Digo aos crentes e aos ateus:
a eternidade é a estrada
com o tamanho de Deus!

Mesmo morta, mãe querida,
a tua luz me alumia,
pois, não morre quem na vida
foi sempre uma estrela guia.

Minhas mãos cheias de amor,
plantam amor pelas ruas...
E mais não plantam, Senhor,
porque só me deste duas!...

Na ânsia de te encontrar
eu dominei mil fracassos,
e não pude dominar
meu coração em pedaços!...

Não a ofendi, "seu" Juiz!
Só disse àquela malvada
o que um motorista diz
quando leva uma fechada!...

Não busquem na vida o "além",
que a busca será perdida,
pois Deus não conta a ninguém
o que existe além da vida.

Não condenes, por favor,
estes ciúmes, meu bem:
- Já viste alguém sem amor
sentir ciúmes de alguém?

Não condenes, por favor,
os meus ciúmes, Maria.
Olha que os cegos de amor
também precisam de guia!

Não deixo, cheio de mágoa,
a esperança me faltar:
eu sei que sou poça d'água
mas tenho sonhos de mar.

Não foste a minha metade,
pois jamais me deste um "sim",
mas fizeste que a saudade
fosse a metade de mim!...

Não tive escola, é verdade,
na minha infância sofrida,
mas com força de vontade
cursei a escola da Vida.

Não tive, por ambição,
o mundo bom que eu queria,
e Deus deu-me um coração
onde esse mundo cabia!

Nascemos irmãos comuns...
Mas, a ambição e os engodos
puseram nas mãos de alguns
o mundo que era de todos!

Nasceu de um simples afeto
o mundo do nosso amor:
o sonho, - foi o arquiteto
e o desejo, - o construtor!

Na trilha do meu destino,
agora quase no fim,
ainda encontro um menino
brincando dentro de mim...

Na vidraça uma pedrada...
Corro à rua... e a raiva passa
ante a criança culpada:
- já quebrei tanta vidraça!...

Nosso amor, em desacerto,
e de mágoas tão coberto,
hoje não tem mais conserto
nem acerto que dê certo!...

Nosso outono é tão bonito
que ao sonho abrimos as portas,
e um amor quase infinito
põe vida nas folhas mortas.

Nunca ambiciones a fama
se não sabes merecê-la...
Quem sobe em cordas de lama
jamais chega a ser estrela.

O domínio mais profundo
deste mundo é o coração,
pois é maior do que o mundo
e cabe dentro da mão!...

O meu sonho mais bonito
é, de um dia, conquistar
esse domínio infinito
que há dentro de seu olhar!...

Os que devastam as matas
por prazer de devastar,
vão chorar quando as Cascatas
não puderem mais chorar!

O tempo é ladrão perfeito
mas a saudade o enganou,
escondendo no meu peito
o que o tempo me roubou...

Parece imenso, e é restrito
o saber que o Homem cultua:
quer conquistar o infinito
e, apenas, pousou na Lua.

Pelas sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
culpo os maus passos que dei.

Perdoar, mesmo ofendido,
às vezes não custa nada:
cada conflito contido
é uma vitória alcançada.

Pesada cruz suportamos:
-de ciúmes os dois sofremos!
Por isso é que nos amamos
e nunca nos entendemos...

Pode o homem ser tacanho,
pode ser grande e perfeito,
que o seu mundo é do tamanho
do mundo que tem no peito.

Por crer em Deus e querer
voltar ao céu de onde vim,
eu comecei a fazer
outro céu dentro de mim!

Por ambição desmedida
muitos homens conheci,
que, sendo donos da vida,
não foram donos de si...

Por favor, doutor Gamboa,
dê-me um remédio bem quente:
marido de mulher boa
não pode ficar doente...

Por oito lustros inteiros,
nossos acertos, Maria,
foram como o dos ponteiros
de um relógio, ao meio-dia...

Por querer sempre o melhor
descobri, em meu labor
que o pão ganho com suor
tem muito melhor sabor!...

Por tuas culpas, eu minto
para ninguém te ferir,
mas só Deus sabe o que sinto
quando tenho que mentir...

Quando me ponho a brincar
com os netos que Deus me deu,
no domínio do meu lar
o dominado sou eu!...

Quando o homem prender as rédeas,
decisões precipitadas,
muitas das grandes tragédias
poderão ser evitadas...

