quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Josué de Vargas Ferreira (1925 - 2017)

1
A abelha até que se acabe
não para pra descansar!
Nem "fazer cera" ela sabe...
- logo pega a trabalhar!
2
À deriva, no caminho,
tanta saudade ajuntei,
que cismo, velho e sozinho:
- saudade... jamais deixei!
3
- A Madame, pelo exame,
foi mordida por "barbeiro"!
- Mas, Doutor... aquele infame
me disse que era banqueiro!
4
Após transpor as barreiras
com talento e dignidade,
restaram, por companheiras...
- a solidão e a saudade!
5
Bicho inteiro na goiaba
jamais me causa aperreio.
Mas dá nojo, fico braba,
se, comendo, vejo meio!
6
Como velho motorista
vou dar minha opinião:
- pior que animal na pista
é um burro na direção!
7
Dar aulas e gastar sola
é a vocação do Nogueira.
Corre de escola em escola...
- é professor de carreira!
8
Dar um sorriso é tão nobre 
que o gesto nos engrandece,
quem dá não fica mais pobre
mas quem ganha se enriquece.
9
Diz o guarda ao namorado:
– Use também a outra mão!
Retruca o moço “avançado”:
- quem segura a direção?
10
Diz ser poço de virtude
o meu compadre Pacheco!
Tão magro, tão sem saúde...
só se for um poço seco!
11
Do jeito que anda o salário,
do jeito que as coisas vão,
é arroz pelo crediário
e consórcio de feijão!
12
É cômica a minha terra
e eu vivo rindo, aliás!
O doutor Armando Guerra
é nosso Juiz de Paz!
13
Ela tem sorte tamanha,
que bastou pedir divórcio
e logo seu carro ganha,
sem nem entrar em consórcio.
14
Entre e não seja apressada...
visita me dá prazer!
- Quando não for na chegada,
na despedida há de ser!
15
Era uma pensão pacata...
por vez, lembrava um cortiço!
A comida era barata...
- E bota "barata" nisso!
16
Grande poetisa! Porém,
do verso tão orgulhosa,
que não fala com ninguém!
-Dizem que detesta “prosa”!
17
- Meu bravo soldado, então
você pôs o outro a correr?
- Que corrida, Capitão...
mas não me deixei prender!
18
Minha fonte de ventura,
onde lavo o meu desgosto,
jorra em constante doçura
das covinhas do teu rosto!
19

Minha ventura retrata
pobre brinquedo distante:
- carrinho de velha lata,
puxado por um barbante!
20
Minha vida amiga e boa
deu-me a senda desejada:
– se canso de estar à toa,
depois não faço mais nada!
21
Não canso de gargalhar
das ironias da vida:
- como é fácil de se achar
a mulher que está perdida!
22
Não cedo livro emprestado!
Não o devolve, ninguém!
- Estes que eu tenho guardado,
pedi emprestado também!
23
Não te cases com mulher
entendida de finança.
Não te deixará sequer
passar a mão na poupança!
24
Não traz perene alegria
taça de cristal na mão!
Esse prazer não expia
as nódoas do coração!
25
- Na pinga que eu bebo, tento
a minha mágoa afogar!
- E consegues teu intento?
- Qual, ela sabe nadar!
26
Naquela manhã, no hospício,
houve incomum alarido.
- Junto ao lixo do edifício
estava um doido varrido!
27
No açougue faz alvoroço
este cartaz que contém:
- vendemos carne com osso...
e idem, sem idem, também!
28
O jovem de hoje, não nego,
tem muito tato e razão:
– de fato, sendo o amor cego,
só namora com a mão!
29
Ó Pai, dai-me mais saber
para entender meu patrão!
- Mais força nem vou querer,
porque nele eu taco a mão!
30
O pileque faz das suas!
Pra mim, porre nunca mais!
- Minha sogra virou duas...
castigo assim é demais!
31
O tempo bom já se foi!
Eu mesmo, sem ser patife,
pra não brigar, dava um boi!
- Hoje... brigo por um bife!
32
O tesouro do meu sonho,
que guardo no coração,
vem do sorriso que ponho
na face de cada irmão.
33
Pequena, três não comporta
a casa da Gabriela.
Marido entra pela porta,
alguém sai pela janela.
34
- Posso assentar-me ao teu lado,
meu anjo doce e gracioso?
- Detesto velho assanhado!
- Assanhado e... mentiroso!
35
- Quanto custou teu carrão?
- Só um beijinho, quase nada!
- Que deste no maridão?
- Não, que ele deu na empregada!
36
Quebra o cristal dessa taça,
que a bebida é falso conto!
Foge da alegre trapaça...
Por si só, quem bebe é tonto!
37
Quero buscar-te, Senhor,
mas meu barco é fraco até!
Por vez, ouço o teu clamor...
longe... à deriva, sem fé!
38
Que sentido pitoresco
deste termo incoerente!
O pão que achamos mais fresco
é justamente o mais quente!
39
Que vale fazer promessa,
rezando pra não chover,
se quando a chuva começa
queremos nos esconder?
40
Salve quem, entre o inimigo,
com talento e decisão,
insiste em lançar o trigo
e repartir o seu pão!
41
Se a gente cruzar minhoca
com macho de borboleta,
será que dá "borbonhoca"
ou dará "minhocoleta"?
42
Sempre foi franga avoada
e agora está mais travessa!
De tanto levar bicada,
só tem galo na cabeça!
43
Somou e multiplicou
mas a morte o subtraiu!
Depois que os pés ajuntou,
a família dividiu.
44
Sou, por fim, aposentada!
Trabalho?  Nem pensar nisso!
- Prefiro subir escada
a elevador de serviço!
45
Tu serás velho e paspalho
quando a coisa se inverter:
– o prazer te der trabalho
e o trabalho der prazer!
46
Vejam que vida mesquinha!
Conserto o mundo não tem!
A mulher que andou na linha
um dia, matou-a o trem!
47
Zebra, que belo animal,
de branco e preto pintado.
- Quem o pintou, por sinal,
entendia do riscado!