Quanto pão, quanto agasalho,
ao suor estou devendo!
Sangue branco do trabalho
em minha pele escorrendo!...

Quem vive de alma iludida,
entre conflitos, não sente
que a gente não muda a vida,
a vida é que muda a gente!

Que o jardineiro da paz
nunca se dê por vencido...
Feliz aquele que faz
da vida um jardim florido.

Que tudo quanto a Deus peço
caiba no meu coração:
pois, o desejo em excesso
não é desejo, é ambição!

Que vontade de chorar
sinto na alma, certos dias
em que abro as mãos para dar...
mas encontro as mãos vazias!...

Quis ir além do que sou
e, apenas, colhi fracassos...
Meu limite ultrapassou
o tamanho dos meus braços!...

- Sabes quem morreu?  O Piassa.
E o amigo: - É brincadeira!
- Se é brincadeira, é sem graça,
o enterro foi quarta-feira!...

Se a estrada em que me confino
pelo destino é traçada,
sei que não mudo o destino,
mas posso mudar de estrada!

Sei que existes, sei que és linda,
sei que é doce o teu olhar...
Só não sei quem és ainda,
mas eu hei de te encontrar!...

Sejam grandes ou pequenas,
eu sinto muito mais medo
das culpas que têm, apenas,
o tamanho de um segredo...

Sempre desculpo e tolero
teu ciúme pertinaz.
Não vale o bem que te quero,
todo o mal que ele me faz.

Sem teu amor que é meu mundo,
a vida não faz sentido:
é como andar num mar fundo,
dentro de um barco, perdido.

Sendo a vida vela acesa
dos ventos maus te acautela,
que o destino, de surpresa,
apaga a chama da vela.

Sendo o amor um grande bem,
traz o mal que nos invade:
quem mais ama, menos tem
domínio sobre a saudade...

Seria a vida mais doce,
para os meus sonhos sem fim,
se o mundo, em que eu giro, fosse
o mundo que gira em mim.

Seria o mundo perfeito,
sem ódio, sem ambição,
se as mãos que batem no peito
batessem no coração!...

Se um domínio deslumbrante
vejo da serra mais alta,
vejo, também, mais distante
a terra que aos pés me falta...

Se vês em mim algum brilho,
também podes ser assim
pois foi a escola, meu filho
que fez um homem de mim.

Sofro um castigo pesado
e não quero que se abrande,
pois não fui injustiçado:
minha culpa é que foi grande!

Sonho de alma prevenida,
pois sei que, o sonho é quimera,
e em cada esquina da vida
uma surpresa me espera.

Também sou irmão, na dor,
da velha fonte entre abrolhos.
Quem tem ciúmes de amor,
tem duas fontes nos olhos.

Tendo a precaução por base,
a reticência é uma queixa
que a gente deixa na frase
quando a censura não deixa...

Tenho ciúme profundo
de todo mundo, porque
tenho medo que esse mundo
roube o meu mundo - você!

Tenho culpas e, realmente
muitas delas me consomem.
Cometo-as porque sou gente,
confesso-as porque sou homem.

Tive-a por mãe, que ventura
chamava-se Margarida.
E foi ela a flor mais pura
do jardim da minha vida.

Trovadores, meus irmãos,
vamos viver de mãos dadas.
Onde há correntes de mãos
não há mãos acorrentadas!

Tu dizes que eu sou perfeito
e eu nunca fui o que pensas:
nas alcovas do meu peito
se escondem culpas imensas!

Um reino em seu ventre cabe
e ela o governa sozinha ...
Só quem é mãe é que sabe
quanto custa ser rainha !...

Vejo, em conflitos amargos,
que a causa do meu revés,
foi subir em passos largos
sem ver onde punha os pés.

Vencendo fragas ingratas,
desde a montanha a cantar...
É que a água das cascatas
também tem sonhos de mar!...

Vive o pobre do Vicente
entre o pecado e a virtude,
a esposa muito doente
e a vizinha... que saúde!

Vivi a infância sem mágoa
de não ter Papai Noel:
eu tinha uma poça d'água
e um barquinho de papel...

sábado, 9 de março de 2019

Lavínio Gomes de Almeida (???? - 2009)

A densa treva a cobrir
a montanha do calvário
faz a gente concluir:
- Sombra é uma luz ao contrário.

Ah, Santos! Com que egoísmo
tomas o meu coração!
Teu solo é meu catecismo;
Teu amor, minha oração...

Carnaval!... Tantas folias...
Pagodes doidos de insano!
Cai a máscara três dias
da face que a usou um ano!...

Conceitos, no livro breve
da vida, em página vaga,
vem nosso sonhos, e os escreve;
chega o destino, e, os apaga...

Cruz nas velas, cruz nas luzes
deste céu, brilhante joia...
Mas, por que Deus, tantas cruzes
nas montanhas de Pistóia?

Da História, no vasto trilho,
deixando impressos meus passos,
bem quisera ser teu filho
e erguer-te, Santos, no braço!

Da ternura faço o tema,
das desditas, minha prosa...
De cada dor, um poema,
de cada espinho, uma rosa!

Descalços pelo gramado,
teus pés mansamente vão...
Pões, no pisar, tanto agrado
que eu tenho inveja do chão...

De tudo o que for deleite,
Deus, só deixou, para mim,
a candeia sem azeite,
da vida que chega ao mim...

Deus fez Eva num segundo,
Mas teve um choque, parou!
O seu barro vagabundo
era tão mau que rachou.

Deus que deu ao mar as águas
e às matas deu as graúnas,
pôs, em minh’alma, mais mágoas
que grãos de areia nas dunas...

Durante as longas esperas
de reabrir-se o mosteiro,
a teimosia da heras
já cobre um mural inteiro...

Enquanto choro os fracassos
que a vida me tem imposto,
o tempo imprime seus passos
sobre as rugas do meu rosto!

Envolvido em meus lençóis,
ouço a chuva sobre as hortas
solfejando si bemóis
na clave das horas mortas!

Ergue-te, povo oprimido,
toma tua decisão!
Querem manter-te entretido,
mesmo sem circo e sem pão!

Evolando após a infância,
a juventude é fumaça
tão fugaz, como a fragrância
de um bom perfume que passa...

Faz tanto frio lá fora,
não te vás, detém teus passos!
Eu quero despir-te agora
para vestir-te de abraços...

Já tendo a morte defronte,
nem da vida teve pena:
para não gastar com ponte
quis “pinguela” de safena...

Mais aumentas meu desejo
se colocas, sem ressábios,
a nota “sol” do teu beijo
sobre a flauta dos meus lábios.

Meu sonho bom, tu me bastas,
mas, perto do amargo fim,
se por acaso te afastas,
morre um pedaço de mim!

Meus sentimentos ressalto,
ouvindo do céu conselhos:
sinto-me muito mais alto
quando fico de joelhos.

Na estrada sem estações
do tempo, que, insano, corre,
o amor, cheio de emoções,
nasce... cresce... e depois morre...

Na estrada sem estações,
onde jamais há demoras,
minutos são os vagões
do “trem-sem-volta” das horas.

Na inquietação que se aguça,
carrego na alma dorida
a grande montanha-russa
do sobe-e-desce da vida.

Nas fantasias douradas
da minha imaginação,
fui herói, fiz cavalgadas
sem tirar os pés do chão.

Neste silêncio, as demoras,
em noite escura, sem fim,
eu sinto aceno de auroras,
se acaso estás junto a mim.

No curso de minha vida
foi a tua aparição
a comédia mais fingida
de um Carnaval de ilusão.

No seu viver temerário,
que a nenhum lugar conduz,
quem passa por um calvário
leva vestígios da Cruz!...

Num ato de bom agouro,
se o véu da história descerro,
vislumbro uma pena de ouro
quebrando grilhões de ferro...

Pobre menino vadio,
triste pária pequenino,
és um grande desafio,
sem infância, sem destino...

Presente! Tens frágil glória...
És barco a vagar no escuro!
Fração de tempo, irrisória,
entre o passado e o futuro...

Qual vaqueiro de esperanças,
aboio, com emoção,
a manda das lembranças
nos pastos do coração.

Sei que todo salafrário
que deixa o credor às tontas,
detesta sempre o rosário,
que é feito também de contas.

Sempre só e abandonado
nos teus momentos de ausência,
eu sou segundo parado
no mostrador da existência...

Sofredor sempre se esquiva
de mostrar a dor por fora...
Quando a lágrima é furtiva,
maior é a dor de quem chora...

Sonhando novas auroras,
no meu viver sem ninguém,
me embala a dança das horas
pelo amanhã que não vem...