sábado, 7 de outubro de 2017

Reinaldo Moreira de Aguiar

1
A lágrima, na verdade,
por seu poder infinito,
traduz com fidelidade
o que não pode ser dito…
2
Após longa caminhada
de perigos e cansaços,
encontrei doce pousada
na maciez dos teus braços.
3
Com primoroso carinho,
usando formosa teia,
as nuvens fazem caminho
por onde a lua passeia.
4
Depois de muitas andanças,
e tanta ilusão perdida,
vejo lindas esperanças
orvalhando minha vida.
5
Desgosto grande, profundo,
que me entristece e consome,
é o de saber que, no mundo,
crianças morrem de fome.
6
Em branda calma e sozinho,
sou bem feliz em mirar
a aurora vir de mansinho
colorindo o imenso mar…
7
Escuto o acalanto antigo
com tão pura nitidez,
que às vezes penso comigo:
estou na infância outra vez!
8
Eu afirmo, não suponho,
e essa certeza me anima:
- Toda beleza de um sonho
pode caber numa rima!
9
Eu me sinto satisfeito
quando, em horas sossegadas,
vejo no cais do meu peito
as saudades ancoradas.
10
Mágoas... E para esquecê-las,
assim sempre faço e fiz:
olho, ansioso, as estrelas,
sou novamente feliz!
11
Minha cidade é tão linda!
Não há de certo outra igual.
- Ostenta beleza infinda
no próprio nome: Natal!
12
No esplendor da lua cheia,
vejo, no meu delirar,
a saudade que passeia
no verde dorso do mar!
13
No pôr-do-sol comovente,
que de tristeza me invade,
rezo, enternecidamente,
uma oração de saudade.
14
Nos percalços desta vida,
quando a maldade nos corta,
é graça bem recebida
se alguém nos abre uma porta.
15
O Ano Novo sempre faz
renovar nossa vontade,
de ver a bendita Paz
reinando na humanidade.
16
O meu peito é velho cais,
onde o barco da saudade
descarrega sempre mais
lembranças da mocidade.
17
Onda de espuma enfeitada,
que nos encanta e deleita,
vem de longe e tão cansada,
que sobre a areia se deita...
18
Os males do mundo encaro,
e pela vida me arrisco,
tendo sempre o forte amparo
na oração de São Francisco.
19
O tempo, com seu poder,
tudo altera sem clemência,
mas não me faz esquecer
os sonhos da adolescência.
20
Pessoas, casos, andanças,
lances de vários matizes...
é garimpando lembranças
que tenho as horas felizes.
21
Quando o vaqueiro valente
se encontra longe de casa,
no seu aboio plangente
toda a saudade extravasa.
22
Quem atinge longa idade
cumpre cruel penitência:
- levar a cruz da saudade
até o fim da existência.
23
Se, às vezes, alguma treva
a minha estrada domina,
a Trova surge e me enleva,
e tudo então se ilumina.
24
Sinto-me bem satisfeito,
quando, em horas sossegadas,
vejo no cais do meu peito
as saudades ancoradas.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Miguel Perrone Cione