Vai findar-se a mocidade!
Com ela os sonhos se vão...
Fico noivo da saudade
e viúvo da ilusão...

Veleiro que ao vendo avanças,
a demandar outras plagas,
tu vais cheio de esperanças
sobre a esperança das vagas!

Velhas cartas... meu degredo...
Com pranto as pude escrever.
Há no seu bojo um segredo
que o mundo não vai saber!

Vi, morando em teu rosto,
ao buscar sinais de amor,
pantomimas de mau gosto,
comédia escondendo a dor...

Voltei... a rua, em verdade,
em quase nada mudou...
Mas tinha agora a saudade,
que em cada esquina brotou...

quarta-feira, 6 de março de 2019

Ester Figueiredo


Algemas são os teus braços
que me prendem com ardor...
De alma nova, sem cansaços,
eu vou render-me a este amor!

Amanheci tão contente
por mais um dia de vida,
podendo seguir em frente
com Deus me dando guarida.

A paisagem que desfila
perante este meu viver,
lembra o tempo, lembra a vila,
o amor que me fez sofrer.

As alegres margaridas
enfeitam nosso jardins
jamais ficam às escondidas
parecem até manequins.

A vagar por nossas mentes,
sempre tão belas, tão novas,
as palavras são sementes
que dão vida às minhas trovas.

Dia de verão, tão lindo...
O sol, teu corpo dourando...
Tua, nua, quase dormindo...
E eu, bem perto, apreciando!

É magia, é sedução,
sempre que meu corpo inteiro,
ao toque da tua mão,
se transforma em um “braseiro”.

És o rumo em minha estrada...
És a luz que me ilumina...
És uma noite estrelada...
És o sol que bem me anima...

Estas rugas no seu rosto
que a deixam amargurada
formam marcas de desgosto
por amar sem ser amada.

Esta união que é um exemplo
de amor, de fidelidade,
fez dos corações o templo
que acolhe a felicidade.

Este orgulho que carregas,
insano, dentro do peito,
foge, tão logo te entregas
de corpo e alma em meu leito.

E tu seguiste... sozinho...
Aqui fiquei rejeitada...
Prologarás teu caminho,
eu buscarei nova estrada.

Exalando este perfume,
enlaçando-me em teus braços,
eu me esqueço do ciúme
e entrego uma alma em pedaços.

Exploram o trabalhador,
prostituem a mestiça,
e quase sempre este autor
fica impune, sem justiça.

Inverno de frias noites
e também de solidão,
ausências que são açoites
machucando o coração.

Lembrando as chaves das portas,
que abrias de madrugada:
passos lentos, horas mortas...
marcando tua chegada.

Linda manhã de verão,
o sol surgiu radiante,
à noite estrelas virão
abrilhantar meu semblante.

Mãe!... Exemplo de ternura,
coragem, fé, devoção.
A tua face é moldura
que adorna meu coração.

Minha Barra tão amada,
de palmeiras, tradições...
Tu serás sempre lembrada
num século de orações.

Muito te amei... tanto, tanto,
com grande ardor dos quinze anos...
Hoje, se rola o meu pranto,
a culpa é dos desenganos.

Na carícia do teu beijo
e no calor deste abraço,
te demonstro o meu desejo
e, em prazer, me despedaço.

Na contramão desta vida,
a criança, sem saber,
é pelo povo esquecida,
mas luta para viver.

Na corrente dos teus braços,
adormecida e bem calma,
eu te entrego meus cansaços,
torno cativa a mina alma.

Não sofra, não se atormente,
tenha fé, muita coragem,
pois nesta vida silente
nós estamos de passagem.

Nas noites de serenata,
o poeta sonhador,
canta, na triste sonata,
as suas dores de amor.

Neste instante derradeiro
em que nada mais restou
sou errante marinheiro
que na saudade afundou…

Neste momento, calado,
de gestos e olhar bisonho,
penso em você ao meu lado,
nos “amanhãs” dos meus sonhos!

Num bom livro, sem frescura,
devaneio na emoção,
de tanto amor e candura,
dando-me sustentação.

O teu carinho de amante,
tão ardente e sem pudor,
eu desejo a todo instante
que me dês com muito amor.

Partiste com ar tristonho
e repleto de razão...
Fui ingrata, mas proponho:
- Volta! Dá-me o teu perdão.

Pobre menino de rua,
sem amor e sem carinho,
só a clara luz da lua
ilumina o teu caminho.

Por causa dos teus maus-tratos,
indiferença... desdém...
eu rasguei os teus retratos,
mas hoje não sou ninguém!

Por sobre o lençol macio,
desejosos, sem pudor,
brilhos de olhos no cio
clamam momentos de amor.

Quando escrevo minhas trovas,
sem saber como e porque,
sinto que são como provas
do meu amor por você.

Que a minha infância floriu
com os conselhos e cuidados,
saudades de quem partiu
mas deixou muitos legados.

Que me tire todo o breu
e que surja a claridade,
pra que neste mundo meu
reine só felicidade.

São tuas mãos que me afagam
e teus beijos que me aquecem...
E quando as luzes se apagam,
os desejos me enlouquecem...

Segue teu rumo a teu gosto...
E esqueça que eu existi,
pois as rugas do meu rosto
revelam o que já sofri.

Se me olhas, estremeço...
Se me tocas, aí, socorro!
Se me beijas, enlouqueço...
No teus braços, quase morro!

Se o mundo te encheu de dor,
se te feriram a alma,
lembra-te sempre: há o amor...
Espera, conserva a calma!

Sob um velho abacateiro,
revivo os doces amores...
E o violão companheiro
é quem canta as minhas dores.

Somente a fé na justiça
do Supremo Criador
destruirá a cobiça
de quem promove o terror.

Tantas tardes de alegria
e tantas noite de amor!
Hoje, à madrugada fria,
busco, em vão, o teu calor.

Tu finges que não me queres,
percebi tudo, já sei...
Mas nenhuma das mulheres
Vai te amar como eu te amei...

Tu trazes na alma a nobreza
e, por caminhos diversos,
mostra bem toda a beleza
tão presente nos teus versos.

Um mundo melhor seria
se o homem fosse capaz
de, num toque de magia,
converter a guerra em paz.

Um olhar cheio de brilho,
de ternura, de emoção,
é o da mãe ao nascer seu filho,
fruto de amor, de doação.

Vejo um mundo de carinho
neste teu jeito de olhar
como a seta de um caminho
que me conduz a te amar.

Vendo as ondas e os rochedos,
num encontro sedutor,
vi que escondiam segredos
de um belo sonho de amor.

terça-feira, 5 de março de 2019

Thalma Tavares (Luiz Otávio)


Como bem disse o trovador Izo Goldman numa de suas palestras sobre este tema, não é fácil falar em tão curto espaço de tempo sobre alguém cujo perfil tencionamos traçar com realidade e justiça, desde que se faz necessário, para tanto, uma serie de citações com datas corretas, fatos, pormenores importantes e sobretudo comentários e pensamentos que outros emitiram acerca de sua pessoa e de seu trabalho. É mais difícil ainda falar sobre alguém, quando além de sua grandeza pessoal, há uma obra importante a ser comentada e, acima de tudo quando fala mais alto a emoção sincera do comentarista. Tem razão o nosso irmão trovador quando assim afirma. Não é fácil, mas vamos tentar.

18 de Julho é o dia consagrado ao trovador porque nesse dia, há setenta e oito anos atrás, nascia aquele que mais tarde seria, merecidamente, eleito o Príncipe dos Trovadores Brasileiros: LUIZ OTÁVIO. Nasceu, portanto, aos 18 de julho de 1916, no Rio de Janeiro. Seu nome de batismo era GILSON DE CASTRO, Luiz Otávio foi o pseudônimo que ele adotou para assinar suas trovas, suas poesias e outras manifestações de seu talento literário. Era Cirurgião-Dentista, profissão que exerceu no Rio, onde se formou e mais tarde em Santos para onde se transferiu já no final de sua vida.

A partir de 1950, interessou-se pela Quadra Popular Portuguesa [ou trova de rima simples). Estudando sua forma e suas origens, passou a divulga-la através de publicações diversas. Em razão disso, ingressou no GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores) sediado em Salvador, Bahia. Mais tarde fundou e dirigiu a seção Guanabarina daquela entidade que congregava, alem de trovadores, violeiros, cantadores, repentistas do Nordeste e autores de Cordel. Tempos depois, por questões de divergência quanto a forma poética das "quadrinhas" que compunham aqueles cantadores e trovadores de Cordel, Luiz Otávio, sem criar ressentimentos ou animosidades, deixou o GBT e partiu para a fundação da União Brasileira de Trovadores da qual foi o Presidente Nacional até cair gravemente enfermo, quando foi substituído pelo Trovador CARLOS GUIMARÃES do Rio de Janeiro.