1
A caridade deriva
e cresce do amor presente,
como a roseira nativa,
sem espinhos... certamente.
2
À deriva.. transportando
meus enlevos ao papel,
sou visionário sonhando
com rimas feitas de mel…
3
Ajoelhado no templo,
o cego fala a Jesus:
- Mesmo na treva eu contemplo
o clarão da Tua luz!
4
A lira dos meus amores,
de anseios e de alegrias,
também tange minhas dores,
nos serões das noites frias.
5
A saudade é uma goteira
que quando vem não se acalma.
Pinga quase a noite inteira
na solidão da minha alma.
6
Coração mau que se inflama
numa aventura qualquer,
deixa, às vezes, quem o ama,
para amar quem não lhe quer.
7
Criança, flor encantada,
luz clara de sol se abrindo,
que sorri por quase nada,
que chora quase sorrindo...
8
Da fé derivam caminhos,
onde Deus canta louvores,
podem ter muitos espinhos,
mas no final só têm flores.
9
Em que bola de cristal
eu vou ler nossos destinos,
neste mundo desigual,
neste mar de desatinos?…
10
Fonte amiga é o coração
de quem dá ao sofredor,
na ajuda de sua mão,
o amparo do seu amor.
11
Fonte clara - o nosso amor,
de esperanças refletidas,
quantos sonhos, quanto ardor
têm banhado as nossas vidas!
12
Já vi semblantes vestidos
de máscaras sorridentes
terem no olhar os gemidos
de corações descontentes .
13
Maritaca tagarela...
Quer ave mais brasileira?
- Fez até a roupa dela
com as cores da bandeira.
14
Meus carnavais de criança...
máscaras... futilidades...
me deixaram na lembrança
mil confetes de saudade.
15
Minha lira anda ferida...
Como posso me inspirar,
vendo crianças na vida,
sem ter pão e sem ter lar?
16
Minha mãe, à luz dourada
do clarão da lamparina,
ilumina a santa amada,
em troca,a santa a ilumina…
17
Nas moendas milenares
que jamais podemos vê-las,
Deus fez a lua e os luares
com pó moído de estrelas.
18
Na sua imensa bondade,
a mãe traz do Criador,
um clarão da eternidade,
em cada instante de amor…
19
Nessa colheita de amores
tu e eu, pelos caminhos,
dividimos muitas flores,
mas, muito mais,os espinhos!
20
Nesta casinha singela,
sem luzes, sem esplendor,
basta o clarão de uma vela
para aquecer nosso amor…
21
No clarão de uma alvorada,
esperança... te esperei...
mas voltaste tão velada,
que quase não te encontrei…
22
No meu sonho o mundo gira,
tangendo a minha emoção...
O meu coração é a Lira,
a Trova... minha canção!…
23
No sofrer das minhas dores,
ou viver felicidade,
entre os espinhos e flores,
só me restou a saudade…
24
O amor sereno que passa
por nossa vida, florindo,
traz de Deus a essência e a graça,
no mesmo abraço se unindo.
25
O talento está na mente,
é inteligência e razão;
mas a razão nunca sente
as coisas do coração.
26
O verde mar se parece
com o destino da gente:
– em meio à paz se enfurece,
torna-se mau de repente.
27
Para uma trova ser pura,
ser mensageira do amor,
basta um sopro de ventura
no sonho do trovador.
28
Por levares com ternura,
teu apoio a quem tem dor,
terás na mão a ventura
de poder semear o amor.
29
Relembrando a tenra idade
na minha verde esperança,
sonhei com a felicidade,
como sonhava em criança.
30
Saudade, quando é de alguém
que nos deu ventura e amor,
dói como espinho, mas tem
perfumes como o da flor.
31
Se o bem tu podes fazer,
e não fazes coisa alguma,
tu não serás ao morrer
mais que uma bolha de espuma.
32
Talento, glória, riqueza,
tudo deixamos na Terra,
só levamos, com certeza,
a crença que em Deus se encerra.
33
Teus olhos verdes, sem sombras,
sem temores e embaraços,
são oásis, são alfombras
no caminho dos meus passos.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Joubert de Araújo e Silva (1915 - 1993)

1
A aliança é um elo sagrado,
mas quando o amor morre cedo,
lembrando um sonho acabado,
é um zero enfeitando o dedo...
2
A Morte vem tarde ou cedo
- com brumas no fim da estrada.
São as neblinas do medo...
- Talvez tudo... -Talvez nada...
3
A neblina sobre a mata,
antes que o sol doure a terra,
parece um manto de prata
nos ombros verdes da serra.
4
Ao sol, as rosas vermelhas,
sensuais, tontas de luz,
à carícia das abelhas,
vão expondo os colos nus!
5
Aquela aranha paciente,
que tece despercebida,
lembra o destino da gente
e as armadilhas, da vida!
6
A sorte foi bem marota
para o pobre do Aristeu,
fazendo morrer de "gota"
quem só da "pinga" viveu.
7
Bonita e muito falada
na sua repartição
vai a Cota, decotada,
subindo de cotação!
8
Cegonha é coisa de rico
e não passa de pilhéria...
- Quem trouxe o filho do Chico
foi o urubu da miséria!
9
Destino não é somente
a sina que Deus traçou.
- Ninguém se esqueça que a gente
colhe aquilo que plantou.
10
Destino é coisa ilusória,
nesta vida passageira...
- Os fracos não têm história;
e os fortes não tem fronteira!
11
De todas as despedidas,
esta é a mais triste, suponho:
duas almas comovidas,
chorando a morte de um sonho!
12
Ela não anda, flutua...
mas com tanta e tanta graça,
que até os postes da rua
se inclinam, quando ela passa!
13
Ela se foi... E esta espera,
pouco a pouco, transformou
o moço feliz que eu era,
no poeta infeliz que eu sou!
14
Enganam-se os ditadores,
que, no seu furor medonho,
mandam matar sonhadores,
pensando matar o sonho!
15
Formam um par divertido,
mas que foge à realidade:
- pesa o dobro do marido
aquela cara-metade...
16
Lembrando este amor de outrora,
embora oculte o meu pranto,
há uma saudade que chora
em cada verso que eu canto!
17
Lembro, triste, o amor passado,
vendo a Luz e o velho cais:
- saudade é barco ancorado
no porto do "nunca mais" ...
18
Linda viuvinha, a Anacleta,
nos deixa de vistas turvas...
- Não pode ter vista reta
a dona daquelas curvas!
19
Manhã... Ao passar das horas,
incendeia-se o horizonte...
E o Sol - pastor das auroras,
varre as neblinas do monte.
20
Meu dentista entrou em cana;
numa grande confusão...
e uma "coroa" bacana
foi o "pivô" da questão.
21
Morreu a sogra do João
e a família se apavora:
- Com sete palmos de chão,
a língua ficou de fora!
22
Muita gente que eu não gabo
lembra a pipa colorida:
- quanto mais comprido o rabo
mais alto sobe na vida!...
23
Na cachaça, o Zé Caolho
se sente realizado:
embora tendo um só olho,
ele vê tudo dobrado...
24
Não há nódoa mais escura
na história de uma nação
que a dos gritos de tortura
de uma noite de opressão!
25
Nas louras manhãs de estio,
numa suave sonata,
o vento, artista vadio,
dedilha os cipós da mata!
26
No maior crime da História,
morreu um justo na cruz...
- Seu martírio se fez glória
e seu sangue se fez luz!
27
O bem nunca vem de graça,
nem o mal que nos alcança.
- Deus pesa a graça e a desgraça
usando a mesma balança.
28
Os currais estão vazios...
o verde fugiu do chão...
e a seca, bebendo os rios,
vai devorando o sertão.
29
O vento, pastor estranho,
tangendo as nuvens ao léu,
conduz seu alvo rebanho
pelas campinas do céu!
30
Para Deus, na eternidade,
vale mais, nos corações,
um minuto de bondade
que cem anos de orações!
31
Para pescar, o Vicente,
sem que isto o desabone,
usa linha diferente:
- a linha do telefone!
32
Pecadora de olhar terno,
neste mundo, andando ao léu,
muitas almas para o inferno
mandou Maria do Céu!
33
Pra botar fogo na gente
é assim que a mulata faz:
em cima estufa pra frente;
em baixo estufa pra trás!
34
Prefiro ver-te na igreja,
pois na praia há o vento e o mar:
um te abraça... outro te beija...
- Vai, Maria, vai rezar!
35
Quando um povo escravo acorda,
pondo fim ao jugo insano,
a mão de Deus põe a corda
no pescoço do tirano ...
36
Seca Braba. Ao longe, o grito
do carro de bois gemendo
parece um "ai" longo e aflito
do sertão, que vai morrendo ...
37
Sejam "brotos” ou “coroas”
- Isto dispensa argumentos -
São sempre as mulheres "boas”
que inspiram "maus” pensamentos...
38
Se quiser proceder bem
quem briga alheia ajuíza,
dê razão a quem não tem,
pois quem já tem, não precisa!...       
39
"Só com o Zé se casaria...”
Jurou, e foi verdadeira:
Já tem três filhos Maria,
e continua solteira!..
40
Toda a desgraça do Alfredo,
que se encontra na prisão,
foi descobrir um segredo:
- o do cofre do patrão!
41
Velho com broto casado,
se brigam, logo entrevejo
que o que ela quer no atacado
ele mal dá no varejo...
42
Vem a neblina... e a cidade
goteja um pranto silente...
- Neblina é como a saudade
molhando os olhos da gente.
43
Vendo-a sorrir, quando passa,
lamento não ser solteiro...
pois ela é cheia de graça
e o pai... cheio de dinheiro!
44
Vigário, a prima Inocência
está na vila outra vez:
me dê logo penitência
para os pecados de um mês!...

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

João Ney Rodrigues Damasceno (1924 - 2005)