A ideia, no entanto, da criação de uma nova entidade trovadoresca, onde a trova ganhasse a sua maioridade literária, em âmbito nacional, vinha desde 1959, ou antes disso, amadurecendo no espirito de Luiz Otávio. Mas apenas em 1966 pode fundar a Seção do então Estado da Guanabara e esperou até 8 de janeiro de 1967, data em que as seções de outros estados se organizaram em definitivo, para considerar oficialmente fundada a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES.

Espírito metódico. organizado e detalhista, Luiz Otávio esperou oito anos para concretizar com segurança o seu sonho maior, a verdadeira e harmoniosa união nacional de trovadores, a U.B.T., que, sobrepondo-se às demais academias e agremiações de trovadores já existentes no Brasil, tornou-se uma das maiores, das mais influentes e mais bem organizadas no gênero, em todo o país.

De parceria com outros trovadores notáveis, Luiz Otávio elaborou inúmeros sistemas, métodos e regulamentos que ainda hoje servem de estrutura ao movimento trovadoresco brasileiro, como é o caso dos Estatutos Sociais que até hoje regem legalmente as atividades da U.B.T. em todo território nacional. Ao lado de outro grande trovador e poeta, J. G. de Araújo Jorge, instituiu os Jogos Florais para Trovas, começando por Nova Friburgo, cidade do Estado do Rio que ficou conhecida como a "Capital da Trova no Brasil". Isto, em 1959, muito antes da fundação da U.B.T. É autor de diversos livros de trovas e poesias, entre eles a famosa e disputadíssima Coletânea de Trovas intitulada "Meus Irmãos os Trovadores".

Mas não é isto apenas o que se poderia dizer de Luiz Otávio e sua vida extraordinária. Seria preciso um alentado compêndio, e, sabe-se lá de quantas páginas. E por não podermos alongar demasiadamente estas notas, vamos deixar que ele mesmo nos fale de seus sentimentos e de suas emoções através de suas Trovas,

Inicialmente ele nos fala da trova chamando-a carinhosamente de "quadrinha" e nos diz, falando de si:

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto à minha alma.

Depois, já se referindo ao tamanho das quadrinhas, aparentemente pequenas em seus quatro versos, ele diz:

Ó Trovas - simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo…
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!

e completa:

Às vezes uma emoção
que na minha alma se aninha,
não cabe bem num poema...
…mas cabe numa quadrinha...

Passando a tratar as quadrinhas por Trovas, reforça a sua opinião sobre a grandeza da “pequena” trova:

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves,
como a Trova nos faz bem!

e assim conclui sua ideia:

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.

E reforça assim a sua conclusão:

"Pequena" - dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!

Depois de falar do tamanho da Trova, Luiz Otávio nos dá algumas definições desta joia de quatro versos:

Há Trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação...
Lembram "Foguetes de Lágrimas"
nas noites de São João...

e, ainda:

A Trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri... ou suspira,
ou então, fica a pensar...

Mas, qual é o destino da Trova? Para mostrar os diversos destinos que pode ter uma Trova, ele diz assim:

Toda trova herdou o espírito
navegante português...
Nasce… Foge… Corre o mundo
e abandona quem a fez…

Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai… 
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai..

Quando a Trova é mesmo boa,
É sempre assim que acontece:
- o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…

E dos trovadores? O que é que Luiz Otávio diz dos trovadores ou para os trovadores? Vejamos:

A Trova é tão pura e humilde
que eu julgo, pensando nisto,
que o primeiro Trovador
foi, por certo, Jesus Cristo.

Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores...
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…

Mediunidade esquisita
de duração muito breve:
- a Trova - é o povo quem dita,
o trovador… só escreve…

Nesta Trova ele nos diz da maior alegria que um trovador pode ter:

É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a Trova da gente
andar na boca do povo!…

Nesta outra ele nos fala do desafio, do sonho que é escrever a trova definitiva, se é que ela existe:

Trovador, grande que seja
tem esta mágoa a esconder:
- A Trova que mais deseja,
jamais consegue escrever...