1
A casa alheia varrendo
antes de limpar a sua
- é o que o homem está fazendo,
tão preocupado com a Lua.
2
Acusado, sem clemência,
de tudo quanto eu não sou,
meu defensor é a consciência
daquele que me acusou!
3
Agora, ao fim da jornada,
dispõe de um bom capital,
que afinal não vale nada,
pois lhe falta o principal...
4
A justiça tem cegueira
mas tem olfato apurado;
quando o dinheiro ela cheira
nem o diabo é condenado!
5
Amigo e capacho é isso
que só difere na rima:
- ambos só prestam serviço
quando a gente está por cima.
6
Ao afirmar que a cegonha
trouxera os três de presente,
ouviu do mais sem-vergonha:
- Papai então é impotente?
7
Ao contemplar tua imagem
como nasceste, eu insisto:
deixa, de vez, a roupagem,
que o belo é para ser visto!
8
Ao pescar a doce amada,
o homem nunca tem noção
de que a sogra avinagrada
vem, de quebra, no arrastão!
9
As paredes que se ocultam
nos antigos casarões,
são mausoléus que sepultam
segredos de gerações!
10
As pompas do casamento
são um ato de sadismo:
- Não se festeja o momento
em que alguém salta no abismo!
11
Bonitão, forte e viril,
valia por três, sozinho!
E a mulher dele fugiu...
com um anão, seu vizinho.
12
Brigas, atritos, disputas,
ambições de toda sorte...
- De que valem tantas lutas
se tudo acaba com a morte?
13
Casamento é como um doce
só por fora açucarado:
é como se o doce fosse
de jiló cristalizado.
14
Casar seria tão lindo
se não houvesse o "depois":
os filhos acabam vindo
e roubam o amor dos dois!
15
Causa da própria orfandade,
tão feio nasceu o Augusto,
que a mãe, na maternidade,
ao vê-lo, morreu de susto...
16
Ciúme é como pimenta,
tem que se saber dosar:
- sendo pouco, condimenta,
muito, pode até matar!
17
Com dois “faróis” pela proa
e um “porta-malas” atrás,
Mercedes, mulata boa,
faz jus ao nome que traz!
18
Com o troféu que conquistou
num rodeio, de lambuja,
o peão também ganhou
um susto... e uma calça suja!
19
Deixaram de ser solteiras,
tornaram-se umas matronas...
e aquelas lindas cadeiras
transformaram-se em poltronas!
20
Depois que o sapo beijou
o corpo dela todinho,
a sapa então protestou:
- Na boca, não! Dá sapinho!
21
Deste modo era escolhido
um servidor da nação:
quanto mais prostituído
mais alta era a posição.
22
De uma longa enfermidade
que lhe minou os pulmões,
Jacob morreu, na verdade,
em suaves prestações.
23
Diz a cegonha à colega:
- Minha amiga, ultimamente,
eu quase não faço entrega,
mas dou susto em muita gente!
24
Ela foi tão apertada
quando ainda era mocinha,
que ficou apelidada
de "botão de campainha"!
25
Ele a amou loucamente
e por ela era querido,
até quando, infelizmente,
dela se tornou marido.
26
Ele era mesmo um talento,
tão "completo" pianista,
que pra levar o instrumento
tornou-se halterofilista.
27
Em um forró nordestino,
quando o locutor berrou:
"Telefone, Severino!",
o salão se esvaziou!...
28
Em véspera de eleição
até preso de xadrez,
pra conseguir votação,
vira padrão de honradez.
29
Em vida, vou dando um jeito
de quitar débitos meus
antes do acerto a ser feito
das minhas contas... com Deus.
30
É no aconchego do lar
que nós dois, juntos enfim,
melhor podemos julgar
o acerto daquele "sim".
31
É tão errado o José,
diz tanta coisa sem lógica,
que o apelido dele é:
"previsão meteorológica"!
32
Eu digo por que razão
o pobre tanto engravida:
- porque esta é a distração
mais barata que há na vida.
33
Farta em exemplos, a história
mostra que, às vezes, um passo
leva o caminho da glória
ao abismo do fracasso.
34
Há momentos em que penso
que eu não devo dispensar
toda a atenção que eu dispenso
a quem não sabe pensar.
35
Joguei tanto tempo fora
com quem me fez infeliz
e imploro um segundo, agora,
de quem me quis e eu não quis...
36
- Meu Deus! Que brilho ofuscante!
Como é lindo este anel seu!
Conte pra mim: é diamante?
- Não. Meu marido é quem deu.
37
Minha mulher fica tonta
com festa em hora marcada;
quando ela diz: "Estou pronta!"
a festa está terminada.
38
Muita gente sofre e chora
porque trocou, sem receio,
toda a certeza do "agora",
por um "depois" que não veio...
39
Na mão da criança triste,
estendida à caridade,
há sempre um dedinho em riste
acusando a sociedade.
40
Não acha que se perdeu
com o seu ex-namorado;
depois do que aconteceu
é que ela diz ter-se achado!
41
Na trajetória da vida
o que me causa revolta
é chegar ao fim da ida
e não ter direito à volta.
42
Num contra-senso aparente,
se, por acaso, me afrontas,
só vejo o momento ardente
do nosso acerto de contas...
43
O amor tem controvertidas
formas de apresentação:
em seu nome uns ceifam vidas,
por ele a vida outros dão.
44
O ascensorista escondido
dentro do armário, tremendo,
pra despistar o marido,
abre a porta e diz: - Descendo!
45
O careca é um revoltado
unicamente porque
só tem cabelo espalhado
nos pontos que ninguém vê.
46
O casamento é um contrato
que quem o assina, em verdade,
sem saber assina um ato
de extinção da liberdade.
47
O ciúme é uma suspeita
que, quando fundamentada,
quem não tem cabeça feita,
fica com ela enfeitada!...
48
O coração não se empresta,
dá-se quando se quer bem,
e a quem recebe só resta
dar em troca o seu também.
49
Olhando a ilha perdida
na imensidão do oceano,
eu tenho a exata medida
do nada que é o ser humano...
50
Os mais raros predicados
que eu atribuo a você,
dariam, catalogados,
um glossário de “A” a “Z”.
51
Para cumprir as promessas
que fez para ser eleito,
precisa - agora confessa -
ser cem anos o prefeito!
52
Para sair deste tédio
eu faço aqui um apelo:
- Descubram-me um bom remédio
para dor de cotovelo!
53
Passarinhos me sujaram
a roupa, sem que eu notasse;
mas vocês já imaginaram
se vaca também voasse?
54
Pecadora é a que revela
as suas ações impuras,
e virtuosa é aquela
que só as pratica às escuras.
55
Perdeu o juízo quando
começou a namorar;
também perdeu namorando
o que jamais vai achar...
56
Por meus possíveis fracassos
assumo a culpa sozinho:
se Deus libera os meus passos
sou eu que escolho o caminho.
57
Pra fugir da solidão
casou-se e, meses depois,
sofria a mesma tensão
multiplicada por dois.
58
Quando eu respondi que sim
no dia que nos casamos,
todos olharam pra mim
como a dizer: "Lamentamos"...
59
Quem bebe para curar
o mal de amor por alguém,
vai somente acrescentar
ressaca ao mal que já tem.
60
Quem está sempre dizendo
que a morte é melhor que a vida,
se nisto estivesse crendo,
já seria um suicida.
61
Quem, hoje, segue na vida
padrões morais do passado,
é rima rica perdida
em versos de pé-quebrado.
62
Quem oferece um presente
e o recorda a toda hora,
vai cobrá-lo, certamente,
até com juros de mora!
63
Seja qual for o quinhão,
há sempre quem o bendiga;
a migalha do seu pão
é um banquete pra formiga.
64
Se quer que todos bem cedo
saibam de um fato qualquer,
conte-o então como um segredo
a qualquer uma mulher.
65
Só bebo "rabo de galo",
sou mestre em 'rabo-de-arraia",
curto "rabada" e me ralo
por qualquer "rabo-de-saia"!
66
Só consegue se casar
e não burlar o contrato
quem for capaz de almoçar
todo dia o mesmo prato.
67
Só compartilha contigo
quando quer que votes nele;
- o político é o amigo
das horas difíceis... dele.
68
Tem uma dor de consciência
que não o deixa jamais:
- ser causa e não consequência
do casamento dos pais.
69
Todo bem que praticares
nenhum mérito terá,
se ao praticá-lo visares
as graças que Deus dará.
70
Tua nudez acarinho...
e, entre sutil e arrojado,
trilho o bendito caminho
que leva ao doce pecado!
71
Velho rico é o verdadeiro
caso paradoxal:
tem o burro do dinheiro
mas não tem 'o capital"...
72
Vendo os franguinhos girando
num bruto espeto, alguém diz,
todo se desmunhecando:
- Ah!... Que morte mais feliz!
73
Você me lembra a escultura
daquela estátua de Vênus;
não é pela formosura,
mas pelos braços a menos...