E, completa, falando com modéstia de si mesmo:

A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…

Amigo que aconselha, que avisa, Luiz Otávio diz aos trovadores porque é preciso pensar muito ao escrever uma Trova:

Toma cuidado poeta
com teu sentir mais profundo;
a Trova é muito indiscreta:
- e conta tudo a todo mundo…

Voltando a falar de si mesmo, ele confessa em suas Trovas o que significa para ele, ser um trovador:

Não digo não: "minha" Trova
quando faço um verso novo:
- não é minha, nem é nova
quando cai na alma do povo…

Muitas vezes me pergunto,
ao enfrentar duras provas,
se eu suportaria o mundo
sem o meu mundo de Trovas!

 Trova tomou-me inteiro!
Tão amada e repetida
que agora traça o roteiro
das horas de minha vida...

Luiz Otávio mostra, também, como o seu destino, nem sempre muito alegre, se refletiu em suas Trovas e como, através disto, se uniu a nós a quem fraternalmente chamou de "seus irmãos os trovadores":

Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…

A sina dos trovadores,
e o meu destino também,
É sofrer as próprias dores
e as dores que os outros tem… 

Mas, apesar de tudo, também houve alegrias em sua vida. E, nestes momentos, ele fazia aquelas Trovas que os nossos irmãos portugueses chamam, acertadamente, de "facetas". Trovas chistosas, que tem graça, que tem alegria sem, no entanto, serem humorísticas. Vejam:

Toda noite ao me deitar,
por certo você reprova,
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo Trova…

Nesta Trova pequenina,
quero deixar o sabor 
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…

Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…

De santo tu me chamaste…
Eu juro, ri um pedaço…
Pois nunca vi nenhum santo
fazer as Trovas que eu faço…

A Trova também amenizou o sofrimento de Luiz Otávio. Foi apoiado nela, e no seu ânimo sempre forte, que ele conseguiu superar, senão as intempéries da vida, pelo menos as injustiças humanas:

Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal, quando encantado,
diminui o seu rigor…

Mas não foi apenas o ânimo forte e as Trovas que ampararam Luiz Otávio. Uma outra grande força o apoiou, o animou e o manteve sempre ativo: foi o amor! E o seu amor, como não poderia deixar de ser, foi um grande amor; um amor que ele cantou em Trovas quase sempre marcadas por um traço de tristeza. Trovas como:

Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…

Saudade - brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…

Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…

Longe de ti triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada Trova que faço
um beijo que não te dei…

Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…

Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!

Como dissemos no princípio, não é fácil falar sobre alguém quando a nossa emoção interfere. Não é fácil falar de Luiz Otávio, sabendo que e!e pode estar num canto qualquer deste recinto, sorrindo com certeza de nosso atrevimento de tentar, em alguns minutos, falar de uma vida que levaria outra vida para ser contada. Mas, não faz mal: contamos com a indulgência de Luiz Otávio e, é claro, com a indulgência dos presentes." Até porque, de repente, nos lembramos que para contar quem foi Luiz Otávio, bastariam duas de suas inúmeras Trovas publicadas. Através delas vocês teriam um retrato vivo deste poeta e trovador que foi capaz de plantar uma roseira e faze-la transformar-se no roseiral imenso que hoje ultrapassa as fronteiras deste país. Como dissemos, bastariam estas duas Trovas:

Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
- a de humilde trovador!

Não desejo nem capela
nem mármore em minha cova…
Apenas escrevam nela
pequenina e humilde Trova…

Após este ligeiro esboço do retrato espiritual de LUIZ OTÁVIO, resta-nos completa-lo dizendo que e!e, depois de lutar desesperadamente contra a insidiosa moléstia que o acometeu, e de ver solidamente concretizado o seu grande sonho nacional a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES; faleceu aos 31 de janeiro de 1977, em Santos, cidade que adotou e da qual recebeu incontáveis manifestações de carinho e apreço, como a Medalha do Mérito Cultural que a Prefeitura daquela cidade lhe outorgou em justa e merecida homenagem póstuma.

Com a sua morte, a Trova ficou de luto, mas continuou florescendo nas Rosas Vermelhas dos inúmeros canteiros que ele espalhou por este Brasil à fora, como símbolo do amor e da paz. Continua vivo nesta Rosa que nem sempre enfeita nossas lapelas, porque a trazemos dentro, definitivamente dentro do coração.

Fonte:
Palestra de Thalma Tavares na Oficina de Trovas ministrada por Izo Goldman, na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade), em 1991.

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

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