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Gamaliel Borges Pinheiro

1
À falta de inteligência,
são argumentos de estulto
o destempero, a violência,
a gritaria, o tumulto.
2
A insegurança, a tristeza
dos que se dizem ateus
é nunca terem certeza
da inexistência de Deus!
3
Ante a dor do desgraçado,
quem se faz indiferente
tem o ouvido calejado
e a consciência dormente.
4
As fluentes, cristalinas
cataratas dos teus beijos
fazem girar mil turbinas
da usina dos meus desejos.
5
Até agora, meu bem,
ao certo saber não pude
se teu carinho faz bem
ou se me agrava a saúde.
6
A tua boca precisa
de levar esparadrapo,
para ver se imobiliza
a tua língua de trapo.
7
Como o sábio é ponderado,
comedido, tolerante,
o néscio é precipitado,
oco, vaidoso, arrogante.
8
Da vida de toda gente
quis o medíocre saber;
e a si mesmo, que era urgente,
não tratou de conhecer.
9
De palavras más, intensas,
trago os ouvidos vazios,
pois jogo fora as ofensas,
guardo só os elogios.
10
Do meu filho, homem formado,
eu conservo na retina
de alegre pai deslumbrado,
o guri vivo e traquina.
11
Do pensamento em conflito
ressalta a ideia serena:
ao mundo sofrido e aflito
vim somente pagar pena.
12
Em meio às lutas da vida
afirmo-te compensado:
nosso casório, querida,
tem sido um longo noivado.
13
Esta moda divertida
na mulher mais se acentua:
velha e feia - bem vestida;
bela e jovem - quase nua!
14
Mais do que o verbo inflamado,
me encanta, nas assembléias,
os grandes prélios travados
no terreno das ideias.
15
Musicando o riso e o pranto,
minha Itaocara aprendeu
as doces aulas de canto
que o Paraíba lhe deu.
16
Na luta do pensamento
o que se torna empolgante
é que, no fraco, o talento
pode torná-lo um gigante.
17
Numa alternância vadia,
a vida atira em meu rosto
um minuto de alegria
para um ano de desgosto.
18
Paraíba caudaloso,
nas tristes tardes de estio
sinto um murmúrio queixoso
nos marulhos deste rio.
19
Para amenizar o estio
de jornada tão sofrida,
vez por outra nasce um rio
no deserto desta vida.
20
Parece que, sem comando,
para chegar neste ponto,
de tanto viver rodando
o mundo já ficou tonto.
21
Pela vida entre perigos
dos caminhos percorridos,
tive nobres inimigos
e tive amigos fingidos.
22
Por mais negro e perigoso
que seja o mundo, nós temos,
em Deus, um sol luminoso,
para os momentos extremos.
23
Por-me-iam desnorteados
seus trejeitos atrevidos,
se eu não fosse vacinado
contra amores proibidos.
24
Quem sabe fazer alarde
a sua fama constrói,
por isso há muito covarde
condecorado de herói.
25
Tomba o trono, a majestade,
a glória em breve se vai,
mas do cimo da humildade,
meu amigo, ninguém cai.
26
Uma estátua a humanidade
deveria, solidária,
erguer em cada cidade
à professora primária.
27
Vai-se o dia sem promessa,
uma folha a mais caída,
o outono chega depressa
ao bosque de nossa vida.
28
Viúva, no inverno da vida,
sem carinhos do vovô,
vovó, no canto, esquecida,
coitadinha, faz tricô.
29
Vivido, bem tarimbado,
que experiência expressiva:
já vi o orgulho humilhado,
já vi a humildade altiva.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Dimas Lopes de Almeida (1915 - 1994)

1
A alegria desabrocha
no meio da nossa dor,
como na fenda da rocha
nasce, às vezes, uma flor.
2
A morte é paz e sossego,
nela outra vida começa,
mas se ela é doce aconchego
dou a vez quem tem pressa.
3
Aos músicos serve o som,
aos pintores serve a cor,
para servir o homem bom
existe apenas o amor.
4
A vida é página breve
que Deus em branco nos dá.
A gente é que nela escreve
coisa boa ou coisa má.
5
Com nova tinta e vestido,
uma esposa inteligente
dá, cada dia, ao marido,
uma mulher diferente.
6
Das mãos se juntam as palmas,
mas união não se alcança
se não se juntam as almas
numa perfeita aliança.
7
Desenvolver o turismo
é criar costumes sãos,
dar à vida dinamismo,
fazer os homens irmãos.
8
Disfarçando os seus horrores,
a humanidade iludida
espalha bonitas flores
sobre os abismos das vida.
9
Dizes mal do mundo todo,
mas a vida há que entendê-la:
na fonte onde encontras lodo
há quem descubra uma estrela.
10
Diz ser minha eternamente,
mas, na vida transitória,
mesmo a sua permanente
será sempre provisória.
11
Dos plágios não digas mal,
se és artista consagrado:
Quem fez algo original
foi Adão, e era pecado!
12
D. Pedro, um grande dos nossos,
movido pela afeição,
deu ao Brasil os seus ossos
e ao Porto o seu coração.
13
É feliz quem tem o dom
de sonhar a vida inteira.
Se não acha o mundo bom
faz um à sua maneira.
14
Entre esses padrões de glória
que se ergueram mundo além,
julgo que o maior da História
seja a Torre de Belém!!!
15
Éramos tristes e sós.
Hoje, sou teu, tu és minha:
as almas são como as mós
que unidas fazem farinha.
16
Eu não me quis casar cedo,
que ganhei com essa teima?
Quem das fogueiras tem medo,
depois nas cinzas se queima.
17
Felizes são as crianças
porque vivem cada dia
entre sonhos e esperanças,
no reino da fantasia!
18
Há quem passe pela vida
e nunca chegue a viver:
quanta boca ressequida
passa à fonte, sem a ver!
19
Jamais um fraterno laço
devemos romper à toa,
pois cada irmão é um pedaço
da nossa própria pessoa.
20
Julgas-te velha? Tem calma,
e não vivas deprimida.
Juventude é estado da alma,
não é uma quadra da vida.
21
Mandas-me pelo correio,
tantas saudades, em suma,
que eu até tenho receio
que tu fiques sem nenhuma!
22
Meu Deus, quantas vezes cismo
ao ver uma sepultura!
Cabe o mais profundo abismo
em poucos palmos de altura...
23
Nada minha alma conforta
como ouvir a serenata
que os rios, na noite morta,
entoam com voz de prata!
24
Não cuides só da fachada,
que a aparência não é tudo:
um livro não vale nada
se não tem bom conteúdo.
25
Não estranhes que o Mar largo
seja salgado demais:
é devido ao pranto amargo
que se chora em cada cais.
26
Não me importo de ser cego
à beira de moças belas:
- até gosto, não o nego,
de andar às apalpadelas!...
27
Não queiram subir dum salto
a escadaria da Vida,
pois é sempre em lugar alto
que vemos a Cruz erguida.
28
Não tem valor a riqueza
que os grandes do mundo têm,
quando o pão de sua mesa
sabe às lágrimas de alguém.
29
Natal é tempo bizarro
porque nós todos, no fundo,
somos bonecos de barro
neste Presépio do Mundo.
30
O que sinto não tem nome,
no momento de te ver.
Não sei se lhe chame fome,
se vontade de comer...
31
Perdi o melhor que tinha,
agora o mundo me enjeita:
- Ninguém olha para a vinha
depois da vindima feita.
32
Por que é que não te assemelhas,
humanidade cruel,
às pequeninas abelhas que,
unidas, fazem o mel?
33
Que importa que a casa nossa,
amor, tenha pouco espaço?
Numa pequena palhoça
mais estreito é nosso abraço!
34
Relógio, roubas-me a paz
com tuas doces mentiras,
pois as horas que me dás
são aquelas que me tiras.
35
Se esta vida é uma passagem,
riquezas não valem nada:
quanto mais leve a bagagem,
menos custa a caminhada.
36
Sem a força da união
não há vida nem carinho:
grãos unidos fazem pão,
uvas juntas fazem vinho.
37
Sendo o mar quase infinito
cabe num lenço dos meus,
nesse lenço que eu agito
quando te aceno um adeus.
38
Sofrendo seu mal eterno,
há tanta gente oprimida
que não tem medo do Inferno
pois já tem inferno em vida.
39
Sou fiel à companheira
porque a velhice é cruel:
agora, mesmo que eu queira,
não posso ser infiel!…
40
Um beijo causa dispêndio,
tal como a fogueira ao vento,
pois se esta produz incêndio,
ele produz casamento.
41
Um beijo de amor encerra
a ventura que eu bendigo:
se o sal não beijasse a terra
a terra não dava trigo.
42
Um moinho de ilusão
no meu peito se contém,
pois não vivo só de pão,
vivo de sonhos também.

domingo, 1 de outubro de 2017

Clarindo Batista de Araújo (1929 - 2010)

1
A Mãe, por ser indulgente,
tudo em seu coração cabe.
A mãe é aquilo que a gente
quer definir mas não sabe.
2
À mulher do caranguejo,
propõe um siri de fama:
- Se você me der um beijo,
eu tiro você da lama!
3
Ano Novo, nova vida
e muita poesia nova,
desejo a elite que lida
na lapidação da Trova!
4
Aquele que segue os passos
da pureza e da virtude,
Deus o carrega nos braços
na pior vicissitude!…
5
Com a fé de que ora disponho
não caminho sobre as águas,
mas dou asas ao meu sonho
e jazigo às minhas mágoas!
6
Contra o perigo atual
já não há quem se previna
porque, do gênio do mal,
há um clone em cada esquina!
7
Dá pena essa juventude
cheia de vida, que joga
o seu futuro e a saúde
no antro infernal da droga!
8
Dói fundo vermos a flora,
que é vida da nossa terra,
sendo devastada, agora,
por machado e  motosserra!
9
Educar uma criança
com um trabalho eficaz,
é ter plena confiança
de não punir o rapaz!
10
Este teu corpo de misse
me deixa o coração tenso,
imagina, se eu te visse
daquele jeito que eu penso!
11
És uma cruz que carrego
por destino ou por castigo,
presa com tanto nó cego
que desatar não consigo!…
12
Eu suponho que a riqueza
que sobra dos poucos nobres,
seja o que falta na mesa
dos muitos que vivem pobres.
13
Gotinhas d’água na aurora
sobre a mata destruída,
traduzem pranto que chora
a Natureza agredida.
14
Nada tem tanta poesia
como este brilho profundo
que a natureza irradia
do pantanal para o mundo!
15
Nada trouxe mais lirismo
às feiras do interior,
que cordel, no dinamismo
de seus romances de amor!
16
Negra cinza no chão pobre
que resultou da queimada,
é o triste manto que cobre
a Natureza enlutada!…
17
Neste caminho sem luz
que por desdita trafego,
tu és um clone da cruz
que ao meu calvário carrego!
18
Ninguém ouve mais o canto
matinal da passarada...
Vê-se agora, a fauna em pranto,
carpindo a dor da queimada!
19
Ninguém se julgue, na vida,
maior do que o pequenino,
pois, na triste despedida,
todos têm um só destino…
20
No Potengi me extasio
fitando o beijo molhado
das águas doces do rio,
na boca do mar salgado...
21
Nós cremos no Deus da vida
e vemos com nitidez
que onde Ele tem acolhida,
sortilégio não tem vez!
22
Nos meus olhos divagando,
eu vejo um contraste infindo:
meus olhos tristes chorando,
minha alma alegre sorrindo!
23
Nós não podemos julgar
erros ou falhas de alguém,
sem antes examinar
nossa "pureza' também!
24
O contraste que amargura
a maioria indefesa
é uns, com tanta fartura,
e tantos sem pão na mesa!
25
O orvalho que cai agora
nos sobejos da queimada,
traduz o pranto que chora
a Natureza arrasada!…
26
Por tua porta fingida
entrou minha alma indefesa
em um beco sem saída,
onde até hoje está presa.
27
Quando em nosso ninho pobre
tu me abraças carinhosa,
a tosca palha que o cobre
vira pétalas de rosa!...
28
Sem darem trégua um segundo,
desmatando em brutal dose,
não tarda o pulmão do mundo
contrair tuberculose!…
29
Sem trabalho e vomitando
 sobre um morcego no lixo,
 diz o ébrio: - Num tô lembrando
 de ter comido este bicho!
30
Se todos fossem honestos
ninguém veria, na praça,
mendigos comendo restos
do pão que a miséria amassa!
31
Sinto a presença divina
em tudo que me rodeia:
na vibração matutina,
num sabiá que gorjeia!
32
Sou devoto de Santana
com tanto amor pela igreja,
que, nem a seca tirana,
do Seridó me despeja!…
33
Todo castigo atormenta,
mas não há nada pior
que uma mulher ciumenta
resmungando ao seu redor!
34
Trinos tristes são protestos
da passarada que implora
a preservação dos restos
da fauna e da nossa flora!
35
Tudo sobe!… A carestia
na feira já me derruba.
Só não sobe todo dia
o que eu preciso que suba!
36
Vendo os dotes da Jussara
no seu biquíni miúdo,
morro de inveja do cara
que é dono daquilo tudo!!!

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...